sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Visão monocular e benefícios da previdência social

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre benefícios previdenciários e a visão monocular. Conforme a decisão a visão monocular não constitui causa incapacitante para o trabalho rural em regime de economia familiar, por isto não fazendo jus ao benefício. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AGRICULTORA. VISÃO MONOCULAR. CAPACIDADE LABORAL.
É indevido o auxílio-doença e, com maior razão, a aposentadoria por invalidez, quando a lesão visual do segurado restringe-se a apenas um dos olhos, não estando ela sequer incapacitada para a sua atividade habitual de agricultora, a qual não necessita de visão binocular. Precedentes desta corte. 

TRF 4, Proc. 0013615-59.2015.4.04.9999, 6ª T., Juiz Federal Relator Hermes Siedler da Conceição Junior, 01.09.16.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de agosto de 2016.

Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator

RELATÓRIO
Elci Fragata dos Santos Schley ajuizou ação ordinária contra o INSS objetivando a concessão do benefício de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez desde a DER em 25/10/2013.

Na sentença, o Julgador monocrático julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios fixados em R$ 300,00.

A parte autora apela alegando, em síntese, estar comprovada a condição de segurado e incapacidade, tendo direito ao benefício de auxílio-doença e/ou invalidez a contar do requerimento. Preliminarmente, requer a suspensão do pagamento das custas e honorários, ante a concessão da gratuidade judiciária (fl. 17). Requereu, da mesma forma, a apreciação do agravo retido (fls.63-8). Quanto ao mérito, requer a desconsideração da perícia judicial diante dos atestados médicos que constatam sua doença. Refere que por sua idade e baixa instrução é inexigível que aprenda realizar atividade diversa da de agricultora. Por fim, requer a realização de nova perícia com médico oftalmologista.

Com contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.

É o relatório.

VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.

Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.

Agravo retido
Adoto como razão de decidir os fundamentos exarados na decisão fl. 61, verbis:

Inicialmente, indefiro o pedido de complementação do laudo pericial requerido pela parte autora, uma vez que suficientemente esclarecida a condição laborativa da autora.

Outrossim, verifico que também desnecessária a oitiva de testemunhas, considerando que a comprovação pretendida depende de conhecimento técnico específico - encontrado no responsável pela elaboração do laudo pericial trazido aos autos -, razão pela qual indefiro sua produção.
(...)

Mérito
A perícia judicial, realizada em 17/07/2014, por médico oftalmologista, apurou que a autora, agricultora, nascida em 11/04/1968, é portadora de olho direito em phthisis bulbi e esquerdo normal (CID10-H54.0-cegueira no olho direito), ou seja, visão monocular oriunda de oclusão da veia central da retina (CID10-H34.8) e concluiu que não há incapacidade para as atividades próprias da agricultura e/ou trabalho rural.

O expert respondeu e fundamentou os quesitos de forma clara e objetiva, sendo descritos os exames feitos na autora e a conclusão a qual o perito chegou com a realização dos mesmos. Senão vejamos:

Quesitos do juízo
a) Diga o perito se existe incapacidade para o trabalho?
R. Não. Não há incapacidade, de acordo com o artigo 3 III e artigo 4 III do Decreto 3.298/99. A paciente apresenta mãos com pigmetação e calosidades de quem realiza trabalhos rurais.

Cumpre esclarecer que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade, embora seja certo que o juiz não fique adstrito às conclusões do perito.

In casu, a leitura do laudo pericial revela que o autor apresenta cegueira do olho direito. Contudo, o olho esquerdo não apresenta nenhuma patologia incapacitante. Tal conclusão demonstra que, ao meu ver, o requerente não poderia realizar apenas atividades que exigem visão binocular, estando apto, no entanto, para o exercício daquelas inerentes à agricultura em regime de economia familiar.

Logo, ainda que com algum desconforto, a sua limitação não compromete o exercício de suas atividades habituais, não fazendo jus, pois, aos benefícios postulados.

Nessa linha, ressalto que, segundo entendimento de ambas as Turmas da 3ª Seção desta Corte, a visão monocular, por si só, não constitui causa incapacitante para o desenvolvimento de trabalho rural em regime de economia familiar. Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE NÃO RECONHECIDA.
Não demonstrada a efetiva incapacidade do autor para o exercício de sua profissão de agricultor, por ser portador de visão monocular, não possui direito à concessão da aposentadoria por invalidez e/ou auxílio-doença, merecendo reforma a sentença recorrida.
(TRF4, AC 2005.04.01.027743-0, Turma Suplementar, Relator Luciane Amaral Corrêa Münch, publicado em 21/02/2007)

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/ AUXÍLIO-DOENÇA. AGRICULTOR. VISÃO MONOCULAR.
1. Tratando-se de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
2. A visão monocular não é necessariamente incapacitante para todas as atividades remuneradas, apenas para aquelas que necessitam de visão binocular (precedentes).
3. Hipótese em que a prova pericial concluiu que o autor não se encontra incapacitado para a agricultura, atividade por ele desempenhada.
(TRF4, AC 2003.04.01.060036-0, Quinta Turma, de minha relatoria, publicado em 19/01/2005)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. VISÃO MONOCULAR. INEXISTÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA.
1. Nas ações em que objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador, via de regra, firma sua convicção por meio da prova pericial.
2. Na hipótese de a visão monocular não impedir que o segurado continue desenvolvendo sua atividade habitual, configura-se inviável a concessão da aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
(TRF4, AC 2001.71.03.000051-5, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 30/06/2004)

Insta salientar que os atestados médicos acostados ao processo (fls.12 e 13) apenas ratificam o que posteriormente esclareceu a perícia judicial. A declaração da fl. 12 atesta é portadora de cegueira no olho direito e de visão normal (20/20) no olho esquerdo. O atestado da fl.13 informa, da mesma forma, que a autora apresenta visão preservada apenas no olho esquerdo. Ambos documentos referem que a cefaleia e os episódios de vertigem não guardam relação com a doença oftalmológica que acomete a autora.

Quanto à realização de nova perícia, entendo desnecessária, pois a perícia judicial que guarnece a decisão, além de esclarecer quanto à incapacidade, foi realizada por médico especialista na doença que acomete a autora.

Dessa forma, tenho por indevida a concessão do benefício postulado, mostrando-se desnecessário, portanto, o exame sobre os demais requisitos necessários para a concessão de tais benefícios.

Desse modo, tendo o perito esclarecido que não existe incapacidade laboral, agiu acertadamente o magistrado de origem ao julgar improcedente o pedido formulado pela autora. Restam mantidos os ônus sucumbenciais, todavia, suspendo o pagamento do mesmos em razão da AJG concedida (fl.17), atendendo, assim, ao apelo da autora no ponto.

Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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