sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Benefício concedido a gestante de alto risco

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o reconhecimento do direito de uma mulher em período de gravidez, a qual foi afastada do trabalho por mais de 15 dias em razão da sua gestação ser de alto risco, ao recebimento do auxílio-doença. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA. PERÍODO DE CARÊNCIA. DISPENSA. GRAVIDEZ DE ALTO RISCO. TEMA 220 DA TNU. REQUISITOS SUPRIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDO PROCEDENTE.
1. Para a concessão da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença, o beneficiário do INSS deve comprovar, concomitantemente, a sua qualidade de segurado, a carência exigida por lei para cada benefício e a sua correspondente incapacidade para o trabalho (art. 42 e 59 da Lei 8.213/1999).
2. Busca a parte autora, por meio do seu recurso de apelação, demonstrar, no caso específico dos autos, que se tratando de gravidez de alto risco, estaria dispensada a comprovação do requisito da carência, para a concessão do auxílio-doença. Não há discussão quanto à incapacidade laboral e à qualidade de segurado.
3. Constata-se do inciso II do art. 26 da Lei 8.213/1999 que a enfermidade acometida ao segurado capaz de dispensar a necessidade de comprovação da carência correspondente ao benefício almejado deve conter “especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”.
4. Embora a gravidez de alto risco não faça parte do rol de enfermidades previsto na legislação de regência da matéria (arts. 26, II, e 151, da Lei 8.213/1991), traz tal situação um grau elevado de risco à vida da mãe e da criança que justifica a adoção de tratamento particularizado, com a dispensa da necessidade de comprovação do período de carência do benefício pleiteado, conforme previsto no Tema 220 da TNU, nos seguintes termos:
“TNU – TEMA 220: 1. O rol do inciso II do art. 26 da lei 8.213/91 é exaustivo. 2. A lista de doenças mencionada no inciso II, atualmente regulamentada pelo art. 151 da Lei nº 8.213/91, não é taxativa, admitindo interpretação extensiva, desde que demonstrada a especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. 3. A gravidez de alto risco, com recomendação médica de afastamento do trabalho por mais de 15 dias consecutivos, autoriza a dispensa de carência para acesso aos benefícios por incapacidade.”
5. Dessa forma, considerando ser de alto risco a gravidez da parte autora, com recomendação médica para afastamento das atividades laborais por mais de 15 (quinze) dias, deve ser dispensada, na presente hipótese dos autos, a exigência da comprovação da carência correspondente ao benefício pleiteado, o que enseja a reforma da sentença, para julgar procedente o pedido.
6. Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 870.947 (Tema 810/STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ).
7. Os honorários advocatícios, em razão da procedência do pedido, devem observar os critérios e parâmetros legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC e da Súmula 111 do STJ, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas, até a prolação do acórdão.
8. Apelação da parte autora provida, para, reformar a sentença; julgar procedente o pedido, para conceder à recorrente o benefício de auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo (DER: 08/10/2020), até a data da ocorrência do parto (01/04/2021), e inverter o ônus da sucumbência.
TRF 1ª, Processo 1029250-03.2022.4.01.9999, Primeira Turma, Desembargador federal relator Gustavo Soares Amorim, 18.12.2023.


ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Brasília-DF,
Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença (Id 270940561 – fls. 199/202) que, em sede de ação de rito comum, julgou improcedente o pedido, cujo objetivo buscava a concessão do auxílio-doença. Houve condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10 (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade ficou suspensa, ante a gratuidade de justiça (art. 98, § 3º, do CPC).

Apela a parte autora (Id 270940561 – fls. 215/222), alegando, em síntese, que, sendo sua gravidez de alto risco, seria dispensada para a concessão do auxílio-doença o requisito da carência. Sustenta que o Tema 220 da TNU trata do assunto. Requer, assim, a reforma da sentença e a concessão do benefício pleiteado.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO
Da admissibilidade

Conheço do recurso interposto por entender preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade.

Do mérito

Cuida a presente ação da possibilidade, ou não, de concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença a beneficiário vinculado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

Dispõe a Constituição Federal (art. 201) que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e, nos termos da lei, atenderá, entre outros, a cobertura (inciso I) dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada.

Ao dispor sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, a Lei 8.213/1991, no que se refere à aposentadoria por invalidez, prevê o seguinte:

“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.” sublinhei

O art. 44 desse mesmo diploma legal estabelece, ainda, que a aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. E, a teor do seu art. 46, o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.

Quanto ao auxílio-doença, o referido diploma legal (art. 59) determina que “(...) será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”.

De acordo, portanto, com a legislação de regência, a concessão da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença pressupõe a comprovação, concomitante, dos seguintes requisitos:

(a) a qualidade de segurado;

(b) o cumprimento da carência de 12 (doze) contribuições mensais (art. 25, I, da Lei 8.213/91), dispensada esta no caso de a incapacidade decorrer de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, bem como de alguma das doenças a que se refere o art. 151 da Lei 8.213/91; e

(c) incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade que seja apta a garantir a subsistência do segurado, para o caso da aposentadoria, ou incapacidade para o trabalho exercido ou para as atividades habituais, por mais de 15 dias consecutivos, para a hipótese do auxílio.

Busca a parte autora, por meio do seu recurso de apelação, demonstrar que no caso específico dos autos, tratando-se de gravidez de alto risco, estaria dispensada a comprovação do requisito da carência, para a concessão do auxílio-doença. Não há discussão quanto à incapacidade laboral e à qualidade de segurado.

Da Carência

Conforme a legislação de regência da matéria (Lei 8.213/1991):
“Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.”

Constata-se dos dispositivos citados acima que a enfermidade acometida ao segurado capaz de dispensar a comprovação da carência, correspondente a benefício por invalidez, deve conter “especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”.

Embora a gravidez de alto risco não faça parte do rol de enfermidades citado, a meu ver, traz um grau elevado de risco à vida da mãe e da criança que justifica a adoção de tratamento particularizado e específico, com a dispensa da necessidade de comprovação do período de carência do benefício pleiteado.

Conquanto não se tenha, ainda, precedente nesta Corte acerca do assunto, a Turma Nacional de Unificação dos Juizados Especiais Federais – TNU, por meio do seu Tema 220, assim dispôs:

“TNU – TEMA 220: 1. O rol do inciso II do art. 26 da lei 8.213/91 é exaustivo. 2. A lista de doenças mencionada no inciso II, atualmente regulamentada pelo art. 151 da Lei nº 8.213/91, não é taxativa, admitindo interpretação extensiva, desde que demonstrada a especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. 3. A gravidez de alto risco, com recomendação médica de afastamento do trabalho por mais de 15 dias consecutivos, autoriza a dispensa de carência para acesso aos benefícios por incapacidade.”

Com efeito, conquanto o laudo médico pericial judicial (Id 270940561 – fls. 63/71) tenha concluído que as enfermidades identificadas (“M51.4 Nódulos de Schmorl. M54.1 Radiculopatia O20.0 Ameaça de aborto”) não incapacitam a segurada para o trabalho, salienta que a sua gravidez é de alto risco, o que a impossibilita de exercer suas atividades laborais, nos seguintes termos:

“A gestante LEIDIANE OLIVEIRA COSTA, grávida de mais ou menos 13,5 semanas,) apresenta dor abdominal continuo e sangramento transvaginal há 1 semana aproximadamente.
Foi encaminhada para Hospital municipal do município onde foi avaliada e medicada com orientação para repouso. (USG 30/09/2020 gestação de 12 semanas e 4 dias)
Atualmente relata continuar com a mesma dor sem melhora apesar da medicação com crise de dor acentuada por momentos.
Tem como antecedentes duas gestações anteriores, sendo a primeira com quadro de hipertensão arterial e edema acentuado possivelmente pré-eclâmsia, no ano de 2019 fez tratamento completo de sifilis.
Com os antecedentes mas o quadro persistente de dor abdominal com sangramento transvaginal, consideramos a gestação como de alto risco, sendo solicitado exames laboratoriais complementares com proteinuria de 24 horas e monitoramento ecográfico, e encaminhada para Ginecologia e obstetricia para acompanhamento.
Por tal motivo encontra se impossibilitada de trabalhar no momento devido a indicação de REPOUSO ABSOLUTO.
CID 10:0 20.0
Solicitamos afastamento de toda atividade laboral pelo período de 90 dias.”

Dessa forma, considerando ser de alto risco a gravidez da parte autora, com recomendação médica para afastamento das atividades laborais por mais de 15 (quinze) dias, deve ser dispensada, na presente hipótese dos autos, a exigência da comprovação da carência correspondente ao benefício pleiteado, conforme previsto no Tema 220 da TNU.

Portanto, tem direito a parte autora à concessão do benefício de auxílio-doença, a partir da DER 08/10/2020 até a data da ocorrência do parto (01/04/2021).

Correção Monetária e juros
Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 870.947 (Tema 810/STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ).

Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios, em razão da procedência do pedido, devem observar os critérios e parâmetros legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC e da Súmula 111 do STJ, motivos pelos quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas, até a prolação do acórdão.

Dispositivo
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para, reformar a sentença; julgar procedente o pedido, para conceder à segurada o benefício de auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo, acrescidas as diferenças de juros de mora e correção monetária, com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal; e para inverter o ônus da sucumbência.

É como voto.

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Perfil

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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