Nesta sexta-feira será vista uma jurisprudência do TRF 2 que entendeu possível o ressarcimento de valores ao erário recebido pelo servidor público. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTO DE VALORES NO CONTRACHEQUE. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE.
Verificada
a irregularidade nos proventos de servidor, que recebia vantagem
pessoal a título de adicional de insalubridade (VPNI) e, concomitante e
ilegalmente, adicional da mesma natureza, correta a providência no
sentido de excluir o pagamento, e exigir a restituição ao erário dos
valores recebidos indevidamente. O caráter alimentar da verba e a
alegação de ter sido recebida de boa-fé não afastam o dever de
restituir. Aplicação do artigo 876 do Código Civil. Conforme precedentes
do STF, até nos casos de recebimento de boa-fé a devolução dos valores
se faz necessária, quando não se verifica dúvida plausível sobre a
interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento do
pagamento da vantagem. Apelação provida.
TRF 2, 6ª Turma Especializada, NºCNJ:0000425-69.2011.4.02.5005, Desembargador Federal Relator Guilherme Couto de Castro, DJ 17.12.12
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima
indicadas, decide a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal
da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto do relator, dar
provimento ao apelo.
Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 2012.
GUILHERME COUTO DE CASTRO
Desembargador Federal - Relator
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO FEDERAL DO ESPIRITO SANTO – IFES, atacando a sentença (fls. 190/195) que julgou parcialmente procedente o pedido formulado por ILSON RESPLANDES LIMA, para determinar que a Administração Pública se abstenha de proceder aos descontos no contracheque do impetrante, a título de ressarcimento ao erário.
Na inicial, o impetrante relatou que é servidor público federal do IFES, no cargo de eletricista; que, quando possuía vínculo celetista, recebia o adicional de periculosidade no valor de 30% sobre seus vencimentos; que, com a transposição para o regime estatutário, passou a receber tal adicional a título de vantagem pessoal nominalmente identificada – VPNI; que os seus vencimentos foram reduzidos, com a mudança de regime, tendo em vista que ficou sem receber parte do adicional a que fazia jus, em violação aos arts. 7º, VI e 39, §2º da CF; que, em 2008, requereu administrativamente o pagamento retroativo da diferença suprimida, bem como a diferença do adicional, nos meses subsequentes; que o seu pedido foi atendido pela Administração e que, além de receber a verba retroativamente, passou a receber, periodicamente, a diferença relativa à VPNI em seus vencimentos; que está sendo compelido a devolver tais verbas, através de desconto em folha de pagamento; que recebeu o ofício circular nº 65/2011 do Diretor Geral do IFES, informando que seria suprimido o valor de R$ 397,58 de seus vencimentos, referente à vantagem pessoal do art. 12, § 5º da Lei nº 8.270/91, que foi paga indevidamente; que recebeu o ofício circular nº 103/2011, informando que os valores recebidos indevidamente, no período de 01/08/2008 até 30/06/2011, teriam que ser devolvidos, na forma do art. 46 da Lei nº 8.112/90; que não foi respeitado o prazo de 30 dias para interposição de recurso administrativo em face da decisão, em violação aos princípios do contraditório e ampla defesa; que os valores foram pagos por equívoco na interpretação da legislação, e não por má-fé do servidor, que não pode ser compelido a devolvê-los; que não há que se falar em prescrição, pois as parcelas se renovam mensalmente. Pleiteou a condenação do IFES, para que se abstenha de realizar descontos, a título de reposição ao erário, bem como a manutenção da vantagem pessoal – VPNI.
A sentença acatou parcialmente o pleito, na forma acima exposta e confirmou a decisão liminar proferida às fls. 113/115. Entendeu-se que os valores pagos por erro da Administração, e recebidos de boa-fé pelo particular, não poderiam ser ressarcidos.
No apelo (fls. 197/213), o IFES alega que foi constatado o pagamento ilegal de vantagens, de forma acumulativa, e que a Administração tem o poder-dever de proceder à revisão dos atos administrativos ilegais; que os servidores públicos têm a obrigação de restituir ao erário os valores percebidos indevidamente, ainda que de boa-fé; que a Súmula nº 106 do Tribunal de Contas da União não se aplica ao caso, pois não houve má interpretação ou má aplicação da lei, mas um erro operacional no sistema de dados da Administração; que a Administração agiu nos termos dos arts. 46 e 47 da Lei nº 8.112/90, enviando comunicações ao impetrante antes da efetiva realização de descontos nos vencimentos, a título de ressarcimento ao erário de valores recebidos indevidamente. Requer a cassação do efeito imediato da decisão não transitada em julgado, uma vez ausentes os pressupostos para a sua concessão, bem como a reforma da sentença. Prequestiona a matéria.
Sem contrarrazões. O Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pelo provimento da apelação (fls. 05/13 dos autos nesta Corte). É o relatório.
VOTO
A apelação será provida. Deve a d. sentença ser modificada, em razão dos fundamentos que passam a ser expostos.
A sentença determinou que a Administração se abstenha de efetuar descontos no contracheque do apelado, a título de ressarcimento ao erário.
Mas não é o caso. Ao contrário. É claro que a Administração pode e deve anular seus atos ilegais. A afirmação, óbvia, sempre encontrou apoio na Súmula 473 do STF, e hoje está expressamente referida em lei, no art. 53 da Lei 9.784/99. Em tal prisma, é evidente que o recebimento errôneo de valores sem amparo em lei poderia e pode ser confrontado com os requisitos legais pertinentes, desde a origem.
Sobre o tema, vale relembrar o disposto na Súmula nº 473 do STF e no artigo 53 da Lei nº 9.784/99, in verbis:
Súmula nº 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Lei nº 9.784/99: Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
No caso, o pagamento indevido da VPNI, como substituto do adicional de insalubridade, começou a ser feito apenas em 2008, quando o servidor requereu a vantagem administrativamente. Mas, como bem destacado pelo Ministério Público Federal, a regra que tutelaria a pretensão do servidor não vigorava desde 1991, conforme art. 12, §5º da Lei nº 8.270/91 (fls. 10/11 dos autos nesta Corte).
Com efeito, verifica-se que o servidor demorou 17 anos para requerer o pagamento de vantagem (fls. 70/71), restando inequívoco o decurso do prazo prescricional, na forma do art. 110, I da Lei 8.112/90.
Ademais, ainda que não fosse pela prescrição, o benefício não era devido, de modo que correta a suspensão do pagamento, realizada para restaurar a legalidade, à luz do ordenamento constitucional. A percepção da vantagem questionada nesses autos foi identificada como indevida pelo Relatório de Contas da Controladoria Geral da União/Regional/ES (fls. 140/141). E ela é indevida: veja-se que o autor passou a receber o adicional e mais a vantagem (VPNI), ao mesmo título – fls. 91/95.
Destarte, verificada a existência de irregularidade nos vencimentos do autor, correta a providência da Administração no sentido de excluir os valores indevidos, no exercício de seu poder-dever, bem como em face de sua sujeição à legalidade (art. 37 da Lei Maior).
Mesmo que fosse reconhecido o recebimento de boa-fé, o dever de restituir não é afastado.
O desconto efetuado em folha de pagamento, para fins de restituição de verba recebida indevidamente, é perfeitamente lícito, pois tem por escopo o ressarcimento ao erário das quantias pagas indevidamente, e o dever de restituir decorre de imposição legal (art. 876 do Código Civil), bem como do princípio da vedação do enriquecimento sem causa.
Assim, no tocante à devolução das diferenças recebidas indevidamente, deve prevalecer o entendimento do Supremo Tribunal Federal (cf. MS 256.641/DF, Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008) que reconheceu que a reposição, ao erário, dos valores percebidos apenas não se impõe quando presentes, de modo concomitante, os seguintes requisitos: 1) presença de boa-fé do servidor ou beneficiário; 2) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; 3) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e, 4) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.
Vê-se que faltam os requisitos 2, 3 e 4 ao caso dos autos. O servidor público que o país espera e deveria ter, imediatamente comunicaria o erro, o duplo recebimento. De outro lado, as pessoas contam com a bagunça administrativa, com as decisões desencontradas do Judiciário, com a aplicação de modelos nos quais não se lê e nem se discute o caso concreto, e daí preferem esperar. Logo, correta a devolução dos valores recebidos indevidamente, pois nunca houve “dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada”.
Neste sentido:
SERVIDOR PÚBLICO. DESCONTO DE VALORES NO CONTRACHEQUE. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE.
Verificada a irregularidade nos proventos de servidor, que recebia vantagem pessoal a título de adicional de insalubridade (VPNI) e, concomitante e ilegalmente, adicional da mesma natureza, correta a providência no sentido de excluir o pagamento, e exigir a restituição ao erário dos valores recebidos indevidamente. O caráter alimentar da verba e a alegação de ter sido recebida de boa-fé não afastam o dever de restituir. Aplicação do artigo 876 do Código Civil. Conforme precedentes do STF, até nos casos de recebimento de boa-fé a devolução dos valores se faz necessária, quando não se verifica dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento do pagamento da vantagem. Remessa necessária e apelação providas.
(TRF 2ª REGIÃO – AC Nº 2010.50.01.007141-7 – Sexta Turma Especializada – Relator Desembargador Federal Guilherme Couto de Castro – EDJF2R, em 18.04.2012).
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR CIVIL. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. REDUÇÃO DE PERCENTUAL. LEI 8.270/91. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO AO PERCENTUAL ANTERIOR. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO DAS DIFERENÇAS. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. NECESSIDADE.
1. Fazendo jus o servidor ao adicional de insalubridade de grau médio, cabível a redução do índice percentual estabelecido pela Lei 8.270/91, porquanto garantida a irredutibilidade de vencimentos, sendo certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se encontra pacificada no sentido de que os servidores não possuem direito adquirido à manutenção de regime remuneratório.
2. O Supremo Tribunal Federal, mitigando o rigor de sua jurisprudência predominante, reconheceu recentemente que a reposição ao erário dos valores indevidamente pagos a servidores por erro da Administração seriam insuscetíveis de cobrança quando verificada a presença concomitante dos seguintes requisitos: “I – presença de boa-fé do servidor; II – ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; III – existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; IV – interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração” (cf. MS 256.641/DF, Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008)
3. Apelação da parte autora desprovida. Apelação da União Federal provida.
(TRF/2ª Região, 8ª Turma Especializada, AC 2001.50.01.010642-0, Rel. Juiz Federal convocado Marcelo Pereira, DJ31/05/2010).
A existência e a exigibilidade do crédito em favor da Fazenda Pública, no caso, são inequívocas, e o caráter alimentar da verba recebida não afasta o dever de restituir.
Para todos os efeitos legais, os preceitos invocados pelas partes são aceitos como prequestionados.
Isto posto, dá-se provimento à apelação, para, reformada a r. sentença recorrida, julgar-se improcedente o pedido. Sem honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).
É o voto.