sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Menor sob guarda e benefícios previdenciários

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o direito do menor sob guarda à pensão por morte. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR EMBORA A EC 103/2019 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. OBSERVÂNCIA DAS DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA, DIGNIDADE HUMANA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE POR PARTE DO ESTADO. 1. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO SEGMENTO DO ART. 23, §6º, DA EC 103/2019, RELATIVO À EXPRESSÃO "EXCLUSIVAMENTE", DE FORMA A AFASTAR INTERPRETAÇÃO QUE EXCLUA O MENOR SOB GUARDA DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA, NA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE, FIRMANDO A TESE DE QUE: É INCONSTITUCIONAL A EXPRESSÃO "EXCLUSIVAMENTE", CONSTANTE DO §6º, DO ART. 23 DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019, E, DA MESMA FORMA, VIOLA O NÚCLEO ESSENCIAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EXEGESE QUE IMPORTE EM EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA, NA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. INCIDENTE DESPROVIDO.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 5021979-86.2021.4.04.7100/RS, relatora juíza federal Susana Sbrogio Galia, 15/09/2022.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, negar provimento ao pedido de uniformização nacional, nos termos do voto da relatora.

Brasília, 15 de setembro de 2022.


RELATÓRIO
Trata-se de Incidente de Uniformização Nacional de Jurisprudência, interposto pelo INSS, em face do acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, em que se postula a concessão do benefício de pensão por morte à dependente na condição de menor sob guarda, em razão de óbito ocorrido em 12/12/2020, posteriormente ao advento da Emenda Constitucional (EC) 103/2019.

Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta dissídio jurisprudencial entre a decisão da Turma Recursal de origem e precedentes das Turmas Recursais da Seção Judiciária de São Paulo, quanto à tese jurídica de que

a Emenda Constitucional 103/2019, em seu artigo 23, § 6º, deixou expresso que "equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica", vedando, portanto, interpretações extensivas que equiparem a filho o menor sob guarda.

Foram apresentadas contrarrazões recursais pela parte recorrida. O pedido de uniformização foi admitido na origem e pela Presidência da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência.

É, no essencial, o relato dos fatos.


VOTO
Versa o incidente de uniformização sobre a concessão do benefício de pensão por morte à dependente na condição de menor sob guarda, em razão de óbito ocorrido posteriormente ao advento da Emenda Constitucional (EC) 103/2019.

1. Preliminarmente, impende esclarecer, em que pese se cuide de hipótese afeta ao controle difuso de constitucionalidade, que no PUIL nº 0521830-35.2020.4.05.8100/CE este colegiado procedeu ao cancelamento da sua Súmula registrada sob o número sequencial 86, permitindo o exame de constitucionalidade pela via incidental, nos termos do voto proferido por esta Relatora, da seguinte forma:

“A partir destas premissas, tem-se que o ponto de corte à amplitude do controle difuso de constitucionalidade frente ao controle concentrado consiste em que:
(a) A questão que envolve exame de constitucionalidade não pode ser objeto principal da lide, devendo possuir apenas caráter incidental, de modo a demonstrar-se imprescindível para análise do mérito e fornecimento da prestação jurisdicional (objeto principal da lide);
(b) Pode ser reconhecida de ofício pelos juízes, mas nos tribunais deverá observar a reserva de plenário (art. 97 da CF/88);
(c) A análise da constitucionalidade deve ser indispensável para julgar a causa e restaurar o direito violado; e
(d) A matéria não pode ser objeto de exame pelo STF em controle concentrado da constitucionalidade ou repercussão geral.” (g.n.)

Especificamente quanto à matéria sob exame, faz-se necessário referir que o Eg. Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADIs 4.878 e 5.083, reconheceu que a inconstitucionalidade do art. 23, da EC nº 103/2019, não foi efetivamente suscitada, vindo a ser mencionada apenas no âmbito dos embargos de declaração interpostos, razão pela qual não se procedeu à verificação da constitucionalidade do mencionado dispositivo, em homenagem ao princípio da demanda.

Por sua vez, na ADI 6.916 é debatido o cálculo da pensão por morte, sem se evidenciar discussão pertinente à situação do menor sob guarda.

Logo, não se identifica óbice ao exame de constitucionalidade do art. 23, § 6º, da EC nº 103/2019, que repetiu a redação conferida ao art. 16 da Lei 8.213/1991, excluindo o menor sob guarda da proteção previdenciária.

2. Na sequência do exame de admissibilidade recursal, constata-se que o voto/acórdão impugnado apresentou fundamentação nos seguintes termos:

Trata-se de demanda em que o autor postula a concessão do benefício de pensão por morte na condição de menor sob guarda em razão do óbito de Maria Cândida Severo Goulart, ocorrido em 12/12/2020.
Julgado procedente o pedido, recorre a parte ré postulando a reforma da decisão.
Passo à análise do recurso interposto.
Como se sabe, a pensão por morte é devida, nos termos do art. 74 da Lei nº 8.213/91, "ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não", incluindo-se, dentre os beneficiários, o "filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave".
Inicialmente, importante salientar que a figura do menor sob guarda foi excluída do rol dos dependentes previdenciários com a edição da Lei nº 9.528/97, lá permanecendo apenas a figura do menor tutelado.
Porém, a matéria em discussão no presente incidente foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, pela sistemática dos recursos repetitivos, na sessão de 11/10/2017 (REsp. n. 1.411.258 - Tema 732) sendo fixada a tese de que 'o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária'. Assim constou na ementa do julgado:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E HUMANITÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/STJ. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR. EMBORA A LEI 9.528/97 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, A TEOR DA SÚMULA 126/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO. 1. A não interposição de Recurso Extraordinário somente tem a força de impedir o conhecimento de Recurso Especial quando (e se) a matéria decidida no acórdão recorrido apresenta dupla fundamentação, devendo a de nível constitucional referir imediata e diretamente infringência à preceito constitucional explícito; em tema de concessão de pensão por morte a menor sob guarda, tal infringência não se verifica, tanto que o colendo STF já decidiu que, nestas hipóteses, a violação à Constituição Federal, nesses casos, é meramente reflexa. A propósito, os seguintes julgados, dentre outros: ARE 804.434/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 19.3.2015; ARE 718.191/BA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.9.2014; RE 634.487/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe 1.8.2014; ARE 763.778/RS, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe 24.10.2013; não se apresenta razoável afrontar essa orientação do STF, porquanto se trata, neste caso, de questão claramente infraconstitucional. 2. Dessa forma, apesar da manifestação ministerial em sentido contrário, entende-se possível, em princípio, conhecer-se do mérito do pedido recursal do INSS, afastando-se a incidência da Súmula 126/STJ, porquanto, no presente caso, o recurso deve ser analisado e julgado, uma vez que se trata de matéria de inquestionável relevância jurídica, capaz de produzir precedente da mais destacada importância, apesar de não interposto o Recurso Extraordinário. 3. Quanto ao mérito, verifica-se que, nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. 4. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, ao retirar o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente. 5. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior tem avançado na matéria, passando a reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários. Precedentes: MS 20.589/DF, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, DJe 2.2.2016; AgRg no AREsp. 59.461/MG, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.548.012/PE, Rel.Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.550.168/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015; REsp. 1.339.645/MT, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 4.5.2015. 6. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos nos benefícios da civilização e da cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes, que se encontram em situações sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais pessoas se esvai em palavras sonoras que não chegam a produzir qualquer alteração no panorama jurídico. 7. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de Segurado do INSS, no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente quando se vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde, a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária, combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna). 8. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia direta e imediata, impõe-se priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão por morte (Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva. 9. Em consequência, fixa-se a seguinte tese, nos termos do art. 543-C do CPC/1973: O MENOR SOB GUARDA TEM DIREITO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR, COMPROVADA A SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, NOS TERMOS DO ART. 33, § 3o. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, AINDA QUE O ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO SEJA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/96, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI 9.528/97. FUNDA-SE ESSA CONCLUSÃO NA QUALIDADE DE LEI ESPECIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (8.069/90), FRENTE À LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 10. Recurso Especial do INSS desprovido (STJ. REsp 1411258/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018).

No caso dos autos, observo inexistir controvérsia no tocante à qualidade de segurado da de cujus.
O recurso do INSS ataca, apenas, a possibilidade jurídica de o menor sob guarda ser considerado dependente previdenciário, sem questionar a dependência econômica.
No tocante ao menor sob guarda, consoante entendimento firmado no Recurso Especial nº 1.411.258 (Tema 732), trata-se de figura equiparada a filho, na trilha do disposto no art.16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, exigindo-se, além da comprovação dessa condição, a demonstração da dependência econômica.
Insta sinalar que foi juntada comprovação da concessão da guarda judicial à falecida Maria Cândida Severo Goulart, conforme termo de guarda judicial (evento 1, TCURATELA7), quando o requerente tinha 09 anos de idade, sendo a falecida a tia avó do autor menor.
De qualquer sorte, ainda que não impugnada em específico, a dependência econômica no presente caso é incontroversa, diante da menoridade do autor.
Quanto ao aspecto de que a EC 103/2019 não teria incluso o menor sob guarda na condição de dependente de pensão por morte, tenho que isso em nada altera o entendimento acima aplicado (Tema 732), até porque formado mesmo sob a ausência de expressa previsão da condição de dependente na Lei 8.213/91, e sim com base na conjugação do Estatuto da Criança e do Adolescente com o artigo 227 da Constituição, que continuam em vigor.
Assim, voto por negar provimento ao recurso da parte ré.
-Do Efeito Suspensivo
Quanto ao pedido de atribuição de efeito suspensivo, destaco que, conforme o art. 43 da Lei nº 9.099/95, os recursos, no rito dos Juizados Especiais, apresentam apenas efeito devolutivo, somente se admitindo a atribuição do efeito suspensivo em situações excepcionais, a serem analisadas pelo relator.
Além disso, considerando o caráter alimentar da prestação, que na presente etapa processual não mais caberá recurso com efeito suspensivo e que foi ratificado o direito de aposentadoria da parte autora, entendo que a implantação imediata da benesse deva ser mantida, agora com base no art. 461, do CPC/73 e no art. 497, do CPC/2015. Nesse sentido:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. 1. Não havendo condenação em valor certo, deve-se conhecer do reexame necessário. Aplicação da súmula 490/STJ. 2. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea. 3. Determinada a implantação imediata da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, dada a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC e o caráter alimentar do benefício além de a presente decisão não estar sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo. (TRF4, APELREEX 5006288-47.2012.404.7100, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Luciane Merlin Clève Kravetz, juntado aos autos em 06/09/2013)

Dessa forma, perfeitamente possível a antecipação da eficácia mandamental da decisão, negando-se provimento ao recurso no tópico, razão pela qual recebo o recurso apenas no efeito devolutivo.
A decisão da Turma Recursal assim proferida, no âmbito dos Juizados Especiais, é suficiente para interposição de quaisquer recursos posteriores.
Dou expressamente por prequestionados todos os dispositivos indicados pelas partes nos presentes autos, para fins do art. 102, III, da Constituição Federal; art. 14, caput e parágrafos e art. 15, caput, ambos da Lei nº 10.259, de 12.07.2001.
Importa destacar que "o magistrado, ao analisar o tema controvertido, não está obrigado a refutar todos os aspectos levantados pelas partes, mas, tão somente, aqueles que efetivamente sejam relevantes para o deslinde do tema" (STJ, Resp 717265, DJ 12.03.2007, p. 239).
Em assim sendo, rejeito todas as alegações do recorrente que não tenham sido expressamente rejeitadas nos autos, porquanto desnecessária a análise das mesmas para chegar à conclusão que se chegou na decisão.
Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, ou sobre o valor atualizado da causa, se não houver condenação. No caso de ações previdenciárias aplicam-se as Súmulas 76 do TRF da 4ª Região e 111 do STJ. A verba honorária é excluída caso não tenha havido participação de advogado na defesa da parte autora no processo.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da parte ré. (g.n.)

Portanto, a matéria estaria devidamente prequestionada.

A seu turno, eis o teor das decisões das Turmas Recursais da Seção Judiciária de São Paulo, apontadas como paradigmas válidos:

O INSS alega que o §6º do artigo 3º da EC 103/2019 excluiu o menor sob guarda das hipóteses de recebimento de pensão por morte. O amparo legal para a concessão de pensão por morte a menor sob guarda consta do artigo 33, §3º da Lei 8.06/1990: A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que é cabível a concessão de pensão por morte a menor sob guarda, mas essa jurisprudência foi firmada antes da entrada em vigor da EC 103/ 2019: PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXCEPCIONAL ADMISSIBILIDADE. MITIGAÇÃO. PENSÃO POR MORTE DO AVÔ. DEPENDÊNCIA. MENOR À DATA DO ÓBITO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA DE LONGO PRAZO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Destacadas e reconhecidas as excepcionalidades do caso concreto, são mitigadas as exigências formais para o conhecimento dos embargos de divergência, em que se mostra notório o dissídio jurisprudencial, de modo a prevalecer valores sociais e humanitários relevantes, diretamente referidos à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro (CF, art. 1º, III). 2. Resta demonstrada a divergência entre o acórdão embargado (AgRg nos EDcl no REsp 1.104.494/ RS, SEXTA TURMA, j. em 16/12/2014) e o aresto paradigma (RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. em 26/02/2014), confronto excepcionalmente admitido pelas razões acima e por ser esse precedente o primeiro - e o mais contemporâneo à época da interposição do recurso -, vindo a alterar a jurisprudência anterior, firmando nova e remansosa compreensão sobre o tema, em sentido oposto ao do acórdão embargado. 3. Esta Corte de Justiça consagra o entendimento da possibilidade de concessão de pensão previdenciária, no regime geral, a menor sob guarda judicial, mesmo quando o óbito do segurado houver ocorrido na vigência da redação do § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, dada pela Lei 9.528/97. Prevalência do disposto na Carta Federal (art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º) sobre a alteração legislativa que retirou o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do segurado do INSS. Entendimento que se mantém inalterado, quando, ao atingir a maioridade, é o beneficiário da pensão pessoa portadora de severa deficiência de longo prazo, passando à tutela do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 1104494/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/02/2021, DJe 02/03/2021) O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.411.258/RS, afetado como o Tema Repetitivo nº 732, fixando a seguinte tese: TEMA 732/STJ: O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. A questão que se coloca é se o artigo 33, § 3º da Lei 8.059/1990, assim como a jurisprudência do STJ, continuam válidas após a EC 103/2019, que entrou em vigor após a fixação da jurisprudência nos termos acima. A resposta é negativa. Diz esse dispositivo: Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). .............................................................................................. § 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica. Verifica-se que a Lei 8.069/1990 não foi recepcionada pela EC 103/2019, pois limitou a equiparação a filho apenas o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica. Em que pese a parte autora ter comprovada a dependência econômica com relação à segurada falecida, tratando-se de menor sob guarda, e tendo o óbito ocorrido já na vigência da EC 103/2019, não faz jus à pensão por morte, devendo a sentença ser reformada e, o pedido, julgado improcedente. III – DISPOSITIVO Face ao exposto, dou provimento ao recurso da parte ré, conforme a fundamentação supra, para reformar a sentença e julgar os pedidos improcedentes. (PROCESSO Nr: 0049874-43.2020.4.03.6301). (g.n.)

3. Voto. A sentença não merece reforma. Não se desconhece que a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça firmou a tese, quando do julgamento do REsp. 1.411.258/RS (Tema 732), publicado no DJe de 21.02.2018 de que: "O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária”. 4. Entretanto, como bem fundamentado pelo juízo de origem a pensão por morte rege-se pelas regras do momento do óbito (Súmula 340/STJ). No caso concreto, a guardiã legal faleceu em 12.12.19 (evento 2, fls. 16), já na vigência da EC 103 de 12 de novembro de 2019. O seu título era de guardiã, e não de tutora, conforme documentação (evento 2, fls. 21):
“(...) A relação previdenciária entre guardião e infante sempre foi assunto tormentoso, diante da aparente contradição entre a legislação previdenciária e o ECA – sendo certo que a segunda lei, com caráter mais protetivo, tem colocado o menor sob guarda como dependente previdenciário, sendo esta a lei prevalente, conforme decisões mais recentes do STJ – em particular, o tema 732 da jurisprudência. Ocorre que com a Emenda Constitucional 103, a questão passou a ser constitucional. Isto porque o artigo 23 da mencionada Emenda tem a seguinte redação: “Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). § 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.”
Percebe-se que a Emenda inequivocamente quis retirar o menor sob guarda da proteção previdenciária, dado que determina a equiparação exclusiva do enteado e do menor tutelado ao filho. O constituinte derivado, assim, superou a jurisprudência infraconstitucional assentada, dado que pelo princípio da hierarquia das leis, a alteração direta no texto constitucional desconstrói todo o raciocínio do STJ, amparado na legislação infraconstitucional. Ressalte-se que, ante a inexistência de direito adquirido a regime jurídico, apenas as pensões com causa – óbito – anterior a vigência da Emenda poderiam se valer do regime mais benefício anterior. No mais, não se vislumbra, a princípio, inconstitucionalidade na Emenda – dado que o tema em que houve inovação não configura cláusula pétrea. Não há que se falar, ademais, em vedação ao retrocesso social como fator de inconstitucionalidade da Emenda, pois eventual retrocesso na proteção de um direito pode ser necessário, no contexto fático, para garantir a solvabilidade de todo o sistema previdenciário – que é um bem maior buscado pelo reformador, em prestígio de toda a comunidade de contribuintes e segurados, e que deve ser respeitado pelo Judiciário. Desta maneira, independentemente de comprovação da dependência econômica, necessário julgar o feito improcedente, pois impossível no regime posterior à Reforma da Previdência a equiparação do menor sob guarda a filho, para fins previdenciários.” 5. Recurso da parte autora desprovido para manter a sentença nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.(PROCESSO Nr: 0000635-77.2020.4.03.6331) (g.n.)

O voto/acórdão proferido no processo 0003305-89.2019.4.03.6342 não contempla situação similar à presente hipótese, uma vez que aborda óbito ocorrido anteriormente à promulgação da EC 103/2019.

Contudo, realizado o cotejo analítico, evidencia-se similitude fática e jurídica entre a decisão combatida e os precedentes das Turmas Recursais da Seção Judiciária de São Paulo, nos processos 0000635-77.2020.4.03.6331 e 0049874-43.2020.4.03.6301, demonstrando dissenso jurisprudencial quanto à alteração constitucional que teria excluído o menor sob guarda da proteção previdenciária para recebimento de pensão por morte.

O incidente deve, pois, ser conhecido.

3. No mérito, constitucionalmente o direito previdenciário deriva de normas programáticas que abrangem políticas públicas, em tese cumprindo deferência às diretrizes e condições traçadas pelos gestores públicos, no campo da reserva legal. Isso significa maior espaço de conformação ao legislador no âmbito constitucional ou infraconstitucional.

Todavia, na seara do controle de constitucionalidade das mudanças formais do texto da Lei Maior, não se dispensa a observância do programa normativo constitucional quanto à preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais e aferição dos princípios estruturantes do Estado de Direito.

E, em se cuidando de direitos previdenciários, estamos diante de categoria de direitos fundamentais que, para a devida concretização, exige postura ativa do Estado – status positivus socialis, segundo a tese de Jellinek -, mais especificamente, enquadrando-se na condição de direitos a prestações materiais do Estado1

Não por outro motivo, direitos desta natureza integram a base dos direitos fundamentais de segunda geração, na qualidade de direitos sociais, atrelados às diretrizes da igualdade, solidariedade e dignidade da pessoa humana, culminando no propósito de pacificação pela justiça social.

Segundo manifestado em outras oportunidades, os direitos que emanam do ideal de igualdade e, assim, da necessidade de redução das desigualdades sociais e manutenção de um padrão mínimo existencial (minimum core of economic and social rights) - sem o que o Estado deixa de observar as obrigações jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas2 - demandam justificativa consistente para eleição dos critérios de discrímen quanto àqueles que terão ou não direito ao amparo social.

Da mesma forma, colhe-se a lição de Jorge Reis Novais3:
É porque o Estado de Direito assenta na dignidade da pessoa humana que os diferentes poderes públicos têm de tratar todas as pessoas com igual consideração e respeito, que não as podem afectar desvantajosamente de forma excessiva ou desrazoável, que têm de garantir a todas as pessoas sob sua jurisdição as condições mínimas de acesso aos bens jusfundamentalmente protegidos e que, por fim, devem garantir que as principais decisões respeitantes às questões essenciais da vida em comunidade devem ser deliberadas com suficiente densidade normativa pelos representantes do povo, em condições de pluralismo, publicidade e transparência.

Por esse motivo, dignidade humana e igualdade – na qualidade de princípios estruturantes do Estado de Direito – possuem a aptidão de gerar efeitos normativos autônomos. Contudo, cabe perquirir o que isso significa em termos de concretização dos direitos fundamentais, na específica hipótese em exame.

Em um primeiro momento, destaca-se que o Tribunal da Cidadania, no exame do recurso repetitivo – REsp 1411258 / RS, afetado sob o tema 732, analisou disposição infraconstitucional que excluía da proteção previdenciária o menor sob guarda, concluindo na forma abaixo ementada:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E HUMANITÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/STJ. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR. EMBORA A LEI 9.528/97 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, A TEOR DA SÚMULA 126/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO.
1. A não interposição de Recurso Extraordinário somente tem a força de impedir o conhecimento de Recurso Especial quando (e se) a matéria decidida no acórdão recorrido apresenta dupla fundamentação, devendo a de nível constitucional referir imediata e diretamente infringência à preceito constitucional explícito; em tema de concessão de pensão por morte a menor sob guarda, tal infringência não se verifica, tanto que o colendo STF já decidiu que, nestas hipóteses, a violação à Constituição Federal, nesses casos, é meramente reflexa. A propósito, os seguintes julgados, dentre outros: 
ARE 804.434/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 19.3.2015;
ARE 718.191/BA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.9.2014; RE 634.487/MG, Rel. Min.
ROSA WEBER, DJe 1.8.2014; ARE 763.778/RS, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe
24.10.2013; não se apresenta razoável afrontar essa orientação do STF, porquanto se trata, neste caso, de questão claramente infraconstitucional.
2. Dessa forma, apesar da manifestação ministerial em sentido contrário, entende-se possível, em princípio, conhecer-se do mérito do pedido recursal do INSS, afastando-se a incidência da Súmula 126/STJ, porquanto, no presente caso, o recurso deve ser analisado e julgado, uma vez que se trata de matéria de inquestionável relevância jurídica, capaz de produzir precedente da mais destacada importância, apesar de não interposto o Recurso Extraordinário. 3. Quanto ao mérito, verifica-se que, nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
4. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, ao retirar o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente. 5. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior tem avançado na matéria, passando a reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários. Precedentes: MS 20.589/DF, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, DJe 2.2.2016; AgRg no AREsp.59.461/MG, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.548.012/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.550.168/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015; REsp. 1.339.645/MT, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 4.5.2015.
6. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos nos benefícios da civilização e da cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes, que se encontram em situações sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais pessoas se esvai em palavras sonoras que não chegam a produzir qualquer alteração no panorama jurídico.
7. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de Segurado do INSS, no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente quando se vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde, a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária, combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna). 8. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia direta e imediata, impõe-se priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão por morte (Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva.
9. Em consequência, fixa-se a seguinte tese, nos termos do art. 543-C do CPC/1973: O MENOR SOB GUARDA TEM DIREITO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR, COMPROVADA A SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, NOS TERMOS DO ART. 33, § 3o. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, AINDA QUE O ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO SEJA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/96, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI 9.528/97. FUNDA-SE ESSA CONCLUSÃO NA QUALIDADE DE LEI ESPECIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (8.069/90), FRENTE À LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 10. Recurso Especial do INSS desprovido.

No ponto, o Eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ) inclinou-se na direção de “universalizadas percepções do elenco dos direitos fundamentais, com destaque para aqueles que se destinam à proteção das crianças e dos adolescentes, inclusive os listados em tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário”, procedendo à análise dos efeitos reflexos do art. 227, § 3º, II e VI, da Constituição Federal, conforme excerto que se transcreve:

14. Não se deve perder de vista que a condição de dependência do menor resulta de situação essencialmente fática, cabendo-lhe o direito à pensão previdenciária sempre que o mantenedor (segurado do INSS) faleça, a fim de não se deixar o hipossuficiente ao desabrigo de qualquer proteção, máxime quando se achava sob guarda, forma de tutela que merece estímulos, incentivos e subsídios do Poder Público, conforme compromisso constitucional assegurado pelo art. 227, § 3o., VI da Carta Magna, além de atentar contra a proteção da confiança com aquele já devidamente cadastrado como dependente do segurado, mediante a prática de ato jurídico administrativo perfeito, pelos agentes do INSS.
15. Assim, a alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo nas diretrizes constitucionais de isonomia e proteção à criança e ao adolescente. Os direitos da criança e do adolescente estão consagrados na Constituição Federal nos seguintes termos:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (...). § 3o. - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: (...). II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (...). VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
16. Da leitura do citado dispositivo, constata-se que foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
17. Percebe-se claramente que a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes da Previdência Social, por meio de lei infraconstitucional, investe contra a eficácia de normas da Carta Magna, a pretexto de minudenciar as hipóteses ou situações de sua incidência ou aplicabilidade.
18. É certo que, a não ser raramente, a Constituição Federal não traz a disciplina direta e imediata utilizada na solução dos conflitos concretos, mas é igualmente fora de dúvida que essa mesma normatividade inferior não tem a força de subtrair, modificar ou encurtar o alcance daquelas normas magnas, entendendo-se por alcance não apenas o comando explícito, mas sobretudo o espírito da Constituição, que se colhe e se apreende pelas suas disposições garantísticas e de proteção às pessoas e aos seus interesses.
19. Além disso, os direitos fundamentais possuem inquestionável preeminência dentro do sistema jurídico, motivo pelo qual os dispositivos constitucionais definidores de um direito fundamental devem ser interpretados de forma a garantir a plena eficácia desses direitos. No caso dos direitos sociais, que exigem um dever correlato do Estado, torna-se indispensável ao aplicador da norma uma especial atenção visando à conformação ao caso concreto, a fim de concretizar a pretensão de eficácia ínsita à Carta Maior, de forma a garantir a maior efetividade possível.
20. A alteração de uma norma concessiva ou ampliativa de direito fundamental previsto na CF atentam contra a proibição de retrocesso, princípio constitucional implícito que se destina justamente para os casos em que o direito fundamental exija a edição de normas para a consecução do seu fim, visando evitar que o legislador ordinário suprima arbitrariamente a disciplina infraconstitucional concretizadora de um direito fundamental social, sem criar alternativas que conduzam ao objetivo social. (g.n.)

Acrescenta-se que, em outra oportunidade, a mesma Corte aderiu ao princípio da proteção integral e prioridade absoluta da criança e do adolescente, na forma encampada nos pactos internacionais:

Tratando-se de direitos da criança e do adolescente, como no caso, não se pode olvidar que o nosso ordenamento jurídico adota a doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição Federal. Dessa forma, considerando que os alimentos são indispensáveis à subsistência do alimentando, possuindo caráter imediato, deve-se permitir, ao menos enquanto perdurar a suspensão de todas as ordens de prisão civil em decorrência da pandemia da Covid-19, a adoção de atos de constrição no patrimônio do devedor, sem que haja a conversão do rito (REsp 1.914.052/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe de 28/06/2021).

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, confere as seguintes diretrizes protetivas:

Artigo 1º - Para os efeitos da presente Convenção, entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
Artigo 2º - 1. Os Estados-partes respeitarão os direitos previstos nesta Convenção e os assegurarão a toda criança sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2. Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou punição baseadas na condição, nas atividades, opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares.
Artigo 3º - 1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança.
2. Os Estados-partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, para este propósito, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas apropriadas.
3. Os Estados-partes assegurarão que as instituições, serviços e instalações responsáveis pelos cuidados ou proteção das crianças conformar-se-ão com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, particularmente no tocante à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal, e à existência de supervisão adequadas.
Artigo 4º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas, administrativas, legislativas e outras, para a implementação dos direitos reconhecidos nesta Convenção. Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados-partes tomarão tais medidas no alcance máximo de seus recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional.
Artigo 5º - Os Estados-partes respeitarão as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, conforme o caso, dos familiares ou da comunidade, conforme os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, de orientar e instruir apropriadamente a criança de modo consistente com a evolução de sua capacidade, no exercício dos direitos reconhecidos na presente Convenção. (g.n.)

O art. 5º., §2º., da Constituição Federal, estabelece: “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”.

Deste modo, a alteração constitucional da EC 103/2019, destinada a excluir o menor sob guarda da qualidade de dependente e, assim, da proteção previdenciária, conflita com direitos fundamentais reconhecidos na Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, demandando a proteção integral e prioritária dos menores sob guarda.

Os artigos 1º.-III, 5º., 226 e 227 da Constituição Federal, por sua vez, dispõem:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
(...)
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
(g.n.)

Nestes termos, a EC103/2019, que, em seu artigo 23, § 6º, deixou expresso que "equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica", vedando, portanto, interpretações extensivas que equiparem a filho o menor sob guarda, não encontra justicação suficiente quando parametrizada pela isonomia material, visto que impõe desarrazoada distinção do menor sob guarda - que também é merecedor e destinatário da proteção constitucional -, com relação aos enteados e menores tutelados. Ademais, atenta contra a dignidade humana ao deixar os menores sob guarda ao desamparo da proteção previdenciária, negando-lhes meios de subsistência, sem que tenham condições de prover o próprio sustento de forma digna.

As diretrizes da isonomia e da dignidade humana - princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito -, inseridos no contexto da proteção integral e absoluta à criança, constituem parâmetro de aferição de proporcionalidade da norma levada a efeito pelo constituinte derivado, quanto à existência de violação ao núcleo essencial da Constituição de 1988, ao veicular emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais dos menores sob guarda, introduzidos na ordem constitucional pela Convenção Internacional sobre Direitos da Criança. Infere-se disso a violação por parte do Estado do seu dever de engendrar proteção suficiente a este segmento da sociedade que demanda proteção integral e prioridade absoluta, sobrepondo-se a quaisquer justificativas de natureza econômico-financeira ou atuarial.

Por conseguinte, declaro pela via incidental a inconstitucionalidade do segmento do art. 23, §6º, da EC 103/2019, relativo à expressão "exclusivamente", de forma a afastar interpretação que exclua o menor sob guarda da proteção previdenciária, na condição de dependente, firmando a tese de que:

É inconstitucional a expressão "exclusivamente", constante do §6º, do art. 23 da Emenda Constitucional 103/2019, e, da mesma forma, viola o núcleo essencial da Constituição Federal exegese que importe em exclusão do menor sob guarda da proteção previdenciária, na condição de dependente para fins de concessão de pensão por morte.

A partir da premissa acima fixada, cumpre negar provimento ao incidente interposto pelo INSS.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao pedido de uniformização nacional, nos termos da fundamentação.

VOTO-VISTA, FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES
Exmos. Srs. Juízes,

Pedi vista dos autos para melhor compreensão da matéria.

Creio que, diferentemente do crivo de constitucionalidade de normas infraconstitucionais, conferido de forma difusa a todos os órgãos jurisdicionais (art. 102, III, "b" da Constituição Federal - CF), é mais sensível o reconhecimento da inconstitucionalidade de normas formalmente constitucionais.

Isso porque o quórum qualificado de 3/5 de cada Casa do Congresso Nacional para aprovação (§ 2º do art. 60 da CF) enseja uma forte presunção de constitucionalidade que não pode ser menosprezada. Não é por isso que doutrina referenciada já asseverou:

“(...) o princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral da separação dos Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável”
(BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 193).

Põe-se em discussão o § 6º do art. 23 da EC n. 103/2019:
Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
(...)
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.

Vê-se que se trata de norma expressamente excludente de outros potenciais beneficiários da pensão por morte, especificamente o menor sob guarda.

A redação parece ter sido uma reação ao entendimento anteriormente firmado no âmbito do Tema 732 do STJ, assim vazado:

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E HUMANITÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/STJ. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR. EMBORA A LEI 9.528/97 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, A TEOR DA SÚMULA 126/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO.
1. A não interposição de Recurso Extraordinário somente tem a força de impedir o conhecimento de Recurso Especial quando (e se) a matéria decidida no acórdão recorrido apresenta dupla fundamentação, devendo a de nível constitucional referir imediata e diretamente infringência à preceito constitucional explícito; em tema de concessão de pensão por morte a menor sob guarda, tal infringência não se verifica, tanto que o colendo STF já decidiu que, nestas hipóteses, a violação à Constituição Federal, nesses casos, é meramente reflexa. A propósito, os seguintes julgados, dentre outros: ARE 804.434/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 19.3.2015; ARE 718.191/BA, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.9.2014; RE 634.487/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe 1.8.2014; ARE 763.778/RS, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe 24.10.2013; não se apresenta razoável afrontar essa orientação do STF, porquanto se trata, neste caso, de questão claramente infraconstitucional.
2. Dessa forma, apesar da manifestação ministerial em sentido contrário, entende-se possível, em princípio, conhecer-se do mérito do pedido recursal do INSS, afastando-se a incidência da Súmula 126/STJ, porquanto, no presente caso, o recurso deve ser analisado e julgado, uma vez que se trata de matéria de inquestionável relevância jurídica, capaz de produzir precedente da mais destacada importância, apesar de não interposto o Recurso Extraordinário.
3. Quanto ao mérito, verifica-se que, nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
4. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, ao retirar o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente. 5. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior tem avançado na matéria, passando a reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários. Precedentes: MS 20.589/DF, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, DJe 2.2.2016; AgRg no AREsp.59.461/MG, Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.548.012/PE, Rel. Min. HERMANBENJAMIN, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.550.168/SE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015; REsp. 1.339.645/MT, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 4.5.2015.
6. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos nos benefícios da civilização e da cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes, que se encontram em situações sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais pessoas se esvai em palavras sonoras que não chegam a produzir qualquer alteração no panorama jurídico.
7. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de Segurado do INSS, no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente quando se vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde, a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária, combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna).
8. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia direta e imediata, impõe-se priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão por morte (Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva.
9. Em consequência, fixa-se a seguinte tese, nos termos do art. 543-C do CPC/1973: O MENOR SOB GUARDA TEM DIREITO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR, COMPROVADA A SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, NOS TERMOS DO ART. 33, § 3o. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, AINDA QUE O ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO SEJA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/96, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI 9.528/97. FUNDA-SE ESSA CONCLUSÃO NA QUALIDADE DE LEI ESPECIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (8.069/90), FRENTE À LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
10. Recurso Especial do INSS desprovido.
(STJ, 1a Seção, REsp n. 1.411.258/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/10/2017, DJe de 21/2/2018).

Tal matriz hermenêutica restou referendada no âmbito do STF ao julgar as ADins ns. 4878 e 5083:

EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 16, § 2º, DA LEI N.º 8.213/1991. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 9.528/1997. MENOR SOB GUARDA. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA. ART. 227, CRFB. INTERPRETAÇÃO CONFORME, PARA RECONHECER O MENOR SOB GUARDA DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DESDE QUE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.
1. Julgamento conjunto da ADI nº 4.878 e da ADI nº 5.083, que impugnam o artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, na redação conferida pela Lei n° 9.528/1997, que retirou o “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins de concessão de benefício previdenciário.
2. A Constituição de 1988, no art. 227, estabeleceu novos paradigmas para a disciplina dos direitos de crianças e de adolescentes, no que foi em tudo complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. º 8.069/1990). Adotou-se a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, que ressignificam o status protetivo, reconhecendo-se a especial condição de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento.
3. Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei n° 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários.
4. O deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários.
5. A interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB.
6. ADI 4878 julgada procedente e ADI 5083 julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei n.º 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da República, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999).
(STF, Pleno, ADI 4878, Relator(a) p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN, julgado em 08/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 05-08-2021 PUBLIC 06-08-2021).

Como bem destacou a eminente relatora, ali consignou-se que não estava sendo enfrentada a inconstitucionalidade do art. 23, da EC nº 103/2019, em homenagem ao princípio da demanda.

Isso porque não se há falar, versando-se sobre matéria tão sensível como é a previdenciária, que comporta um caráter não só jurídico, mas principalmente social, econômico e geracional, na pura e simples vedação ao retrocesso.

Tanto que assim o disse o STF por ocasião do julgamento da ADC n. ADC 42, julgado em 28/02/2018, onde analisou normas restritivas de direito ambiental e realizou o controle de constitucionalidade de diversos dispositivos do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Do voto do ministro Luis Fux:

Evidencia-se, à luz do exposto, que a revisão judicial das premissas empíricas que embasam determinada medida regulatória, quanto mais quando editada pelo legislador democrático, não pode ocorrer pela singela e arbitrária invocação de um suposto “retrocesso” na defesa do meio ambiente. Na realidade, os proponentes da denominada “teoria da vedação do retrocesso” entendem existente um estado de inconstitucionalidade quando eliminada determinada norma infraconstitucional ou estrutura material essencial para a concretização mínima de um comando explícito da Carta Magna. Assim, o que se qualifica como vedada é a omissão do Estado quanto ao atendimento do núcleo essencial de uma ordem constitucional inequívoca a ele dirigida — assim decidiu esta Egrégia Corte, v. g., nos seguintes precedentes: ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014; ARE 727864 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 04/11/2014.
[...]
Entender como “vedação ao retrocesso” qualquer tipo de reforma legislativa ou administrativa que possa causar decréscimo na satisfação de um dado valor constitucional seria ignorar um elemento básico da realidade: a escassez. Rememore-se que, frequentemente, legisladores e administradores somente poderão implementar avanços na concretização de determinados objetivos constitucionais por meio de medidas que causam efeitos negativos em outros objetivos igualmente caros ao constituinte. O engessamento das possibilidades de escolhas na formulação de políticas públicas, a impedir a redistribuição de recursos disponíveis entre as diversas finalidades carentes de satisfação na sociedade, em nome de uma suposta “vedação ao retrocesso” sem base no texto constitucional, viola o núcleo básico do princípio democrático e transfere indevidamente ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo. Não fosse o suficiente, ainda afasta arranjos mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo.
[...]
Conforme alerta o professor português José Carlos Vieira de Andrade, não se pode admitir, sob a invocação de “retrocesso”, a arbitrária limitação da atividade legislativa no campo semanticamente compatível com o texto constitucional. Não é possível substituir as escolhas democraticamente realizadas no espaço institucional definido pela Carta Magna para tanto, o Congresso Nacional, pelas conveniências particulares dos que foram derrotados naquele debate.
[...]
Não compete ao Judiciário, repita-se, sobrepor-se arbitrariamente à função do Legislativo de formular políticas públicas mediante escolhas democráticas e não vedadas inequivocamente pelo texto constitucional. Consoante afirmei no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.105, de minha relatoria, julgada por este Plenário em 01/10/2015, à jurisdição constitucional “incumbe a tarefa de encontrar o ponto ótimo de equilíbrio entre estes dois pilares sobre os quais se erige o Estado Democrático de Direito — democracia e constitucionalismo. A depender da calibragem de suas decisões (i.e., atribuindo importância maior a qualquer desses ideais), os tribunais podem tolher a autonomia pública dos cidadãos, substituindo as escolhas políticas de seus representantes por preferências pessoais de magistrados não responsivos à vontade popular”. O alerta deve ser redobrado em situações nas quais o objeto da controvérsia atinge opções legislativas que tenham decorrido de amplo debate nas esferas sociais e parlamentares, sobretudo por impactar diretamente na liberdade de conformação do Legislativo. Os Tribunais não são a sede adequada para reverter o resultado do jogo democrático quando a vontade de certos grupos não for privilegiada pela lei, salvante as hipóteses de claro, específico e direto comando constitucional dirigido ao legislador ou administrador.

Do voto da ministra Carmen Lúcia:

Em termos gerais, o princípio da proibição do retrocesso impede que o núcleo essencial dos direitos sociais efetivado por medidas legislativas seja simplesmente aniquilado por medidas estatais supervenientes.
[...] medidas que restringem direitos sociais ou ecológicos devem ser submetidas a rigoroso controle de constitucionalidade para se avaliar sua proporcionalidade e sua razoabilidade e seu respeito ao núcleo essencial dos direitos socioambientais, sob pena de irreversibilidade dos prejuízos às presentes e futuras gerações.

De fato, consoante o STF, o princípio da vedação do retrocesso social não impede a edição de normas restritivas de direitos sociais, desde que respeitem o núcleo essencial desses direitos já efetivado por medidas legislativas e se submetam à proporcionalidade e razoabilidade [DEMO, Roberto Luiz Luchi. Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019) e jurisprudência de crise no Supremo Tribunal Federal: perspectivas em torno do princípio da vedação do retrocesso social. Revista do Trib. Reg. Fed. 1ª Região, Brasília, DF, ano 33, n. 1, 2021, p. 60].

A norma de validação das teses firmadas nas ADIs ns. 4878 e 5083 foi a seguinte:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
(...)
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
(...)
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado".

De fato, conforme voto do relator para o acórdão, Min. Edson Fachin:

"A interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Assegura-se, assim, a prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI da Constituição.
Vale ressaltar que, nos termos do texto constitucional, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas ao Estado, mas também à família e à sociedade. Vale ressaltar que, nos termos do texto constitucional, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas ao Estado, mas também à família e à sociedade.
A interpretação conforme a ser conferida ao art. 16, § 2º, da Lei 8213/1991, portanto, deve contemplar os “menores sob guarda” na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da República, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999)".

É dizer, a qualidade de dependente do menor sob guarda reconhecida no direito anterior à EC n. 103/2019 possuía fator de legitimação diretamente na própria CF (art. 227, § 3º, VI ), nas palavras do próprio STF.

Com ser assim, o direito à pensão previdenciária (contingência específica morte do instituidor) foi entendido pelo STF como parte integrante da proteção conferida pelo art. 227, § 3º, VI da CF.

Não só isso, como bem destacou a preclara relatora:

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, confere as seguintes diretrizes protetivas:
Artigo 1º - Para os efeitos da presente Convenção, entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
Artigo 2º - 1. Os Estados-partes respeitarão os direitos previstos nesta Convenção e os assegurarão a toda criança sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.
2. Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que a criança seja protegida contra todas as formas de discriminação ou punição baseadas na condição, nas atividades, opiniões ou crenças, de seus pais, representantes legais ou familiares.
Artigo 3º - 1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança.
2. Os Estados-partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, para este propósito, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas apropriadas.
3. Os Estados-partes assegurarão que as instituições, serviços e instalações responsáveis pelos cuidados ou proteção das crianças conformar-se-ão com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, particularmente no tocante à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal, e à existência de supervisão adequadas.
Artigo 4º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas, administrativas, legislativas e outras, para a implementação dos direitos reconhecidos nesta Convenção. Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados-partes tomarão tais medidas no alcance máximo de seus recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional.
Artigo 5º - Os Estados-partes respeitarão as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, conforme o caso, dos familiares ou da comunidade, conforme os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis pela criança, de orientar e instruir apropriadamente a criança de modo consistente com a evolução de sua capacidade, no exercício dos direitos reconhecidos na presente Convenção. (g.n.)
O art. 5º., §2º., da Constituição Federal, estabelece: “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”.
Deste modo, a alteração constitucional da EC 103/2019, destinada a excluir o menor sob guarda da qualidade de dependente e, assim, da proteção previdenciária, conflita com direitos fundamentais reconhecidos na Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, demandando a proteção integral e prioritária dos menores sob guarda.

Efetivamente, as normas da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil em 24.09.1990, foram incorpordas ao direito brasileiro, possuindo aparente status constitucional de direitos e garantias fundamentais.

Sendo assim, não poderia o constituinte derivado tangenciar tal realidade, sob pena de malferir não o STF, mas o próprio Texto Constitucional. Incorporada à Constituição (ou nela tida por contida) um direito fundamental, vedada fica sua abolição:

"Assim, os direitos materialmente fundamentais, reconhecidos pela cláusula aberta contida no § 2º do art. 5º da Constituição Federal, sujeitam-se ao mesmo tratamento jurídico dispensado aos direitos fundamentais formalmente fundamentais. Ou seja, os direitos fundamentais implícitos (aqueles subtendidos das normas definidores de direitso e garantias fundamentais expressas) e decorrentes (aqueles decorrentes do regime dos princípios que a Constituição adota) e os direitos fundamentais previstos na Constituição, mas fora do catálogo e em tratados internacionais (ou seja, aqueles decorrentes do tratados internacionais quem que a República Federativa do Brasile seja parte) são direitos constitucionais fundamentais, com toda as consqüências jurídicas daí decorrentes: são protegidos pela Constituição; não podem ser abolidos, nem mesmo por emenda constitucional e vinculam imediatamente os poderes públicos, além de desfrutarem de aplicabilidade imediata e servirem de parâmetro obrigatório à atuação estatal"
(CUNHA JR., Dirley. Curso de direito constitucional. 7a edição, Salvador: JusPodivm, 2013, p. 645, destaques do original).

A doutrina já defende, especificamente quanto à exclusão do menor sob guarda dos dependentes elegíveis à pensão por morte no RGPS:

"Defendemos se tratar de uma clara norma inconstitucional na medida em que ao retirar a proteção previdenciária dos menores sob guarda, lhe colocam em situação de extremo risco social, o que viola o Princípio Constitucional da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, previsto no art. 227, caput e § 3º, II e VI, da CF/1988. Esses preceitos, emanados do legislador constituinte originário, asseguram proteção especial à criança e ao adolescente, garantindo os seus direitos previdenciários e estimulando o Poder Público a desenvolver ações de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios que acolham sob a forma de guarda a criança e o adolescente. Nessa toada, não pode o legislador constituinte derivado (EC n. 103/2019) destoar desse mandamento constitucional, indo na sua contramão, na medida em que fragiliza o instituto da guarda e deixa ao desamparo social o menor sob guarda que depende economicamente do segurado guardião.
Sustentamos, ante o exposto, que deve continuar sendo garantido o reconhecimento da condição de dependente previdenciário do menor sob guarda, mesmo após a vigência da EC 103/2019, ante a flagrante inconstitucionalidade do seu art. 23, § 6º, desde que comprovada a dependência econômica em face do segurado guardião"
(LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Curso prático e direito e processo previdenciário. 4a. ed., São Paulo: Atlas, 2021, p. 129. negritos originais).

Agora mais confortado pela análise acima, voto por ACOMPANHAR a eminente relatora.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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