Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício assistencial a pessoa portadora de autismo, o qual conseguiu comprovar a questão de miserabilidade para fins de obtenção do benefício. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA FÍSICA E/OU MENTAL. LAUDO MÉDICO PERICIAL. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. RENDA PER CAPITA SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. MISERABILIDADE COMPROVADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. O art. 203, inciso V da Constituição da República de 1988 estabelece como objetivo da assistência social a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. O art. 20, §2o da Lei 8.742/1993 esclarece que, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
3. A controvérsia dos autos cinge-se a verificar a comprovação da vulnerabilidade social da parte autora.
4. Destaca-se que a autora possui diagnóstico de autismo (CID F84.0) e outros transtornos globais do desenvolvimento (CID 84.8), conforme laudo médico pericial realizado (id 364123118 – p. 122).
5. Do estudo socioeconômico (id 364123123 – p. 10), elaborado em 21/3/2023, extrai-se que a autora, nascida em 19/12/2016, reside com a genitora e um irmão menor de idade. A renda declarada é de R$ 600,00 provenientes do Programa Bolsa Família e de eventual quantia que o genitor destina para o suprimento das necessidades básicas dos filhos. A assistente social apresentou parecer favorável à concessão do benefício assistencial. Ainda, conforme relato, a autora e o irmão são diagnosticados com TEA, fazem uso de aripripazol e necessitam de auxílio constante da genitora para realizarem suas atividades diárias.
6. Da análise dos autos, verifica-se que o genitor do autor não faz parte do grupo familiar, conforme verificado no laudo social. Outrossim, o INSS não informou a remuneração que o genitor do autor percebe. Cabe mencionar, ainda, que a genitora está impossibilitada de exercer atividade remunerada, já que seus dois filhos, diagnosticados com espectro autista, dependem totalmente dela.
7. Considerando o entendimento jurisprudencial consolidado de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social do grupo familiar da parte autora.
8. Apelação do INSS a que se nega provimento.
TRF 1ª, apelação cível 1020519-81.2023.4.01.9999, Nona Turma, Juiz Federal relator Paulo Roberto Lyrio Pimenta, 06/12/2024.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação interposta, nos termos do voto do Relator.
Juiz Federal PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA
Relator convocado
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS de sentença que julgou procedente o pedido inicial de concessão de benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, devidos desde a data do requerimento administrativo (10/12/2019).
Em suas razões, alega o INSS que a parte autora não preenche o requisito de miserabilidade, visto que genitor do autor possui renda superior ao estabelecido em lei, além de possuir veículo automotor. Requer, portanto, a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido da parte autora.
O apelado apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
O art. 203, inciso V da Constituição da República de 1988 estabelece como objetivo da assistência social a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
O art. 20, §2º da Lei nº 8.742/1993 do aludido dispositivo esclarece que, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A controvérsia dos autos cinge-se a verificar a comprovação da vulnerabilidade social da parte autora.
Destaca-se que a autora possui diagnóstico de autismo (CID F84.0) e outros transtornos globais do desenvolvimento (CID 84.8), conforme laudo médico pericial realizado (id 364123118 – p. 122).
Do estudo socioeconômico (id 364123123 – p. 10), elaborado em 21/3/2023, extrai-se que a autora, nascida em 19/12/2016, reside com a genitora e um irmão menor de idade. A renda declarada é de R$ 600,00 provenientes do Programa Bolsa Família e de eventual quantia que o genitor destina para o suprimento das necessidades básicas dos filhos. A assistente social apresentou parecer favorável à concessão do benefício assistencial.
Ainda, conforme relato, a autora e o irmão são diagnosticados com TEA -Transtorno de Espectro Autista, fazem uso de aripripazol e necessitam de auxílio constante da genitora para realizarem suas atividades diárias.
Em suas razões, alega o INSS que a parte autora não preenche o requisito de miserabilidade, visto que genitor do autor possui renda superior ao estabelecido em lei, além de possuir veículo automotor.
Da análise dos autos, verifica-se que o genitor do autor não faz parte do grupo familiar, conforme verificado no laudo social. Outrossim, o INSS não informou a remuneração que o genitor do autor percebe.
Cabe mencionar, ainda, que a genitora está impossibilitada de exercer atividade remunerada, já que seus dois filhos, diagnosticados com espectro autista, dependem totalmente dela.
Dessa forma, tendo em vista o entendimento jurisprudencial consolidado de que podem ser utilizados outros elementos probatórios para aferição da capacidade da família de prover suas necessidades básicas, resta comprovada a situação de vulnerabilidade social do grupo familiar da parte autora.
Portanto, transferindo-se todo o arcabouço retro montado ao caso concreto, deflui-se que o lado hipossuficiente faz jus ao benefício de prestação continuada. Afinal, é portadora de impedimento de longo prazo e se encontra em situação de miserabilidade, conforme encerrado pela sentença. É esse também o entendimento deste Tribunal Regional Federal:
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. ART. 203, V, DA CF/88. LEI 8.742/93. PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA FÍSICA E/OU MENTAL. PERÍCIA MÉDICA. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E VIDA INDEPENDENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, e a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) garantem um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, independentemente de contribuição à seguridade social. 2. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estão estabelecidos no art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) o requerente deve ser portador de deficiência ou ser idoso com 65 anos ou mais; ii) não receber benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime e iii) ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (requisito para aferição da miserabilidade). 3. O Col. STF, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, declarou que a regra constante do art. 20, § 3º, da LOAS não contempla a única hipótese de concessão do benefício, e sim presunção objetiva de miserabilidade, de forma a admitir a análise da necessidade assistencial em cada caso concreto, mesmo que o “quantum” da renda “per capita” ultrapasse o valor de ¼ do salário mínimo, cabendo ao julgador avaliar a vulnerabilidade social de acordo com o caso concreto. 4. Também o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, consagrou a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade do beneficiário por outros meios de prova, quando a renda per capita do núcleo familiar for superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Nesse sentido, cf. REsp 1.112.557/MG, Terceira Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/11/2009. 5. Firmou-se o entendimento jurisprudencial de que, para fins de cálculo da renda familiar mensal, não deve ser considerado o benefício (mesmo que de natureza previdenciária) que já venha sendo pago a algum membro da família, desde que seja de apenas 1 (um) salário mínimo, forte na aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Precedentes. 6. Considera-se deficiente aquela pessoa que apresenta impedimentos (físico, mental, intelectual ou sensorial) de longo prazo (mínimo de 2 anos) que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Tal deficiência e o grau de impedimento devem ser aferidos mediante avaliação médica e avaliação social, consoante o § 6º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social. 7. Na hipótese, a incapacidade da parte-autora ao trabalho restou comprovada pelo laudo médico acostado; já a condição de miserabilidade, nos termos alinhavados acima, encontra-se escudada no Estudo Social e documentos catalogados ao feito, autorizando, assim, a concessão do benefício vindicado, conforme deferido pelo juízo a quo. 8. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir do ajuizamento da ação, em observância ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado no RE n. 631240, respeitados os limites do pedido inicial e da pretensão recursal, sob pena de violação ao princípio da no reformatio in pejus. 9. Honorários recursais arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor/percentual a que foi condenada a parte ré na sentença, e sem prejuízo deste, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos nos incisos do §3º do art. 85 do CPC. 10. A correção monetária e os juros de mora devem observar os termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 11. Apelação do INSS desprovida. (AC 1005828-62.2023.4.01.9999. Relatoria Desembargador Federal João Luiz de Sousa. Publicado em PJe 13/07/2023 PAG).
Desse modo, preenchidos os requisitos necessários para concessão do benefício, a manutenção da sentença é medida que se impõe.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelo INSS.
Majoro os honorários de sucumbência em 1(um) ponto percentual.
É como voto.