quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Decisão nega divisão de pensão por morte entre mulheres


Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a impossibilidade da divisão do benefício de pensão por morte para mais de uma companheira devido a vedação a simultaneidade de relações maritais. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
ADMINISTRATIVO – PENSÃO POR MORTE –- COMPANHEIRA - SERVIDOR PÚBLICO QUE MANTINHA CONVÍVIO COM OUTRA COMPANHEIRA - SIMULTANEIDADE DE RELAÇÕES MARITAIS – IMPOSSIBILIDADE.
I - Mesmo que a autora tivesse comprovado coabitação com o de cujus, configurado estaria o relacionamento paralelo, eis que ele também vivia com a Sra. Luzia.
II - A estabilidade da união reconhecida constitucionalmente como entidade familiar se caracteriza não apenas pela “convivência pública, contínua e duradoura” e pelo objetivo comum de constituição de família, mas também pela não-simultaneidade com outra união reconhecida e mantida.
III – Recurso improvido.

TRF 2,
Proc. 0010314-26.2006.4.02.5101, 7ª T.,Desembargador Federal Juiz Reis Friede, 25.02.2013


ACÓRDÃO
Visto e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator constante dos autos, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, de de 2013.


Reis Friede
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por ELIETE ELIAS ARAUJO em face de sentença proferida pelo MM. Juízo da 28ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que julgou improcedente o pedido da autora, de percepção de pensão por morte do Sr. Helio Fernandes, ex-servidor do INSS, na qualidade de sua companheira. 

Como causa de pedir, a autora alega que conviveu maritalmente, por mais de 17 anos, com o Sr. Hélio Fernandes, ex-servidor do INSS; que, durante todo o relacionamento, sempre dependeu do companheiro sob todos os aspectos, e que o ex-servidor teria lhe deixado um imóvel; que a mais alta Corte de Justiça já reconhece o fenômeno da união estável, não sendo razoável que restasse desprovida, haja vista a dependência econômica oriunda da renda do falecido.

Em razões de recurso, a apelante requer a reforma da sentença, sustentando, em síntese, que carreou aos autos diversos documentos que atestam a verdadeira união estável: plano de pecúlio com a sua indicação como companheira; declarações do síndico, bem como de vizinhos do prédio onde moravam, os quais afirmam a existência da relação; seguro de vida, onde indica o instituidor como seu companheiro; documento que a responsabilizou pela assistência no período em que o ex-servidor esteve internado.

Contrarrazões da União Federal, do INSS e de Zilda Fernandes às fls. 348/351, 353/355 e 359/369, respectivamente. Remetidos os autos a este Tribunal, deles teve vista o Ilustre Representante do Ministério Público Federal, que entendeu não haver interesse jurídico que justificasse sua intervenção.
É o relatório.

VOTO
O Senhor Desembargador Federal Reis Friede (Relator): Não assiste razão à apelante.


Inicialmente, cumpre esclarecer a situação que se apresenta nos autos. Ocorre que o ex-servidor foi casado com a Sra. Zilda Fernandes até o ano de 1988, quando passou a viver em união estável com a Sra. Luzia Vicente do Nascimento, união esta que, ao que se apura dos autos, perdurou até a morte do instituidor do benefício. E após sua morte, a ex-esposa divorciada e a companheira Luzia Vicente do Nascimento passaram a receber as respectivas pensões, na proporção de 50% cada uma.


Neste norte, os documentos apresentados pela autora até podem comprovar algum relacionamento com o ex-servidor, porém não estável nos termos da Constituição Federal, posto que simultâneo à união deste com a Sra. Luzia Vicente do Nascimento.


A par de todos os avanços sociais na área do Direito de Família, há que se comprovar objetivamente a existência de relação estável até a data do óbito, e não simples envolvimento amoroso, ainda que duradouro, para fins de percepção de pensão.


Assim, mesmo que a Sra. Eliete tivesse comprovado coabitação com o de cujus, configurado estaria o relacionamento paralelo, eis que ele também vivia com a Sra. Luzia.


Em que pese o tema relativo à possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes seja controverso no Eg. STJ, o Voto proferido em 16/02/2006 pelo Sr. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relator do REsp 789.293/RJ, merece destaque por corroborar de forma clara e objetiva, em caso análogo, a tese ora esposada. Permita-se, aqui, a transcrição de trechos do Voto em comento, ipsis litteris: (grifos nossos)

(...) Essa construção foi feita exatamente para evitar que se acolha uma multiplicidade de relacionamentos amorosos no padrão exigido para a configuração de união estável. Quem convive simultaneamente com duas mulheres não tem relacionamento putativo para fins de união estável, pela só razão de que ou bem uma delas é de fato a companheira e a outra o relacionamento não estável, embora longo no tempo, ou nenhuma das duas é companheira e não reúnem condições apropriadas para reconhecer a união estável.
Não foi por outra razão que o novo Código Civil cuidou de conceituar a união estável na mesma linha da Lei n° 9.278/96, ou seja, reconhecer como entidade familiar a união estável "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.723). Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórdão, não enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma natureza de união estável, isto é, "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes. (...)


No julgamento do RE nº 590.779-1/ES, a Primeira Turma do C. STF a Sra. Ministra CÁRMEN LÚCIA deixou registrado que, “se há outra mulher, não há como estabilizar a relação. Outra mulher é sempre um fator de instabilidade”, oportunidade em que o Sr. Ministro MENEZES DE DIREITO ressaltou, enfim, que “seria até o absurdo de se reconhecer múltiplas uniões estáveis”, tese que, se fosse aceita, levaria à “pulverização” da pensão, o que, segundo o Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, “seria absolutamente inaceitável”.

Nesse mesmo sentido, já no âmbito desta Eg. Corte, confira-se atual julgado proferido pela Sexta Turma Especializada, in verbis: (grifos nossos)

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO ADMINISTRATIVO - CONCESSÃO DE PENSÃO ESTATUTÁRIA - COMPANHEIRA - SERVIDOR PÚBLICO QUE MANTINHA CONVÍVIO COM OUTRA COMPANHEIRA - SIMULTANEIDADE DE RELAÇÕES MARITAIS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.
I - Trata-se de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte para a companheira de ex-servidor público;
II - O conjunto probatório produzido nos autos não comprova a existência de convívio entre a autora e o de cujus, até a data do seu óbito, uma vez que o falecido mantinha outra relação familiar, em outro Estado, aonde veio a falecer, havia pelo menos 3 (três) anos antes da sua morte. Segundo palavras da própria apelante, presume-se que o de cujus mantinha duas famílias distintas em estados diferentes–. Resumindo o caso, no período em que a autora sustenta ter convivido com o de cujus, este já vivia na companhia de outra companheira, assim reconhecido, inclusive, por sentença judicial, o que exclui o direito da autora para fins previdenciários;
III - Mesmo que se admita, na hipótese, ter existido o convívio simultâneo do falecido com as supostas companheiras, impende salientar que tal relacionamento não se configura em união estável, conforme exigido pela legislação de regência da matéria, para fins de concessão da pensão por morte, seja ela militar ou civil, tendo em vista que a lei, a doutrina e a jurisprudência não admitem as situações de concomitância, ou de simultaneidade de relação marital ou de concubinato;
IV - Verifica-se, assim, que, mesmo que a autora tenha mantido um relacionamento revestido de aspectos inerentes a uma união estável, a esta não pode ser equiparada, tendo em vista a impossibilidade da manutenção de uniões estáveis concomitantes, em face da busca pela preservação do princípio monogâmico na sociedade brasileira;
V - Recurso desprovido.

(AC 200651010012527, Desembargadora Federal CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data: 11/07/2011 - Página: 148.)

O raciocínio jurídico que levou à construção do entendimento no sentido de que a união estável com pessoa casada somente produz efeitos jurídicos quando esta se encontra separada de fato – pode ser perfeitamente aplicado, por analogia, ao caso sub judice, que trata do reconhecimento de duas uniões estáveis para fins de rateio de pensão por morte.


Assim, conclui-se que a estabilidade da união reconhecida constitucionalmente como entidade familiar se caracteriza não apenas pela “convivência pública, contínua e duradoura” e pelo objetivo comum de constituição de família, mas também pela não-simultaneidade com outra união reconhecida e mantida.


Portanto, a existência e manutenção de outro núcleo familiar não permite que qualquer união que surja à margem dele seja estável e produza os efeitos jurídicos de uma união estável em relação à parte que lhe é estranha.


Para ser considerada estável, a união precisa ser um núcleo familiar único e equilibrado, não desestabilizado por nenhuma outra união (como um casamento ou uma união estável), porquanto a estabilidade não prescinde da exclusividade, decorrente da affectio maritalis, da fidelidade e de todos os princípios que regem o casamento.


Em verdade, uniões constituídas em paralelo a uma união reconhecida como entidade familiar são uniões instáveis. Todas as outras uniões concomitantes são consideradas ilegítimas para os efeitos do art. 226, §3º da Constituição Federal de 1988, ainda que tenham durado décadas, até o óbito de um dos “amantes”, e resultado em numerosa prole. Tais relações geram, no máximo, sociedades de fato, porquanto inexistente o requisito legal da vontade de constituir família nem a estabilidade. 


Como conseqüência, não se pode conferir à autora a qualidade de “companheira” do ex-servidor falecido e o direito à pensão advindo dessa condição. Neste sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – PENSÃO MILITAR – DIVISÃO ENTRE DUAS COMPANHEIRAS – IMPOSSIBILIDADE – MÚLTIPLAS UNIÕES ESTÁVEIS – SIMULTANEIDADE – NÃO RECONHECIMENTO – AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO DO ESTADO – ART. 226, §3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – DESIGNAÇÃO – DESNECESSIDADE – UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA.
I – A união estável como entidade familiar caracteriza-se pela convivência pública, duradoura e contínua e pelo animus de constituir família, nos termos do art. 226, §3º da Constituição Federal de 1988.
II – Contudo, para fazer jus à pensão juntamente com a viúva, a companheira precisa comprovar que, além de ter vivido em união estável com o instituidor até o seu último dia de vida, este se encontrava separado de fato de sua esposa, caso contrário a relação não será caracterizada uma união estável como entidade familiar, mas concubinato.
III – A estabilidade da união reconhecida constitucionalmente como entidade familiar se caracteriza não apenas pela “convivência pública, contínua e duradoura” e pelo objetivo comum de constituir família, mas também pela não-simultaneidade com união matrimonial reconhecida e mantida.
IV – A união estável com pessoa casada, mas separada de fato, produz efeitos no mundo jurídico, pois, nesse caso, a existência dessa nova relação não é concomitante nem paralela ao casamento, o qual, diante desse cenário, subsiste apenas por mera formalidade, em razão do vínculo conjugal.
V – O entendimento acima se aplica, por analogia, aos casos que tratam do reconhecimento de duas uniões estáveis com servidor solteiro para fins de rateio de pensão por morte.
VI – O ordenamento jurídico e a jurisprudência não admitem a fragmentação da situação jurídica da união estável, que é una para o Direito, sendo, portanto, impossível juridicamente o reconhecimento de múltiplas uniões dessa natureza.
VII – Para ser considerada estável, a união deve ser um núcleo familiar único e equilibrado, não desestabilizado por nenhuma outra união, porquanto a estabilidade não prescinde da exclusividade, decorrente da affectio maritalis, da fidelidade e de todos os princípios que regem o casamento.
VIII – Da mesma forma que uma pessoa casada está impedida de se casar novamente, o convivente também está impedido de constituir uma nova união estável enquanto não desconstituir a primeira. Caso se admitisse múltiplas e paralelas uniões estáveis, seria juridicamente possível – e não o é – transformá-las todas em casamento concomitantemente.
IX – Assim, uniões constituídas em paralelo a uma união estável já reconhecida são uniões instáveis, ilegítimas para os efeitos do art. 226, §3º da Constituição Federal de 1988, ainda que tenham durado décadas, até o óbito de um dos “amantes”, e resultado em numerosa prole.
X – Por esta razão, tem direito à pensão por morte apenas uma mulher: a que realmente viveu em união estável com o de cujus e logrou comprovar sua condição de companheira.
XI – A ausência de designação da companheira como beneficiária nos assentamentos funcionais do servidor não constitui óbice à concessão de pensão por morte, quando comprovada, por outros meios, a existência da união estável. A própria lei de regência (Lei nº 3.765/60, com as alterações da Medida Provisória nº 2215-10, de 31/08/2001) determina que a pensão militar seja deferida à companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar (art. 7º, I, b).
XII – No caso sub judice, restou comprovado que DALVA RAMOS MORENO foi companheira do ex-militar, não sendo possível equiparar a uma união estável a relação concomitante que GILDA DO AMARAL MASSOUD teve com o falecido por três décadas e que gerou um filho.
JUROS DE MORA – 6% A.A. A PARTIR DA CITAÇÃO (ART. 1º-F, DA LEI Nº 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA MPV Nº 2.180-35/2001) – APÓS A LEI Nº 11.960/2009, JUROS DA CADERNETA DE POUPANÇA – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – ÍNDICES DA CADERNETA DE POUPANÇA A PARTIR DA LEI Nº 11.960/2009.
XIII – Devem ser aplicados, no caso, a contar da citação, juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano, na forma do art. 1º-F, da Lei nº 9.494, de 10/09/1997, com redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001, mas, a partir da vigência da Lei nº 11.960, de 29/06/2009, que dera nova redação ao aludido dispositivo, para fins de compensação de mora, devem ser aplicados os juros da caderneta de poupança, excluída a expressão “uma única vez” (Enunciado nº 56 da Súmula do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, julgamento em 02/06/2011, E-DJF2R de 08/06/2011, pág. 9).
XIV – Para fins de atualização monetária, devem incidir, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 e até o efetivo pagamento, os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, conforme o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, excluída a expressão “uma única vez”.
XV – Apelações e remessas necessárias parcialmente providas, para reformar em parte a sentença.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
É como voto.

Reis Friede
Relator

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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