sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Contribuições em atraso antes da primeira contribuição em dia

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o pagamento de contribuições em atraso, anteriores a primeira contribuição paga em dia e a questão da contagem para fins de carência dessas contribuições. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CÔMPUTO, PARA FINS DE CARÊNCIA, DE CONTRIBUIÇÕES ANTERIORES À PRIMEIRA PAGA TEMPESTIVAMENTE. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
1. Quanto à possibilidade de computar, para fins de carência, contribuições individuais vertidas extemporaneamente, o art. 27, II, da Lei n.º 8.213/1991, autoriza a contagem apenas daquelas posteriores à primeira paga tempestivamente.
2. A Turma de origem entendeu que o disposto no art. 5º, § 4º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n.º 1.891, de 14/05/2019, norma de natureza infralegal, poderia se sobrepor ao art. 27, II, da Lei n.º 8.213/1991, autorizando a contagem, inclusive, das contribuições intempestivas anteriores.
3. Em verdade, o dispositivo da Instrução Normativa vem apenas esclarecer, até porque não poderia criar direito nem regulamentar de maneira diversa da lei ordinária, que é a quitação total do parcelamento que corresponde ao pagamento das contribuições individuais.
4. Ademais, quando fala em cômputo para fins de carência, está se referindo apenas às contribuições individuais que podem ser pagas com atraso e consideradas para aquela finalidade, ou seja, aquelas contribuições posteriores à primeira contribuição paga sem atraso.
5. Portanto, deve prevalecer a jurisprudência pacífica da Turma Nacional de Uniformização no sentido de que "no caso de contribuinte individual, especial e facultativo, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso devem ser consideradas para efeito de carência desde que posteriores à primeira paga sem atraso e que o atraso não importe nova perda da condição de segurado” (TNU, PEDILEF n.º 0502048-81.2016.4.05.8100, Relator Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, j. 25.04.2019).
6. Incidente conhecido e provido.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 1002082-53.2019.4.01.3816/MG, relator juiz federal Gustavo Melo Barbosa,

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, CONHECER e DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização interposto pelo INSS, restabelecendo a sentença de 1º grau de jurisdição.

Brasília, 23 de junho de 2022.

RELATÓRIO
Trata-se de Pedido Nacional de Uniformização interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Evento 01 – PEDUNIFNAC10) em desfavor da decisão proferida pela 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Minas Gerais (Evento 01 – ACOR7) que, reformando a sentença de 1º grau de jurisdição (Evento 01 – SENT4), julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade, reconhecendo, como tempo de carência, contribuições individuais pagas com atrasado e anteriores à primeira paga tempestivamente.

A Turma de origem justificou sua posição com fundamento no art. 5º, § 4º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n.º 1.891, de 14/05/2019, segundo o qual “Para fins de contagem de tempo de contribuição, inclusive para cumprimento do período de carência a que se refere o art. 25 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, as prestações pagas pelo contribuinte individual ou pelo segurado especial em cumprimento de acordo de parcelamento celebrado de acordo com esta Instrução Normativa serão computadas somente depois da quitação total do parcelamento”.

Em seu incidente, o INSS aponta divergência jurisprudencial com entendimentos do Superior Tribunal de Justiça – STJ, para quem “As contribuições previdenciárias recolhidas em atraso não podem ser consideradas para o cômputo do período de carência, nos termos do art. 27 da Lei nº 8.213/91” (REsp n. 870.920/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 3/4/2007, DJ de 14/5/2007, p. 390).

Também sustenta divergência com entendimentos de Turmas Recursais das Seções Judiciárias de Santa Catarina e do Paraná, que entendem “pertencer aos próprios sócios, na condição de responsáveis pela empresa, a obrigação final de verter as contribuições ao INSS." Entendem que "o autor, na condição de sócio cotista, deveria recolher contribuições como empresário contribuinte individual”.

O incidente foi admitido na origem (Evento 01 – DECADMPU11) e pela Presidência da TNU (Evento 05), sob o argumento de que “há indícios da divergência suscitada, porquanto o entendimento do acórdão recorrido diverge, em princípio, da posição adotada no aresto acostado como paradigma, no que tange à possibilidade de considerar como período de carência aquele em que a parte verteu contribuições em atraso, sendo sócia-cotista de empresa”.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.


VOTO
O pedido de uniformização de interpretação de lei federal está previsto no art. 14 da Lei n.º 10.259/2001, sendo cabível quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei”.

Por questões de direito material, entenda-se os pontos controvertidos de direito, ou seja, aqueles alusivos à construção, a partir dos enunciados dos textos normativos, da norma jurídica do caso concreto, desde que, para o deslinde da controvérsia, não seja necessária a reavaliação de provas nem o reexame dos fatos concretamente discutidos na demanda.

Para demonstrar a divergência, necessário o confronto do acórdão recorrido com acórdão paradigma de Turma Recursal de região diferente, da própria TNU ou do STJ (art. 14, § 4º). Também é possível que se utilize, para tais fins, enunciado de súmula da TNU ou do STJ.

Pois bem!

No caso em tela, observo que não restou evidenciada qualquer divergência com os entendimentos das Turmas Recursais das Seções Judiciárias de Santa Catarina e do Paraná, uma vez que a Turma de origem não nega que é responsabilidade do contribuinte individual, sócio quotista de empresa, a responsabilidade pelo recolhimento de suas contribuições.

Por outro lado, restou muito bem delineada a divergência entre os entendimentos expostos pela 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Minas Gerais e pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.

Portanto, conheço o incidente de uniformização.

Eis o trecho pertinente do acórdão guerreado (Evento 01 – ACOR7):
4. Verifica-se dos autos que a autora aderiu, em 29/09/2017, ao parcelamento especial instituído pela Lei 13.496/17, para pagamento parcelado dos débitos relativos às contribuições previdenciárias do período de 06/90 a 04/98, no qual exerceu atividade laboral como sócia da empresa CONCEJE – Contabilidade Central de Jequitinhonha Ltda, com retirada mensal “pro-labore”, conforme contrato social, comprovante de CNPJ e demais documentos.
5. De acordo com a Declaração de Liquidação do Parcelamento Especial – Lei 10. 684/03, emitida pela Secretaria da Receita Federal (ID.Num. 38907527 - Pág. 7), os débitos relativos às contribuições previdenciárias das competências 06/90 até 04/98 foram liquidados pela autora.
6. Consta da Instrução Normativa RFB nº 1.891, de 14/05/2019, que “Dispõe sobre o parcelamento de débitos perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil de que tratam os arts. 10 a 13 e 14 a 14-F da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002”, o seguinte:
“Art. 5º O parcelamento de débitos relativos às contribuições a que se referem as alíneas "a", "b" ou "c" do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, inclusive os decorrentes de reclamatórias trabalhistas, devidas por contribuinte individual ou segurado especial, fica condicionado ao cadastramento prévio do débito na unidade da RFB de seu domicílio tributário, na forma prevista no § 1º do art. 464 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009.
§ 4º Para fins de contagem de tempo de contribuição, inclusive para cumprimento do período de carência a que se refere o art. 25 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, as prestações pagas pelo contribuinte individual ou pelo segurado especial em cumprimento de acordo de parcelamento celebrado de acordo com esta Instrução Normativa serão computadas somente depois da quitação total do parcelamento.” (grifei)
7. No presente caso, comprovado o cumprimento do acordo de parcelamento, com quitação integral do débito parcelado, não há óbice ao cômputo das contribuições quitadas, para fins de carência.
8. A soma das 86 contribuições reconhecidas pelo INSS no PA a que se refere o NB 178.877.330-3 (DER: 12/01/2018) com as 95 contribuições relativas às competências 06/1990 a 04/1998 resulta em 181 contribuições, exigidas para a concessão da aposentadoria por idade em favor da autora, que completou 60 (sessenta) anos em 12/01/2018.
9. Voto pelo provimento do recurso da autora, para determinar ao INSS o pagamento da aposentadoria por idade, desde a DER, em 12/01/2018.

Por sua vez, eis a ementa da decisão paradigma do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. ART. 255 DO RISTJ. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RECOLHIMENTO DE PRESTAÇÕES EM ATRASO. TEMPO DE SERVIÇO. CÔMPUTO PARA EFEITO DE CARÊNCIA. ART. 27 DA LEI Nº 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE.
I – (...).
II – As contribuições previdenciárias recolhidas em atraso não podem ser consideradas para o cômputo do período de carência, nos termos do art. 27 da Lei nº 8.213/91.
Recurso especial desprovido.
(REsp n. 870.920/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 3/4/2007, DJ de 14/5/2007, p. 390.)

Quanto à possibilidade de computar, para fins de carência, contribuições individuais vertidas extemporaneamente, eis o teor do art. 27, II, da Lei n.º 8.213/1991, que veda a contagem daquelas anteriores à primeira paga tempestivamente:

Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:
(...)
II - realizadas a contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos V e VII do art. 11 e no art. 13.

No entanto, a Turma de origem entende que esse dispositivo legal não poderia prevalecer diante de dispositivo infralegal, o que, com todas as vênias, não tem o menor cabimento.

Eis o teor do art. 5º, § 4º, da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n.º 1.891, de 14/05/2019:

Art. 5º O parcelamento de débitos relativos às contribuições a que se referem as alíneas “a”, "b" ou "c" do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 1991, inclusive os decorrentes de reclamatórias trabalhistas, devidas por contribuinte individual ou segurado especial, fica condicionado ao cadastramento prévio do débito na unidade da RFB de seu domicílio tributário, na forma prevista no § 1º do art. 464 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009.
(...)
§ 4º Para fins de contagem de tempo de contribuição, inclusive para cumprimento do período de carência a que se refere o art. 25 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, as prestações pagas pelo contribuinte individual ou pelo segurado especial em cumprimento de acordo de parcelamento celebrado de acordo com esta Instrução Normativa serão computadas somente depois da quitação total do parcelamento.

Em verdade, parece-me que o parágrafo acima destacado vem apenas esclarecer, até porque não poderia criar direito nem regulamentar de maneira diversa da lei ordinária, que é a quitação total do parcelamento que corresponde ao pagamento das contribuições individuais.

Ademais, quando fala em cômputo para fins de carência, está se referindo apenas às contribuições individuais que podem ser pagas com atraso e consideradas para aquela finalidade, ou seja, aquelas contribuições posteriores à primeira contribuição paga sem atraso.

Portanto, deve prevalecer a jurisprudência pacífica da Turma Nacional de Uniformização no sentido de que "no caso de contribuinte individual, especial e facultativo, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso devem ser consideradas para efeito de carência desde que posteriores à primeira paga sem atraso e que o atraso não importe nova perda da condição de segurado”:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS EM ATRASO. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA A PARTIR DA PRIMEIRA PAGA TEMPESTIVAMENTE. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
(...)
No que respeita à questão da contagem da carência, cumpre destacar que esta Turma Nacional de Uniformização já decidiu que, no caso de contribuinte individual, especial e facultativo, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso devem ser consideradas para efeito de carência desde que posteriores à primeira paga sem atraso e que o atraso não importe nova perda da condição de segurado (PEDILEF 50698901220124047100):

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELO INSS. CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS EM ATRASO. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIAA PARTIR DA PRIMEIRA DO MÊS EM REFERÊNCIA E RESPECTIVO PAGAMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO RECUPERADA. ACÓRDÃO RECORRIDO NO MESMO SENTIDO DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA TNU. QUESTÃO DE ORDEM Nº 13. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. 1. Prolatado acórdão pela Segunda Turma Recursal do Rio Grande do Sul, o qual deu provimento ao recurso de sentença da parte autora, julgando procedente o pedido de concessão de aposentadoria por invalidez. O colegiado considerou para fins de carência, as contribuições previdenciárias vertidas em atraso, não obstante tenha havido perda da qualidade de segurado após a primeira contribuição vertida sem atraso. 2. Interposto incidente de uniformização pelo INSS, com fundamento no art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259/2001. Alega o recorrente que o acórdão impugnado diverge do entendimento da TNU, segundo o qual devem ser consideradas, para efeito de carência, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso, desde que posteriores à primeira paga sem atraso, e desde que não haja perda da qualidade de segurado nesse interregno. 3. Incidente admitido na origem, sendo os autos encaminhados à Turma Nacional de Uniformização e distribuídos a este Relator. 4. Nos termos do art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259/01, o pedido de uniformização nacional de jurisprudência é cabível quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por turmas recursais de diferentes regiões ou em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização ou do Superior Tribunal de Justiça. 5. Comprovada a divergência, passo ao exame do mérito. 6. Em relação aos segurados obrigados pessoalmente pelo recolhimento das contribuições, dispõe o art. 27 da Lei nº 8.213/91 (grifei): “Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições: ... II – realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso de segurados empregado doméstico, contribuinte individual, especial e facultativo...”.

Essa possibilidade do cômputo, para efeito de carência, dessas contribuições recolhidas em atraso decorre diretamente da interpretação do disposto no art. 27, II, da Lei nº 8.213/91. Importa, para que esse pagamento seja considerado, que não haja perda da qualidade de segurado.

Nesse particular, a Turma de Origem divergiu do entendimento desta TNU, portanto, merece prosperar o incidente de uniformização nesta parte.

Ante o exposto, voto por conhecer e dar provimento ao incidente de uniformização, para reafirmar a tese de que "no caso de contribuinte individual, especial e facultativo, as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso devem ser consideradas para efeito de carência desde que posteriores à primeira paga sem atraso e que o atraso não importe nova perda da condição de segurado".
(TNU, PEDILEF n.º 0502048-81.2016.4.05.8100, Relator Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, j. 25.04.2019)

Ante o exposto, voto por CONHECER e DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização interposto pelo INSS, restabelecendo a sentença de 1º grau de jurisdição.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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