Nesta sexta-feira será visto uma decisão que trata sobre reaposentação, ou seja, a utilização de contribuições posteriores à aposentadoria para conseguir novo benefício previdenciário. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO ADMITIDO. REAPOSENTAÇÃO. CÔMPUTO DAS CONTRIBUIÇÕES POSTERIORES À APOSENTAÇÃO PARA AMPARAR NOVO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA, COM RENÚNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF DO ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91, O QUAL AFASTA O DIREITO A QUALQUER PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA POR PARTE DO APOSENTADO QUE PERMANECER EM ATIVIDADE, À EXCEÇÃO DO SALÁRIO-FAMÍLIA E DA REABILITAÇÃO PROFISSIONAL NO CASO DO SEGURADO EMPREGADO. NEGADO PROVIMENTO AO INCIDENTE.
1. Na falta de norma legislativa que expressamente a preveja, não é possível a denominada reaposentação (cômputo das contribuições posteriores à aposentação para amparar novo benefício de aposentadoria, com renúncia do benefício anterior), diante da constitucionalidade declarada pelo STF do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, o qual afasta o direito a qualquer prestação previdenciária por parte do aposentado que permanecer em atividade, à exceção do salário-família e da reabilitação profissional no caso do segurado empregado.
2. Incidente desprovido.
TRF 4ª, Turma Regional de Uniformização, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TRU) Nº 5028331-40.2019.4.04.7000/PR, Relator juiz federal Fábio Vitório Mattiello, 08/09/2020.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional de Uniformização - Previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao incidente de uniformização, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2020.
RELATÓRIO
Trata-se de incidente regional de uniformização da jurisprudência interposto por Nelson Gomes dos Santos contra decisão proferida pela 2ª Turma Recursal do Paraná.
O incidente foi admitido pela Presidência das Turmas Recursais.
Sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal manifesta-se pelo provimento do incidente.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O incidente foi tempestivamente interposto, restando demonstrada a existência de divergência entre decisões sobre questão de direito material proferidas por Turmas Recursais da mesma região na interpretação da Lei. Impõe-se, portanto, o seu conhecimento.
Com efeito, a decisão recorrida restou assim lavrada (suprimi e grifei):
1. Por meio da presente demanda, busca a parte autora converter sua aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria por idade, mais vantajosa, em razão de implemento posterior de requisito etário.
(...)
2. Em análise dos autos, entendo que não assiste razão ao recorrente, devendo a sentença ser mantida pelos próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (evento 11, SENT1):
2 - FUNDAMENTAÇÃO
A análise do pedido do autor permite concluir tratar-se de hipótese de reaposentação.
Diferentemente da desaposentação, na qual se pretende o recálculo da RMI, com o cômputo dos recolhimentos vertidos após a concessão da aposentadoria, a reaposentação envolve a renúncia da aposentadoria já concedida em função do implemento superveniente dos requisitos para a concessão de outra espécie, supostamente mais vantajosa, sem utilização do tempo contributivo já utilizado para a concessão da primeira aposentadoria.
Ocorre que, apesar de ter sido originalmente acolhida no âmbito do TRF da 4ª Região (ARGINC 2009.72.00.009007-2/SC, Corte Especial, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE de 14.5.2012), a tese acabou sendo rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Tema 503 (REs 661.256/SC e 827.833/SC - Tema 503).
Recentemente, o TRF4, inclusive, aplicou a mesma ratio decidendi do referido julgado do STF para a hipótese idêntica à presente. Confira-se:
AGRAVO INTERNO. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RATIO DECIDENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 661.256/DF (Tema 503), submetido ao rito da repercussão geral, decidiu a questão constitucional que envolvia a possibilidade de desaposentação e fixou tese contrária à pretensão da parte autora: No âmbito do Regime Geral de Previdência Social, somente lei pode criar benefício e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à "desaposentação", sendo constitucional a regra do art. 18, §2º, da Lei nº 8.213/91. 2. No caso concreto, o julgamento do pedido dependia do acertamento da mesma questão constitucional, sendo aplicável a ratio decidendi do precedente em referência, incidente sobre as situações de desaposentação e de reaposentação, diante do reconhecimento da constitucionalidade do §2º do art. 18 da Lei 8.213/91, que veda ao aposentado que permanece trabalhando ou volta a fazê-lo, o direito a qualquer benefício adicional, salvo salário-família e reabilitação profissional. (TRF4, AC 5033384-60.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 07/08/2019)
Vale dizer, o TRF tem decidido pela impossibilidade da reaposentação pelos mesmos fundamentos que nortearam o afastamento da possibilidade de desaposentação, quais sejam, a ausência de previsão legal e a constitucionalidade do art. 18, § 2º, da Lei nº 8213/91, a afastar qualquer direito a qualquer prestação previdenciária por parte do aposentado que permanecer em atividade, à exceção do salário-família e reabilitação profissional no caso do segurado empregado.
Anoto, por fim, que, diferentemente do que alega o autor, o argumento do direito ao melhor benefício não tem aplicação no presente caso, vez que este claramente se restringe ao direito de ver concedida a prestação mais vantajosa a que fazia jus o segurado no momento do requerimento administrativo. Assim, não é correta a interpretação dada pelo requerente, vez que elastece indevidamente o instituto para abarcar a possibilidade de concessão de benefício cujos requisitos ainda não preenchia no momento do pedido administrativo.
Em atenção às razões recursais, a Turma Suplementar do TRF-4.ª Região tem entendimento no mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. REAPOSENTAÇÃO. ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. ART. 26 DA LEI Nº 8.870/94. 1. Conquanto seja possível, consoante o entendimento jurisprudencial corrente, a renúncia à aposentadoria deferida pelo INSS (por se tratar de direito patrimonial, logo disponível), não é dado ao segurado agregar tempo posterior ao jubilamento para obter novo benefício no mesmo regime em bases mais favoráveis. 2. De acordo a sistemática vigente, o segurado aposentado que continuar a exercer atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social deve recolher as contribuições previdenciárias correspondentes, fazendo jus apenas ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91. 3. Deferida a aposentadoria, resta configurado ato jurídico perfeito, de modo que não se pode pretender o desfazimento unilateral para nova fruição no mesmo regime. 4. As contribuições que o aposentado verte quando continua a exercer atividade laborativa ou retorna ao mercado de trabalho são decorrência do princípio da solidariedade que informa o sistema de previdência (art. 195 da CF), sendo constitucional a regra restritiva prevista no § 2º do artigo 18 da Lei 8.213/91. 5. Inviável, pois, a concessão de nova aposentadoria com agregação de tempo posterior ao jubilamento. 6. O art. 26 da Lei 8.870/94 é norma temporária, de aplicação restrita aos benefícios concedidos entre 05/04/91 e 31/12/93, que não derrogou o teto do § 2º do art. 29 da Lei 8.213/91. 7. Concedido o amparo fora do período previsto pelo diploma em comento, inviável a revisão em seus moldes.” (TRF-4.ª Região, AC 2007.72.07.002563-1/SC, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Turma Suplementar, 11/03/2009).
De todo o exposto, conclui-se que, ainda que a parte autora tenha permanecido em atividade após a jubilação e cumprido os requisitos exigidos para a concessão do benefício de aposentadoria por idade, não tem direito a novo benefício, por falta de previsão legal.
3. Em sendo assim, nego provimento ao recurso a fim de manter a sentença tal como lançada.
Em razões de incidente, a parte autora, com base na decisão apontada como paradigma da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, alega divergência com o acórdão recorrido, no sentido de que o art. 18, § 2º da LB não proíbe a renúncia a benefício previdenciário. E, uma vez renunciado ao benefício, em sua integralidade (salários de contribuição e renda mensal), não há óbice à análise de direito a novo benefício, desde que consideradas apenas contribuições posteriores aquela aposentação.
Nesse sentido, transcrevo trecho da decisão apontada como paradigma:
(...)
Com a devida vênia, entendo que o recurso merece provimento.
Com efeito, tal como já assentado na sentença, o caso em análise não é desaposentação. O que o autor busca é a renúncia de benefício concedido em 08/01/1998 com a concessão de novo benefício, sem utilização de qualquer salário-de-contribuição/tempo de contribuição/carência utilizados para a concessão do benefício em 1998.
Importante destacar que o "tema 503" do STF tratou sobre desaposentação, não renúncia, ocasião em que afirmou a necessidade de regular procedimento legislativo para criação de benefício previdenciário.
É certo que a Corte declarou a constitucionalidade do §2º do artigo 18 da Lei 8.213/91, in verbis:
"§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado".
Ocorre que o art. 18, § 2º da LB não proíbe a renúncia a benefício previdenciário. E, uma vez renunciado ao benefício, em sua integralidade (salários de contribuição e renda mensal), não há óbice à análise de direito a novo benefício, desde que consideradas apenas contribuições posteriores aquela aposentação. O que o parágrafo legal supra veda é o percebimento de aposentadoria com qualquer outro benefício diverso do salário-família e reabilitação, o que não é o caso, quando se está a tratar de renúncia a benefício com concessão de novo benefício sem utilização de qualquer salário-de-contribuição/tempo de contribuição/carência utilizados para a concessão do benefício anterior.
Vale registrar o entendimento desta Turma Recursal sobre a questão aqui discutida nos autos nº 5010535-86.2017.404.7200, de minha relatoria, julgado por maioria em 30/10/2017.
Passo, assim, a verificar o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria por idade.
(...)
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO RECURSO.( 5012556-49.2019.4.04.7205, SEGUNDA TURMA RECURSAL DE SC, Relator JAIRO GILBERTO SCHAFER, julgado em 30/10/2019)
Resta definir, portanto, se é possível, havendo renúncia de benefício, o cômputo das contribuições posteriores àquela aposentação para análise do direito a novo benefício.
De um lado, o paradigma trazido pelo recorrente adota a interpretação de que o art. 18, § 2º da LB não proíbe a renúncia a benefício previdenciário. E, uma vez renunciado ao benefício, em sua integralidade (salários de contribuição e renda mensal), não há óbice à análise de direito a novo benefício, desde que consideradas apenas contribuições posteriores aquela aposentação.
Em sentido oposto, a decisão recorrida reputou a impossibilidade da reaposentação pelos mesmos fundamentos que nortearam o afastamento da possibilidade de desaposentação, quais sejam, a ausência de previsão legal e a constitucionalidade do art. 18, § 2º, da Lei nº 8213/91, a afastar qualquer direito a qualquer prestação previdenciária por parte do aposentado que permanecer em atividade, à exceção do salário-família e reabilitação profissional no caso do segurado empregado.
A interpretação que me parece mais adequada é de que diante do reconhecimento pelo STF da constitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91, que veda ao aposentado que permanece trabalhando ou volta a fazê-lo, o direito a qualquer benefício adicional, salvo salário-família e reabilitação profissional, não é possível o cômputo das contribuições posteriores àquela aposentação para análise do direito a novo benefício.
Com efeito, o artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91, expressamente veda o pretendido, já que, depois de aposentado, o segurado não tem direito a qualquer outro benefício, exceto salário-família, salário maternidade e reabilitação profissional, quando empregado. A contagem do tempo de contribuição posterior à aposentadoria é, assim, expressamente vedada pelo dispositivo em questão.
A respeito da matéria o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema nº 503 de sua Jurisprudência em Repercussão Geral, deu a palavra final sobre o tema, firmando a tese de que:
"No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação', sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91" (RE 381.367, 661.256, 827.833 julgados em 26.10.2016, tese definida em 27.10.2016).
Considerando que o STF entendeu ser constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.
Neste contexto, voto por fixar a tese no sentido de que, na falta de norma legislativa que expressamente a preveja, não é possível a denominada reaposentação (cômputo das contribuições posteriores à aposentação para amparar novo benefício de aposentadoria, com renúncia do benefício anterior), diante da constitucionalidade declarada pelo STF do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a qual afasta o direito a qualquer prestação previdenciária por parte do aposentado que permanecer em atividade, à exceção do salário-família e da reabilitação profissional no caso do segurado empregado.
Destarte, considerando que o acórdão recorrido está conformado à tese acima proposta, impõe-se desprover o incidente de uniformização regional interposto pela parte autora.
Ressalto, por fim, que a presente decisão não viola nenhum dos dispositivos mencionados pelas partes.
Ante o exposto, voto por conhecer e negar provimento ao incidente de uniformização regional de jurisprudência interposto pela parte autora.