sexta-feira, 18 de março de 2016

LOAS deve ter requisitos flexibilizados

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o benefício assistencial e os requisitos que compõe o benefício. Abaixo segue a decisão para análise dos colegas.


EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO E DEFICIENTE FÍSICO. REQUISITO ECONÔMICO. DEDUÇÕES. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ABRANGÊNCIA NACIONAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. 

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 18/04/2013, reinterpretou a posição adotada na ADI nº 1.232/DF, ao julgar a Reclamação nº 4.374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, ocasião em que reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 -que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo-, por considerar que esse critério se encontra defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, sem pronúncia de nulidade. 
2. A situação atual do benefício assistencial de prestação continuada permite que cada magistrado, frente a um caso concreto, possa avaliar a existência de gastos especiais decorrentes da idade ou da deficiência cotejandoos com a necessidade para o fim de verificar o risco social ao qual estaria submetido o núcleo familiar. 
3. A Administração Pública, por sua vez, não é dotada deste poder de valoração, porquanto adstrita à legalidade, dependendo de norma jurídica ou, ainda, determinação judicial que defina os limites de sua atuação. 
4. A dedução do cálculo da renda familiar de toda e qualquer despesa decorrente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, viola a reserva do possível, pois geraria um incremento substancial na concessão de benefícios assistenciais e, por consequência, um desequilíbrio no sistema jurídico, o que macula o princípio da igualdade material e do Estado Social, uma vez que, ensejando gastos não previstos, compromete o custeio de outras prestações positivas.
5. A Constituição Federal institui um direito às condições mínimas da existência humana digna determinando a criação de prestações estatais positivas, como é o caso do benefício assistencial. Porém, inviável afastar-se do objeto protegido pelo mencionado benefício, que é, justamente, eliminar a forma aguda de pobreza, ou seja, garantir condições mínimas de sobrevivência de quem nada tem, circunstância que não pode ser confundida com melhora das condições financeiras para aqueles que já possuem meios de sustentar suas necessidades básicas de vida. 

6. Despesas particulares com plano de saúde, cuidadores/assistentes, técnicos ou enfermeiros, revelam que inexistente o risco social do grupo familiar, que possui condições de arcar com tais despesas, mesmo que seu poder aquisitivo seja reduzido. 
7. A escolha por consultas particulares na área da saúde, assim como a aquisição de medicamentos, fraldas e alimentos especiais é opção do cidadão, na medida em que o Estado os fornece, através do SUS. 
8. A dedução de despesas com consultas na área da saúde e aquisição de medicamentos, fraldas e alimentos especiais na rede particular somente seria justificada nos casos em que, requerida a prestação ao Estado, houvesse a negativa da Administração. É apenas diante da negativa do direito que a aquisição particular, em detrimento do correspondente serviço público ofertado, deixa de ser opção e passa a ser necessidade. 
9. Recurso parcialmente acolhido para compelir o réu a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, apenas as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, comprovadamente requeridos e negados pelo Estado.
10. Considerando a mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1243887/PR, Corte Especial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 12-12-2011) e tendo em conta o teor da presente demanda, que visa garantir os interesses assistenciais, impõe-se determinar a extensão dos efeitos da presente ação civil pública a todo território nacional. 
TRF 4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5044874-22.2013.4.04.7100/RS, 6ª T., Des. Federal Relatora Vânia Hack de Almeida, 27.02.2016.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, julgando parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, apenas as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, requeridos e negados pelo Estado, estendendo os efeitos deste julgado a todo o território nacional, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. 

Porto Alegre, 27 de janeiro de 2016.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora


RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ajuizou a presente Ação Civil Pública em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, buscando compelir o réu a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, bem como o respectivo transporte, entre outros, facultando os meios de prova razoáveis. Requereu a fixação de multa diária de R$ 30.000,00 em caso de descumprimento da sentença. 

Em sua contestação (evento 6), o INSS sustentou, em síntese: a) a inadequação da via eleita, por não caber Ação Civil Pública contra lei em tese; b) a incongruência do pedido, considerando que se o §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 foi declarado inconstitucional, a norma foi retirada do mundo jurídico, não fazendo sentido o pedido de exclusão das despesas; c) o acórdão não possui efeito vinculante pois proferido em controle concreto de constitucionalidade; d) o critério de ¼ do salário mínimo é superior ao aceito mundialmente para definir a miserabilidade, que atualmente estaria em torno de 12% do salário mínimo, entendendo, assim, que tal critério não pode ser considerado ofensivo à dignidade humana; e) que o pedido desrespeita o efeito vinculante da ADI 1.232, a qual reconheceu a constitucionalidade da norma e f) que a procedência do pedido gera aumento na despesa pública, sem previsão de fonte de custeio, o que é vedado pelo art. 195, §5º, da CF. 

Proferida sentença de improcedência (evento 11), restou consignada a isenção de custas e honorários. 

Em seu recurso de apelação (evento 15), o Ministério Público Federal requereu a reforma da sentença, sustentando que a existência de políticas públicas não pode servir de óbice ao pedido posto nesta causa, uma vez que tais políticas nem sempre cumprem o seu papel, notadamente quando se trata de assegurar toda uma gama de produtos e serviços que possam virtualmente necessitar pessoas com deficiência ou idosos. Asseverou que a dedução de despesas relacionadas com a deficiência, com a idade avançada ou com a incapacidade é obrigação que se extrai da Constituição e da Lei, devendo preceder ao cálculo da renda familiar de benefício assistencial. Discorreu sobre os princípios constitucionais da dignidade humana, da isonomia e da legalidade. Sustentou que, até que sobrevenha lei que estabeleça critério mais detalhado para a aferição da vulnerabilidade econômica da família do idoso ou pessoa com deficiência incapaz de prover o próprio sustento, haverá de se suprir a omissão constitucional do Estado pela adoção de interpretações que estejam de acordo com a Lei Fundamental, sendo a exclusão das despesas inerentes à condição do beneficiário do cálculo da renda familiar a única interpretação aceitável. Requereu a procedência do pedido, com a ampliação dos efeitos da decisão para todo o território nacional. 

Os autos subiram a esta Corte. 

É o breve relato.
 

VOTO
Remessa Oficial 

Consoante decisão da Corte Especial do STJ (EREsp nº 934642/PR), em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos. 

Tratando-se de sentença de improcedência e não sendo o caso de ACP que vise o ressarcimento de danos ao Erário (REsp nº 1.108.542/SC), tenho que não é caso de reexame necessário. 

Logo, não conheço da remessa oficial.
 

Inadequação da Via Eleita 
Quanto à alegação de inadequação da via eleita, por não caber ação civil pública contra lei em tese. Aventou o INSS que a pretensão do Ministério Público Federal visa à criação de norma abstrata, o que não é viável neste tipo de demanda. 

Verifico que o objeto da presente ação civil pública, ao contrário do que argumentou o INSS, não é a criação de norma abstrata ou declaração de inconstitucionalidade de lei em tese -no caso o §3 do art. 20 da Lei nº 8.742/93-, mas o reconhecimento de que as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada devem ser deduzidas do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do direito ao benefício de prestação continuada, como forma de aferir a efetiva vulnerabilidade social. 

Portanto, tenho como correta a via escolhida.
 

Incongruência do pedido 
Tecendo considerações acerca do julgamento proferido no RE 567.985, referiu o réu a ausência de sentido do pedido de exclusão das despesas em debate considerando que o §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 foi declarado inconstitucional e a norma foi retirada do mundo jurídico. 

Embora o STF, no julgamento do RE 567.985, tenha reconhecido a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei 8.742/93, não o retirou do mundo jurídico, pois não houve pronúncia de nulidade do dispositivo. A meu ver, a inconstitucionalidade reconhecida diz respeito ao descumprimento do dever constitucional de efetivar adequadamente o comando do art. 203, V, da CF, em outras palavras, a inconstitucionalidade decorre do estado de proteção insuficiente do direito fundamental. 

Neste contexto, creio que o pedido vertido nesta ACP visa, na prática, conferir meios para que se possa aferir a vulnerabilidade social considerando a situação específica de cada caso concreto, que não apenas a aplicação objetiva de critério legal, concretizando, assim, o cumprimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito social de assistência aos desamparados. 

De outro lado, afirma o INSS que o acórdão prolatado no RE 567.985 não possui efeito vinculante, pois proferido em controle concreto de constitucionalidade, sendo que os Juízes podem dele divergir e a Administração Pública continua vinculada à lei. 

Ocorre que o RE 567.985 foi julgado em regime de repercussão geral, cabendo atentar que o art. 543-B do CPC indica a existência de efeitos erga omnes e vinculante deste julgamento, impondo-se observância à mencionada decisão. 

Assim, passo ao exame do mérito.
 

Mérito 
A presente Ação Civil Pública tem por escopo compelir o INSS a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, bem como o respectivo transporte, entre outros. 

O benefício de prestação continuada encontra-se garantido pela Constituição brasileira e regulamentado em legislação específica, conforme dispositivos que transcrevo:

Constituição Federal
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
 

Lei nº 8.742/93
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)


Segundo o Supremo Tribunal Federal, o benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, 'é uma especialização dos princípios maiores da solidariedade social e da erradicação da pobreza, versados no artigo 3º, incisos I e III, do Diploma Maior', o que 'concretiza a assistência aos desamparados, estampada no artigo 6º, cabeça, da Carta Federal. Daí ostentar a natureza de direito fundamental'. 

Ocorre que, em aplicação estrita do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, acima transcrito, o INSS tem considerado, para fins de concessão do BPC, a renda per capita daComunidade de Necessidade sem qualquer avaliação específica das condições deste grupo familiar, ou seja, sem o abatimento ou desconto de quaisquer despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, entendendo que se a referida renda familiar ultrapassar o limite de ¼ do salário mínimo o benefício deve ser indeferido. 

Não obstante o STF, quando do julgamento da ADI nº 1.232/DF, tenha assentado a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, a jurisprudência mais atual vem consagrando que a referência legal à renda per capita de ¼ do salário mínimo é apenas um parâmetro objetivo de miserabilidade, não obstando outros meios de prova para a demonstração da situação de vulnerabilidade social. 

Neste sentido, colho os seguintes precedentes:
AGRAVO LEGAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA DO GRUPO FAMILIAR. ESTUDO SOCIAL. TEMA DA COMPOSIÇÃO DO CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA, QUANTO AO LIMITE OBJETIVO POSTO PELA LOAS (LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL). 1. O requisito econômico para a concessão do benefício consistente na exigência de que a renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 20, caput e §3º da Lei nº 8.742/1993), deve ser entendido como um limite objetivo, sendo que a avaliação da miserabilidade do grupo familiar, na hipótese de superação daquele limite, seja procedida não de modo abstrato, mas considerando as peculiaridades do caso concreto. Afinal, despesas decorrentes dos necessários cuidados com a parte autora, em razão de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, importam em gastos - notadamente com medicamentos, alimentação, tratamento médico, entre outros -, que são, nesse sentido, relevantes para a avaliação da real situação econômica do grupo familiar. (TRF4, AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.71.99.001550-2, 6ª TURMA, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, D.E. 13/05/2010, PUBLICAÇÃO EM 14/05/2010) (grifei)


PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS PROVADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO
BENEFICIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS DESPROVIDO. PRECEDENTES DO STJ. 

- Nos termos do art. 20 da Lei nº 8.742/93, alterado pela Lei nº 9.720/98, será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. 
- Entretanto, o STJ já pacificou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no §3º do art. 20 da Lei 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família (Resp 841.060/SP. Relator Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 25.06.2007).
- No presente caso, conforme analisado pela sentença, a beneficiária preencheu os requisitos
legais, tendo logrado comprovar sua condição de miserabilidade por outros meios de prova,
motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado.

(...)
- Agravo Regimental do INSS desprovido. (STJ. AgRg no Ag 1056934/SP - Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2008/0119717-0, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgamento unânime, em 03.03.2009, publicado no DJe 27/04/2009). (Grifei).


PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REMESSA OFICIAL, IMPLEMENTO DOS REQUISITOS. SALÁRIO MÍNIMO. PARÂMETRO. TERMO INICIAL. TUTELA ANTECIPADA. CONSECTÁRIOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
(...)
- A Constituição Federal estabeleceu que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição e tem como um dos seus objetivos, a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203, caput e inciso V).
- O entendimento desta Corte, na linha de precedentes do STJ, é que o limite de ¼ do salário mínimo, como renda familiar per capita representa apenas um parâmetro objetivo de miserabilidade, podendo ser excedido se o caso concreto assim o justificar.
(...)
(TRF4. Apelação Cível nº 2009.70.99.000686-9/PR, Relator Juiz Federal Dr. Fernando Quadros da Silva, acórdão unânime, publicado no D.E. do dia 04.11.2009). (grifei)


No mesmo sentido, registro que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo, como se vê do seguinte acórdão:
 

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a
necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO,julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) (grifei) 


Em mais recente pronunciamento, de 18-04-2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, reinterpretou a posição adotada na ADI nº 1.232/DF, ao julgar a Reclamação nº 4.374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, ocasião em que reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 -que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo-, por considerar que esse critério se encontra defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, sem pronúncia de nulidade. 

A situação atual do benefício assistencial de prestação continuada permite que cada magistrado, frente a um caso concreto, possa avaliar a existência de gastos especiais decorrentes da idade ou da deficiência cotejandoos com a necessidade para o fim de verificar o risco social ao qual estaria submetido o núcleo familiar. 

Viável ao magistrado, portanto, aferir de forma ampla todo o contexto ao qual inserido o idoso/deficiente demandante, considerando o princípio do livre convencimento motivado previsto no art. 131 do CPC. 

A Administração Pública, por sua vez, não é dotada deste poder de valoração, porquanto adstrita à legalidade, dependendo de norma jurídica ou, ainda, determinação judicial que defina os limites de sua atuação. 

Neste contexto, entendo que o pedido não pode ser deferido integralmente, uma vez que permitiria à parte postular descontos com gastos nem sempre imprescindíveis à sua manutenção, mas decorrentes de mera opção, como por exemplo, a utilização de plano de saúde particular, quando o Estado já fornece a todos os cidadãos o sistema público de saúde, com os seus custos próprios. 

Ademais, o deferimento total do pedido do MPF viola a reserva do possível, pois geraria um incremento substancial na concessão de benefícios assistenciais e, por consequência, um desequilíbrio no sistema jurídico, o que macula o princípio da igualdade material e do Estado Social, uma vez que, ensejando gastos não previstos, compromete o custeio de outras prestações positivas. 

Aliás, o impacto orçamentário com uma eventual alteração do critério econômico de miserabilidade não passou despercebido pelo Ministro Gilmar Mendes, Relator da Reclamação nº 4.374, cabendo transcrever excerto importante do voto:
 

'(...) Há uma constante preocupação com o impacto orçamentário de uma eventual elevação do atual critério de ¼ do salário mínimo para ½ do salário mínimo. Estudos realizados pelo IPEA e pelo MDS em janeiro de 2010, demonstram que, se viesse a vigorar o critério de renda per capita no valor de ½ salário mínimo, os recursos necessários para investimento no BPC em 2010 chegariam a R$ 46,39 bilhões, ou seja, 129,72% a mais do que a projeção do ano (R$ 20,06 bilhões).
(...)
De fato, a análise sobre a adequação do critério de ¼ do salário mínimo não pode desconsiderar o fato de que, num quadro de crescente desenvolvimento econômico e social, também houve vertiginoso crescimento da quantidade de benefícios assistenciais concedidos pelo Estado brasileiro. De aproximadamente 500.000 (quinhentos mil) benefícios concedidos em 1996, a quantidade de idosos e deficientes beneficiários passou para atuais 3.644.591 (três milhões, seiscentos e quarenta e quarto mil, quinhentos e noventa e um) (Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS). Em média, é gasto mensalmente 2 (dois) milhões de reais com esse benefício. Em valores acumulados até o último mês de abril de 2012, o custo total desses benefícios neste ano foi de 8.997.587.360 (oito bilhões, novecentos e noventa e sete milhões, quinhentos e oitenta e sete mil, trezentos e sessenta). Assim, tudo indica que, até o final deste ano de 2012, o custo anual do benefício será superior a 24 bilhões de reais. (...)' (grifos no original)


A solução desta lide passa, necessariamente, pela ponderação dos interesses contrapostos, de um lado a preservação do mínimo existencial e de outro a reserva do possível.

Pedro Thomé de Arruda Neto, discorrendo sobre as decisões pioneiras do Poder Judiciário, no Artigo denominado 'Políticas públicas, minus existencial, oposição da 'cláusula da reserva do possível' e a proibição do retrocesso social no Direito brasileiro', assim destacou:
 

'(...) o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, que o cidadão, de maneira racional, só pode esperar a fruição de direitos dentro de uma ótica de razoabilidade que deve ser delimitada dentro da realidade social de cada país.' (Fórum Administrativo - FA, Belo Horizonte, ano 15, n. 173. Jul 2015, pg. 74)

A Constituição Federal, de fato, institui um direito às condições mínimas da existência humana digna, determinando a criação de prestações estatais positivas, como é o caso do benefício assistencial. Porém, inviável afastar-se do objeto protegido pelo mencionado benefício, que é, justamente, eliminar a forma aguda de pobreza, ou seja,garantir condições mínimas de sobrevivência a quem nada tem, circunstância que não pode ser confundida com a melhora das condições financeiras para aqueles que já possuem meios de sustentar suas necessidades básicas de vida, pedido este que seria irrazoável conceber. 


Portanto, se de um lado temos que proteger a concessão de prestações essenciais básicas ao ser humano, isto é, preservar um mínimo existencial, de outro importa observar o que é viável de ser concedido pelo Estado. 

Imprescindível, assim, verificar quais dos pedidos se enquadram como essenciais à manutenção da vida (e não podem ser obstados em razão da falta de recursos) e quais não são essenciais - que não se enquadrariam como direito fundamental- e, portanto, estão sujeitos à reserva do possível, considerando serem finitos os recursos financeiros do Estado, sob pena de causarmos um colapso no cumprimento das demais prestações públicas. 

A meu ver, quando se trata de despesas particulares com plano de saúde, cuidadores/assistentes, técnicos ou enfermeiros, não há dúvida de que inexistente o risco social do grupo familiar, que possui condições de arcar com tais despesas, mesmo que seu poder aquisitivo seja reduzido, pois, como já referi, o benefício assistencial serve para eliminar a forma aguda de pobreza e não pode ser confundido com melhora nas condições de vida. 

Daí porque não considero razoável admitir a dedução destas despesas para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93. 

Quanto ao pagamento de consultas particulares a médicos, psicólogos, fisioterapeutas, ou qualquer outro especialista da área da saúde, tenho que é opção do cidadão escolher um serviço particular, na medida em que o Estado fornece, através do SUS, a prestação destes atendimentos. Assim, prestando o Estado o atendimento público dos serviços de saúde, entendo ser inviável que a opção pelo pagamento privado possa ensejar a dedução destes gastos para fins da concessão do benefício assistencial. 

Pela mesma razão, os valores gastos com a aquisição de medicamentos, alimentos especiais e fraldas na rede particular não podem ser deduzidos da renda per capitapara a obtenção do BPC, pois o Estado igualmente os fornece. 

Logo, a dedução de consultas na área de saúde e com aquisição de medicamentos, fraldas e alimentos especiais na rede particular somente seria justificada nos casos em que, requerida a prestação ao Estado, houvesse a negativa da Administração. É apenas diante da negativa do direito que a aquisição particular, em detrimento do correspondente serviço público ofertado, deixa de ser opção e passa a ser necessidade. 

De outro lado, não vejo como deduzir as despesas com transporte, primeiro porque há transporte público colocado à disposição da população, quando comprovada a necessidade por doença ou outros eventos similares. Segundo, porque o deferimento deste pedido poderia gerar distorções e fazer com que alguns entendessem que toda e qualquer forma de transporte estaria aqui abrangida. 

Portanto, tenho que o recurso do MPF merece parcial acolhida, para compelir o réu a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, apenas as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, comprovadamente requeridos e negados pelo Estado.
 

Fonte de Custeio 
No que pertine à alegação de violação aos princípios constitucionais da precedência da fonte de custeio e da separação dos Poderes da República, cabe transcrever trecho do voto proferido pelo Juiz Federal Guilherme Pinho Machado, Relator da APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.19.000090-8/RS, nos autos de ação civil pública, julgada pela Turma Suplementar desta Corte em 22-07-2009, D.E. de 04-08-2009:
 

'(...) Não colhe o argumento de que haveria, neste proceder, ofensa aos princípios da reserva legal, à separação dos poderes e ao princípio democrático de direito, pois não se está a ampliar os limites objetivos e subjetivos da norma legal ou a legislar positivamente, mas simplesmente interpretar as normas, nos termos da Constituição Federal. Igualmente, não se cogita de violação ao princípio da precedência de fonte de custeio, tendo em vista que o
benefício em comento independe de contribuição à seguridade social (artigo 203, inciso V, da CF/88) e será financiado, nos termos do artigo 195 da CF/88, por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos dos entes públicos e de contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada, do trabalhador e demais segurados da previdência social e da receita do concurso de prognósticos.'


Nessa linha, não há óbice à procedência parcial do pedido.

Honorários e Custas 

Considerando a natureza pública da ação (art. 18 da Lei 7.347/85), não são devidas custas judiciais nem honorários advocatícios.

Dos Efeitos da Decisão 

Acerca dos limites de abrangência dos efeitos do resultado da lide, adotando as razões já declinadas no voto proferido em 21/06/2013, no AI nº 5010512-85.2012.4.04.0000, pelo atual Ministro do STJ Néfi Cordeiro, quando ainda atuava nesta Corte, entendo que os efeitos da presente demanda devem ser estendidos a todo o território nacional, in verbis:

'(...) Considerando o atual entendimento do Superior Tribunal e tendo em vista o teor da presente demanda, que visa garantir os direitos de todos os dependentes que fazem jus ao benefício de auxílio-reclusão, cuja concessão não deve estar condicionada ao valor do último salário-de-contribuição percebido pelo segurado recluso -, tem-se que o caminho não resta senão o da reforma da decisão recorrida, para que seja determinada a extensão dos efeitos da presente Ação Civil Pública a todo território nacional e, não, limitar-se à Subseção de Porto Alegre/RS.


Como já dito acima, esse é o atual entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em julgado recente proferido em 19/11/2011, no RESP nº 1243887/PR, da lavra do relator Ministro Luís Felipe Salomão, a saber:
 

'A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual 'a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário' (REsp 293.407/SP, Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), em hora
mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.
Caso contrário, 'esse diferenciado regime processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido epulverizado em multifárias demandas individuais' (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit.p. 325), 'atomizando ' as lides na contramão do moderno processo de 'molecularização ' das demanas.
Com efeito, como se disse anteriormente, por força do art. 21 da Lei n.º 7.347/85, o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista, ambiental ou administrativa.
Assim, com o propósito também de contornar a impropriedade técnico-processual cometida pelo art. 16 da LACP, a questão relativa ao alcance da sentença proferida em ações coletivas deve ser equacionada de modo a harmonizar os vários dispositivos aplicáveis ao tema.
Nessa linha, o alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor acerca da extensão do dano e da qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo.
O norte, portanto, deve ser o que dispõem os arts. 93 e 103 do CDC, verbis :
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.


Portanto, se o dano é de escala local, regional ou nacional, o juízo competente para proferir sentença, certamente, sob pena de ser inócuo o provimento, lançará mão de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados em consideração, para tanto, os beneficiários do comando, independentemente de limitação territorial.'


No mesmo sentido são as recentes decisões proferidas pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. JUÍZO COMPETENTE.
1.'A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)'. (REsp 1243887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/10/2011, DJe 12/12/2011). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1182037/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012)


CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POSTULANDO RESERVA DE VAGAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. CONCURSO DE ÂMBITO NACIONAL. DIREITO COLETIVO STRICTO SENSU. INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO TERRITORIAL PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 7.374/85. DIREITO INDIVISÍVEL. EFEITOS ESTENDIDOS À INTEGRALIDADE DA COLETIVIDADE ATINGIDA. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. COMPETÊNCIA DO JUIZ FEDERAL PREVENTO PARA CONHECER DA INTEGRALIDADE DA CAUSA. 1. O direito a ser tutelado consubstancia interesse coletivo, a que se refere o inciso II do art. 81 do CDC (reserva de vagas aos portadores de deficiência em concurso de âmbito nacional), já que pertence a uma categoria, grupo ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis e, sob o aspecto objetivo, é indivisível, vez que não comporta atribuição de sua parcela a cada um dos indivíduos que compõem aquela categoria. 2. O que caracteriza os interesses coletivos não é somente o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos em umamesma relação jurídica, mas também por a ordem jurídica reconhecer a necessidade de que oseu acesso ao Judiciário seja feito de forma coletiva; o processo coletivo deve ser exercido deuma só vez, em proveito de todo grupo lesado, evitando, assim, a proliferação de ações com omesmo objetivo e a prolação de diferentes decisões sobre o mesmo conflito, o que conduz a umasolução mais eficaz para a lide coletiva. 3. A restrição territorial prevista no art. 16 da Lei daAção Civil Pública (7.374/85) não opera efeitos no que diz respeito às ações coletivas quevisam proteger interesses difusos ou coletivos stricto sensu, como no presente caso; nessashipóteses, a extensão dos efeitos à toda categoria decorre naturalmente do efeito da sentençaprolatada, vez que, por ser a legitimação do tipo ordinária, tanto o autor quanto o réu estãosujeitos à autoridade da coisa julgada, não importando onde se encontrem. 4. A cláusula ergaomnes a que alude o art. 16 da Lei 7.347/85 apenas estende os efeitos da coisa julgada a quemnão participou diretamente da relação processual; as partes originárias, ou seja, aqueles quejá compuseram a relação processual, não são abrangidos pelo efeito erga omnes, mas sim pelaimutabilidade decorrente da simples preclusão ou da própria coisa julgada, cujos limitessubjetivos já os abrangem direta e imediatamente. 5. Conflito conhecido para determinar acompetência do Juízo Federal da 4a. Vara Cível da Seção Judiciária do Estado do MatoGrosso do Sul, o suscitado, para conhecer da integralidade da causa, não havendo que se falarem desmembramento da ação. (CC 200902405608, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ -TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:15/12/2010.)' 


Neste aspecto, portanto, merece provimento o recurso do MPF para estender os efeitos da presente decisão a todo o território nacional, esclarecendo que o presentedecisum não tem o condão de relativizar eventual coisa julgada de âmbito local.

Prequestionamento 
Quanto ao prequestionamento, não há necessidade de o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamentam sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-09-99).

Dispositivo 
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, julgando parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a deduzir do cálculo da renda familiar, para fins de verificação do preenchimento do requisito econômico ao benefício de prestação continuada do art. 20 da Lei nº 8.742/93, apenas as despesas que decorram diretamente da deficiência, incapacidade ou idade avançada, com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis e consultas na área da saúde, requeridos e negados pelo Estado, estendendo os efeitos deste julgado a todo o território nacional.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo