sexta-feira, 19 de março de 2021

Decisão trata sobre a impossibilidade de suspensão de benefício concedido judicialmente

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o fato do benefício ter sido concedido judicialmente o INSS não poderia apenas com base em perícia administrativa cessar o benefício. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos. 


EMENTA 
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE CONCEDIDO JUDICIALMENTE. CANCELAMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIA AÇÃO REVISIONAL. ART. 505, I, DO CPC/2015. PRINCÍPIO DO PARALELISMO DAS FORMAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 
1. Embora seja inquestionável a prerrogativa do INSS de convocar o segurado para, periodicamente, aferir a permanência da incapacidade (art. 101 da Lei nº 8.213/91), nos casos em que já houve reconhecimento judicial do direito, não pode dita Autarquia cessar a prestação previdenciária motu proprio, com base unicamente no resultado da perícia administrativa. 
2. Levando em consideração que a incapacidade não tinha sido reconhecida anteriormente na via administrativa, obrigando o segurado a ingressar em Juízo, com realização de perícia judicial, para aferição do seu quadro clínico, não seria congruente permitir à Autarquia Previdenciária que, a qualquer momento, desconstituísse os efeitos da decisão transitada em julgado, sem que tenha sido concedida, expressamente, autorização judicial para tanto. 
3. Sem olvidar que a obrigação imposta se submete à cláusula rebus sic stantibus, a soberania da coisa julgada impõe que eventual alteração da situação que ensejou a concessão do benefício seja submetida à análise judicial, por meio da ação revisional prevista no art. 505, I, do CPC/2015, sob pena de se admitir a criação da esdrúxula figura da "rescisória administrativa", facultando à Autarquia Previdenciária a revisão unilateral, em manifesta violação à coisa julgada, ao devido processo legal e ao princípio do paralelismo das formas (precedentes do STJ). 
4. Compondo esse panorama, não se pode perder de vista que, em se admitindo a possibilidade de cassação administrativa de benefício concedido judicialmente, estar-se-ia desconsiderando decisão judicial transitada em julgado, o que resultaria em claro menosprezo ao Poder Judiciário e autorizando à Administração a exercer papel que cabe com exclusividade à Jurisdição. 
5. Ademais, permitir ao INSS rever e cancelar, administrativamente, benefício concedido judicialmente, com base em fato superveniente, importaria em transferir ao segurado (parte mais fraca nesta relação jurídica, litigante não habitual e normalmente hipossuficiente) o ônus de promover outra ação, tendo, assim, mais uma vez, que contratar advogado ou buscar o difícil serviço de Defensoria Pública, para nova tutela jurisdicional, enquanto o INSS (parte mais forte, litigante habitual e com todo aparelhamento estatal, inclusive Procuradoria especializada) ficaria acomodado e esperando eventual citação para apresentação de defesa. 
6. Não fosse tudo isso, considera-se sem a mínima razoabilidade, e até desumano, autorizar o cancelamento administrativo unilateral de benefício de caráter alimentar, normalmente atribuído a pessoas humildes, concedido por sentença transitada em julgado, com esperança de reversão apenas depois da propositura de outra ação judicial e até que realizada a perícia judicial. 
7. Por fim, imaginando-se que esta facilidade pudesse ser concedida à Autarquia Previdenciária, e considerando a possibilidade de uma segunda sentença favorável ao segurado, toda essa Via Crucis por ele percorrida teria que ser repetida tantas vezes quantas o INSS entendesse de cancelar o benefício alimentar após sucessivas sentenças, sempre invocando a perícia administrativa. 
8. Agravo de instrumento desprovido. 
TRF 1ª, AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n.1034339-36.2019.4.01.0000, Desembargador Federal relator Wilson Alves de Souza, 22/06/2020 

ACÓRDÃO 
Decide a Turma, por maioria, vencido o Relator, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto divergente do Des. Wilson Alves de Souza. 

Brasília, 18 de junho de 2020 
Desembargador Federal WILSON ALVES DE SOUZA 

RELATÓRIO 
Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, interpostopelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSScontra decisão do MM. Juízode Direito da ComarcadeSão José dos Quatro Marcos/MT,que determinou o resrestabelecimentode benefício previdenciário deauxílio-doença, cuja implantação foi determinada judicialmente 

Na origem, em 2009, ajuizou a segurada ação ordinária previdenciária, para obtenção de auxilio-doença, pedido que foi julgado procedente. 

Em apelação, o Tribunal deu parcial provimento ao recurso e à revisão de ofício, para determinar a submissão da segurada à revisão periódica, sob pena de cessação do benefício, conforme acórdão de fls. 133 e seguintes. 

O acórdão transitou em julgado em 14/05/2013 e foi executada a condenação. 

Em 21/09/2018, após ter sido convocado para perícia médica de revisão, a segurada requereu o desarquivamento dos autos, dizendo que na sentença não se fixou prazo para cessação do benefício, que teria sido concedido em caráter permanente, e que ainda continuava com estado de 

O juiz determinou o restabelecimento do benefício e contra essa decisão foi tirado o presente agravo.  

O INSS agravante alega, em síntese,que é possível o cancelamento administrativo de benefício decorrente de decisão judicial transitada em julgado, sempre que verificada arecuperação da capacidade laboral do segurado por perícia médica, nos termosdoque preceituam o art. 71 da Lei n. 8.212/91 e o art. 101 da Lei n. 8.213/91. 

Sustenta, ainda, que“[...] toda decisão judicial que trata de questão de caráter continuado submete-se a uma condição implícita de validade no tempo, a cláusularebus sic stantibus.Nessa linha, cabe ao INSS rever os benefícios previdenciários, ainda que concedidos judicialmente, para verificar se persistem as condições clínicas que levaram ao seu deferimento”(fl.06). 

Contraminuta não apresentada. 

É o relatório. 

VOTO 
Em aditamento às notas taquigráficas apanhadas no julgamento ocorrido na sessão realizada em 29/04/2020, considere-se que, embora seja inquestionável a prerrogativa do INSS de convocar o segurado para, periodicamente, aferir a permanência da incapacidade (art. 101 da Lei nº 8.213/91), nos casos em que já houve reconhecimento judicial do direito, não pode dita Autarquia cessar a prestação previdenciária motu proprio, com base unicamente no resultado da perícia administrativa. 

Levando em consideração que a incapacidade não tinha sido reconhecida anteriormente na via administrativa, obrigando o segurado a ingressar em Juízo, com realização de perícia judicial, para aferição do seu quadro clínico, não seria congruente permitir à Autarquia Previdenciária que, a qualquer momento, desconstituísse os efeitos da decisão transitada em julgado, sem que tenha sido concedida, expressamente, autorização judicial para tanto. 

Com efeito, sem olvidar que a obrigação imposta se submete à cláusula rebus sic stantibus, a soberania da coisa julgada impõe que eventual alteração da situação que ensejou a concessão do benefício seja submetida à análise judicial, por meio da ação revisional prevista no art. 505, I, do CPC/2015, sob pena de se admitir a criação da esdrúxula figura da "rescisória administrativa", facultando à Autarquia Previdenciária a revisão unilateral, em manifesta violação à coisa julgada, ao devido processo legal e ao princípio do paralelismo das formas. 

A propósito, o STJ já se pronunciou sobre a questão, fixando que a cessação de benefícios concedidos por ordem judicial deve se dar por meio de ação revisional específica. Confiram-se as ementas a seguir: 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA JUDICIALMENTE. REVISÃO PELO INSS. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. 
RECURSO IMPROVIDO. 
1.Nos limites estabelecidos pelo artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição eventualmente existentes no julgado combatido, inocorrente na espécie. 
2. Em nome do princípio do paralelismo das formas, concedido o auxílio-doença pela via judicial, constatando a autarquia que o beneficiário não mais preenche o requisito da incapacidade exigida para a obtenção do benefício, cabe ao ente previdenciário a propositura de ação revisional, nos termos do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, via adequada para a averiguação da permanência ou não da incapacidade autorizadora do benefício. 
3. Agravo regimental a que se nega provimento. 
(AgRg no REsp 1221394/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 24/10/2013) 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CONCESSÃO ATRAVÉS DE DECISÃO JUDICIAL. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO JUDICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 
1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de somente ser possível a revisão da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente através de outra ação judicial. 
2. Agravo regimental a que se nega provimento. 
(AgRg no REsp 1218879/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2014, DJe 25/09/2014) 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA JUDICIALMENTE. CANCELAMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO REVISIONAL. IMPRESCINDIBILIDADE. ART. 471, I, DO CPC. PARALELISMO DAS FORMAS. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 
1. Deferida a aposentadoria por invalidez judicialmente, pode a autarquia previdenciária rever a concessão do benefício, uma vez tratar-se de relação jurídica continuativa, desde que por meio de ação judicial, nos termos do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, e em respeito ao princípio do paralelismo das formas. 
2. Recurso especial a que se nega provimento. 
(REsp 1201503/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2012, DJe 26/11/2012) 

Compondo esse panorama, não se pode perder de vista que, em se admitindo a possibilidade de cassação administrativa de benefício concedido judicialmente, estar-se-ia desconsiderando decisão judicial transitada em julgado, o que resultaria em claro menosprezo ao Poder Judiciário e autorizando à Administração a exercer papel que cabe com exclusividade à Jurisdição. 

Ademais, permitir ao INSS rever e cancelar, administrativamente, benefício concedido judicialmente, com base em fato superveniente, importaria em transferir ao segurado (parte mais fraca nesta relação jurídica, litigante não habitual e normalmente hipossuficiente) o ônus de promover outra ação, tendo, assim, mais uma vez, que contratar advogado ou buscar o difícil serviço de Defensoria Pública, para nova tutela jurisdicional, enquanto o INSS (parte mais forte, litigante habitual e com todo aparelhamento estatal, inclusive Procuradoria especializada) ficaria acomodado e esperando eventual citação para apresentação de defesa. 

Não fosse tudo isso, considera-se sem a mínima razoabilidade, e até desumano, autorizar o cancelamento administrativo unilateral de benefício de caráter alimentar, normalmente atribuído a pessoas humildes, concedido por sentença transitada em julgado, com esperança de reversão apenas depois da propositura de outra ação judicial e até que realizada a perícia judicial. 

Por fim, imaginando-se que esta facilidade pudesse ser concedida à Autarquia Previdenciária, e considerando a possibilidade de uma segunda sentença favorável ao segurado, toda essa Via Crucis por ele percorrida teria que ser repetida tantas vezes quantas o INSS entendesse de cancelar o benefício alimentar após sucessivas sentenças, sempre invocando a perícia administrativa. 

Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo de instrumento. 

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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