sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Certidão da FUNAI é prova para comprovar atividade rural

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural a segurado especial que utilizou uma certidão emitida pela FUNAI como prova de atividade. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. AUTOR INDÍGENA. CERTIDÃO EMITIDA PELA FUNAI VÁLIDA COMO PROVA MATERIAL.
1. São requisitos para aposentadoria do trabalhador rural: contar 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91).
2. O comprovante de endereço em área rural pode ser utilizado como início de prova material, devendo ser confirmado pela prova testemunhal.
3. Tratando-se de segurado indígena, deve-se levar em conta que a FUNAI é o órgão de atuação direta junto aos povos originários, sendo a certidão por ela emitida válida para fins de comprovação de residência e atividade exercida.
4. Recurso improvido.
TRF 1ª, ApCiv. 1012950-34.2020.4.01.9999, Nona Turma, Desembargador(a) Federal relator Urbano Leal Berquo Neto, 07/07/2023.


ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação interposta.
Brasília, data de registro.

Desembargador(a) Federal URBANO LEAL BERQUO NETO
Relator(a)

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte RÉ de sentença na qual foi julgado procedente o pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural, pagando-se os valores retroativos desde a DIB.

Em suas razões, requer a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, ao argumento de invalidade da prova documental.

O apelado apresentou contrarrazões.

É o relatório.

VOTO
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.

Diante da inexistência de preliminares ou/e defesa indireta de mérito, mister a depuração, de pronto, do cerne da pretensão, ora vertida em base recursal, lembrando que se trata de conflito de interesses condizente à aposentadoria rural.

Nada obstante os ditames do art. 38-B, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 rezar que “a partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei” - sendo que o aludido repositório é o Cadastro Nacional de Informações Socias, CNIS -, admite-se, para momentos anteriores de labor o uso de outras modalidades probatórias (art. cit, § 2º). Tal se mostra compreensível dada a precariedade da inserção efetiva de elementos testificadores de trabalho campesino a quem o desenvolve, sobretudo quando se tratar de exercício da atividade em localidades afastadas, insertas a grandes distâncias dos centros urbanos.

Consignada dita premissa, convém destacar que a jurisprudência admite como requisitos para a aposentadoria rural: 1) a idade (se homem 60 anos e se mulher 55 anos, conforme art. 201, § 7º, II, da Lei Maior e art. 48,§ 1º, da Lei nº 8213/91); 2) a carência (arts. 48, 142 e 143 todos da Lei de Benefícios da Previdência Social). Nesta trilha conferir, todos do STJ e da lavra do Min. Herman Benjamin: REsp1803581, 2ª T, DJE de 18/10/2019; AREsp 1539221, 2ª T, DJE 11/10/2019; AREsp 1539106, 2ª T, DJE 11/10/2019; e AREsp 1538240, 2ª T. DJE 11/10/2019.

De outra perspectiva, não se olvide que o(a) trabalhador(a) deve permanecer “...nas lides campesinas até o momento imediatamente anterior ao requerimento ou até às vésperas do preenchimento do requisito etário(...”), pois, o STJ, através da Primeira Seção, no julgamento do REsp. 1.354.908/SP, sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 10/02/2016, Rel. Min. MAURO CAMBPELL MARQUES, consolidou o entendimento no sentido de que apenas se revela possível excetuar a regra que impõe o exercício de atividade rural até o momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo na hipótese em que o segurado tenha desenvolvido seu mister no campo pelo número de meses correspondente ao exigido para fins de carência, até o momento em que implementado o requisito etário. Trata-se de resguardar o direito adquirido daquele que, não obstante o cumprimento dos requisitos necessários, não tenha requerido, de imediato, a aposentadoria rural por idade”. (AIREsp 1786781, STJ, Rel. Min. Sergio Kukina, 1ª T, DJE de 02/09/2019).

No caso dos autos, não subsiste a afirmação do INSS de invalidade da prova documental produzida pelo autor. Primeiramente, importa notar que sequer há nos autos, como citado pela autarquia em apelação, “declaração produzida por sindicato”. Há, em verdade, declaração de trabalho rural e residência em terra indígena emitida pela FUNAI em obediência à Instrução Normativa nº 77/Presi/INSS de 21 de janeiro de 2015 (ID 57898563, fls. 13 e seguintes).

O Decreto 7.778/2012, que institui o Estatuto da FUNAI, indica que compete às Coordenações Regionais da Fundação o monitoramento territorial, de políticas de educação e saúde e de promoção dos direitos socioculturais dos povos indígenas (art. 21). Assim, residindo o autor em terra indígena monitorada pela Fundação, há presunção de veracidade da certidão de trabalho rural por ela emitida.

Considerando as peculiaridades de demanda em que o autor é indígena, deve-se levar em conta que a FUNAI é o órgão de atuação direta junto aos povos originários, sendo a certidão por ela emitida válida para fins de comprovação de residência e atividade exercida.

A jurisprudência já reconheceu declaração emitida pela FUNAI, inclusive, para fins de comprovação de requisito etário por indígena:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INDÍGENA. BENEFÍCIO CONCEDIDO NA VIA ADMINISTRATIVA E POSTERIORMENTE CESSADO EM RAZÃO DE DIVERGÊNCIA QUANTO AO CUMPRIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO. DIVERGÊNCIA DE DATAS EM REGISTRO DE NASCIMENTO EMITIDO PELA FUNAI E CERTIDÃO DE NASCIMENTO EXPEDIDA POR CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL. SITUAÇÃO PECULIAR DO INDÍGENA. ESTATUTO DO INDIO (LEI N. 6.001/73). PREVALÊNCIA DO REGISTRO EMITIDO PELA FUNAI. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. 2. A prescrição atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, nos termos da Súmula 85/STJ. 3. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei n. 8213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º, da Lei de Benefícios). 4. Não há questionamento sobre a qualidade de segurado especial do autor, uma vez que tal condição já lhe foi reconhecida na via administrativa quando o INSS deferiu a aposentadoria por idade, a qual foi posteriormente cassada apenas em razão de controvérsia sobre o cumprimento ou não do requisito etário. 5. Consta do acervo probatório dos autos a certidão de nascimento do autor, emitida por Cartório de Registro Civil, apontando como data do seu nascimento 24/02/1956, bem como certidão de nascimento do autor registrado junto à FUNAI, consignando o seu nascimento em 01/01/1943. 6. Considerando as peculiaridades desta ação, em que a parte autora é indígena, a sua situação especial deve ser levada em consideração, especialmente quanto ao fato de que a Lei n. 6.001/73 (Estatuto do Índio) prevê o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) como documento administrativo fornecido pela Funai, cujo registro administrativo constituirá documento hábil para comprovação do registro civil da população indígena. Assim, a FUNAI é o órgão de atuação direta junto aos povos indígenas e a certidão de registro por ela emitida mais se aproxima da realidade das etnias por ela contempladas. 7. O autor faz jus ao ao benefício de aposentadoria rural por idade, a partir da data de cessação do benefício na via administrativa, como decidido na sentença. 8. Correção monetária e juros moratórios conforme Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 9. Honorários de advogado majorados em um ponto percentual sobre o valor arbitrado na origem, conforme previsão do art. 85, §11, do CPC. 10. Apelação desprovida. De ofício, foram fixados os critérios de correção monetária e de juros de mora. (AC 0015065-88.2018.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL MORAIS DA ROCHA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 12/12/2022 PAG.)

Soma-se a tal prova a juntada de comprovante de endereço rural da genitora do autor (ID 57898563, fl. 11). De fato, o endereço rural, por si só, não leva ao direito à percepção do benefício, mas no caso concreto o documento coaduna com as demais provas dos autos, em especial a prova testemunhal (ID 57909017).

Tendo em vista que a única argumentação exposta em apelação foi a suposta invalidade da prova material, considero acertada a sentença a quo, devendo o recurso ser improvido.

Posto isto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO para manter a sentença prolatada.

Majoro os honorários sucumbenciais para 11% do valor da condenação, eis que aumento o percentual antes fixado na sentença em um ponto.

É o voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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