Nesta sexta-feira será visto uma decisão que uniformizou o entendimento sobre a presunção de miserabilidade para concessão do benefício assistencial. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE.1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais.
2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs.
3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade.
TRF 4ª, IRDR nº5013036-79.2017.4.04.0000/RS, 3ª Seção, Desembargador Federal Relator Paulo Afonso Brum Vaz, 22.02.2018.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, solver o IRDR 12 estabelecendo a seguinte tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2018.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) nº 12 proposto com o objetivo de pacificação do tema sobre se a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção absoluta ou relativa de miserabilidade.
Afirma a suscitante que se está 'relativizando a miserabilidade até nos casos em que restou preenchido o requisito legal, de renda per capita inferior a ¼ de salário mínimo', referindo, ato contínuo, que 'eventual relativização da miserabilidade deve ser aplicada somente nos casos que visam a proteção do segurado, ou seja, quando a renda per capita ultrapassa ¼ do salário mínimo mas ainda assim resta claro que o segurado vive em situação de miserabilidade'.
Admitido o incidente na sessão do dia 06 de julho de 2017, convidaram-se diversos órgãos e entidades, tendo-se manifestado as seguintes: Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos, Defensoria Pública da União, Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de Santa Catarina e do Paraná, todos opinando pela fixação da seguinte tese: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade, no que foi acompanhado pelo Ministério Público Federal em sede de parecer.
É o relatório.
VOTO
Primeiramente, cumpre fazer uma brevíssima digressão acerca da natureza jurídica do IRDR. Trata-se de instituto voltado para a solução de casos concretos e fixação de teses jurídicas (causa-piloto) ou instituto destinado apenas a formar teses jurídicas, sem compromisso com a decisão de um caso concreto especifico (causa-modelo)?
Não desconheço o entendimento da doutrina em favor da primeira hipótese (nessa linha posicionam-se, a título de exemplo, Alexandre Câmara, Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha). Contudo, filio-me à segunda corrente. A propósito, cito lição de Sofia Temer (Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas, Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 68/69):
Adotamos a posição segundo a qual o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros. Entendemos, portanto, que no incidente não haverá julgamento de 'causa-piloto', mas que será formado um 'procedimento-modelo'. E essa posição decorre, principalmente, dso seguintes fundamentos: a) no IRDR apenas há a resolução de questões de direito, o que limita a cognição e impede o julgamento da demanda; b) a desistência do que seria a 'causa piloto' não impede o prosseguimento do incidente, que tramita independentemente de um conflito subjetivo subjacente, corroborando seu caráter objetivo; iii) a natureza objetiva parece mais adequada , em termos de sistemática processual, para que seja possível aplicar a tese às demandas fundadas na mesma questão, além de viabilizar a construção de outras categorias que permitam justificar a ampliação do debate e da participação dos sujeitos processuais.
No mesmo sentido, o enunciado nº 22 da ENFAM: 'A instauração do IRDR não pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal'.
Até porque, com este entendimento desaparece o óbice constitucional de o Tribunal Regional Federal ter que julgar um processo da competência dos Juizados Especiais (art. 98, I, da CR), na medida em que apenas irá estabelecer a tese jurídica com caráter vinculante, deixando que o caso concreto seja julgado pelo órgão constitucionalmente previsto.
Desse modo, no presente caso, porque se trata de IRDR admitido em processo que tramita no JEF, vai-se adotar a posição segundo a qual o incidente apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros, sem solucionar o caso concreto.
Assim, passo a enfrentar a tese jurídica proposta no presente IRDR: a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ['considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo'] gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção relativa ou absoluta de miserabilidade.
Uma das vertentes jurisprudenciais, contando com adesão de julgados desta Corte, entende que se trata de uma presunção absoluta de miserabilidade, senão vejamos:
Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário mínimo implica presunção absoluta de miserabilidade a ensejar o deferimento do benefício, mas não impede o julgador de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família (excerto do voto proferido na AC 5013627-51.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 24/04/2017, grifei).
A renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo gera presunção absoluta de miserabilidade, mas não se trata de critério absoluto. É apenas um limite mínimo. Portanto, é possível mitigar a exigência legal considerando as peculiaridades da situação (excerto do voto proferido na APELREEX 5031136-63.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 01/12/2015, grifei)
Outra corrente entende que se cuida de uma presunção relativa de miserabilidade, tal qual recentemente concluiu a Quarta Turma Recursal do RS, verbis:
A exclusão de tais rendas (e dos seus beneficiários) torna a renda per capita abaixo do limite que servia de parâmetro para aferir a miserabilidade (1/4 do salário mínimo). No entanto, de acordo com o atual entendimento da TNU, o fato de a renda familiar estar abaixo do limite legal, não serve para presumir miserabilidade (Recurso Cível 5003996-54.2015.4.04.7110, Relator Juiz Federal Osório Ávila Neto, sessão do dia 29 de março de 2017, grifei)
O precedente da TNU referido considerou que a presunção decorrente da renda mínima per capita 'pode ser afastada quando o conjunto probatório, examinado globalmente, demonstra que existe renda não declarada, ou que o requerente do benefício tem as suas necessidades amparadas adequadamente pela sua família' (TNU, INUJ no Processo nº 5000493-92.2014.4.04.7002, Relator Juiz Federal Daniel Machado da Rocha).
Com efeito, a técnica legislativa adotada - presunção legal absoluta - dispensa o esforço interpretativo e probatório, permitindo, no caso em tela, que a Administração não tivesse que analisar de forma exaustiva e quase que impossível mesmo de ser investigada a situação particularizada de cada aspirante ao BPC, a exemplo do que fizera ao determinar como absoluta a presunção de dependência do cônjuge, companheiro (a), filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, previstos no art. 16, I, da Lei 8.213/91, que especifica os 'dependentes de primeira classe'.
Desse modo, não há motivo para perquirir a renda desses dependentes de primeira classe para a configuração da dependência econômica necessária para o reconhecimento da condição de dependente do segurado da Previdência Social, nos termos do art. 16, § 4º, da LBPS/91, tampouco caberia duvidar da condição de miserabilidade daqueles cuja renda familiar sequer atinge o patamar mínimo fixado pela LOAS (1/4 do salário mínimo)!
Saliente-se, por oportuno, que dados da pesquisa Deficiência e Estado, ANIS 2008 e 2009, fornecidos pelo INSS, atestam que apenas 13,2% dos requerimentos administrativos de BPC são indeferidos em razão da renda per capita superior a um quarto de salário mínimo, enquanto que 82,7% dos indeferimentos é motivado por parecer contrário da perícia médica.
Esse percentual reduzido de indeferimentos por excedimento de renda permite confirmar a eficácia da presunção legal (absoluta) de vulnerabilidade aos que comprovem a renda no patamar máximo permitido pela lei.
Por isso, não compensaria ao INSS fazer a investigação particularizada de eventual sinal de riqueza do aspirante ao benefício. Gastaria mais para isso do que despende com eventuais benefícios indevidos.
Da mesma forma, o Poder Judiciário não pode ser mais realista do que o próprio Rei, investigando o que a via administrativa não se interessa. Até porque isso implicaria adoção de um critério anti-isonômico. Para alguns se faz a análise, quando judicializado o pedido, e para outros, que obtém o benefício na via administrativa, não.
Note-se que esse raciocínio está amparado na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores.
Registro, a propósito, que o STF teve a oportunidade de analisar a questão ainda no ano de 1995, ao julgar a Medida Cautelar na ADI 1232, relator Ministro Maurício Correa, pleito indeferido à unanimidade; no mérito, cujo julgamento ocorreu no ano de 1998, o tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, com ementa assim redigida:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.(ADI 1232, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998, DJ 01-06-2001)
Embora isso, o fato é que o Pretório Excelso revisitou a questão, tendo julgado, no ano de 2013, o RE 567.985, constando da ementa o seguinte:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
Como se pode perceber, ao rever a matéria, o STF julgou a inconstitucionalidade parcial, sem a declaração de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, em razão de sua posterior inconstitucionalização, sem obter, entretanto, quórum de 2/3 para modulação dos efeitos. Destaco o que constou do voto do e. Relator para Acórdão, Ministro Gilmar Mendes, quando faz referência ao processo de inconstitucionalização 'decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)', citando como exemplos (dessas alterações que estabeleceram patamares mais elevados), 'a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas'.
Dessa decisão decorrem as seguintes conclusões: a primeira delas diz respeito ao fato de a declaração de inconstitucionalidade não vir acompanhada da pronúncia de nulidade, restando hígida, embora evidentemente insuficiente, a norma legal que rege a matéria - pensar de outra forma seria um evidente retrocesso social e agravaria, sobremaneira, o quadro de inconstitucionalidade; a segunda tem relação à proibição de proteção insuficiente - um viés pouco explorado do princípio da proporcionalidade -, que pode ser assim definida:
Ahora bien, en la dogmática alemana es ya bien conocida la distinción entre dos diversas versiones del principio de proporcionalidad: la prohibición del excesso (...) e la prohibición de protección deficiente (...). Este último concepto se refiere a la estructura que el principio de proporcionalidad adquiere en la aplicación de los derechos fundamentales de protección. La prohibición de protección deficiente puede definirse como un criterio estructural para la determinación de los derechos fundamentales, con cuya aplicación puede determinarse si un acto estatal - por antonomásia una omisión - vulnera un derecho fundamental de proteción. (PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. 4ª ed. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2014, p. 1028)
Em outras palavras: declarada inconstitucional a lei por não proteger eficientemente o idoso ou o deficiente, mas sem estabelecer o respectivo 'prazo de vigência' (da lei), permanece íntegro, no meu modo de ver as coisas, o limite objetivo mínimo de ¼ (um quarto) do salário mínimo para demonstrar a hipossuficiência econômica, sem prejuízo de que, superado esse piso, outros fatores demonstrem a miserabilidade.
Saliente-se, por oportuno, que a jurisprudência mais recente do STJ, segue reafirmando o entendimento fixado por ocasião do julgamento Tema 185, o qual frise-se, examinava hipótese de aferição da miserabilidade nos casos em que o rendimento do grupo familiar superava ao limite fixado pela LOAS, o que justificou o processamento deste IRDR:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009, grifei).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).[...](AgRg no REsp 1514461/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe 24/05/2016, grifei).
Em suma, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que tal dispositivo legal traduz uma presunção absoluta de miserabilidade quando a renda familiar for inferior a ¼ de salário mínimo (miserabilidade é presumida), devendo ser comprovada por qualquer meio de prova admitido em direito nos demais casos, isto é, quando a renda familiar per capita for superior a ¼ do salário mínimo.
Em comunhão de ideias, manifestou-se o MPF, em parecer exarado pelo eminente Procurador Regional da República Vitor Hugo Gomes da Cunha (e. 56):
Portanto, o critério de aferição da renda mensal previsto no parágrafo 3° do art. 20 da Lei 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família, interpretação em prol do princípio da dignidade humana e da vedação do retrocesso dos direitos sociais. Desta forma, a renda familiar per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo gera a presunção absoluta da miserabilidade do núcleo familiar, ao passo que quando referida renda for superior ao mesmo patamar impõe-se a verificação da hipossuficiência ao caso concreto através de outros critérios.
Ante o exposto, voto por solver o IRDR 12 estabelecendo a seguinte tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade.