sexta-feira, 9 de abril de 2021

Decisão limita descontos em LOAS de idoso

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a proteção ao idoso contra descontos excessivos que prejudiquem a sua sobrevivência. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA DIREITO CIVIL E BANCÁRIO. OPERAÇÕES DE CRÉDITO PESSOAL. DESCONTO DAS PARCELAS EM CONTA CORRENTE NA QUAL RECEBIDO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL AO IDOSO – BPC. PEDIDO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. ACOLHIMENTO. VERBA DESTINADA ESSENCIALMENTE À SOBREVIVÊNCIA DO IDOSO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESP 1.555.722/SP. DISTINGUISHING. 
1. Ação ajuizada em 08/09/2017. Recurso especial interposto em 20/05/2019 e concluso ao Gabinete em 28/08/2019. 
2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da possibilidade de limitação dos descontos efetuados por instituição financeira na conta bancária mantida pelo recorrido, na qual é depositado Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso. 
3. Segundo o entendimento firmado pela 2ª Seção no REsp 1.555.722/SP (DJe de 25/09/2018), os descontos de parcelas de empréstimos em conta corrente, ainda que usada para recebimento de salário, são lícitos – desde que autorizados pelo correntista – e não comportam limitação por analogia à hipótese de consignação em folha de pagamento de que trata a Lei 10.820/2003. 
4. Hipótese dos autos que, todavia, não trata do recebimento de verbas salariais, mas do Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso, que tem por objetivo suprir as necessidades básicas de sobrevivência do beneficiário, dando-lhe condições de enfrentamento à miséria, mediante a concessão de renda mensal equivalente a 1 (um) salário mínimo. 
5. Necessário distinguishing do caso concreto para acolher o pedido de limitação dos descontos na conta bancária onde recebido o BPC, de modo a não privar o idoso de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial. Ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana. 
6. Consoante o disposto no art. 3º da Resolução BACEN nº 3.695, de 26/03/2009 (atual art. 6º da Resolução BACEN nº 4.771, de 23/12/2019), a autorização de desconto de prestações em conta corrente é revogável. Assim, não há razoabilidade em se negar o pedido do correntista para a limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido a título de BPC; afinal, o que é válido para o mais, deve necessariamente sê-lo para o menos (a maiori, ad minus). 
7. Recurso especial conhecido e não provido. 
STJ, REsp. 1.834.231 (MG 2019/0254568-0), Terceira Turma, Ministra relatora Nancy Andrighi, 15/12/2020.


ACÓRDÃO 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro. 
Brasília (DF), 15 de dezembro de 2020(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora


RELATÓRIO 
Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA, com fundamento, exclusivamente, na alínea "c" do permissivo constitucional. Ação: declaratória de inexistência de débito c/c pedido de compensação por danos morais, ajuizada por GERALDO ALVES GONCALVES em face do Banco recorrente, devido a descontos em seu benefício de Amparo Social ao Idoso – decorrentes de dois empréstimos pessoais e contratos de renegociação de dívida –, em patamar superior a 30% (trinta por cento) do valor do benefício. Sentença: julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor-recorrido ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), com exigibilidade suspensa em razão da concessão da gratuidade de justiça. Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pelo recorrido, para determinar ao Banco recorrente que suspenda o desconto de qualquer valor na conta bancária do recorrido que ultrapasse a margem de 30% da sua remuneração líquida, decretando a sucumbência recíproca das partes, conforme a seguinte ementa (e-STJ fl. 165): 
“APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DO CONSUMIDOR - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS -DESCONTOS NA CONTA SALÁRIO - LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA COM OS DESCONTOS LEGAIS - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. - Admite-se como válido o desconto de empréstimo bancário tanto na folha de pagamento como também na conta corrente da parte devedora, mas não podendo a soma de todos os descontos ultrapassar o limite de 30% da remuneração mensal líquida do mutuário, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil. - Não há indébito a ser restituído ao contratante, quando todos os valores descontados eram efetivamente devidos. A inobservância pela instituição financeira da margem consignável do mutuário não configura conduta ilícita, por ter se fundado em cláusula constante em contrato firmado livremente entre as partes”. 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrido, foram rejeitados. 

Recurso especial: alega dissídio jurisprudencial em relação ao art. 1º da Lei 10.820/2003, sustentando que é lícita a cobrança de parcelas de empréstimo, com desconto direto em conta, acima do limite de 30% dos rendimentos do mutuário. 

Admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/MG. 

É o relatório.

VOTO 
O propósito recursal consiste em dizer acerca da possibilidade de limitação dos descontos efetuados por instituição financeira na conta bancária mantida pelo recorrido, na qual é depositado Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso. 

I. DA DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. 
A presente demanda foi ajuizada pelo recorrido com vistas à limitação, em 30%, dos descontos de parcelas de empréstimo efetuados pelo ora recorrente, BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA, no saldo da conta bancária onde o autor recebe, mensalmente, o valor de 1 (um) salário mínimo, a título de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC. 

Segundo registrado na sentença, o recorrido, em terminal de autoatendimento, realizou operação de crédito pessoal na data de 13/04/2012, no valor de R$ 5.473,00, sendo que, posteriormente, em 11/01/2013 e 20/05/2013, ocorreram renegociações dessa dívida, resultando no montante de R$ 5.981,12, a ser pago em prestações mensais de R$ 198,83, mediante descontos diretos na conta bancária. 

Consta na sentença, ademais, que houve uma segunda operação de crédito pessoal, também realizada em terminal de autoatendimento, por meio da qual o recorrido contratou empréstimo de R$ 2.000,00, iniciando o pagamento das 36 prestações referentes ao ajuste em 08/09/2015, no valor mensal de R$ 154,15. Dessa maneira, a partir de então, passou a ser debitado em sua conta, mensalmente, o montante total de R$ 352,98, que, à época, representava cerca de 44% do salário mínimo recebido pelo idoso. Conquanto a sentença tenha rejeitado o pedido de limitação dos descontos mensais, este foi acolhido pelo TJ/MG, ao fundamento de que, apesar de lícita a cláusula contratual que previu o débito em conta das parcelas dos empréstimos, a quitação da dívida deveria ocorrer de forma justa e sem o comprometimento do sustento do consumidor contratante. Nesse contexto, recorre a instituição financeira com vistas ao afastamento do limite imposto, invocando, para tanto, divergência jurisprudencial com o entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.555.722/SP. 

II. DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ QUANTO AO TEMA. 
Realmente, quando do julgamento do REsp 1.555.722/SP, a 2ª Seção desta Corte pacificou o entendimento, já adotado em julgados anteriores, de que “é lícito o desconto em conta-corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem”. 

Na ocasião, o debate centralizou-se na diferença fática e jurídica existente entre a autorização de desconto de prestações em conta corrente e a hipótese de desconto, em folha de pagamento, “dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil", de que trata o art. 1º Lei 10.820/2003. 

Com efeito, na consignação em folha de pagamento, a autorização para desconto de parcelas de empréstimos e operações de crédito similares é feita em caráter irrevogável e irretratável, estando, por determinação expressa do art. 1º, § 1º, da Lei 10.820/2003, submetida ao limite de 35% da remuneração do trabalhador, sendo 5% destinados exclusivamente para a amortização de despesas relativas a cartão de crédito (redação dada pela Lei 13.172/2015). 

Diferentemente, na hipótese de desconto direto de prestações e parcelas em conta corrente, não há qualquer limitação legal, sendo que, ademais, a autorização dada pelo correntista é revogável, conforme dispunha o então vigente art. 3º da Resolução BACEN nº 3.695, de 26/03/2009 (atual art. 6º da Resolução BACEN nº 4.771, de 23/12/2019). 

A partir dessa diferença, o raciocínio desenvolvido no julgamento do precedente – tanto no voto condutor, de Relatoria do Min. Lázaro Guimarães, bem como no voto-vogal, de lavra do Min. Luis Felipe Salomão – foi no sentido de que não cabia aplicar, por analogia, a limitação para consignação em folha de pagamento à hipótese de desconto de prestações de mútuo em conta corrente, com a autorização do correntista mutuário. Privilegiou-se, destarte, o princípio da autonomia da vontade das partes em contratar essa forma de amortização das prestações do mútuo, a qual, consoante ressaltado à época, segundo máximas de experiência, traz mais praticidade às partes e culmina por reduzir os custos da operação de crédito, em especial a taxa de juros remuneratórios, dado o menor risco de inadimplemento. 

III. DA NECESSÁRIA DISTINÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS (DISTINGUISHING). 
A hipótese dos autos, no entanto, apresenta peculiaridades que não estavam presentes – e, por isso, não foram consideradas – no precedente, de modo a repelir, in casu, a incidência da tese outrora firmada. 

Com efeito, discute-se, na espécie, a limitação de descontos de prestações de mútuo em conta bancária na qual é depositado, em favor do recorrido, o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC.Este benefício, de matriz constitucional, cuida de mecanismo de proteção social que visa garantir ao idoso o mínimo indispensável à sua subsistência, não provida por sua família, mediante a concessão de uma renda mensal equivalente a 1 (um) salário mínimo. 

A propósito, dispõe o art. 203 da Constituição Federal: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. 

No plano infraconstitucional, a Lei da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), a par de corroborar que a assistência social é política estatal que provê os mínimos sociais, estabelece que faz jus ao BPC o idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais cuja família tenha renda mensal per capita igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Nesse sentido, o disposto no art. 20 da LOAS, in verbis: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. [...] § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020) I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória (...)

Assim, à toda evidência, o BPC, longe de constituir “remuneração” ou “verba salarial” – do que tratou, frise-se, o precedente firmado no REsp 1.555.722/SP – consiste em renda transferida pelo Estado ao idoso, de modo a ofertar-lhe, em um primeiro momento, condições de sobrevivência em enfrentamento à miséria, e para além disto, “também propiciar condições mínimas de sobrevivência com dignidade” (FORTES, S. B.; PAULSEN, L. Direito da Seguridade Social: prestações e custeio da Previdência, Assistência e Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 264). 

Na mesma linha de intelecção, veja-se ainda: “A assistência social visa proteger quem não tem as necessidades básicas (mínimo existencial ou mínimo vital) e nem condições para tê-las. Por isso, normalmente, se diz que é a proteção dos necessitados, ou seja, aqueles que se encontram em situação de pobreza e de miséria. Vale observar que referidos conceitos não são sinônimos. Por situação de pobreza se deve entender o estado de quem não tem o necessário para a vida e, por outro lado, miséria é compreendida como a ausência de necessidades básicas juntamente com a carência de trabalho.Nesse sentido, não se restringe, como no passado, a direitos para a mera sobrevivência, mas sim para suas necessidades básicas. E, mais do que isso, tem como objetivo a transformação social, a partir da inclusão social destes indivíduos” (RIBEIRO BASTOS, Juliana Cardoso. Panorama e Concretização Constitucional da Assistência Social. In Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 83/2013, p. 211 – 239). 

A seguridade social apresenta duas faces: uma delas visa garantir a saúde a todos; a outra, objetiva a garantia de recursos para a sobrevivência digna dos cidadãos, nas situações de necessidade, os quais não podem ser obtidos pelo esforço próprio. Nesta segunda face encontramos a previdência e a assistência. (...) A assistência social, por outro lado, independe de contribuição, e diferentemente da previdência, visa à garantia do padrão mínimo àqueles que não são protegidos pela previdência, nem pela assistência privada (família). Referido direito social garante a universalidade da seguridade social e tem como destinatários os necessitados” (PIERDONÁ, Zélia Luiza. A proteção social na Constituição de 1988. 

In Revista de Direito Social, vol. 28, out./dez. 2007). “A assistência social é um plano de prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas necessitadas de condições dignas de vida. É um direito social fundamental e, para o Estado, um dever a ser realizado por meio de ações diversas que visem a atender às necessidades básicas do indivíduo, em situações críticas da existência humana, tais como a maternidade, infância, adolescência, velhice e para pessoas portadoras de limitações físicas” (TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e Assistência Social: legitimação e fundamentação constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2003, p. 215). 

Nesse diapasão, constata-se que, em razão da natureza e finalidade do BPC, a margem de disponibilidade, do beneficiário, sobre o valor do benefício é consideravelmente reduzida se comparada à liberdade do trabalhador no uso de seu salário, proventos e outras rendas. O valor recebido a título de benefício assistencial, deveras, é voltado precipuamente à satisfação de necessidades básicas vitais do indivíduo, com vistas à sua sobrevivência. 

Diferentemente, em se tratando de verba de natureza salarial, é possível cogitar de uma maior margem financeira do indivíduo para custear suas despesas em geral, como educação, lazer, vestuário, transporte, etc, aí incluído o pagamento de credores. 

Em outras palavras, a autonomia da vontade, em relação à utilização da renda recebida a título de BPC, é, por essência, reduzida. Inclusive, convém ressaltar, sequer há autorização legal para desconto de prestações de empréstimos e cartão de crédito diretamente no BPC, concedido pela União Federal e pago por meio do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. 

Com efeito, a Lei 10.820/2003, que regula a consignação em folha de pagamento de parcelas de empréstimos e cartão de crédito, ao dispor sobre os descontos nos benefícios pagos pelo INSS, remete, tão somente, aos benefícios de aposentadoria e pensão, ou seja, aqueles relacionados à Previdência Social, não abrangendo, assim, benefícios assistenciais. Aliás, a vedação de descontos de parcelas de empréstimos e outras operações de crédito no BPC é expressamente prevista na Instrução Normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008, que se transcreve abaixo: 
Lei 10.820/2003 Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos”. 
“Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1 º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015) § 1º Para os fins do caput, fica o INSS autorizado a dispor, em ato próprio, sobre: I - as formalidades para habilitação das instituições e sociedades referidas no art. 1o; II - os benefícios elegíveis, em função de sua natureza e forma de pagamento (...)” Instrução Normativa INSS/PRES nº 28, de 16/05/2008 “Art. 1º O desconto no valor de aposentadoria e pensão por morte pagas pela Previdência Social das parcelas referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito, concedidos por instituições financeiras, obedecerão ao disposto nesta Instrução Normativa. [...] Art. 11. O disposto nesta Instrução Normativa não se aplica às seguintes espécies de benefícios assistenciais: I - renda mensal vitalícia por invalidez ou idade; II - pensão mensal vitalícia do seringueiro; e III - Benefícios de Prestação Continuada - BPC (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS)”. 

Nesse contexto, diante desse específico quadro normativo, cabe realizar a distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no REsp 1.555.722/SP e a hipótese concreta dos autos, para o fim de acolher o pedido de limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido pelo recorrido a título de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC. 

Essa limitação dos descontos, na espécie, não decorre de analogia com a hipótese de consignação em folha de pagamento, mas com a necessária ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a não privar o recorrido de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial. 

Aliás, o acolhimento do pedido de limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor do benefício representa um minus aos interesses da instituição financeira, uma vez que, afinal, consoante asseverado no REsp 1.555.722/SP, com esteio na Resolução BACEN nº 3.695, de 26/03/2009, a autorização dos descontos em conta corrente é revogável a pedido do titular. Ora, se pode o beneficiário cancelar a autorização para o desconto das parcelas de empréstimo no saldo do seu benefício, não há qualquer razoabilidade em se lhe negar a pretendida limitação em 30%: o que é válido para o mais, deve necessariamente sê-lo para o menos (a maiori, ad minus). 

Assim, em arremate, o recurso especial não comporta provimento. Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para R$ 2.000,00 (dois mil reais), salientando que esse acréscimo deve ser suportado exclusivamente pelo Banco recorrente.

VOTO-VISTA 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Trata-se de recurso especial interposto por Banco Mercantil do Brasil S.A. contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Denota-se dos autos que Geraldo Alves Gonçalves ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c reparatória por danos morais em desfavor da instituição financeira, em razão de descontos em seu Benefício de Amparo Social ao Idoso, decorrentes de empréstimos pessoais e contratos de renegociação de dívida, em patamar superior a 30% do valor do benefício. 

O Juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos. Interposta apelação pelo autor, a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de origem deu-lhe parcial provimento para determinar à instituição financeira que suspenda o desconto de qualquer valor na conta bancária do demandante que ultrapasse a margem de 30% da sua remuneração líquida. 

O acórdão está assim ementado (e-STJ, fl. 165): 
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DO CONSUMIDOR – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS - DESCONTOS NA CONTA SALÁRIO - LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA COM OS DESCONTOS LEGAIS - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. - Admite-se como válido o desconto de empréstimo bancário tanto na folha de pagamento como também na conta corrente da parte devedora, mas não podendo a soma de todos os descontos ultrapassar o limite de 30% da remuneração mensal líquida do mutuário, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil. - Não há indébito a ser restituído ao contratante, quando todos os valores descontados eram efetivamente devidos. A inobservância pela instituição financeira da margem consignável do mutuário não configura conduta ilícita, por ter se fundado em cláusula constante em contrato firmado livremente entre as partes.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 202-208), interposto com fundamento na alínea c do permissivo constitucional, o Banco Mercantil do Brasil S.A. aponta a existência de divergência jurisprudencial em relação ao art. 1º da Lei 10.820/2003. 

Alega que a Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.555.722/SP, firmou entendimento no sentido de ser lícita a cobrança de parcelas de empréstimo, com desconto direto em conta, inexistindo limitação para o referido desconto. 

Ressalta, ainda, que a limitação é exclusiva para empréstimos consignados. O cerne da questão devolvida a julgamento no presente recurso especial é, pois, a possibilidade de limitação dos descontos de parcelas de empréstimos efetuados por instituição financeira na conta bancária mantida pelo recorrido, na qual é depositado mensalmente o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC. 

Levado o presente feito a julgamento pela Terceira Turma do STJ, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, votou no sentido de negar provimento ao reclamo da instituição financeira, sob o fundamento de que a limitação dos descontos, na espécie, não decorre de analogia com a hipótese de consignação em folha de pagamento (REsp n. 1.555.722/SP), mas com a necessária ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a não privar o recorrido de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial. 

Pedi vista dos autos para analisar especificamente a alegação recursal de divergência jurisprudencial, consistente no entendimento firmado pela Segunda Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.555.722/SP, no sentido de que “é lícito o desconto em conta-corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem”. 

Contudo, analisando detidamente o caso, penso estar correta a distinção (distinguishing), realizada pela Ministra relatora, entre o entendimento firmado no REsp n. 1.555.722/SP e a hipótese concreta dos autos. Com efeito, o Benefício de Prestação Continuada, ou BPC, com previsão constitucional, destina-se à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. 

Dessa forma, estando a referida verba relacionada ao mínimo existencial, de rigor a manutenção da limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido pelo recorrido a título de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC.

Sem que haja, a meu juízo, a necessidade de nenhum acréscimo aos fundamentos do bem lançado voto de S. Exa., a ele manifesto a minha integral adesão para, de igual forma, negar provimento ao recurso especial. 

É como voto. 

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo