sexta-feira, 16 de julho de 2021

Decisão concede LOAS a portador de cálculos renais

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício assistencial a homem que passou por diversos procedimentos para eliminação de cálculos renais e desta forma se enquadrando no requisito de impedimento de longo prazo. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5313409-35.2020.4.03.9999 – TRF 3
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
Decisão: 11/05/2021

DECISÃO
Vistos, etc.

Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido em ação previdenciária que objetivava a concessão do benefício de prestação continuada, sob o fundamento de que não teria sido comprovado o requisito relativo à deficiência. Condenado o demandante ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observando-se a gratuidade judiciária de que é beneficiário.

Objetiva a parte autora a reforma da sentença alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa, haja vista a necessidade de realização de nova perícia, na especialidade de nefrologia. Quanto ao mérito, argumenta, em síntese, que restaram comprovados os requisitos para a concessão do benefício almejado.

Sem as contrarrazões do réu, vieram os autos a esta E. Corte.

Em seu parecer, o i. representante do Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação da parte autora.

Após breve relatório, passo a decidir.

Nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015, recebo a apelação interposta pela parte autora.

Da decisão monocrática
De início, ressalte-se que o julgamento monocrático atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais, ambos contemplados na nova sistemática processual civil, sendo passível de controle por meio de agravo interno, nos termos do artigo 1.021 do CPC, cumprindo o princípio da colegialidade.

Ademais, estabelece a Súmula nº 568 do STJ:

O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. (Súmula 568, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/03/2016, DJe 17/03/2016).

Sendo assim, por estarem presentes os requisitos extraídos das normas fundamentais do Código de Processo Civil (artigos 1º ao 12) e artigo 932, todos do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), passo a decidir monocraticamente.

Da preliminar de cerceamento de defesa
Rejeito a preliminar arguida pela parte autora, vez que o laudo pericial encontra-se bem elaborado, por profissional de confiança do Juízo e equidistante das partes, sendo suficiente ao deslinde da matéria, despicienda a realização de nova perícia, não havendo que se falar em cerceamento de defesa.

Do mérito.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.

Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.

Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.

A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011).

Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.

Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:

Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21.

Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.

No caso dos autos, o laudo médico pericial realizado em 11.07.2019 atestou que o autor, nascido em 10.05.1999, é portador de litíase renal que pode exigir afastamentos temporários de atividades físicas e laborativas quando há eliminação de cálculos renais que pode causar dores intensas, sem restrições para realizar atividades laborativas ou atividades do cotidiano.

Entretanto, embora o perito tenha concluído pela ausência de incapacidade para o trabalho, cumpre salientar que, há várias barreiras para sua plena participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como bem destacou o MPF em seu parecer: constou nos autos que o autor já realizou mais de quinze procedimentos para quebrar as pedras dos rins e facilitar a saída dos cálculos pelo canal urinário, o que faz com que o requerente urine sangue e fique com o corpo todo inchado e que esse quadro é agravado quando o requerente é submetido a esforço físico. Além disso, foi informado que o requerente trabalhou 03 meses como empacotador em supermercado, mas foi dispensado devido à sua enfermidade e que o autor já foi dispensado do trabalho outras vezes devido ao seu problema de saúde.

Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas', mesmo que o laudo tenha concluído pela ausência de limitação.

No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.

A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).

Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).

O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.

Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. 

Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).

Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.

No caso dos autos, das informações colhidas por ocasião do estudo social realizado em 12.06.2019, observa-se que o núcleo familiar do autor é formado por ele, sua mãe e 1 sobrinho. Residem em imóvel alugado, com cinco cômodos, de alvenaria, com piso de cerâmica e teto de barro. Os móveis e eletrodomésticos são básicos e conservados. A renda é proveniente do trabalho da genitora, como cuidadora de idosos (sem vínculo empregatício), no valor de R$ 600,00 e no benefício Bolsa Família (R$ 80,00), sendo as despesas de R$ 1.955,00. Recebem auxílio da irmã Juliana nos gastos de alimentação, farmácia, energia elétrica e aluguel. A genitora do autor é portadora de depressão e fibromialgia. A situação é de vulnerabilidade social, uma vez que a renda é insuficiente para suprir as necessidades básicas.

Portanto, resta comprovado que o autor é deficiente, mesmo que temporariamente, e que não possui meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.

O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do presente julgamento, quando considerados preenchidos os requisitos para sua concessão.

Os juros de mora de mora e a correção monetária deverão ser calculados pela lei de regência, a partir do 45º dia seguinte à data da publicação do acórdão, prazo que o réu possui para implantar o benefício.

Honorários advocatícios fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), consoante entendimento desta E. Turma.

Diante do exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para julgar parcialmente procedente seu pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, a contar da presente data, devendo o benefício ser revisto a cada dois anos. Honorários advocatícios fixados na forma retroexplicitada.

Determino que independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS (Gerência Executiva), a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado a parte autora JULIANO CESAR BARROS LUFRANO o benefício de prestação continuada, com data de início a partir da data do presente julgamento, no valor mensal de um salário mínimo, conforme artigo 497, caput, do novo Código de Processo Civil.

Decorrido in albis o prazo recursal, retornem os autos à Vara de origem.

Intimem-se.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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