Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o tema da compensação de benefícios previdenciários não acumuláveis, a qual conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça foi fixada a seguinte tese: “a compensação de prestações previdenciárias recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida”. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (TEMA 1.207). CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALORES RECEBIDOS NA VIA ADMINISTRATIVA. BENEFÍCIO INACUMULÁVEL CONCEDIDO JUDICIALMENTE. COMPENSAÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. LIMITE. OBSERVÂNCIA.
1. A questão submetida ao Superior Tribunal de Justiça diz respeito à definição sobre qual a forma de compensação das prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, no momento da elaboração dos cálculos de cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, à luz do art. 124 da Lei de Benefícios, de modo a decidir se, nos meses em que houver o percebimento (na via administrativa) de importância maior que a estabelecida na via judicial, a dedução (i) deverá abranger todo o quantum recebido pelo beneficiário naquela competência ou (ii) terá como teto o valor referente à parcela fruto da coisa julgada.
2. O art. 124 da Lei n 8.213/1991 veda o recebimento conjunto de benefícios substitutivos de renda, bem como de mais de um auxílio-acidente. Não obstante, o encontro de competências e, por conseguinte, a imposição legal de compensar as parcelas inacumuláveis, não transformam o recebimento de benefício concedido mediante o preenchimento dos requisitos legais, no âmbito administrativo, em pagamento além do devido, de modo a se exigir sua restituição aos cofres da autarquia, pois não se trata de pagamento por erro da Administração ou por má-fé.
3. A circunstância de uma prestação previdenciária concedida na via administrativa ser superior àquela devida por força do título judicial transitado em julgado, por si só, também não é situação que enseja o abatimento total, pois depende da espécie de benefício e do percentual estabelecido por lei a incidir na sua base de cálculo.
4. A legislação de regência é que determina os critérios para fixação da Renda Mensal Inicial - RMI de cada prestação previdenciária. Com efeito, segundo o disposto no art. 29 da Lei n. 8.213/1991, a RMI é apurada com base no Salário de Benefício (SB), que é a média dos salários de contribuição do segurado. E, segundo a lei, cada espécie de benefício previdenciário possui um percentual específico que incidirá sobre o salário de benefício.
5. Eventuais diferenças a maior decorrentes de critérios legais não podem ser decotadas, pois, além de serem verbas de natureza alimentar recebidas de boa-fé, são inerentes ao próprio cálculo do benefício deferido na forma da lei, ao qual a parte exequente fez jus.
6. O cumprimento de sentença deve observar o título judicial, sendo incabível falar em excesso de execução por falta de abatimento total das parcelas pagas administrativamente. Na realidade, a forma de compensação postulada pelo INSS levaria a uma execução invertida, pois tornaria o segurado-exequente em devedor, em certas competências, o que não se pode admitir, sobretudo quando a atuação da autarquia, ao indeferir indevidamente benefícios, tem ocasionado demasiada judicialização de demandas previdenciárias.
7. Tese repetitiva: A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida.
8. Caso concreto: o acórdão recorrido está de acordo com a tese proposta, mostrando-se de rigor a sua manutenção.
9. Recurso especial da autarquia desprovido.
STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 2.039.614 - PR (2022/0335028-3), Primeira Seção, Ministro Gurgel de Faria, DJe/STJ nº 3896 de 28/06/2024.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Foi aprovada, por unanimidade, a seguinte tese, no tema 1207: A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas (as prestações administrativas) não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Sérgio Kukina, Paulo Sérgio Domingues e Teodoro Silva Santos votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Afrânio Vilela.
Brasília, 20 de junho de 2024
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado (e-STJ fl. 75):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DESCONTO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE BENEFÍCIOS INACUMULÁVEIS. LIMITE. IRDR 14/TRF4. APLICABILIDADE. Consoante a tese fixada por ocasião do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 14: O procedimento no desconto de valores recebidos a título de benefícios inacumuláveis quando o direito à percepção de um deles transita em julgado após o auferimento do outro, gerando crédito de proventos em atraso, deve ser realizado por competência e no limite do valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado, evitando-se, desta forma, a execução invertida ou a restituição indevida de valores, haja vista o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado, não se ferindo a coisa julgada, sem existência de "refomatio in pejus", eis que há expressa determinação legal para tanto. (TRF4 5023872-14.2017.4.04.0000, Terceira Seção, Relator Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 28/05/2018). Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 95/98).
Em suas razões, a autarquia aponta preliminar de afronta ao art. 1.022, II, do CPC/2015, sustentando que o acórdão recorrido, ao rejeitar os embargos de declaração para afastar a possibilidade de compensação integral dos valores pagos administrativamente à parte recorrida/exequente, a título de benefício previdenciário inacumulável, acabou por se omitir quanto à aplicação dos arts. 124, II, e 115, II, da Lei n. 8.213/1991, arts. 368 e 876 do Código Civil de 2002 e arts. 509, § 4º, e 535, VI, do Código de Processo Civil.
No mérito, indicando violação dos dispositivos legais supra, o INSS argumentou que, embora a decisão recorrida tenha possibilitado o abatimento dos benefícios inacumuláveis no período concomitante, deve ser reformada no ponto em que determinou que, nas competências em que o valor recebido administrativamente for superior àquele devido em razão do título executivo, a dedução deve ser limitada ao valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado.
Segundo defende, "a fim de evitar cumulação ilícita de benefícios previdenciários, deve-se não apenas zerar as competências em que houve gozo de benefício pago na via administrativa, mas também deduzir e/ou compensar valores a maior pagos. Esta é a solução mais harmônica e consentânea com a legislação de regência (art. 124 da LBPS), que veda justamente a cumulação de dois benefícios com caráter substitutivo de renda" (e-STJ fl. 105, grifos no original).
Aduz ser irrelevante se, em alguma competência, o benefício administrativo foi maior ou menor do que o judicialmente concedido, devendo ser feita, quando configurada a eventual concomitância de prestações, a compensação do valor integral recebido pelo beneficiário, caso este execute a sentença, sob pena de se operar a cumulação vedada na lei previdenciária.
Afirma que, mesmo quando o valor de alguma competência isolada resultar negativo (débito maior que o crédito), ainda assim deve constar do cálculo da execução, ou ocorreria mescla de benefícios. Ou seja, o cálculo deve ser global, sem isolamento de competência, na esteira do entendimento do STJ no REsp n. 1.416.903/PR.
Contrarrazões às e-STJ fls. 115/117, nas quais se postula o não conhecimento do recurso diante do equívoco da alegação de que teria havido recebimento de benefícios inacumuláveis. Isso porque o "benefício auferido e que foi concedido administrativamente, foi cessado a partir da implantação do beneficio concedido judicialmente, ou seja, não houve recebimento de forma acumulada e muito menos indevidamente" (e-STJ fl. 116). Alternativamente, o recorrido requer que, caso conhecido o recurso, seja ele desprovido, diante da tese fixada no Tema 14 do Incidente de Demandas Repetitivas - IRDR decidido pelo Tribunal de origem.
Inadmitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (e-STJ fls. 120/124, o então Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas desta Corte, Min. Paulo de Tarso Sanseverino (in memoriam), deu provimento ao agravo e determinou a sua conversão em recurso especial para melhor exame, qualificando-o como representativo de controvérsia, "candidato à afetação" (e-STJ fl. 151).
A Primeira Seção desta Corte Superior, em 15/08/2023, afetou o presente recurso para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (art. 257-C do RISTJ) delimitando a seguinte tese controvertida: Definir se, no caso de compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando de levantamento de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, nos meses em que houver o percebimento (na via administrativa) de importância maior que a estabelecida na via judicial, a dedução deverá abranger todo o quantum recebido pelo beneficiário ou ter como teto o valor referente à parcela fruto da coisa julgada.
Em parecer juntado às e-STJ fls. 233/238, o douto representante do Ministério Público Federal, Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida, opinou pelo desprovimento do recurso do INSS, sustentando que "os valores re cebidos pelo segurado não podem ser repetidos, de maneira que a compensação deve ocorrer por competências, ou seja, mês a mês, a fim de evitar-se a execução invertida e a restituição de valores alimentares recebidos de boa-fé pelo segurado" (e-STJ fl. 237).
Mencionou, nesse sentido, os seguintes julgados proferidos monocraticamente: AREsp n 2.356.806, da relatoria do Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe de 11/09/23, e AREsp 2.266.175, da relatoria do Min. Herman Benjamin, DJe de 04/04/2023.
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP apresentou sua manifestação escrita, na condição de amigo da Corte, às e-STJ fls. 252/259, postulando que "o valor recebido administrativamente apurado em cada competência deve, mês a mês, ser limitado ao valor do benefício devido em razão do título executivo judicial, de modo que não resultem valores mensais negativos em desfavor do credor (segurado)" (e-STJ fl. 256).
Sustentou, ainda, que o caso dos autos apresenta semelhança com o Tema 1.018 do STJ, motivo pelo qual deve ser observada a mesma razão de decidir, no sentido de não atribuir, ao segurado, nenhum prejuízo. Isso porque ambos encerram discussão acerca de dois benefícios inacumuláveis, os quais somente se sucedem por um comportamento padrão da autarquia de indeferir o requerimento administrativo, dando ensejo à propositura da demanda judicial.
Requereu, por fim, que seja firmada a seguinte tese: Os descontos dos valores pagos administrativamente em caso de concessão de benefício judicial devem se limitar ao total do valor de crédito por competência, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário caso os valores do benefício pago administrativamente sejam superiores aos valores devidos pela decisão judicial.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, conforme já havia acentuado por ocasião da afetação do tema, convém lembrar que a presente questão jurídica multitudinária ainda não havia sido submetida ao rito dos recursos repetitivos e diferencia-se de outras matérias analisadas por esta Corte. Portanto, torno a ressaltar que este recurso não se refere:
(i) à devolução de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social (Tema 979 do STJ);
(ii) à pretensão de restituir valores pagos por decisão judicial precária, em antecipação de tutela posteriormente cassada (Tema 692 do STJ);
(iii) ao direito do segurado do Regime Geral da Previdência Social - RGPS de receber, conjuntamente, mediante decisão judicial, o benefício previdenciário, pago retroativamente, com a renda do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, no período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez (Tema 1.013 do STJ); e
(iv) ao direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa (Tema 1.018 do STJ).
A presente controvérsia circunscreve-se à definição sobre qual a forma de compensação das prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, no momento da elaboração dos cálculos de cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, à luz do art. 124 da Lei de Benefícios.
Importa acentuar, por oportuno, que o exame da matéria parte das seguintes premissas: (a) ambos os benefícios foram concedidos com atendimento aos seus requisitos e (b) são concomitantes em certo período.
Assim, o objetivo é decidir se, nos meses em que houver o percebimento (na via administrativa) de importância maior que a estabelecida na via judicial, a dedução (i) deverá abranger todo o quantum recebido pelo beneficiário naquela competência ou (ii) terá como teto o valor referente à parcela fruto da coisa julgada.
Essa questão foi objeto de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR n. 5023872-14.2017.4.04.000 perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Tema 14), motivo pelo qual o acórdão impugnado adotou a tese fixada no referido julgado qualificado, como se lê de sua fundamentação (e-STJ fls. 77/78): No tocante aos descontos decorrentes do pagamento administrativo de benefício inacumulável não assiste razão à parte agravante. Isso porque a decisão agravada observou a tese fixada no Tema 14 do Incidente de Demandas Repetitivas pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, julgado em 28/09/2018, qual seja: "O procedimento no desconto de valores recebidos a título de benefícios inacumuláveis quando o direito à percepção de um deles transita em julgado após o auferimento do outro, gerando crédito de proventos em atraso, deve ser realizado por competência e no limite do valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado, evitando-se, desta forma, a execução invertida ou a restituição indevida de valores, haja vista o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado, não se ferindo a coisa julgada, sem existência de "refomatio in pejus", eis que há expressa determinação legal para tanto. [...] Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento.
Como visto, a Corte de origem firmou a compreensão de que a compensação deve ser realizada por competência, ou seja, mês a mês, e no limite do valor da renda mensal resultante da aplicação do julgado em cumprimento de sentença.
A autarquia, no entanto, requer o abatimento de tudo o que foi recebido administrativamente, defendendo que "o cálculo é global, e não com isolamento de competência" (e-STJ fl. 182), postulando que prevaleça o decidido, nesta Corte, no julgamento do REsp n. 1.416.903/PR.
No citado recurso especial, a Segunda Turma, em voto de relatoria do em. Min. Og Fernandes, decidiu que a compensação deveria considerar tanto os valores positivos (em favor do segurado/exequente) quanto negativos (favoráveis ao INSS), concluindo, ainda, que não caberia devolução de valores pagos por erro da administração e percebidos de boa-fé pelo segurado.
É o que se lê do trecho abaixo (extraído das e-STJ fls. 155/156 dos autos referidos):
Quanto à compensação dos valores percebidos administrativamente com os devidos em razão de título judicial, esta Corte tem entendido que deve ser facultada a execução dos valores remanescentes. [...] Entretanto, no caso, o Tribunal de origem afastou a compensação dos valores pagos de forma excessiva na esfera administrativa, eliminando os valores negativos verificados em cada competência, por entender que, sendo decorrentes de ato da administração e recebidos de boa-fé pelo segurado, não seriam passíveis de repetição. A Corte Especial, em situação semelhante, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.265.580/CE, relatado pelo em. Ministro Teori Albino Zavascki (DJe 18/4/2012), modificou a compreensão então vigente quando consolidou o entendimento de que os índices negativos de correção monetária devem ser considerados no cálculo de atualização de débito judicialmente apurado, preservando-se, contudo, o valor nominal do montante principal. [...] No presente caso, usando do mesmo raciocínio, dever-se-ia compensar os valores negativos com os positivos em todas as competências, a fim de apurar se haveria direito a eventuais valores remanescentes no cômputo global. Se fosse negativo o resultado do cálculo, seria aplicada a jurisprudência deste Superior Tribunal de que não cabe devolução de valores pagos por erro da administração e percebidos de boa-fé pelo segurado. (Grifos no original)
Não obstante a argumentação do Instituto recorrente e o entendimento firmado no citado REsp n. 1.416.903/PR, tenho que merece ser prestigiado a compreensão assentada pela Corte Regional no acórdão recorrido. Explico.
De fato, o art. 124 da Lei n 8.213/1991 veda o recebimento conjunto de benefícios substitutivos de renda, bem como de mais de um auxílio-acidente, como se vê da redação de seus incisos:
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social: I - aposentadoria e auxílio-doença; II - duas ou mais aposentadorias; II - mais de uma aposentadoria; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) III - aposentadoria e abono de permanência em serviço; IV - salário-maternidade e auxílio-doença; (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) V - mais de um auxílio-acidente; (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
Nestes autos, apesar de não ter havido percepção conjunta de benefícios, observou-se, na apuração do valor em cumprimento de sentença, que as parcelas atrasadas alcançariam um período em que o segurado havia usufruído outro benefício na via administrativa, acarretando a necessidade de compensação entre tais verbas.
Ocorre que o encontro de competências e, por conseguinte, a imposição legal de compensar as parcelas inacumuláveis não transformam o recebimento de benefício concedido mediante o preenchimento dos requisitos legais, no âmbito administrativo, em pagamento além do devido, de modo a se exigir sua restituição aos cofres da autarquia, pois não se trata de pagamento por erro da Administração ou por máfé.
A circunstância de uma prestação previdenciária concedida na via administrativa ser superior àquela devida por força do título judicial transitado em julgado, por si só, também não é situação que enseja o abatimento total, pois seu valor depende da espécie de benefício e do percentual estabelecido por lei a incidir na sua base de cálculo.
Como é cediço, é a legislação de regência que determina os critérios para fixação da Renda Mensal Inicial - RMI de cada prestação previdenciária. Com efeito, segundo o disposto no art. 29 da Lei n. 8.213/1991, a RMI é apurada com base no Salário de Benefício (SB), que é a média dos salários de contribuição do segurado.
E, segundo a lei, cada espécie de benefício previdenciário possui um percentual específico que incidirá sobre o salário de benefício. Vejamos: (a) Aposentadorias por Idade e por Tempo de Contribuição: a renda mensal varia de 70% a 100% do SB (arts. 50 e 53, Lei n. 8.312/1991) ; (b) Aposentadoria Especial: 100% do SB (art. 57, § 1˚); (c) Auxílio-doença: 91% do SB (art. 61); (d) Pensão por morte: 100% do benefício a que teria direito o de cujus (art. 75); e (e) Auxílio-acidente: 50% do SB (art. 86, § 1˚).
Assim, a depender do percentual do salário de benefício estipulado na norma, haverá diferença de valores. Além desse aspecto, a incidência, ou não, de fator previdenciário, de igual modo, implica alteração na RMI, e tudo isso pode elevar a renda mensal de uma aposentadoria em relação a outra, ainda que relativa ao mesmo segurado.
Portanto, eventuais diferenças a maior decorrentes, frise-se, de critérios legais não podem ser decotadas, pois, além de serem verbas de natureza alimentar recebidas de boa-fé, são inerentes ao próprio cálculo do benefício deferido na forma da lei, ao qual a parte exequente fez jus.
Ademais, o cumprimento de sentença deve observar o título judicial, sendo incabível falar em excesso de execução por falta de abatimento total das parcelas pagas administrativamente. Na realidade, a forma de compensação postulada pelo INSS levaria a uma execução invertida, pois tornaria o segurado-exequente em devedor, em certas competências, o que não se pode admitir, sobretudo quando o indeferimento indevido de benefícios tem ocasionado demasiada judicialização de demandas previdenciárias.
Nesse sentido, menciono os seguintes julgados da Primeira Turma, que apreciaram a necessidade de compensação do benefício previdenciário com o segurodesemprego, como determina o parágrafo único do mesmo art. 124 da Lei n. 8.213/1991, ora em exame:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SEGURO-DESEMPREGO. RECEBIMENTO CONJUNTO. VEDAÇÃO LEGAL. COMPENSAÇÃO OU DESCONTO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DO PARTICULAR A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento interposto pelo exequente, ora recorrente, contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença contra o INSS, acolheu impugnação do executado para afastar o pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição nos meses em que se recebeu seguro-desemprego. No Tribunal de origem, a decisão foi mantida. 2. Inexiste a alegada violação do art. 1.022, II, do CPC/2015, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro, omissão, contradição ou obscuridade. Observe-se, ademais, que julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa ao dispositivo de lei invocado. 3. Não é objeto do presente recurso especial a interpretação dos contornos do título executivo, nem a questão referente à possibilidade de a matéria em questão ter sido alegada na fase de cumprimento de sentença. In casu, a controvérsia cinge-se a examinar se a regra contida no art. 124, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, que veda o recebimento conjunto do segurodesemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente, é atendida com o desconto do valor recebido a título de seguro-desemprego nos períodos coincidentes (compensação), ou se é necessário que as parcelas da aposentadoria, no período em que houve recebimento do seguro-desemprego, sejam deduzidas em sua integralidade. 4. Mutatis mutandis, é aplicável ao caso em análise a orientação firmada pela Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos Recursos Especiais 1.786.590/SP e 1.788.700/SP, submetidos ao regime de recursos repetitivos, Tema 1.013/STJ, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 01/07/2020. Compreendeu-se que, tendo o INSS, por falha administrativa, indeferido incorretamente o benefício por incapacidade, é inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência. 5. Não se mostra razoável a dedução integral das parcelas da aposentadoria por tempo de contribuição nos períodos coincidentes, pois o seguro-desemprego apenas foi recebido em decorrência do incorreto indeferimento da aposentadoria pleiteada pelo recorrente. Assim, para que seja atendida a regra prevista no art. 124, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, que veda o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente, basta, no presente caso, que haja o abatimento dos valores recebidos a título de seguro-desemprego do montante devido. 6. Recurso especial do particular provido. (REsp n. 1.982.937/SP, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022.) (Grifos acrescidos).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E SEGURO-DESEMPREGO. RECEBIMENTO CONJUNTO. VEDAÇÃO LEGAL. COMPENSAÇÃO OU DESCONTO. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO NEGADO. 1. Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto contra a decisão que, nos autos de cumprimento de sentença contra o INSS, acolheu impugnação da parte executada para excluir o pagamento da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença nas competências em que havia sido recebido seguro-desemprego. Decisão mantida pelo Tribunal de origem. 2. Segundo orientação do STJ, para atender ao disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei 8.213/1991, que veda o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente, basta que o valor referente ao seguro-desemprego, nos períodos coincidentes, seja abatido da quantia a ser recebida. 3. Não é razoável a dedução integral das parcelas da aposentadoria nos períodos coincidentes, pois o seguro-desemprego apenas foi recebido em decorrência do incorreto indeferimento da aposentadoria pleiteada pelo recorrente. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 2.037.615/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 3/11/2023.) (Grifos acrescidos).
No mesmo sentido, cito, ainda, o AREsp n. 2.266.175/RS, da relatoria do Min. Herman Benjamin, DJe de 04/04/2023.
TESE REPETITIVA
A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida.
CASO CONCRETO
De início, registro que o INSS, no apelo especial, aponta preliminar de violação do art. 1.022, II, do CPC/2015, sustentando que o acórdão recorrido, ao rejeitar os embargos de declaração para afastar a possibilidade de compensação integral dos valores pagos administrativamente à parte recorrida/exequente, a título de benefício previdenciário inacumulável, acabou por se omitir quanto à aplicação dos arts. 124, II, e 115, II, da Lei n. 8.213/1991, arts. 368 e 876 do Código Civil de 2002 e arts. 509, § 4º, e 535, VI, do Código de Processo Civil.
No entanto, não merece acolhimento a pretensão de nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, porquanto, no acórdão impugnado, o Tribunal a quo apreciou fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, contudo em sentido contrário à pretensão recursal, o que não se confunde com o vício apontado.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. VIOLAÇÃO AO ART. 1022, I E II, DO CPC/2015. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. REAJUSTE DE 3,17%. FUNÇÕES GRATIFICADAS E CARGOS DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. LIMITAÇÃO TEMPORAL À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.030/95. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA. PRECEDENTES. JUROS MORATÓRIOS. ALTERAÇÃO TERMO INICIAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS EM RAZÃO DO EFEITO TRANSLATIVO PLENO DA REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. TESE NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA Nº 211/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE. 1. Com efeito, verifica-se que não foi suscitada ofensa ao art. 1022, I e II, do CPC/2015 por omissão quanto à inviabilidade de alteração do termo inicial de juros de mora em sede de embargos à execução, conforme equivocadamente afirmado na decisão agravada. Desta forma, imperioso o exercício de retratação, neste ponto, para afastar a suposta negativa de prestação jurisdicional acima indicada e, por conseguinte, proceder a nova análise do recurso especial interposto pelos agravados. 2. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, nem em vício, quando o acórdão impugnado aplica tese jurídica devidamente fundamentada, promovendo a integral solução da controvérsia, ainda que de forma contrária aos interesses da parte. Ademais, o magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todas as teses invocadas, bastando que decida de forma motivada a questão. 3. O entendimento desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a Lei nº 9.030/95, que fixa a remuneração de cargos em comissão e de natureza especial e das funções de direção, chefia e assessoramento, não reestruturou ou reorganizou carreiras, não tendo, portanto, o condão de limitar o pagamento do resíduo do reajuste de 3,17% à data da sua edição. 4. "A jurisprudência desta Corte não excepciona o referido entendimento no tocante às funções comissionadas ou gratificadas, porquanto, prevalece o entendimento de que o referido índice apenas pode sofrer limitação em razão de reestruturação ou reorganização de carreira" (AgInt no REsp nº 1.938.532/MG, relator Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 2/12/2021). 4. Quanto a suposta ofensa ao art. 1536, § 2º, do Código Civil de 1916, bem como ao art. 405 do Código Civil vigente, verifica-se que o Tribunal de origem não apreciou a tese de ausência de reformatio in pejus em razão do efeito translativo pleno inerente à remessa necessária, mesmo após a oposição dos embargos de declaração, incidindo a Súmula nº 211/STJ: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo." 5. Agravo interno provido para, em juízo de retratação, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento. (AgInt nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.920.692/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023.) ( Grifos acrescidos).
No caso, o Tribunal de origem, embora de forma sucinta, se manifestou sobre a matéria, determinando que a compensação seja efetuada por competência, no limite do valor da renda mensal resultante da aplicação do julgado, como decidido pelo juízo da execução (e-STJ fls. 77/78).
Assim, ainda que a parte recorrente considere insubsistente ou incorreta a fundamentação utilizada pelo Tribunal nos julgamentos realizados, não há necessariamente ausência de manifestação. Não há como confundir o resultado desfavorável ao litigante com a falta de fundamentação, motivo pelo qual não se constata violação dos preceitos apontados.
No tocante ao mérito, de igual modo, não assiste razão ao recorrente.
Segundo se colhe dos autos, o presente recurso especial origina-se de agravo de instrumento interposto pela autarquia contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença, rejeitou sua impugnação para permitir a compensação até o limite do título judicial em cada competência.
Na ocasião, o INSS defendeu que haveria excesso de execução na conta do exequente, consistente na indevida cumulação de benefícios, e postulou a reforma da decisão que indeferiu o seu pleito de desconto integral dos valores recebidos administrativamente a título de benefício inacumulável.
No Tribunal de origem, a decisão foi mantida com fundamento em tese fixada no Tema 14 de IRDR daquela Corte, ao qual está vinculado o órgão prolator, por força do disposto no art. 927, III, do CPC/2015 (e-STJ fls. 77/78). Desse modo, uma vez que a insurgência recursal não encontra amparo também nesta Corte, pelos fundamentos já expostos, mostra-se de rigor a manutenção do acórdão recorrido.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial da autarquia.
Sem arbitramento de honorários recursais, pois o recurso se origina de agravo de instrumento.
É como voto.