sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Justiça anula casamento cujo objetivo era o recebimento de pensão


Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a anulação de um casamento cujo objetivo era o recebimento de benefício previdenciário. No caso abaixo o homem tinha 26 anos e a mulher tinha 78 anos, servidora pública, e sofria de Mal de Alzheimer no momento em que contraiu o casamento não tendo a compreensão do ato que estava praticando. 

Abaixo segue a decisão para análise dos amigos que classificou o ato como uma simulação de casamento na tentativa de receber o benefício previdenciário futuramente.
 
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU, SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA,3ª VARA
Ação OrdináriaProcesso nº 0000510-26.2010.4.05.8200
AUTORA: UNIÃO
RÉU: PABLO PYERRE NÓBREGA CARVALHO
JUÍZA FEDERAL: CRISTIANE MENDONÇA LAGE
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito ordinário movida pela UNIÃO em face de PABLO PYERRE NÓBREGA CARVALHO, qualificados nos autos, objetivando a decretação de nulidade de pleno direito do casamento celebrado entre o réu e uma ex-servidora pública federal, reconhecendo, ainda, a ilegalidade do pedido de pensão por morte ou, alternativamente, que seja reconhecida a nulidade do casamento apenas para fins previdenciários.

O autor relata que o demandado apresentou requerimento de pensão por morte, na qualidade de viúvo de MARIA DO ROSÁRIO DA SILVA, ex-servidora da Justiça Federal, falecida em 28/10/2009. Defende a nulidade do casamento em virtude de ter sido celebrado em 21/06/2005, quando a ex-servidora contava com 78 (setenta e oito) anos de idade e já era portadora de Mal de Alzheimer, sem capacidade de compreensão. De outra forma, o réu se encontrava, na época, com 26 (vinte e seis) anos de idade, o que sugere a existência de casamento meramente formal.

Acrescenta que a nulidade do casamento se faz patente, ao considerar que a falecida servidora havia outorgado procuração pública, para todos os efeitos da vida civil, a Srª Mônica Danielle Rocha de Carvalho, que com ela residia, e com quem sempre se apresentava no Núcleo de Gestão de Pessoas desta Seção Judiciária.

Segundo a autora, esses fatos consubstanciam um quadro de ausência de mútua assistência, ou mesmo de assistência unilateral, bem como a inexistência de indicações exteriores de coabitação do casal. Juntou documentos às fls. 17/49. Tutela antecipada deferida, às fls. 51/52, para suspender os efeitos do casamento celebrado entre o réu e a ex-servidora federal para fins exclusivamente previdenciários.
 
 Citado, o réu apresentou contestação (fls. 61/83), requerendo inicialmente a gratuidade judiciária. Em seguida, levantou a tese de incompetência desta justiça para processar e julgar o feito e a ausência do devido processo legal na esfera administrativa, notadamente porque não fora convocado para defender-se no Processo Administrativo nº 452/2009 perante a Justiça Federal. Também defende a impossibilidade jurídica do pedido face à ausência de documentação necessária para se reconhecer a pretensa nulidade do casamento e afirma a sua ilegitimidade passiva, assim como a inépcia da inicial ante a inexistência de prova da incapacidade mental da de cujus. No mérito, renova os argumentos traçados nas alegadas preliminares.
 
Agravo retido nos autos às fls. 85/88 pelo autor, arguindo incompetência da Justiça Federal e ausência de prova da incapacidade da ex-servidora. Intimada para especificar provas e impugnar a contestação, a União rebateu as teses contestatórias e também impugnou o agravo retido (fls. 90/94). À fl. 97, o autor requereu a produção de prova testemunhal. Cópia da decisão proferida na exceção de incompetência relativa (fl. 99) apresentada pelo autor. Deferida a prova testemunhal e realizada audiência, foi colhido o depoimento pessoal do réu (fls. 112/114). Razões finais pelo autor.
 
FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade judiciária formulada pelo réu.
1- PRELIMINARES
1.1- COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Este tema já fora regularmente debatido na decisão que deferiu a tutela às fls. 51/52, bem como na decisão que julgou improcedente o pedido de exceção de incompetência formulado pelo réu (fl. 99), razão pela qual a presente preliminar resta superada.
 
1.2- AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA
Confunde-se o réu ao alegar que não fora convocado para tomar conhecimento e defender-se perante o Processo Administrativo nº 452/2009, haja vista que o referido processo foi por ele mesmo iniciado perante a Justiça Federal - Seção Judiciária da Paraíba - ao requerer o benefício de pensão por morte (fl. 18).
 
Por outra via, o processo administrativo não foi finalizado e sequer existe julgamento na esfera administrativa, donde se aguarda pronunciamentos da Advocacia Geral da União e do Ministério Público Federal (fl. 48). Logo, rejeito a preliminar.
 
1.3- IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
A impossibilidade jurídica do pedido pressupõe pedido fora do ordenamento jurídico, o que não se verifica no presente caso. A intenção da autora, em suma, é ver reconhecida a ilegalidade do pedido de pensão do réu, o que é perfeitamente plausível no campo jurídico. Portanto, rejeito-a.
 
1.4- ILEGITIMIDADE PASSIVA
Os efeitos oriundos do casamento que se pretende suspender ou anular diz respeito ao matrimônio entre uma ex-servidora federal e o réu, o que o torna parte passiva legítima para figurar na lide, pelo que a rejeito.
 
1.5- INÉPCIA DA INICIAL
A inépcia da inicial ante a alegação da inexistência de prova da incapacidade mental da de cujus se confunde com o mérito da ação, com o qual será adiante analisado.
 
2- MÉRITO
A autora busca nesta lide a decretação de nulidade do casamento celebrado entre o réu e uma ex-servidora pública federal, Maria do Rosário da Silva, para que se reconheça a ilegalidade do pedido de pensão por morte ou, alternativamente, que seja reconhecida a nulidade do casamento apenas para fins previdenciários.

Conforme descrito na decisão de deferimento da tutela antecipada, já havia fortes indícios de que o casamento discutido nos autos pode ser enquadrado na hipótese de simulação para fins previdenciários. Com a instrução processual, esta afirmação ficou ainda mais evidente, principalmente diante do depoimento pessoal do réu que adiante será enfocado. Antes, utilizo-me dos fundamentos trazidos às fls. 51/52, que são necessários para esclarecer os fatos, haja vista o réu não ter trazido na contestação argumentos capazes de contradizê-los:
 
O Código Civil define que a simulação dos negócios jurídicos estará caracterizada quando estes "[...] aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem" (art. 167, §1º, inc. I); estabelece como deveres dos cônjuges: vida em comum, no domicílio conjugal; e mútua assistência, entre outros (art. 1.566, incisos II e III).

Segundo consta dos autos - Parecer da Assessoria Jurídica da Justiça Federal Seção Judiciária da Paraíba -, a relação marital noticiada na certidão acostada aos autos, entre o réu e a ex-servidora, aparentemente não cumpria esses deveres.

O casamento com o réu era completamente desconhecido dos que a atendiam quando do comparecimento obrigatório anual no aludido órgão, para fins de manutenção da aposentadoria; e somente veio a tona após o óbito da servidora Maria do Rosário da Silva.

O requerente da pensão não consta dos assentamentos funcionais da ex-servidora, na Seção Judiciária da Paraíba, sequer para fins do plano de saúde que é custeado parcialmente pela instituição (Resolução 18/2009 do TRF 5ª Região), benefício este que ela própria utilizava.

É esperada a inclusão do cônjuge pelo servidor que detém tal benesse, a exemplo dos demais funcionários e inativos da casa, ante a vantagem financeira e a ampla cobertura de proteção à saúde oferecida pelo plano. A falecida servidora comparecia à sede da Justiça Federal em João Pessoa, anualmente, acompanhada da Srª Mônica Danielle Rocha de Carvalho, a qual se apresentava como sobrinha, e não do marido, o que denota o descumprimento do dever de assistência mútua e mitiga a possibilidade de existência de vida em comum entre eles.

A falecida, mesmo após estar casada, fato registrado em 21 de junho de 2005, passou procuração para a Srª. Mônica Danielle Rocha de Carvalho (20/06/2008), outorgando amplos poderes para a prática de atos da vida civil em seu nome, quando é esperado, numa relação conjugal verdadeira, que tal instrumento seja outorgado primeiramente ao marido, em virtude da relação de confiança que se instala entre os nubentes, que se sobrepõe, em regra, à mantida com os familiares consanguíneos.

Some-se a isso, o fato de o casamento com Maria do Rosário da Silva ter sido celebrado quando ela contava com 78 anos de idade, há apenas quatro anos do falecimento (29/10/2009), proveniente de "parada cárdio respiratória, insuficiência respiratória aguda, broncopneumonia, mal de alzheimer", o que sugere que era visível o estado de decrepitude da ex-servidora.

Todos esses aspectos sugerem a existência de um casamento meramente formal, realizado com o único intuito de obtenção de pensão do Poder Público, após o falecimento da servidora, já que, conforme consta da Certidão de Óbito, esta não deixou bens nem filhos.

Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, vislumbro a presença de forma inversa, eis que há risco iminente de a Administração ficar sem reaver os valores pagos a título de pensão por morte, caso reconhecida a simulação do casamento celebrado com a ex-servidora Maria do Rosário da Silva.

Como auxiliar administrativo, o beneficiário réu não se apresenta capaz de proceder ao ressarcimento dos valores eventualmente recebidos a título de pensão, os quais se apresentam expressivos perante a Administração, pois a ex-servidora recebia uma aposentadoria equivalente a R$ 9.524,61 (nove mil quinhentos e vinte e quatro reais, sessenta e um centavos).

De fato, todas as provas produzidas nos autos caminham para a conclusão de que o casamento celebrado entre o réu e Maria do Rosário da Silva objetivou, essencialmente, possibilitar àquele receber a pensão por morte dos cofres públicos, especialmente diante das declarações proferidas pelo réu na audiência de instrução, cujos trechos transcrevo-os abaixo (fls.112/114) :
 
"O depoente conheceu MARIA DO ROSÁRIO na igreja, no ano de 2004; não sabe exatamente qual era a idade dela, mas acredita que esta contava por volta de 70 anos; o réu tinha 27 anos de idade. (...) MARIA DO ROSÁRIO pediu ao depoente que ficasse à noite na casa dela para dormir, e aos poucos o depoente se mudou para a casa dela; havia uma troca de favores: MARIA DO ROSÁRIO recebia a companhia do depoente, e esse recebia moradia e auxílio financeiro, tendo-se em vista que era MARIA DO ROSÁRIO quem arcava com as despesas da casa, já que o depoente ganhava pouco.
Nunca houve relação sexual entre o depoente e MARIA DO ROSÁRIO, nem outros contatos íntimos, tais como beijo na boca e abraços; o depoente somente dormia junto com MARIA DO ROSÁRIO.
A ideia do casamento partiu de MARIA DO ROSÁRIO, a qual argumentava que não tinha ninguém para deixar a pensão; o depoente argumentou que ficaria uma coisa muito feia, mas ela contra-argumentou que aquilo era uma coisa que somente dizia respeito aos dois. (Grifei).
Depois de um ano que moravam juntos, o depoente se casou com MARIA DO ROSÁRIO.
Com relação à sobrinha de MARIA DO ROSÁRIO, MÔNICA, não havia nada entre os dois na época em que MARIA DO ROSÁRIO era viva; atualmente, "por ironia do destino", e pelo fato dos três terem passado muito tempo juntos, o depoente é companheiro de MÔNICA. (Grifei).
O relacionamento com MÔNICA iniciou-se depois da morte de MARIA DO ROSÁRIO; ela, MÔNICA, era proprietária da casa de MARIA DO ROSÁRIO (usufrutuária vitalícia) e, como o depoente ficou sem residência, MÔNICA permitiu que ele continuasse na casa; depois os dois acabaram por se envolver amorosamente.
(...) MARIA DO ROSÁRIO outorgou procuração conferindo amplos poderes para MÔNICA, e não para o depoente, pelo fato de MÔNICA há muito tempo lidar com os procedimentos burocráticos na Justiça Federal e na Caixa, já conhecendo todo mundo; ao passo que o depoente seria um estranho a 'cair de para-quedas'. (Grifei).
O depoente chamava MARIA DO ROSÁRIO de 'Rosa'; esta, por sua vez, o chamava de 'meu filho'.
"
 
Foi verdadeiro o réu em seu depoimento pessoal e assumiu que não havia nenhuma ligação afetiva e íntima com MARIA DO ROSÁRIO SILVA. Não se trata, portanto, de se saber se a ex-servidora tinha ou não o necessário discernimento para efetuar o negócio jurídico, pois, pelo que se pode extrair das declarações do réu em audiência, o casamento entre ela e ele realmente tinha como norte o recebimento de futura pensão, caminhando, por conseguinte, para a caracterização de casamento simulado, diferente da anulação do negócio jurídico ante a incapacidade absoluta daquela.

É difícil crer que uma senhora, com 78 (setenta e oito) anos de idade, ao conhecer um jovem de apenas 27 (vinte e sete) anos, fosse casar-se com o intuito de formar vida em comum e mútua assistência. Na verdade, ficou evidente que existia apenas "troca de favores" entre ambos, cujo casamento era meramente formal, já que a ex-servidora "não tinha para quem deixar a pensão".

Tudo decorreu do entendimento equivocado da instituidora do benefício de que a pensão seria integrante de seu patrimônio. Viúva e sem filhos - e certamente com a moral distorcida quanto ao trato do dinheiro público - optou MARIA DO ROSÁRIO em "eleger" um pensionista para viver confortavelmente às custas do erário, muito provavelmente porque não havia alternativa jurídica para destinar a pensão à sobrinha (MÔNICA DANIELLE ROCHA DE CARAVALHO).

Por tudo isso, vislumbro no caso um vício no negócio jurídico advindo do casamento, consubstanciado na simulação prevista no art. 167, §1º, inc. II, do Código Civil. Segundo Diniz1, "A simulação provoca falsa crença num estado não real, quer enganar sobre a existência de uma situação não verdadeira, tornando nulo o negócio".

A consequência jurídica desta conclusão deságua na impossibilidade da Administração Pública reconhecer o direito do réu em receber a pensão por morte por ele pleiteada na esfera administrativa mediante o Processo Administrativo nº 452/2009.

Apesar de reconhecer que o negócio jurídico (casamento) discutido nos autos encontra-se viciado, cujo intuito é eminentemente previdenciário, não cabe a este juízo decretar a nulidade do mesmo, mas se ater ao interesse da autora sobre a concessão da pensão por morte requerida nesta Seção Judiciária.

DISPOSITIVO
Ante o exposto, resolvo o mérito da demanda na forma do art. 269, I, do CPC e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO alternativo para RATIFICAR A TUTELA às fls. 51/52 e tornar, para fins exclusivamente previdenciários, sem efeito o casamento celebrado entre o réu e a ex-servidora MARIA DO ROSÁRIO DA SILVA, desobrigando a autora de conceder a pensão por morte ao réu.
 
Sem condenação do réu em honorários advocatícios, em virtude da gratuidade judiciária concedida. Sem custas a ressarcir. Remeta-se cópia desta decisão à Diretoria deste Fórum para constar no Processo Administrativo nº 452/2009. Conforme requerido à fl. 134, igualmente extrai-se cópia desta decisão e remeta-a à Policial Federal para instruir o Inquérito Policial nº 198/2011-SR/DPF/PB.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
João Pessoa, 09 de fevereiro de 2012.

CRISTIANE MENDONÇA LAGE
Juíza Federal
Substituta da 3ª Vara

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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