Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a aplicação da técnica do descarte (art. 26, § 6º, da EC 103/2019), a qual dispõe que podem ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. REGRA CONSTITUCIONAL DO DESCARTE DAS MENORES CONTRIBUIÇÕES. PENSÃO POR MORTE E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. ARTIGO 26, § 6º, DA EC 103/2019. JULGAMENTO NA FORMA DO ARTIGO 942 DO CPC.
1. O artigo 26, § 6º, da EC 103/2019, dispõe que "poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido". Diante das garantias constitucionais conferidas aos direitos fundamentais da Seguridade Social consagrados na Constituição, sob pena de violação ao princípio isonômico, a norma deve ser aplicável também aos ditos benefícios não programáveis, como a aposentadoria por incapacidade permanente e a pensão por morte, enquanto técnica que preserva o valor do benefício.
2. O Decreto nº 10.410/2020, ao regulamentar a EC nº 103/2019, não contemplou essa compreensão, prevendo apenas que aos benefícios por incapacidade se aplicasse a regra da média integral, sem dispor sobre a possibilidade de descarte de contribuições que supere, o tempo mínimo exigido (artigo 32, §§ 24 e 25, do RPS), pois, de forma descontextualizada, ou mesmo arbitrária, da expressão "desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido" extraiu entendimento equivocado que restringiu a previsão para somente as aposentadorias programadas.
3. Deve ser privilegiada a opção do constituinte, interpretando-se a norma regulamentar em conformidade com o preceito constitucional. Nesse contexto, ao aplicar o § 25 do Decreto 10.410, deve-se buscar uma compreensão não estrita, conforme a Constituição, incluindo a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte na possibilidade do descarte de que trata o § 24 da mesma norma.
4. Improcede o raciocínio de que não é possível aplicar-se a regra do descarte aos benefícios por incapacidade e pensão por morte porque são benefícios que não exigem "tempo mínimo de contribuição", porquanto a regra do descarte constitui técnica de cálculo da renda mensal que visa à preservar o valor do benefício, ao passo que "tempo mínimo de contribuição" diz respeito a pressuposto de concessão, critério de elegibilidade, e não interfere necessariamente no cálculo da renda mensal do benefício.
5. O cálculo do salário de benefício da aposentadoria por incapacidade permanente (art. 26 da EC 103/2019) deve ser realizado pela média aritmética simples de todos os salários de contribuição do segurado (aqui entra a regra do descarte). Quanto à pensão por morte, o cálculo é feito com base (1) no salário de benefício da aposentadoria eventualmente recebida pelo segurado instituidor ou (2) daquela que teria direito se fosse aposentado por incapacidade na data do óbito, sendo necessário simular o cálculo da renda mensal da aposentadoria por incapacidade permanente para se chegar ao valor da pensão por morte (hipótese concreta), sendo perfeitamente possível aplicar-se a técnica do descarte.
TRF 4ª, Apelação Cível Nº 5005791-94.2021.4.04.7204, 9ª Turma, desembargador federal relator Paulo Afonso Brum Vaz, 25.06.2024.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Colenda 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencida a Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, dar provimento à apelação, com a ressalva do Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO acompanhando a fundamentação do Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 24 de junho de 2024.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, verba cuja exigibilidade restou suspensa, em razão da concessão da AJG.
A parte autora apela, insistindo no recálculo da pensão que recebe, mediante descarte das contribuições prejudiciais, nos termos do artigo 26, § 6º, da EC 103/2019, a fim de que receba o melhor benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO - Paulo Afonso Brum Vaz
Examinando os autos, verifico que o Juízo de origem indeferiu a pretensão revisional de excluir da média aritmética simples dos salários-de-contribuição de que trata o caput do artigo 26 da EC 103/2019 "as contribuições que resultem em redução do valor do benefício" (previsão do § 6º desse dispositivo), por reputar que a disposição constitucional não previu o benefício titularizado pela autora - pensão por morte -, mas apenas benefícios considerados programados, pois neles haveria "tempo mínimo de contribuição exigido".
De fato, essa conclusão foi alcançada a partir de interpretação estrita do parágrafo sexto do artigo 26 da EC 103/2019, que refere expressamente ser condição para a exclusão da média dos salários-de-contribuição ser mantido "tempo mínimo de contribuição exigido". Leia-se o que preceitua o dispositivo:
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. (...)
§ 6º Poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo a que se referem os §§ 2º e 5º, para a averbação em outro regime previdenciário ou para a obtenção dos proventos de inatividade das atividades de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal.
Não se desconhece que os benefícios por incapacidade, diversamente dos benefícios programados, não elencam entre seus requisitos um tempo mínimo de contribuição. Todavia, a expressão "desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido" (utilizada pelo constituinte na EC), a meu ver, não afasta a incidência dessa norma do cálculo do salário de benefício dos benefícios considerados não programáveis, em que também é exigida a carência e, nesse contexto, também conta com número mínimo de contribuições que corresponde à carência e precisa ser preservado.
Como se lê, a literalidade do texto da Emenda Constitucional não refere "aposentadorias programáveis". A regra do artigo 26 antes citado constitui uma "regra geral" de cálculo dos "benefícios", inclusive no Regime Próprio. Não está escrito no texto constitucional que a sua aplicação é restrita apenas às aposentadorias programáveis. Do ponto de vista da técnica legislativa, o parágrafo segue o caput, e não o parágrafo segundo, que trata do critério de cálculo da aposentadoria.
A nova fórmula de cálculo do salário de benefício, introduzida pelo art. 26, caput, da EC nº 103/2019, passou a considerar todos os salários de contribuição do segurado, desde julho de 1994, ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. E, com base no § 6º do referido artigo 26 da EC 103/2019, foi permitida a exclusão dessa média das contribuições que resultem em redução do valor do benefício, "desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido", vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade.
No entanto, o Decreto nº 10.410/2020, ao regulamentar a EC nº 103/2019, não contemplou essa compreensão, prevendo apenas que aos benefícios por incapacidade se aplicasse a regra da média integral, sem dispor sobre a possibilidade de descarte de contribuições que supere, o tempo mínimo exigido (artigo 32, §§ 24 e 25, do RPS). E, quanto ao auxílio por incapacidade temporária, foi mantida a restrição de que “não poder[ia] exceder a média aritmética simples dos últimos doze salários de contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não houver doze salários de contribuição, a média aritmética simples dos salários de contribuição existentes” (artigo 29, § 10, da Lei n. 8.213/1991 c/c o artigo 32, § 23, do RPS).
Nesse contexto, parece que a regulamentação da questão pelo INSS se deu de forma descontextualizada, ou mesmo arbitrária, pois da expressão "desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido" extraiu entendimento que restringiu a previsão para somente as aposentadorias programadas, isto é, que exigem tempo mínimo de contribuição. Parece ter havido, assim, confusão entre o requisito de elegibilidade com critério de cálculo, já que o texto da norma foi reduzido a modo do positivismo semântico, olvidando a tradição e o contexto - e, especialmente, o sentido da Constituição que se sobrepõe ao pré-juízo do intérprete.
Está mais do que superado o modelo juiz "boca da lei", que atua mecanicamente e fica adstrito à norma do administrador, sem liberdade para para atender às necessidades da faticidade do momento histórico e dar concreção à norma. O sentido do texto deve ser dado pelo sujeito (homem) no momento interpretativo e a partir uma consciência formada hermeneuticamente e voltada para garantir a efetividade do texto. É preciso aceitar que a tradição não está sujeita ao homem, mas é ele que se sujeita a ela, de modo que contexto histórico influencia a ação e o comportamento, sem que se perceba. Por isso, a compreensão deve estar sempre orientada para a historicidade e para o contexto.
Não se interpreta uma norma jurídica (uma lei) desvinculado-a da antecipação de sentido representada pelo sentido que o intérprete tem da Constituição. Nesse sentido: “se os pré-juízos do intérprete estiverem corrompidos por um sentido comum teórico no interior do qual a Constituição tem pouco valor e a jurisdição constitucional ainda é mal compreendida, inexoravelmente este intérprete terá seríssimos prejuízos na aplicação da norma” na medida em que, “nem o texto infranconsticional pode ser visto apartado do sentido da Constituição e nem esta (a Constituição) pode ser entendida como se fosse um ‘ser sem o ente’, ou uma categoria ou uma hipótese” (STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: perspectivas e possibilidades de concretização dos direitos sociais no Brasil. Novos Estudos Jurídicos - Volume 8 - nº 2 - p. 257-301, maio/agosto, 2003, p. 288).
Superada a questão hermenêutica, vejo na exclusão da possibilidade de descarte das contribuições que resultem em redução do valor do benefício aos benefícios de pensão por morte e por invalidez nítida discriminação não justificada, impedindo que os segurados ou dependentes, cujos benefícios já foram drasticamente reduzidos pelas novas regras da Reforma Previdenciária, possam se valer de direito que permitiria evitar maior aviltamento do valor dos seus benefícios.
De fato, não faria sentido algum um trabalhador contribuir por mais tempo do que o necessário para se aposentar e esse tempo extra, em vez de aumentar o valor do benefício, fizesse com que o valor fosse menor! Assim, para garantir um sistema previdenciário justo, o constituinte derivado trouxe a previsão da regra do "descarte".
Se, materialmente, o descarte é factível, segundo o critério de cálculo previsto para os beneficios de pensão por morte e por incapacidade, passa a ser considerado um direito que não pode ser arbitrariamente sonegado de um tipo de benefício, a partir de interpretação limitada do texto constitucional. Estamos falando apenas de critério de cálculo, em relação ao qual não pode a legislação inferior (no caso, um decreto, que tem função regulamentar) reduzir o sentido da norma constitucional, quando ela mesma não faz a distinção e assegura a todos os "benefícios" o uso do mecanismo de "não redução do valor". Trata-se de uma técnica de proteção do valor real do benefício que nada justifica não seja aplicada à pensão por morte e aos benefícios por incapacidade.
O elemento de discrímen baseado na natureza do benefício e no risco social protegido não se justifica. O que interessa é o critério de cálculo. Se o descarte é possível sem prejudicar a carência, não há porque sonegar a tais benefícios, que são também vivenciais e alimentares, a possibilidade de evitar a redução não desejada.
A redução do valor de tais benefícios, que são, repito, condição de sobrevivência e de natureza sinalagmática contraprestacional, não assistenciais, portanto, também e com mais razão é indesejada e perniciosa, porque avilta benefícios que são protegidos pela Constituição. Se bem analisada, a técnica do descarte talvez seja para estes ainda mais importante do que aos programáveis. Por isso, não se sustenta a compreensão eleita pela Administração no Decreto Regulamentar.
Um decreto não pode estabelecer tratamento diferenciado mais vantajoso ou desvantajoso a uma categoria de indivíduos, distinguindo circunstâncias particularizadoras sem que haja adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada, no caso, os dependentes da pensão e os segurados incapazes. Por que estes benefícios poderiam ser reduzidos ou prescindir de um mecanismo que impede a redução?
Para que se justificasse a discriminação, precisaria haver a consonância da correlação lógica entre o elemento ou fator de discrímen e a desequiparação com os interesses absorvidos no sistema constitucional. Para que um discrímen legal possa conviver com a isonomia não pode conduzir a uma situação de preterição ou desvantagem em relação aos princípios constitucionais protetivos do valor real dos benefícios, da irredutibilidade e da não discriminação injustificada. O que justifica permitir que o valor da renda mensal das pensões e dos benefícios por incapacidade seja aviltado e reduzido?
Parece indubitável que essa compreensão malfere, ao fim e ao cabo, a própria ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), razão maior da existência do Estado Democrático de Direito, e princípio/valor estruturante de todo o ordenamento jurídico. Isso porque o direito previdenciário, incluído no espectro dos direitos fundamentais sociais, pode ser considerado como uma densificação da dignidade da pessoa humana. Realmente, a justificativa para um Estado intervencionista e efetivador de direitos fundamentais repousa, justamente, na garantia ao ser humano de condições para uma vida digna, condição que se suprime àqueles cujo benefício fica desprovido do mecanismo que impediria o seu aviltamento.
Assim, tenho que deve ser privilegiada a opção do constituinte, intepretando-se a norma regulamentar em conformidade com o preceito constitucional. Nesse contexto, ao aplicar o § 25 do Decreto 10.410, deve ser dar intepretação não estrita, conforme a Constituição, incluindo aposentadoria por invalidez e pensão por morte na possibilidade de descarte de que trata o § 24 da mesma norma.
Saliento, por fim, que o descarte de contribuições pode ser vantajoso na apuração do benefício, mas pode eventualmente ser desfavorável noutro âmbito, pois o descarte é definitivo e para todos os fins. Portanto, deve ser avaliado com cautela. Em casos como o dos autos, de pensão por morte, não se verifica qualquer revés da opção por descartar contribuições, mas apenas a possibilidade de melhorar o valor do benefício alcançado ao dependente do instituidor.
Portanto, apesar de, no caso, ter o instituidor falecido em 2.12.2020, aos 59 anos de idade, quando não fazia jus a aposentadoria programada, considero que a regra de cálculo do § 6º do artigo 26 da EC 103/2019 deve incidir no cálculo da pensão por morte resultante, descartando-se as contribuições que conduzam à redução do benefício.
Provido o apelo, inverto a condenação nos ônus sucumbenciais, fixando a verba honorária devida ao patrono da parte autora em 10% da condenação, considerando as variáveis do artigo 85, § 2º, I a IV, do CPC e os parâmetros desta Turma.
Diante do exposto, voto por dar provimento à apelação.
VOTO COMPLEMENTAR
Tendo em vista que o julgamento foi suspenso, nos termos do art. 942 do CPC, gostaria de responder ao argumento do voto divergente e complementar os argumentos expendidos em meu voto com escólio doutrinário.
A eminente Juíza Gabriela refere que não é possível aplicar-se a regra do descarte aos benefícios por incapacidade e pensão por morte porque são benefícios que não exigem "tempo mínimo de contribuição".
Esse raciocínio, com a máxima vênia, é equivocado. Uma confusão entre critério de concessão e critério de cálculo da renda mensal. A regra do descarte, como já havia dito no voto, constitui uma técnica de cálculo da renda mensal que visa a preservar o valor do benefício. "Tempo mínimo de contribuição", de outra parte, diz respeito a pressuposto de concessão, critério de elegibilidade e não interfere necessariamente no cálculo da renda mensal do benefício.
O cálculo do salário de benefício da aposentadoria por incapacidade permanente (art. 26 da EC 103/2019) deve ser realizado pela média aritmética simples de todos os salários de contribuição do segurado (aqui entra a regra do descarte). Quanto à pensão por morte, o cálculo é feito com base (1) no salário de benefício da aposentadoria eventualmente recebida pelo segurado instituidor ou (2) daquela que teria direito se fosse aposentado por incapacidade na data do óbito, sendo necessário simular o cálculo da renda mensal da aposentadoria por incapacidade permanente para se chegar ao valor da pensão por morte. Perfeitamente possível aplicar-se a técnica do descarte, portanto.
O professor Sérgio Geromes, no seu livro Passo a Passo do Cálculo do Benefício Previdenciário. 3. ed. São Paulo: Lujur, 2022, defende que o dispositivo constitucional (§ 6° do art. 26 da EC 103/19) não restringe do alcance da regra do descarte outros benefícios, “podendo, inicialmente, ser aplicado a todos”. A limitação, diz, por decreto do INSS, “inovando no ordenamento”, é que restringe a regra do descarte às aposentadorias programadas (p. 180).
O referido autor sustenta que mantido o entendimento de que o descarte de menores salários de contribuição somente será aplicado aos benefícios programáveis, grande e injustificada redução sofrerá a renda mensal dos benefícios por incapacidade e pensão por morte (op. Cit. p. 181).
Para este mesmo autor, também o apagamento das contribuições descartadas é inconstitucional. “Essa hipótese é descabida pois o descarte dos menores salários de contribuição se dá apenas para efeitos de cálculo do salário de benefício, como disciplinado no § 6º do art. 26 da Emenda Constitucional, mantendo hígido o patrimônio jurídico do segurado” (op. cit. p. 181), motivo pelo qual não haveria inconsistência em aplicar-se a regra do descarte a benefícios provisórios.
No mesmo sentido o escólio de Alexandre Barbosa:
De um lado, temos a Emenda à Constituição, que disciplina a possibilidade de se excluir todos os valores e tempos de contribuição excedentes para fins de melhora do cálculo dos benefícios previdenciários, sem qualquer ressalva quanto à modalidade do benefício; do outro lado temos o Decreto nº 3.048/99, alterado pelo Decreto nº 10.410/2020 – cujo objetivo era justamente adequar o Regulamento à supracitada Emenda – que preceitua que apenas aposentadorias programadas podem gozar da vantagem de excluir contribuições excedentes, bem como a Portaria nº 450/2020, editada pelo INSS, que está alinhada ao Decreto. Considerando a questão em apreço, forçoso concluir que tanto o Decreto quanto a Portaria, naquilo que contrariam a EC, são irremediavelmente inconstitucionais, já que não é possível que normas infraconstitucionais restrinjam direitos fundamentais. Como cediço, a Previdência Social é um Direito Fundamental, conforme previsto no artigo 6º da Constituição (BARBOSA, Alexandre. A aplicabilidade do art. 26 § 6ª da EC 103/19 para todos os benefícios previdenciários. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/aplicabilidade-do-art-26-6%C2%AA-da-ec-10319-para-todos-os-alexandre. Acesso em 21 jun. 2024).
Ante o exposto, voto por ratificar o voto que proferi no início do julgamento e o adenso com os fundamentos acima.
VOTO-VISTA - Gabriela Pietsch Serafin
Cuida-se de apelação interposta por Sueli Correa de Souza contra a sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na inicial de não ser aplicável ao cálculo da renda mensal inicial do benefício de pensão por morte a denominada regra do descarte das contribuições, prevista no artigo 26, § 6º, da EC n. 103/2019.
O eminente Relator manifestou-se pelo provimento da irresignação, argumentando que se trata de dispositivo geral de cálculo dos benefícios, pois "não está escrito no texto constitucional que a sua aplicação é restrita apenas às aposentadorias programáveis", incidindo, portanto, também para o cálculo de benefício por incapacidade e pensão por morte. Sua Excelência defendeu utilização de exegese da norma frente, sobretudo, ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Na mesma assentada, o ilustre Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, apesar de também entender ser o caso de provimento do apelo, o fez por diversa fundamentação, sustentando que, tratando-se de "pensão por morte calculada com base na aposentadoria por incapacidade permanente a que o de cujus teria direito, caso estivesse aposentado, na data de seu óbito", "no cálculo da RMI dessa aposentadoria - por se tratar de benefício hipotético com DIB posterior à EC nº 103/2019 e anterior à lei de que virá a disciplinar o cálculo dos benefícios do RGPS -, não há como afastar, no presente caso, sua aplicação plena, inclusive no que tange à regra do descarte (artigo 26, § 6ª, da EC 103/2019)".
Com vista dos autos, após aprofundado exame do thema decidendum, dissinto, concessa maxima venia, dos nobres magistrados que me antecederam no voto.
A propósito da controvérsia versada nestes autos, estabelece o caput do artigo 26 da EC n. 103/2019 que, Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
Complementando tal regulamentação normativa, o §6º do referido dispositivo estatui que Poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo a que se referem os §§ 2º e 5º, para a averbação em outro regime previdenciário ou para a obtenção dos proventos de inatividade das atividades de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal (destacou-se).
Deveras que não há no parágrafo restrição explícita à regra de descarte nele prevista. Todavia, parece-me claro que o §6º excetua a regra geral do caput de que será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações no cálculo dos benefícios de RPPS e RGPS, estabelecendo que poderão ser excluídas dessa média "contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido".
Deve-se atentar para a circunstância de que, segundo o manual de técnica legislativa do Senado Federal, "o parágrafo é o complemento aditivo ou restritivo do caput do artigo" 1, de modo que, como afirmado acima antecipadamente, é forçoso chegar à ilação de que a exceção contida no §6º, a toda evidência, constitui expressa e inequívoca restrição ao comando contido no caput do artigo 26 de utilização da média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações no cálculo dos benefícios de RPPS e RGPS. É dizer, representa exceção à regra geral porque prevê que poderão ser excluídas dessa média, reitera-se, contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que, reitera-se, "mantido o tempo mínimo de contribuição exigido".
A aposentadoria por invalidez - e também a pensão por morte -, como é sabido e consabido, não reclamam "tempo mínimo de contribuição", que é exigido para os jubilamentos programáveis (aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, por exemplo).
Diversamente das aposentadorias programáveis, o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente (e igualmente a pensão por morte) resguarda o segurado da Previdência Social (ou seu dependente, na hipótese de pensão) de evento outro que não o implemento de avançada idade, mas, sim, o surgimento de inaptidão funcional (o óbito, em se tratando de pensionamento), razão pela qual não conta com a exigência de número mínimo de contribuições. Logo, cuidando-se de benefícios (por incapacidade laboral e pensão por morte) com particularidades próprias, justifica-se a intenção do legislador constituinte derivado em estabelecer regramentos diferentes, conforme a peculiaridade das prestações previdenciárias.
Concluindo, pontuo que não se me afigura possível o exercício de atividade hermenêutica do aludido §6º frente a outros princípios constitucionais, pois representaria a aplicação de um preceito genérico em detrimento de previsão regulatória específica, não sendo dado ao julgador tal especie de escolha.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.