sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Dispensa de perícia somente se houver provas que supram essa ausência

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a importância da realização da perícia para comprovação da incapacidade laboral. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA.
INCAPACIDADE LABORATIVA NÃO COMPROVADA.
1. O Legislador Constituinte determinou como um dos objetivos da assistência social a garantia de um salário mínimo de benefício à pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela sua própria família (art. 203, V, CF/88).
2. O art. 20 e §§ da Lei nº 8742/93, estabelece dois requisitos cumulativos para a concessão do benefício em questão, quais sejam: (i) a comprovação da idade avançada ou da incapacidade decorrente de a pessoa ser portadora de deficiência e; (ii) o estado de miserabilidade familiar.
3. No caso em tela, o magistrado entendeu que se tratava de matéria exclusivamente de direito e julgou o pedido sem determinar a realização de perícia médica para verificação da incapacidade do autor. É certo que o magistrado está orientado pelo princípio da livre convicção e que a determinação de perícia técnica é prescindível, desde que haja provas contundentes nos autos que supram sua ausência, o que não ocorreu na hipótese.
4. Dado provimento à remessa necessária e apelação, nos termos do voto.
TRF 2,
Processo 0021343-11.2015.4.02.9999 , 2ª Turma Especializada, Juíza Federal relatora Helena Elias Pinto, 28.10.16.

ACORDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, à unanimidade, DAR PROVIMENTO à remessa necessária e à apelação do INSS nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2016.
HELENA ELIAS PINTO
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA
(Em substituição à relatora)

RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de estabelecimento do benefício assistencial, considerando que o autor JÚLIO CÉSAR DE SOUZA preencheu os requisitos previstos no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, comprovada sua hipossuficiência bem como a sua incapacidade para o exercício de qualquer atividade laboral (fls. 72/74).

O apelante, em razões recursais (fls. 76/78), requer a anulação da sentença, uma vez que não foi determinada a realização de prova pericial, não tendo restado demonstrada a incapacidade do autor para o trabalho.

Contrarrazões às fls. 81/82.

O Ministério Público Federal entendeu desnecessária sua manifestação (fl. 92).
 
É o relatório. Peço dia.

Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2016.

VOTO
Conforme relatado, trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de estabelecimento do benefício assistencial, considerando que o autor JÚLIO CÉSAR DE SOUZA preencheu os requisitos previstos no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, comprovada sua hipossuficiência bem como a sua incapacidade para o exercício de qualquer atividade laboral (fls. 72/74). 

Conheço da remessa necessária e da apelação porque presentes os requisitos de admissibilidade. A questão versa sobre o direito ao benefício da prestação continuada de assistência social à pessoa com deficiência previsto no inciso V do artigo 203 da Constituição Federal:
Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(..)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A fim de disciplinar a matéria, foi editada a Lei nº 8.742/93, cujo artigo 20, §§ 1º, 2º e 3º, dispõe:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo
requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
 
Dos dispositivos transcritos, verifica-se que a lei estabelece dois requisitos cumulativos para a concessão do benefício em questão, quais sejam: (i) a comprovação da idade avançada ou da incapacidade decorrente de a pessoa ser portadora de deficiência e; (ii) o estado de miserabilidade familiar. 

O conceito legal de incapacidade abrange a impossibilidade de o indivíduo conduzir sua vida de forma independente e, especialmente, de exercer atividade laborativa, de modo a prover seu próprio sustento. 

É nesse sentido o teor das súmulas editadas pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e pela própria Advocacia-Geral da União, verbis:
Súmula nº 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU: Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover o próprio sustento.

Súmula nº 30 da AGU: A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

No caso em tela, o magistrado entendeu que se tratava de matéria exclusivamente de direito e julgou o pedido sem determinar a realização de perícia médica para verificação da incapacidade do autor. Embora ambas as partes tenham apresentado seus quesitos (fls. 12 e 59), sem qualquer resistência em relação à produção dessa prova, o juiz limitou a determinar a intimação do médico que já acompanha o autor para esclarecer se o mesmo é incapaz para qualquer tipo de atividade laborativa (fl. 61). 

Sendo assim, somente constam dos autos dois laudos, sendo um cópia, de médico que, embora integrante do SUS, já acompanha o autor (fls. 17 e 65), não havendo qualquer esclarecimento a respeito dos quesitos apresentados pelas partes. É certo que o magistrado está orientado pelo princípio da livre convicção e que a determinação de perícia técnica é prescindível, desde que haja provas contundentes nos autos que supram sua ausência, como por exemplo uma sentença de interdição, certidão de curatela ou mesmo se em eventual visita domiciliar a assistente social do juízo constatar, a olho nu, que a parte não tem qualquer capacidade para os atos da vida civil. 

Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI Nº 8.742/93. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO. SENTENÇA ANULADA. I - A concessão do benefício assistencial de prestação continuada (artigo 203, inciso V, da Constituição da República), tratando-se de pessoas portadoras de deficiência que não possuem condições financeiras de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, condiciona-se à verificação dos requisitos da incapacidade e da miserabilidade, conforme o disposto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93. II - Na hipótese dos autos, se constata que o magistrado a quo julgou procedente o pedido, determinando ao INSS que implantasse em favor do autor o benefício previdenciário de prestação continuada com base na prova produzida por este, mais especificamente no atestado médico particular de fls. 14. III - Ocorre, que neste caso, a realização de perícia médica seria procedimento indispensável para fins de aferição da presença de incapacidade que justifique a concessão do benefício pretendido, sendo que a sua ausência impossibilita o julgamento do recurso. Precedentes. IV - Dessa forma, ausente laudo médico pericial, deve ser anulada a sentença e
determinada a devolução dos autos ao juízo de origem para sua realização.
(TRF2, 0000659-31.2016.4.02.9999, 1ª Turma Especializada, Abel Gomes, DJe 29/07/2016)

DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. REQUERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA. NÃO APRECIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. I - Nos termos do artigo 203 da Constituição da República, o benefício assistencial é devido ao idoso e ao deficiente que não sejam capazes de proverem seu próprio sustento e sua família não possua meios para tal. II - O deferimento do benefício está condicionado à comprovação: a) da condição de miserabilidade financeira do núcleo familiar; b) da idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos ou de deficiência que importe em "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial". III - Verifica-se que a não apreciação do requerimento da autarquia previdenciária de realização de perícia médica pelo juiz a quo, trouxe prejuízo a mesma, em afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa,insculpidos no artigo 5º, inciso LV da Constituição de 1988, razão pela qual impõe-se a anulação da sentença, com retorno dos autos ao juízo de origem, para regular instrução do feito. IV - Apelação e remessa necessária parcialmente providas, para anular a sentença. (TRF2, 0100220-86.2015.4.02.0000, 2ª Turma Especializada, André Fontes, DJe 29/08/2016) 

Na hipótese, não há prova nos autos que supra a ausência de perícia médica. No estudo social realizado (fls. 29/30), a assistente social foi atendida pelo próprio autor, que vive em união estável com sua companheira Sra. Izabel e realiza acompanhamento psiquiátrico com médico do CAPs de sua cidade, inclusive com o fornecimento da devida medicação. Embora alegue, na petição inicial, que sua doença o levou a cometer duas tentativas de homicídio, que teriam acarretado em medida de segurança de internação em manicômio penitenciário, não junta aos autos a respectiva sentença, somente apresentando alvará de soltura em relação a esse e a outros crimes cometidos, sendo-lhe concedido o direito de aguardar seu julgamento em liberdade (fls. 22 e 25). 

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos para o regular processamento, a fim de se apurar a existência de incapacidade laborativa do autor.
É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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