Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que vedou a cumulação de benefício de aposentadoria rural com outro benefício previdenciário, contudo não obrigou o segurado a devolver os valores recebidos de boa-fé. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA. APOSENTADORIA
POR IDADE. CUMULAÇÃO COM PENSÃO POR MORTE DE NATUREZA URBANA.
IMPOSSIBILIDADE. APELO DO INSS E REMESSA PROVIDOS PARCIALMENTE.
-
No caso em testilha, a controvérsia posta nos autos resume-se a
verificar se há vedação para a cumulação de benefícios de pensão por
morte de trabalhador urbano com aposentadoria rural.
- Na vigência
do Decreto 83.080/79, há impedimento à acumulação de aposentadoria rural
por idade concedida ao autor, e a pensão urbana decorrente do óbito de
filho.
- Não há que se acolher a tese apresentada pela Autarquia
Previdenciária, na qual sustenta que os valores recebidos a maior devem
ser devolvidos, haja vista as peculiaridades apresentadas na hipótese,
quais sejam não apenas a natureza alimentar do benefício em testilha,
como também a ausência de comportamento doloso do autor, pessoa já
bastante idosa (96 anos de idade), cabendo determinar-se a cessação dos
descontos efetuados, pelo INSS, na aposentadoria rural do autor (NB
07/096890340-1).
- Embora tenha o Magistrado sentenciante condenado
o INSS a devolver todos os valores descontados da referida
aposentadoria (NB 07/096890340-1), a título de acumulação indevida de
benefícios, é de se ressaltar parte autora não tem direito ao reembolso
dos valores que o INSS já recebeu com o intuito de quitar os valores
pagos indevidamente, em razão do poder-dever que pauta a Administração
Pública e do óbice ao enriquecimento ilícito da parte autora. Ainda que
haja boa-fé do autor e natureza alimentar, não pode isso implicar no
enriquecimento sem causa do demandante, já que os valores foram pagos a
maior, isto é, ele não fazia jus ao benefício.
-Apelo do INSS e Remessa provida parcialmente. TRF 2, Proc.: 2013.51.01.101033-6, 1ª T., Juiz Federal Relator Paulo Espirito Santo, 13.06.14.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Desembargadores da Primeira Turma Especializada do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento
parcial à apelação e à remessa necessária, nos termos do Voto do
Relator.
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2014.
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ESPIRITO SANTO
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Remessa Necessária e de recurso de Apelação Cível interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face da sentença (fls. 100/104), proferida pelo MM. Juiz Federal Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, que julgou parcialmente procedente o pedido autoral, para condenar a Autarquia ré a restabelecer o benefício de pensão por morte NB 21/0828 70879-7, desde sua indevida cessação, bem como a devolver todos os valores descontados do benefício NB 07/096890340-1, com juros de mora e correção monetária, a título de acumulação indevida de benefícios, sendo certo que deverá cessar os referidos descontos no NB 07/096890340-1. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela. Custas ex lege. Condenado o INSS ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação, tendo em vista que a parte autora decaiu de parcela mínima do pedido.
No caso dos autos, o autor, FRANCISCO FERREIRA MARINS, ajuizou demanda em face do INSS-INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando, em síntese, o restabelecimento do seu benefício de pensão por morte NB 21/082870879-7, a suspensão dos descontos que vem sendo feitos em seu benefício de aposentadoria por velhice - trabalhador rural NB 07/096890340-1 em razão de suposta acumulação indevida de benefícios, bem como a devolução de todos os valores já descontados a este título, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
Além disso, postula o pagamento de indenização por danos morais sofridos, em razão dos descontos indevidos em seu benefício de aposentadoria por velhice.
Em sua apelação (fls. 108/112), a Autarquia ré, ora Apelante, requer a reforma da r. sentença, em apertada síntese, sustentando ser indevida a cumulação da aposentadoria rural com qualquer outro benefício urbano.
Contrarrazões às fls. 116/117.
Remetidos os autos a este Tribunal, deles teve vista o Ministério Público Federal, que opinou pelo improvimento do apelo do INSS e pelo provimento da Remessa, somente no que diz respeito aos juros e à correção monetária, nos termos da Lei 11.960/2009 (fls. 05/12 - TRF).
É o relatório.
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2014.
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ESPIRITO SANTO
Relator
VOTO
Merece reforma a decisão proferida pelo órgão monocrático.
No caso em testilha, a controvérsia posta nos autos resume-se a verificar se há vedação para a cumulação de benefícios de pensão por morte de trabalhador urbano com aposentadoria por velhice rural.
Conforme relatado, o autor, FRANCISCO FERREIRA MARINS, ajuizou demanda em face do INSS-INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando, em síntese, o restabelecimento do seu benefício de pensão por morte NB 21/082870879-7, a suspensão dos descontos que vem sendo feitos em seu benefício de aposentadoria por velhice - trabalhador rural NB 07/096890340-1 em razão de suposta acumulação indevida de benefícios, bem como a devolução de todos os valores já descontados a este título, acrescidos de juros de mora e correção monetária, postulando, além disso, o pagamento de indenização por danos morais sofridos, em razão dos descontos indevidos em seu benefício de aposentadoria por velhice.
O douto juízo sentenciante, por sua vez, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, para condenar a Autarquia ré a restabelecer o benefício de pensão por morte NB 21/0828 70879-7, desde sua indevida cessação, bem como a devolver todos os valores descontados do benefício NB 07/096890340-1, com juros de mora e correção monetária, a título de acumulação indevida de benefícios, fazendo cessar os referidos descontos no NB 07/096890340-1.
Do conjunto probatório trazido aos autos, verifica-se que a parte autora teve concedida pensão por morte urbana em decorrência do óbito de sua filha Edine da Costa Marins, ocorrido em 14/02/1987, como se depreende dos documentos de fls. 08 e 12 e, em relação ao benefício de aposentadoria por velhice – trabalhador rural, de acordo com o INFBEN de fl. 23, verifica-se que tal benesse lhe foi concedida em 24/08/1984.
No caso concreto, o benefício de aposentadoria rural do recorrido foi concedido sob a égide do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, o qual previa expressamente, em seu art. 287, que:
Art. 287. A obtenção dos benefícios da previdência social rural está condicionada a apresentação dos documentos seguintes:
I - para o trabalhador rural empregado, a Carteira de Trabalho e Previdência Social devidamente anotada;
II - para o pescador, a Caderneta de Inscrição Pessoal visada pela repartição competente;
III - para as demais categorias de trabalhador rural e para os dependentes, outro documento hábil, apresentado no ato da inscrição, cabendo aos dependentes promovê-la quando o trabalhador rural não o tenha feito em vida.
§ 1º A caracterização da qualidade de trabalhador rural para obtenção de benefício da previdência social rural depende da prova da atividade rural pelo menos nos 3 (três) últimos anos anteriores a data do requerimento, ainda que de forma descontínua.
§ 2º Na impossibilidade de obtenção da Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou quando não cabe a sua emissão, e admitida a apresentação de documento que possa suprir a sua falta, fornecido por sindicato de trabalhadores ou de empregadores rurais, com os elementos necessários a identificação e qualificação do trabalhador rural e seus dependentes, conforme instruções expedidas pelo INPS.
§ 3º A inscrição só deve ser feita por ocasião do requerimento de benefício.
§ 4º O beneficiário de outro regime de previdência social não faz jus aos benefícios da previdência social rural, ressalvado o disposto no artigo 337.
Observa-se, da redação dos dispositivos em epígrafe, mormente do parágrafo 4º, do art. 287, que, quando da data da concessão da aposentadoria rural, este benefício era inacumulável com todo e qualquer outra forma de benefício urbano, razão pela qual mostra-se incabível a percepção simultânea dos benefícios em testilha, devendo ser cessada, portanto, a percepção da referida pensão pela morte de Edine da Costa Marins, devendo ser mantida, no entanto, a aposentadoria por idade rural, por se tratar de benefício mais vantajoso.
Por outro lado, não há que se acolher a tese apresentada pela Autarquia Previdenciária, na qual sustenta que os valores recebidos a maior devem ser devolvidos, haja vista as peculiaridades apresentadas na hipótese, quais sejam não apenas a natureza alimentar do benefício em testilha, como também a ausência de comportamento doloso do autor, pessoa já bastante idosa (96 anos de idade - fl. 15 ), cabendo determinar-se a cessação dos descontos efetuados, pelo INSS, na aposentadoria rural do autor (NB 07/096890340-1).
A corroborar o entendimento acima, os julgados colacionados, a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ESPÉCIE RECURSAL INDEVIDA PARA FINS DE DISCUSSÃO DE MÉRITO. VERIFICAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO À RESPONSABILIDADE DA 2ª RÉ PELAS PARCELAS EM ATRASO. EMBARGOS ACOLHIDOS PARCIALMENTE. SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ. NÃO CABIMENTO DE RESTITUIÇÃO. I. Os Embargos de Declaração somente são cabíveis quando interpostos para suprir eventual omissão, contradição ou obscuridade existente no julgado (art. 535 do CPC). II. In casu, quando à concessão do benefício de pensão por morte, verifica-se que o Embargante insurge-se contra o próprio teor da decisão proferida. A divergência subjetiva da parte, ou resultante de sua própria interpretação jurídica, não enseja a utilização dos embargos declaratórios, devendo, pois, ser manejado o recurso apropriado. III. Pretende o instituto embargante ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com a sua tese, tornando nítido o seu interesse quanto à atribuição de efeito modificativo aos presentes embargos, o que não é possível . IV. Verificada a ocorrência de omissão quanto à responsabilidade da segunda ré quanto às parcelas pagas indevidamente. V. O art. 115, II, da Lei 8.213/91, que prevê a possibilidade de desconto de pagamento de benefício recebido além do devido, deve ser interpretado de forma restritiva, em virtude da natureza alimentar do benefício previdenciário. VI. Não se pode penalizar a segunda ré, viúva do ex-segurado, à reposição de valores recebidos a maior a título de pensão por morte, na medida em que não restou comprovado qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte da mesma que pudesse ter concorrido para tal erro. A percepção indevida resultou do equívoco do INSS, que se negou a conceder administrativamente o benefício à parte autora, o que proporcionou, então, que a segunda ré recebesse um valor superior àquele que realmente lhe seria devido. VII. É pacífica a jurisprudência no sentido de não caber desconto no benefício a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, em homenagem ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução de alimentos. VIII. Embargos de declaração parcialmente acolhidos para reconhecer a omissão apontada, sem efeito modificativo.
(APELRE 200451015017142, Desembargadora Federal MARIA HELENA CISNE, TRF2 - PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, 24/01/2011)(Grifei).
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ. NÃO CABIMENTO DE RESTITUIÇÃO. IMPROVIMENTO DO RECURSO. I. O art. 115, II, da Lei 8.213/91, que prevê a possibilidade de desconto de pagamento de benefício recebido além do devido, deve ser interpretado de forma restritiva, em virtude da natureza alimentar do benefício previdenciário. II. Não se pode penalizar a segunda ré, viúva do ex-segurado, à reposição de valores recebidos a maior a título de pensão por morte, na medida em que não restou comprovado qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte da mesma que pudesse ter concorrido para tal erro. A percepção indevida resultou do equívoco do INSS, que se negou a conceder administrativamente o benefício à parte autora, o que proporcionou, então, que a segunda ré recebesse um valor superior àquele que realmente lhe seria devido. III. É pacífica a jurisprudência no sentido de que não caber desconto no benefício a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, em homenagem ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução de alimentos. IV. Agravo a que se nega provimento.
(APELRE 200751510518702, Desembargador Federal MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO, TRF2 - PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, 23/09/2010)(Grifei).
Em sendo assim, há que se balizar a situação apresentada, ou seja, vislumbrando-se que o apelado não agiu com má-fé ao receber os valores pagos a maior, não há que se manter os descontos efetuados pela Autarquia na sua aposentadoria (NB 07/096890340-1). Por outro lado, embora tenha o Magistrado sentenciante condenado o INSS a devolver todos os valores descontados da referida aposentadoria (NB 07/096890340-1), a título de acumulação indevida de benefícios, é de se ressaltar parte autora não tem direito ao reembolso dos valores que o INSS já recebeu com o intuito de quitar os valores pagos indevidamente, em razão do poder-dever que pauta a Administração Pública e do óbice ao enriquecimento ilícito da parte autora. Ainda que haja boa-fé do autor e natureza alimentar, não pode isso implicar no enriquecimento sem causa do demandante, já que os valores foram pagos a maior, isto é, ele não fazia jus ao benefício.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL à Apelação do INSS e à Remessa Necessária, para: a) reconhecer a cumulação indevida do benefício de aposentadoria por idade rural e de pensão por morte de Edine da Costa Marins, com a consequente suspensão da aludida pensão por morte e manutenção da aposentadoria de titularidade do autor, FRANCISCO FERREIRA MARINS; b) suspender qualquer desconto efetuado pelo INSS na aposentadoria por idade do autor (NB 07/096890340-1), não sendo o caso nem de o demandante devolver ao INSS parcelas recebidas pelo tempo em que houve a cumulação de benefícios nem de a Autarquia devolver ao autor os valores já descontados de sua aposentadoria em razão da cumulação indevida de benefícios.
É como voto.
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2014.
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ESPIRITO SANTO
Relator