sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Isenção de imposto de renda pode ser concedida mesmo em caso de doença com código ausente na lei

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a Lei 7.713/1988, a qual estabelece as hipóteses de isenção de imposto de renda quando os respectivos titulares forem acometidos por moléstias graves, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento que, apesar do rol de moléstias graves estar previsto na lei, é possível conceder a isenção a pessoas que tenham outras doenças graves e incuráveis, não listadas. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. APOSENTADORIA. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A isenção do imposto de renda motivada por doença grave está prevista no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988.
2. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento da isenção de imposto de renda no caso de moléstia grave, tendo em vista que a norma prevista no art. 30 da Lei nº 9.250/95 não vincula o Juiz, que, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC, é livre na apreciação das provas (AgRg no REsp 1233845/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, DJe 16/12/2011).
3. A Súmula 598 do STJ dispõe que “É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova”.
4. Cinge-se a controvérsia em verificar se o quadro apontado “transtorno bipolar do humor episódio atual depressivo grave e com sintomas psicóticos” encaixa-se como alienação mental para fins de isenção de Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF, bem como restituição de qualquer quantia previamente retida a partir da data em que foi adquirido o status de isento.
5. Conforme se infere da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, bem como do “manual de pericia oficial em saúde do servidor público federal”, tal quadro é considerado como alienação mental.
6. Apelação a que se nega provimento.
TRF 1ª, Processo: 0054690-08.2014.4.01.3400, Desembargador Federal relator Roberto Carvalho Veloso, 02/08/2023.


ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação.

Desembargador Federal ROBERTO CARVALHO VELOSO
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pela União contra sentença proferida pelo juízo a quo que julgou procedente o pedido para conceder a tutela de urgência, bem como o pedido para a suspensão do recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Física sobre os proventos do apelado. O dispositivo da sentença consta dos seguintes termos:

Em face do exposto, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para determinar à ré que suspenda o recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Física sobre os proventos do autor DONIZETE APARECIDO TAVARES, CPF 077.910.308-45.

Declaro o direito do autor à isenção de que trata o inciso XIV, art.6º, da Lei nº 7.713/88 e condeno a requerida à repetição do respectivo indébito tributário, alusivo ao IRPF que incidiu sobre todos os vencimentos recebidos pelo autor, desde 17/06/2014 (f1.32), até o último indevido desconto, após o trânsito em julgado, devidamente corrigido pelo Manual de Cálculos do CJF.

Alegou a União em suas razões que:

(...) pode-se aferir que para a ocorrência do benefício da isenção do imposto de renda, o legislador estabeleceu as seguintes condições cumulativas:
1) os rendimentos devem ser provenientes de aposentadoria, reforma e pensão;
2) o requerente deve ser portador de moléstia grave especificada em lei;
3) a moléstia deverá ser comprovada por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, com prazo de validade quando a moléstia for passível de controle.

Argumentou ainda a apelante que:
Importante ressaltar que de acordo com o laudo apresentado pelo perito (fls. 143), concluiu-se que o “periciado é portador do CID 10 F 31.5 (transtorno bipolar do humor episódio atual depressivo grave e com sintomas psicóticos)”, doença que não se enquadra no conceito de alienação mental, senão vejamos.
(...)

Por conseguinte, concluem ser “necessariamente casos de alienação mental":
a) estados de demência (senil, pré-senil, arterioesclerótica, luética, coréica, doença de Alzheimer e outras formas bem definidas);
b) psicoses esquizofrênicas nos estados crônicos;
c) paranóia e a parafrenia nos estados crônicos;
d) oligofrenias graves.
(...)

Com efeito, verifica-se que a doença da qual a parte Autora é portadora (transtorno bipolar de humor) não se encontra dentre aquelas que dão direito à isenção.

O apelado, por sua vez, aduziu no seguinte sentido:

No caso do Apelado, o transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos (F31.5) é crônico e caracteriza, técnico e juridicamente, alienação mental. Portanto, a jurisprudência confere ao seu portador o direito à isenção do I.R, art. 39, inciso XXXIII, do Decreto n. 3.000/99, combinado com o art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, não havendo se falar em qualquer reforma da sentença, a qual merece ser mantida em seus exatos termos.

É o relatório.

VOTO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 150, § 6º, prevê que qualquer subsídio ou isenção relativo a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica.

Por sua vez, o art. 111 do Código Tributário Nacional dispõe que a legislação tributária deve ser interpretada de forma literal quando houver outorga de isenção.

A Lei nº 7.713/88 estabelece as hipóteses de isenção com relação a proventos de aposentadoria ou reforma quando os respectivos titulares forem portadores de moléstias graves, nos casos e nas condições previstas no artigo 6º, inciso XIV, in verbis:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(...)
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004)

Porém, cabe verificar que a presente questão já se encontra pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa do tema repetitivo nº 250, em que a foi submetida:

“Questão referente à natureza do rol de moléstias graves constante do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 - se taxativa ou exemplificativa -, de modo a possibilitar, ou não, a concessão de isenção de imposto de renda a aposentados portadores de outras doenças graves e incuráveis.”

A tese firmada sobre tal questão encontra-se a seguir transcrita:

O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas.

Nas razões de apelação, foi ressaltado que o apelado é portador do "CID 10 F 31.5", que caracteriza transtorno bipolar do humor episódio atual depressivo grave e com sintomas psicóticos.

Alegou que a doença diagnosticada no laudo pericial não estaria abrigada pela Lei nº 7.713/88, e, portanto, que não estaria enquadrada no conceito de alienação mental.

Contudo, o STJ possui entendimento consolidado no sentido de que o laudo de perito oficial não é indispensável se o magistrado, com base em outras provas dos autos, entender estar devidamente comprovada existência de moléstia grave capaz de assegurar a isenção de imposto de renda, nos termos do art. 6º, XIV, do referido diploma legal. Senão vejamos:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. LIVRE CONVENCIMENTO. 1. O portador de neoplasia maligna tem direito à isenção de que trata o art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, em consonância com o entendimento desta Corte. 2. O Tribunal a quo concluiu que "ficou devidamente comprovada a existência de neoplasia maligna que isente a ora agravada do imposto de renda" (e-STJ fl. 30). 3. A revisão do acórdão, para acolher-se a tese da recorrente em sentido diametralmente oposto, exige análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ no recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. O laudo pericial oficial não é indispensável se o juiz, com base em outras provas dos autos, entender estar devidamente comprovada a existência de moléstia grave capaz de assegurar a isenção de imposto de renda, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 182022 / PE, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, j. 04/10/2012, DJe 11/10/2012)

Conforme apontado na sentença do juízo a quo, que consoante orientação jurisprudencial do STJ expressa no julgamento do REsp nº 673.741, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, ficou consignado que referida determinação tem como destinatária única a Fazenda Pública, e que, em ação judicial, a parte pode utilizar-se de todos os meios de provas admitidos na perseguição do reconhecimento do seu direito:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL, TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. MOLÉSTIA GRAVE. NEOPLASIA MALIGNA FARTAMENTE COMPROVADA. DESNECESSIDADE DE LAUDO MÉDICO OFICIAL. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS DE LEI AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento da isenção de imposto de renda no caso de moléstia grave, tendo em vista que a norma prevista no art. 30 da Lei nº 9.250/95 não vincula o Juiz, que, nos termos dos arts. 131 e 436 do CPC, é livre na apreciação das provas. Precedentes: REsp 1.088.379/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 29.10.2008; REsp 907.158/PE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe. 18.9.2008. 2.Mostra-se despropositada a argumentação de inobservância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CRFB) e do enunciado 10 da Súmula vinculante do STF, pois, ao contrário do afirmado pela agravante, na decisão recorrida, não houve declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais suscitados, tampouco o seu afastamento, mas apenas a sua exegese. 3.Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 1233845/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, DJe 16/12/2011)

Por sua vez, a Súmula 598 do STJ dispõe que “É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova”.

Demonstrado o atual entendimento do STJ, passa-se ao cerne da discussão.

Com a realização da perícia médica de natureza psiquiátrica, os resultados revelaram a existência de distúrbio mental, conforme evidenciado no fragmento subsequente:

No caso periciado, conforme acima exposto, segundo a história da doença, sua evolução, relatórios médicos, todos esses harmônicos entre si, foram evidenciados elementos médicos psiquiátricos que indicam a presença de alienação mental.
O periciando é portador do CID 10 F 31.5 (transtorno bipolar do humor episódio atual depressivo grave e com sintomas psicóticos).

De acordo com o referido laudo pericial, as seguintes considerações foram argumentadas:

Considera-se alienação mental o estado mental consequente a uma doença psíquica em que ocorre uma deterioração dos processos cognitivos, de caráter transitório ou permanente, de tal forma que o indivíduo acometido torna-se incapaz de responder legalmente por seus atos na vida social, mostrando-se inteiramente dependente de terceiros no que tange às diversas responsabilidades exigidas pelo convívio em sociedade. O alienado mental pode representar riscos para si e para terceiros, sendo impedido por isso de qualquer atividade funcional, devendo ser obrigatoriamente interditado judicialmente. Em alguns casos, torna-se necessária a sua interdição em hospitais especializados visando, com o tratamento, a sua proteção e a da sociedade.
(...)
São excepcionalmente considerados casos de Alienação Mental:
a) psicoses afetivas, mono ou bipolar, quando comprovadamente cornificadas e refratárias ao tratamento, ou quando exibirem elevada frequência de repetição fásica, ou ainda, quando configuram comprometimento grave e irreversível de personalidade (como no presente caso);
(...)
2. Se a doença o torna incapaz par manifestar seus atos total ou parcialmente;
Reposta: Sim.
3. Se a doença do autor pode ser equiparada a alienação mental;
Resposta: Trata-se de alienação mental. (grifei)

O laudo pericial afirma que a doença do apelado, “transtorno bipolar do humor episódio atual depressivo grave e com sintomas psicóticos” (CID 10 F 31.5), é configurada como alienação mental. Amolda-se, portanto, o caso fático do apelado à jurisprudência do STJ e desta Corte.

Assim, é possível a equiparação jurídica da doença – transtorno bipolar – à alienação mental, para fins de isenção de Imposto de Renda, nos termos do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88.

Na mesma linha de raciocínio resta consubstanciado o entendimento deste egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a seguir colacionado:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. IMPOSTO DE RENDA. PORTADOR DE DOENÇA GRAVE PREVISTA EM LEI. ISENÇÃO DO TRIBUTO SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. 1. Conforme a perícia médica judicial e os relatórios médicos, o autor foi diagnosticado com Transtorno Bipolar com sintomas psicóticos e Transtorno associado ao álcool (alienação mental). 2. Esse diagnóstico configura “alienação mental” conforme o “manual de pericia oficial em saúde do servidor público federal” – capítulo VI: “conceitua-se alienação mental como sendo todo quadro de transtorno psiquiátrico ou neuropsiquiátrico grave e persistente, no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, haja alteração completa ou considerável da sanidade mental...” 3. Ademais, o autor é judicialmente interditado (10.06.2014) com esse mesmo diagnóstico, tendo assim, direito subjetivo à isenção do imposto de renda prevista no art. 6ºXIV da Lei 7.713/1988. 4. Apelação da União/ré desprovida. (TRF1, AC 1010053-22.2018.4.01.3300, Oitava Turma, Relator Novely Vilanova da Silva Reis, D.E. 04/04/2022)

Desta feita, é incontroverso que o apelado possui o quadro de alienação mental. Quadro este que se encontra amoldado no tema repetitivo nº 250 do STJ e jurisprudência do TRF1a, no sentido de conceder o benefício fiscal aos aposentados portadores de tal moléstia grave.

Assim, faz jus ao reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade da imposição do Imposto de Renda de Pessoa Física sobre seus proventos, em virtude de sua condição de portador de moléstia grave, o que lhe confere o direito à isenção estabelecida no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, além da restituição de qualquer quantia previamente retida a partir da data em que o apelado adquiriu o status de isento (aposentadoria que data de maio de 2014), devidamente corrigida e atualizada monetariamente.

Satisfeitos os requisitos legais, há de ser mantida a sentença.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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