sexta-feira, 17 de junho de 2022

Decisão trata sobre prazo decadencial em ato de indeferimento de benefício previdenciário

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 265 com a seguinte redação "A impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito. (Tese que altera a Súmula 81/TNU)". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
QUESTÃO DE ORDEM. SÚMULA 81 TNU. ALTERAÇÃO. ADEQUAÇÃO AO A TEMA 975 DO STJ E AO TEMA 265 DA TNU. REDAÇÃO ALTERADA.
1. No julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) 0510396-02.2018.4.05.8300/PE, representativo da controvérsia vinculada ao tema 265 da Turma Nacional de Uniformização, foi fixada a seguinte tese: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.
2. O teor do voto condutor faz expressa menção ao tema 975 do Superior Tribunal de Justiça, no qual foi fixada a seguinte tese: aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdencário.
3. Por outro lado, o enunciado 81 da súmula da jurisprudência dominante na Turma Nacional de Uniformização, aprovado em 18/06/2015, apresenta a seguinte redação: não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão.
4. A evolução do entendimento pretoriano exige uma atualização do referido verbete, autorizada na forma do art. 35, § 2º do Regimento Interno desta Turma Nacional. Desse modo, proponho que o enunciado adote redação idêntica à da tese fixada no julgamento do tema 265.
5. Nova redação do enunciado 81 da súmula da jurisprudência dominante na Turma Nacional de Uniformização: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.
TNU, PEDILEF 0510396-02.2018.4.05.8300/PE, Juiz Federal relator Fábio de Souza Silva, 10/12/2020.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, ALTERAR A REDAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 81 para que passe a adotar os seguintes termos: "a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito".

Brasília, 09 de dezembro de 2020.


EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 256. PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. IMPUGNAÇÃO. ATO DE INDEFERIMENTO, CESSAÇÃO OU CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. ADI 6.096. INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A IMPUGNAÇÃO DE ATO DE INDEFERIMENTO, CESSAÇÃO OU CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO SE SUBMETE A PRAZO DECADENCIAL OU PRESCRICIONAL
2. NÃO HÁ PRAZO EXTINTIVO DO DIREITO AO BENEFÍCIO.
3. TESE (TEMA 265): A IMPUGNAÇÃO DE ATO DE INDEFERIMENTO, CESSAÇÃO OU CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO SE SUBMETE A QUALQUER PRAZO EXTINTIVO, SEJA EM RELAÇÃO À REVISÃO DESSES ATOS, SEJA EM RELAÇÃO AO FUNDO DE DIREITO.
4. PUIL NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto do Juiz Relator, fixando a seguinte tese jurídica: "a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito". Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 265). A TNU, em questão de ordem, decidiu, por unanimidade, ALTERAR A REDAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 81, para que fique nos mesmos termos da tese ora fixada.

Brasília, 09 de dezembro de 2020.

RELATÓRIO
1. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra acórdão da 1ª Turma Recursal de Seção Judiciária de Pernambuco, que não reconheceu a decadência do direito à revisão do ato de indeferimento do benefício.

2. O autor, JOSÉ MARCOLINO DOS SANTOS, pretende a condenação do INSS a conceder-lhe benefício por incapacidade. A sentença havia pronunciado a decadência do direito à revisão do ato de indeferimento do benefício, mas foi anulada pelo acórdão ora recorrido, que, aplicando a súmula 81 da Turma Nacional de Uniformização, afirmou não decair o direito em questão.

3. O INSS argumenta em suas razões recursais que a tese jurídica adotada contraria o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. De acordo com a autarquia, apesar de não haver prescrição do fundo de direito, ocorre a decadência do direito a impugnar o ato que indeferiu o requerimento.

4. Após inadmissão na origem, foi interposto agravo, provido por decisão do MM Ministro Presidente da Turma Nacional de Uniformização.

5. Na sessão de 19 de junho de 2020, a Turma Nacional de Uniformização decidiu conhecer o pedido de uniformização e afetá-lo como representativo de controvérsia, a fim de solucionar a seguinte questão jurídica: “o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício?”

6. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e a Defensoria Pública da União (DPU) foram admitidos como amici curiae, tendo ambos apresentados manifestações escritas.

7. Manifestação do Ministério Público Federal no evento 52.

É o relatório.

VOTO
É um requisito habitual e racional permitir ações judiciais apenas dentro de limites temporais sob ameaça de extinção. É o interesse da Administração, evidentemente, mas é também, ainda mais, o interesse social geral, e, não menos, o apelo de interesses privados, mais precisamente dos beneficiários dos atos administrativos.
[...]
O prazo contencioso, obviamente o centro da admissibilidade dos recursos, está hoje mais do que nunca vigiado e aberto ao debate, tanto nos seus princípios como nas suas técnicas, lembrando que a administração necessita de tanta racionalidade e clareza como generosidade...
(PACTEAU, Bernard. Manuel de contentieux administratif. Paris: PUF Droit, 2006, p. 131 – tradução livre)

8. A existência de prazos para o exercício de direitos é um corolário do princípio da segurança jurídica, essencial à estabilidade das relações jurídicas, especialmente, nos casos concernentes à impugnação de atos da Administração Pública. Como bem destacado por Bernard Pacteau, não se trata de uma simples defesa do interesse administrativo, mas uma exigência do interesse social geral e, mesmo, dos particulares relacionados ao caso.

9. Entretanto, não se pode olvidar que a tutela previdenciária configura direito fundamental, diretamente relacionado às condições necessárias à dignidade humana. Esse aspecto é um elemento a ser equilibrado com a segurança, em um juízo de ponderação, capaz de orientar a interpretação das normas sobre os prazos extintivos relacionados à concessão e à revisão de benefícios previdenciários.

10. Na discussão sobre a aplicação do prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 aos casos de indeferimento do benefício (tema 265), é necessário conjugar e ponderar a racionalidade e a clareza, responsáveis pela segurança, com a generosidade, traduzida, na busca de máxima eficácia dos direitos fundamentais.

11. Essa ponderação foi recentemente realizada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, que declarou a inconstitucionalidade de prazos extintivos do direito ao benefício.

12. O julgamento do presente incidente, portanto, deve partir das premissas adotadas por aquela Suprema Corte.

***
I. TEXTO LEGISLATIVO E SEU HISTÓRICO HERMENÊUTICO
13. A redação original da Lei 8.213/91 não previa a existência de prazo para a impugnação do ato de concessão ou de indeferimento do benefício, limitando-se o texto normativo a fixar prazo prescricional quinquenal para o exercício de pretensão ao recebimento de diferenças devidas e não pagas pelo INSS.

14. O prazo decadencial para revisão do ato de concessão do benefício apenas surgiu com a Medida Provisória 1.523-9, posteriormente convertida da Lei 9.528/97:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

15. Analisando a aplicação do prazo aos benefícios concedidos anteriormente à sua criação, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do tema 313, fixou a seguinte tese:

I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário;
II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1º de agosto de 1997.

16. O prazo foi reduzido pela metade pela Lei 9.711/98 (conversão da Medida Provisória 1.663/98) e novamente fixado em 10 anos pela Lei 10.839/04 (conversão da Medida Provisória 138/03).

17. Em 2012, a Turma Nacional de Uniformização editou o verbete 64 da súmula de sua jurisprudência dominante, compreendendo que o prazo em análise alcançaria o direito à revisão do ato de indeferimento:

TNU – súmula 64: O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos.

18. Entretanto, em 2015, a Turma Nacional adotou nova interpretação, para excluir do âmbito de incidência da norma os casos de indeferimento e cessação de benefícios, assim como as questões não apreciadas pela Administração:

TNU – súmula 81: Não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão.

19. Vale destacar que, em relação à última parte do enunciado (questão não apreciada pela Administração), o entendimento da TNU restou superado pela tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do tema 975:

STJ – tema 975: Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.

20. O presente representativo de controvérsia revisita a primeira parte da súmula 81, se propondo a responder a seguinte questão, objeto do tema 265 da TNU: “o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício?”

21. Importa anotar, ainda, que o legislador também avança sobre a temática e, no ano de 2019, promove nova alteração do texto legislativo, pela Medida Provisória 871/19, convertida na Lei 13.846/19, passando a prever o seguinte:

Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.

22. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei nº 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991, afirmando expressamente ser vedado pelo ordenamento constitucional a fixação de prazo para o exercício do direito ao benefício. Nas palavras do Ministro Edson Fachin, no voto condutor:

O prazo decadencial pode até fulminar a pretensão ao recebimento retroativo de parcelas previdenciárias ou à revisão de sua graduação pecuniária, mas jamais cercear integralmente o acesso e a fruição futura do benefício, motivo pelo qual, como acima já sustentado, o art. 103 da Lei 13.846/2019, por fulminar a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, compromete o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6º da Constituição da República.

***
II. NATUREZA JURÍDICA DO PRAZO PREVISTO NO CAPUT DO ART. 103 DA LEI 8.213/91: PRAZO DECADENCIAL
23. A análise da natureza jurídica do prazo previsto no caput do art. 103 da Lei 8.213/91 é elemento essencial para a formação do convencimento sobre o tema em julgamento neste Recurso Representativo de Controvérsia.

24. Neste capítulo do voto, será evidenciada a natureza decadencial do prazo, por triplo fundamento: classificação legislativa; referência a direito potestativo; e orientação jurisprudencial firmada pelo STJ.

25. Classificação legislativa. A Lei 8.213/91, desde a alteração realizada pela Medida Provisória 1.596/1997, fixa um prazo para a revisão do ato de concessão do benefício. É de grande relevância o fato de o próprio legislador classificar tal prazo como decadencial, valendo trazer à colação lição de Gustavo Kloh Müller Neves:

Particularmente, entendemos que hoje, diante do avanço da ciência jurídica e da sofisticação da atividade legislativa, acrescidos do fato de que o CC/2002 diferencia expressamente a prescrição da decadência, cabe ao legislador, em especial, determinar se um prazo é de prescrição ou de decadência. Em se tratando de um diploma legislativo de elaboração antiga, no qual não haja diferenciação precisa entre prescrição e decadência, podemos nos valer desses critérios; se um diploma, todavia, distingue os institutos, não consideramos possível a interpretação que um prazo de prescrição, assim denominado no texto de lei, seja de decadência, e vice-versa. A escolha eficacial cabe ao legislador e, a não ser que haja razão para controle da escolha legislativa com base em princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, deve ela prevalecer.
(NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 24).

26. Referência a direito potestativo. Além do nomen juris atribuído pelo legislador, a dogmática jurídica conduza à inegável natureza decadencial do prazo em análise, por referir-se ao direito potestativo de impugnação de ato administrativo concessório.

27. O lapso temporal para a impugnação não se refere ao exercício de uma pretensão, mas, ao poder do segurado questionar o ato administrativo, o que independe de qualquer prestação da Administração, a qual apenas se sujeita ao direito do administrado, detentor de verdadeira potestade.

28. Desse modo, o prazo do caput do art. 103 da Lei 8.213/91, por extinguir direito potestativo, tem natureza tipicamente decadencial.

29. Orientação jurisprudencial. Essa foi a lógica adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do tema 975, que determinou a aplicação do prazo do art. 103, caput da Lei 8.213/91 às questões não apreciadas pela Administração Previdenciária. No julgamento, foi fixada interpretação que afirma a natureza decadencial do prazo, devendo a direção hermenêutica indicada por aquela Superior Corte de Justiça orientar o julgamento desta Turma Nacional de Uniformização:

PREVIDENCIÁRIO. CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO REGIME DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA 975/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. QUESTÕES NÃO DECIDIDAS. DECADÊNCIA ESTABELECIDA NO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS INSTITUTOS DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF/1988) em que se alega que incide a decadência mencionada no art. 103 da Lei 8.213/1991, mesmo quando a matéria específica controvertida não foi objeto de apreciação no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.
2. A tese representativa da controvérsia, admitida no presente feito e no REsp 1.644.191/RS, foi assim fixada (Tema 975/STJ): "questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão." FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA 
3. É primordial, para uma ampla discussão sobre a aplicabilidade do art. 103 da Lei 8.213/1991, partir da básica diferenciação entre prescrição e decadência.
4. Embora a questão seja por vezes tormentosa na doutrina e na jurisprudência, há características inerentes aos institutos, das quais não se pode afastar, entre elas a base de incidência de cada um deles, fundamental para o estudo da decadência do direito de revisão dos benefícios previdenciários.
5. A prescrição tem como alvo um direito violado, ou seja, para que ela incida deve haver controvérsia sobre o objeto de direito consubstanciada na resistência manifestada pelo sujeito passivo, sendo essa a essência do princípio da actio nata (o direito de ação nasce com a violação ao direito). Essa disciplina está disposta no art. 189 do CC: "art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
6. Por subtender a violação do direito, o regime prescricional admite causas que impedem, suspendem ou interrompem o prazo prescricional, e, assim como já frisado, a ação só nasce ao titular do direito violado.
7. Já a decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito, os quais são conhecidos na doutrina como potestativos. Dessarte, para o exercício do direito potestativo e a consequente incidência da decadência, desnecessário haver afronta a esse direito ou expressa manifestação do sujeito passivo para configurar resistência, pois o titular pode exercer o direito independentemente da manifestação de vontade de terceiros.
8. Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (art. 207 do CC).
9. Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as bases jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é necessário que tenha ocorrido a afronta ao direito (explícito negativa da autarquia previdenciária) para ter início o prazo decadencial.
10. Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de benefício previdenciário prescinde de violação específica do fundo de direito (manifestação expressa da autarquia sobre determinado ponto), tanto assim que a revisão ampla do ato de concessão pode se dar haja ou não ostensiva análise do INSS. Caso contrário, dever-se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado pelo INSS.
11. Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido ("a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação") ou indeferido ("do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo").
12. Fosse a intenção do legislador exigir expressa negativa do direito vindicado, teria ele adotado o regime prescricional para fulminar o direito malferido. Nesse caso, o prazo iniciar-se-ia com a clara violação do direito e aplicar-se-ia o princípio da actio nata.
13. Não é essa compreensão que deve prevalecer, já que, como frisado, o direito que se sujeita a prazo decadencial independe de violação para ter início.
14. Tais apontamentos corroboram a tese de que a aplicação do prazo decadencial independe de formal resistência da autarquia e representa o livre exercício do direito de revisão do benefício pelo segurado, já que ele não se subordina à manifestação de vontade do INSS.
15. Considerando-se, por fim, a elasticidade do lapso temporal para os segurados revisarem os benefícios previdenciários, a natureza decadencial do prazo (não aplicação do princípio da actio nata) e o princípio jurídico básico de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3º da LINDB), conclui-se que o prazo decadencial deve ser aplicado mesmo às questões não tratadas no ato de administrativo de análise do benefício previdenciário.
FIXAÇÃO DA TESE SUBMETIDA AO RITO DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015
16. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015, a controvérsia fica assim resolvida (Tema 975/STJ): "Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário." RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
17. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu de forma diversa do que aqui assentado, de modo que deve ser provido o Recurso Especial para se declarar a decadência do direito de revisão, com inversão dos ônus sucumbenciais (fl. 148/e-STJ), observando-se a concessão do benefício da justiça gratuita.
CONCLUSÃO
18. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1648336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 04/08/2020)

***

III. INTANGIBILIDADE DO FUNDO DE DIREITO
30. O direito ao benefício previdenciário não é afetado pelo decurso do prazo. Essa orientação já havia sido fixada pelo Supremo Tribunal Federal no item I da tese firmada no tema 313: “inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário”.

31. Para a melhor compreensão da questão, é útil afastar-se da temática da impugnação do ato concessório, a fim de visualizar situação sob um prisma mais transparente. Para tanto, basta imaginar que, uma vez adquirido o direito à prestação previdenciária, seu exercício pode se dar a qualquer tempo, sem limitação decadencial. Preenchidos todos os aspectos da hipótese de incidência previdenciária, o requerimento pode se dar a qualquer tempo... 10, 20, 30, 40... anos depois... ainda assim a concessão será devida, pois o direito ao benefício não decai ou prescreve: inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.

32. Considerando o caráter inalienável do direito fundamental à proteção previdenciária, a intangibilidade do fundo de direito pelo decurso do tempo mantem-se ainda que tenha ocorrido manifestação da Administração Pública no sentido de indeferir, cancelar ou cessar o benefício.

33. Essa é a conclusão da própria autarquia, para quem, uma vez indeferido administrativamente um benefício, não há qualquer restrição à formulação de novo requerimento administrativo, ainda que com a mesma base fática e jurídica. Pode o segurado, a qualquer tempo, voltar a requerer a prestação previdenciária pleiteada em processo administrativo anterior. A única exigência administrativa é que o servidor solicite informações acerca do processo anterior:

IN 77/2015, Art. 685. Caso o segurado requeira novo benefício, poderá ser utilizada a documentação de processo anterior para auxiliar a análise.
1º Identificada a existência de processo de benefício indeferido da mesma espécie, deverão ser solicitadas informações acerca dos elementos nele constantes e as razões do seu indeferimento, suprindo-se estas pela apresentação de cópia integral do processo anterior, a qual deverá ser juntada ao novo pedido.
2º Nos casos de impossibilidade material de utilização do processo anterior ou desnecessidade justificada fica dispensada a determinação do parágrafo anterior.
(original sem grifo)

34. A inexistência de decadência ou prescrição do "fundo de direito" é reconhecida pelo INSS também em sua manifestação nestes autos. Nas razões do pedido de uniformização lê-se:

Dessa passagem verifica-se sem muito esforço que a ideia de imprescritibilidade somente se refere às hipóteses em que não foi apresentado o requerimento ou foi apresentado muitos anos após o fato gerador do benefício (exemplo: requerimento de pensão por morte com instituidor falecido antes mesmo da Lei n. 8.213/91; segurado urbano que perdeu a qualidade de segurado quando já possuía direito adquirido ao benefício – situação do art. 3º da Lei n. 10.666/2003). Nesse caso, obviamente, se não foi instituído prazo legal para o requerimento do benefício – e sua instituição seria de duvidosa constitucionalidade – não há decadência para a postulação ou formulação no âmbito administrativo.
Diferente, porém, é a situação em que o benefício foi devidamente requerido, isto é, em que houve apresentação do requerimento, ou seja, o benefício foi requerido e apreciado no prazo legal, com conclusão pelo seu indeferimento na via administrativa.
Assim, se o requerente preencher os requisitos legais, terá direito a receber o benefício requestado, contudo através de outro requerimento administrativo, e não mais através daquele que foi indeferido há dez anos

35. Cabe destacar que, no julgamento da ADI 6.096, o STF afirmou expressamente a inconstitucionalidade de prazos que alcancem o fundo do direito previdenciário:. Lê-se no voto condutor:

À vista disso, consoante consignado pelo i. Relator Ministro Roberto Barroso quando da apreciação do processo supratranscrito, o núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário.
Entendo que este Supremo Tribunal Federal admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito.
No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção.
Em outras palavras: na medida em que modificadas as condições fáticas que constituem requisito legal quando da entrada de um novo requerimento administrativo para a concessão do benefício negado ou de novo benefício que possa depender da reconsideração fática da negativa, a revisão do ato administrativo que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício é mecanismo de acesso ao direito à sua obtenção, motivo pelo qual o prazo decadencial, ao fulminar a pretensão de revisar a negativa, compromete o núcleo essencial do próprio fundo do direito.

36. Fica evidente, desse modo, que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o ordenamento constitucional brasileiro é incompatível com qualquer prazo (decadencial ou prescricional) que alcance o fundo do direito a um benefício previdenciário.

37. O direito ao benefício é imune, portanto, a qualqer prazo extintivo, seja aquele previso no art. 103 da Lei 8.213/91, seja o que parcela da jurisprudencia convencionou chamar de prescrição do fundo de direito, com base no Decreto 20.910/32.

38. Desse modo, a primeiro conclusão do voto é: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a prazo decadencial ou prescricional que alcance o fundo de direito.

IV. ALCANCE DO PRAZO DECADENCIAL
39. A redação do art. 103 da Lei 8.213/91, até a inconstitucional alteração promovida pela Medida Provisória 871/19, mencionava o prazo para impugnação “do ato de concessão de benefício”. Qual a extensão da expressão adotada pelo legislador? Limita-se aos atos que concederam benefícios ou alcança todos os atos que analisaram pedidos de concessão, ainda que indeferidos?

40. O posicionamento pessoal deste Relator é no sentido de que, como ato administrativo concessório, deve ser entendida a manifestação da Administração Pública sobre o requerimento de concessão de benefício previdenciário, seja a resposta favorável ou contrária ao segurado. Dessa forma, o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplicaria ao direito potestativo de impugnar atos administrativos que concedem ou indeferem benefícios previdenciários, sempre preservando o fundo de direito. Em outras palavras, caso não houvesse precedente que vinculasse esta Turma Nacional de Uniformização, a tese a ser proposta seria a seguinte:

O prazo decadencial do caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica à impugnação do ato de indeferimento de benefício previdenciário, mas não alcança o direito ao benefício (“fundo de direito), que pode ser objeto de novo requerimento administrativo, cuja resposta será passível de impugnação judicial.

41. No ententanto, no julgamento da ADI 6.096, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional qualquer prazo que impeça a impugnação de ato que indefere, cessa ou cancela o benefício previdenciário:

A decisão administrativa que indefere o pedido de concessão ou que cancela ou cessa o benefício dantes concedido nega o benefício em si considerado, de forma que, inviabilizada a rediscussão da negativa pela parte beneficiária ou segurada, repercute também sobre o direito material à concessão do benefício a decadência ampliada pelo dispositivo.
Ao contrário do que expõem o i. Presidente da República e a douta Advocacia-Geral da União, a possibilidade de formalização de um outro requerimento administrativo para sua concessão, não assegura, em toda e qualquer hipótese, o fundo do direito, porque, modificadas no tempo as condições fáticas que constituem requisito legal para a concessão do benefício, pode, em termos definitivos, ser inviabilizado o direito de tê-lo concedido.
É nesse sentido a interpretação doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio Savaris, colacionada abaixo:
“Poder-se-ia objetar à alegação de inconstitucionalidade que, sem embargo do transcurso do interregno decadencial, o fundo do direito não seria fulminado, visto que o segurado poderia renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo, segue o raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que derivariam do direito afetado pelo indeferimento é que seria extinto pela decadência.
De fato, aparentemente, seria possível conciliar o entendimento da Suprema Corte, de não extinção do fundo do direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão sobre os limites do alcance da nova regra decadencial. Ocorre que a argumentação não se presta a salvar a “nova decadência” do vício de inconstitucionalidade, porque um novo requerimento administrativo de concessão não asseguraria, para todo e qualquer caso, o recebimento do benefício, em face das alterações das condições de fato que constituem requisitos legais para a sua concessão. Isso fica ainda mais claro no caso dos atos de cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, dado que o restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer hipótese, em termos definitivos.” (SAVARIS, José Antônio. Inconstitucionalidade da decadência previdenciária da MP 871/2019. Alteridade, 2019. Disponível em:)
Ora, com o fim de afastar a hipótese de que eventual perda da qualidade de segurado sirva de óbice à concessão do benefício negado ou à obtenção de novo benefício, deve ser garantida à parte beneficiária ou segurada a revisão do ato administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação anterior.
A título de exemplificação, não questionada a negativa da aposentaria por idade ou por tempo de contribuição no decorrer do prazo decadencial, em face da perda da qualidade de segurado, pode a concessão da pensão por morte aos dependentes do beneficiário necessitar da revisão da negativa para reconhecimento, tanto da qualidade de segurado ao tempo do pedido de concessão quanto do direito adquirido ao benefício.
Além disso, ainda que mantida a qualidade de segurado, a concessão de novo benefício pode depender, para fins de satisfação do período de carência, da revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, porquanto a reconsideração fática da negativa serve ao cômputo do lapso temporal em que se deveria estar em gozo de benefício.
O entendimento jurisprudencial prevalecente é no sentido de que o período de recebimento do benefício por incapacidade, intercalado com períodos de contribuição, pode ser computado para efeito de carência. Nesse sentido, veja-se o teor da Súmula 73 editada pela TNU:
“O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social.”
Dessa forma, não questionada a negativa da concessão do benefício por incapacidade, pode a concessão de novo benefício, a exemplo da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, demandar a revisão da negativa para reconsideração fática de que havia incapacidade à época do pedido e, devida sua concessão, para cômputo do período em que se deveria estar em gozo do benefício como tempo de carência.
Portanto, assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício implicaria comprometer o exercício do direito à sua obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua fruição futura e a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do trabalhador e de sua família.

42. Conclui-se, dessa forma, que o STF chancela a primeira parte da súmula 81 desta Turma Nacional de Unformização, afirmando a não incidência do prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios.

V. TESE
43. Das razões acimas expostas, extraem-se duas conclusões: (i.) a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a prazo decadencial ou prescricional; e (ii.) não há prazo extintivo do direito ao benefício.

44. Considerando essas duas ideias centrais, proponho a seguinte tese:

a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.

45. Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização e fixar a seguinte tese, como resposta à questão jurídica vinculada ao tema representativo de controvérsia 265 da TNU: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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