segunda-feira, 1 de julho de 2013

Decisão impede INSS de inscrever em dívida ativa segurado

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência a qual diz que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não pode cobrar benefício previdenciário pago indevidamente ao beneficiário mediante inscrição em dívida ativa e posterior execução fiscal.
Conforme o STJ pelo fato de não existir lei específica que determine a inscrição em dívida nessa hipótese, o caminho legal a ser seguido pela autarquia para reaver o pagamento indevido é o desconto do mesmo benefício a ser pago em períodos posteriores, sendo que no caso de dolo, fraude ou má-fé, a lei prevê a restituição de uma só vez (descontando-se do benefício) ou mediante acordo de parcelamento.

Caso os descontos não sejam possíveis, pode-se ajuizar ação de cobrança por enriquecimento ilícito, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao acusado, com posterior execução. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC). BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 154, §2º, DO DECRETO N. 3.048⁄99 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI N. 8.213⁄91. IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. 1. Não cabe agravo regimental de decisão que afeta o recurso como representativo da controvérsia em razão de falta de previsão legal. Caso em que aplicável o princípio da taxatividade recursal, ausência do interesse em recorrer, e prejuízo do julgamento do agravo regimental em razão da inexorável apreciação do mérito do recurso especial do agravante pelo órgão colegiado.
2. À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213⁄91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil. Precedentes: REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008; REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003; AgRg no AREsp. n. 225.034⁄BA, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.02.2013; AgRg no AREsp. 252.328⁄CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012; REsp. 132.2051⁄RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012; AgRg no AREsp 188047⁄AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012; AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009.
3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal - PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em divida ativa na hipótese prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213⁄91, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048⁄99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC⁄2002, que se referem a enriquecimento ilícito.
4. Não há na lei própria do INSS (Lei n. 8.213⁄91) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112⁄90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048⁄99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.
5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄2008.
STJ, Recurso Especial Nº 1.350.804 - PR (2012⁄0185253-1),1 Seção, Ministro Relator Mauro Campbell Marques, 28.06.2013.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
 
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3a. Região), Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin e Napoleão Nunes Maia Filho (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciado, nesta assentada, o Sr. Ministro Ari Pargendler.
 
Brasília (DF), 12 de junho de 2013.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES , Relator

RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial manifestado pelo Instituto Nacional da Seguridade Social - INSS, com fundamento nas letras a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, por unanimidade, negou provimento à apelação interposta contra sentença exarada nos autos de execução fiscal promovida pelo INSS para o ressarcimento de benefícios previdenciários pagos indevidamente.

O Tribunal de origem, com base na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, manteve a decisão que declarou a nulidade da CDA e extinguiu a execução fiscal, por reconhecer a imprescindibilidade, para a cobrança de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, da demonstração da má-fé do beneficiário em processo judicial próprio, com a observância do contraditório e da ampla defesa (e-STJ fls. 49⁄53). Transcreve-se, por oportuno, a ementa do julgado:
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ CONFIGURADA.
É certo que o Instituto Nacional do Seguro Social tem direito de promover a execução dos seus créditos inseridos em dívida ativa. Todavia, para a cobrança de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, ou assistencial, em face do caráter alimentar dessas verbas e, em decorrência, da sua irrepetibilidade, é imprescindível a demonstração da má-fé do beneficiário em processo judicial próprio com a observância do contraditório e ampla defesa.

Foram opostos embargos de declaração, alegando omissão no tocante aos arts. 2º, da Lei 6.830⁄80, e 39, §§ 1º e 2º, da Lei 4.320⁄64, os quais, segundo o INSS, estabelecem que o procedimento previsto pela Lei 6.830⁄80 é adequado à satisfação da pretensão da autarquia de obter a restituição de valores indevidamente pagos a título de benefício previdenciário. Os embargos foram parcialmente acolhidos, apenas para fins de prequestionamento.

No recurso especial, a autarquia recorrente alega contrariedade aos arts. 2º e 3º da Lei 6.830⁄80, c⁄c art. 39, § 2º, da Lei 4.320⁄64, sob o argumento de que os débitos não tributários passíveis de inscrição em dívida ativa estão taxativamente arrolados na legislação (indenizações, reposições e restituições), podendo a cobrança de benefício previdenciário se dar por meio de execução fiscal. Aponta, ainda, dissídio jurisprudencial com julgado do STJ, no tocante à possibilidade de inscrição em dívida ativa de valores decorrentes da revisão de benefício previdenciário irregularmente concedido. Sem contraminuta consoante e-STJ fls. 103⁄104. Sem contrarrazões ao recurso especial consoante e-STJ fls. 81⁄82.

Nesta Corte, exarei decisão de e-STJ fls. 111⁄112, no sentido de converter os autos em recurso especial para, em seguida, afetar o recurso como emblemático da controvérsia a ser dirimida pela Primeira Seção.

Ouvido o Ministério Público, seu parecer foi pelo não conhecimento do recurso especial e, caso conhecido, pelo seu não provimento, consoante ementa a seguir transcrita (e-STJ fl. 145):
RESP. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. RESSARCIMENTO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE FRAUDE, DOLO OU MÁ FÉ CONFORME CONSTA DAS CDAs APURADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 83⁄STJ.
1.Em que pese o predomínio do interesse público, em reaver valores recebidos do erário mediante fraude na concessão de benefício previdenciário, tal busca não pode ser feita sem observância das garantias mínimas do devido processo legal e da segurança jurídica.
2.A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que a Execução Fiscal não é o meio adequado para cobrança de benefícios previdenciários pagos indevidamente, pois o valor respectivo não assume a natureza de crédito tributário e não permite sua inscrição em dívida ativa.
3. Parecer do Ministério Público Federal, pelo não provimento do recurso.

Devidamente intimado, o INSS interpôs agravo regimental, no qual alegou que o feito não poderia ser decidido monocraticamente, por não estar presente nenhuma das hipóteses previstas no art. 557 do CPC. Reafirmou, ainda, a possibilidade de o INSS inscrever em dívida ativa valores relativos a benefícios previdenciários obtidos mediante fraude. É o relatório.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): sede preliminar, observo que o agravo regimental interposto pela autarquia previdenciária não ultrapassa o óbice do conhecimento. A uma, em razão do princípio da taxatividade, vez que não há qualquer previsão legal de recurso em face da decisão que afeta outro como representativo de controvérsia. A duas, por ausência de interesse em recorrer, porquanto a decisão em questão não é capaz de trazer qualquer prejuízo ao recorrente. A três, porque a presente decisão de mérito torna prejudicado o agravo regimental interposto na medida em que está em julgamento pelo próprio órgão colegiado o recurso especial interposto pela própria agravante, esvaziando o propósito do agravo regimental. Por fim, porque insurge-se contra algo que sequer foi decidido, isto é, sua fundamentação não corresponde ao conteúdo do ato que impugna já que a decisão limitou-se a converter o agravo em recurso especial e a afetar o tema como recurso representativo da controvérsia, sem adentrar ao mérito da possibilidade de inscrição em dívida ativa ou não da verba em discussão.

Essa argumentação foi posteriormente corroborada pela petição de e-STJ fls. 145⁄146 onde a própria Procuradoria-Geral Federal - PGF requer o desentranhamento da petição de agravo regimental.

Sendo assim, em razão do princípio da economia processual, em preliminar julgo prejudicado o agravo regimental. Passo à análise do mérito do recurso especial.

Cinge-se a controvérsia a respeito da possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado como enriquecimento ilícito. A certidão de inscrição em divida ativa qualifica a hipótese como aquela prevista no art. 115, II, da Lei n. 8.213⁄91 que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, §2º, do Decreto n. 3.048⁄99, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e artigos 876, 884 e 885, do CC⁄2002, que se referem a enriquecimento ilícito (e-STJ fl. 4).

A matéria se encontra há muito pacificada no âmbito do STJ. Conforme já asseverei por ocasião do julgamento do AgRg no REsp nº 800.405⁄SC, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, de minha relatoria, a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente.

Não me parece possível, nesse contexto, que seja feita a inscrição em dívida ativa de valor indevidamente recebido, a título de benefício previdenciário do INSS, pois não há regramento específico para tal e, por se tratar de restrição de direitos, incabível qualquer analogia com o que dispõe os arts. 46 e 47, da Lei n. 8.112⁄90, para o servidor público federal ativo, aposentado ou pensionista, a saber (grifo nosso):
 
Lei n. 8.112⁄90
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)


Sendo assim, se o legislador quisesse que o recebimento indevido de benefício previdenciário ensejasse a inscrição em dívida ativa o teria previsto expressamente na Lei nº 8.212⁄91 ou na Lei n. 8.213⁄91 (como ocorre para o servidor público ativo, aposentado ou pensionista, inclusive o da própria autarquia INSS, a teor dos arts. 46 e art. 47, da Lei n. 8.112⁄90), o que não fez.

Veja-se que a legislação específica para o caso somente autoriza que o valor pago a maior seja descontado do próprio benefício, ou da “renda mensal do beneficio”, como definido em regulamento. Transcrevo:
Lei n. 8.213⁄91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
[...]
II - pagamento de benefício além do devido;
[...]
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
[...]

Não há na lei própria do INSS dispositivo legal semelhante ao disposto no parágrafo único do art. 47, da Lei n. 8.112⁄90. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto n. 3.048⁄99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal. Transcrevo texto do Decreto e grifo aquele que extrapola a lei em vigor:
Decreto n. 3.048⁄99
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...]
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
[...]
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa.
[...]

Isto significa que recebido o valor a maior pelo beneficiário, a forma prevista em lei para o INSS reavê-lo se dá através de desconto do mesmo benefício a ser pago em períodos posteriores e, nos casos de dolo, fraude ou má-fé, a lei prevê a restituição de uma só vez (descontando-se do benefício) ou mediante acordo de parcelamento.

Na impossibilidade da realização de tais descontos, seja porque o beneficiário deixou de sê-lo (suspensão ou cessação), seja porque seu benefício é insuficiente para a realização da restituição de uma só vez, seja porque a pessoa que recebeu os valores o fez indevidamente jamais tendo sido a real beneficiária, a lei não prevê a inscrição em dívida ativa para tal. Nessas situações, à míngua de lei específica que determine a inscrição em divida ativa, o caminho é a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.

Vê-se, portanto, que os benefícios previdenciários indevidamente recebidos, qualificados como enriquecimento ilícito, não se enquadram no conceito de crédito tributário ou não tributário previsto no art. 39, §2º, da Lei n. 4.320⁄64 e tampouco permitem sua inscrição em dívida ativa. Desta forma, torna-se imperativo que seu ressarcimento seja precedido de processo judicial para o reconhecimento judicial do direito do INSS à repetição e no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa ao acusado, ficando a ação executiva reservada para uma fase posterior.

Desse modo, com acerto a seguinte linha jurisprudencial:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA PARA FORMAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO. PRECEDENTES: RESP. 440.540⁄SC, RESP. 414.916⁄PR, RESP. 439.565⁄PR. RECURSO DESPROVIDO (REsp. nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 18.12.2008).

PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA - TÍTULO EXECUTIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – CRIAÇÃO UNILATERAL DO TÍTULO – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PROCESSO JUDICIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO – RECEBIMENTO.
1. A dívida tributária já nasce certa e líquida, porque o lançamento gera presunção de certeza e liquidez. Isso não ocorre com os créditos oriundos de responsabilidade civil que somente recebem tais atributos, após acertamento amigável ou judicial.
2. Os créditos incertos e ilíquidos não integram a dívida ativa, suscetível de cobrança executivo-fiscal. É que o conceito de dívida ativa não tributária, a que se refere a Lei de Execuções Fiscais, envolve apenas os créditos assentados em títulos executivos. Há créditos carentes de certeza e liquidez necessárias ao aparelhamento de execução.
3. Crédito proveniente de responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto responsável não integra a chamada dívida ativa, nem autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve exercer, contra o suposto responsável civil, ação condenatória, em que poderá obter o título executivo.
4. É nula a execução fiscal por dívida proveniente de responsabilidade civil, aparelhada assentada em títulos
(REsp. nº 440.540 - SC, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 6.11.2003).

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. CDA. REQUISITOS.
1. Entende-se pela aplicação do art. 557 do CPC, quando a quaestio juris já foi iterativamente ventilada na jurisprudência e guarda sintonia com o entendimento dominante desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.
2. Insurge-se o INSS contra acórdão que manteve extinta a execução fiscal fundada em Certidão de Dívida Ativa, para restituição de valores referentes a benefícios previdenciários concedidos mediante suposta fraude, por não se incluir no conceito de dívida ativa tributária.
3. Conforme jurisprudência pacificada no STJ, não se inclui no conceito de dívida ativa não tributária, hábil a ensejar a execução fiscal, o valor supostamente devido à Fazenda Pública em decorrência de fraude na concessão de benefício previdenciário.
Agravo regimental improvido
(AgRg no AREsp. n. 225.034⁄BA, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.02.2013).

PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 557 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
1. Não procede a alegada violação do disposto no art. 557, pois a inovação por ele trazida instituiu a possibilidade de, por decisão monocrática, o relator deixar de admitir recurso, entre outras hipóteses quando manifestamente improcedente ou contrário à Súmula ou entendimento dominante pela jurisprudência do Tribunal de origem, ou de Cortes Superiores, rendendo homenagem à economia e celeridade processuais.
2. O conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Assim, tanto a dívida ativa tributária quanto a não tributária requerem o preenchimento desses requisitos.
3. No caso dos autos, analisa-se um suposto crédito decorrente de um ato ilícito (fraude), ou seja, trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil, não se enquadrando no conceito de dívida ativa não tributária por falta do requisito da certeza.
4. A suposta fraude não foi comprovada em procedimento próprio, tampouco foi reconhecida pelo suposto responsável. Dessa forma, cabe ao Estado ajuizar ação condenatória, em que poderá, caso vencido, obter um título executivo. Incidência da Súmula 83⁄STJ.
Agravo regimental improvido
(AgRg no AREsp. 252.328⁄CE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18.12.2012).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 114 E 115 DA LEI 8.213⁄1991 E DO ART. 204 DO CTN NÃO CONFIGURADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. VIA PROCESSUAL INADEQUADA.
1. O acórdão recorrido consignou que "na hipótese, os valores executados, embora de natureza previdenciária, são frutos de relação jurídica advinda de benefício de aposentadoria especial aparentemente deferida ao agravado e suspensa por supostas irregularidades, o que afasta a penhora requerida". Assim sendo, não foram violados os arts. 114 e 115 da Lei 8.213⁄1991 e o art. 204 do CTN.
2. Em obiter dictum, observo que a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que a Execução Fiscal não é o meio adequado para cobrar benefícios previdenciários pagos indevidamente, pois o valor respectivo não assume a natureza de crédito tributário nem permite sua inscrição em dívida ativa.
3. Recurso Especial não provido
(REsp. 132.2051⁄RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23.10.2012).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE ORIGEM FRAUDULENTA. INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA. INVIABILIDADE. MANEJO DE EXECUÇÃO FISCAL. DESCABIMENTO.
1. "A jurisprudência no STJ orienta-se no mesmo sentido do aresto impugnado: o processo de execução fiscal não é o meio cabível para a cobrança judicial de dívida que tem origem em fraude relacionada à concessão de benefício previdenciário." (AgRg no AREsp 171.560⁄MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 21⁄8⁄2012).
2. De igual modo: AgRg no AREsp 16.682⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16⁄3⁄2012, AgRg no REsp 1.225.313⁄RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 18⁄4⁄2012, AgRg no AREsp 140.188⁄AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 3⁄5⁄2012.
3. Agravo regimental não provido
(AgRg no AREsp 188047⁄AM, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04.10.2012).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CDA. NULIDADE. REQUISITOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA DE SUPOSTO CRÉDITO ORIUNDO DE ILÍCITO CIVIL EXTRACONTRATUAL APURADO ADMINISTRATIVAMENTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. A inscrição em dívida ativa não é forma de cobrança adequada para os créditos provenientes exclusivamente de ilícitos civis extracontratuais que não tenham sido previamente apurados pela via judicial. Isto porque, em tais casos, não há certeza da existência de uma relação jurídica que vai ensejar o crédito, não havendo ainda débito decorrente de obrigação vencida e prevista em lei, regulamento ou contrato. Precedentes: REsp. Nº 441.099 - RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 07 de outubro de 2003; REsp. Nº 362.160 - RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 05 de fevereiro de 2002.
2. Afirmação que não agride os valores decorrentes de casos de ilícitos administrativos cometidos por servidores públicos como o alcance, a reposição e a indenização, posto que sua inscrição em dívida ativa se submete a disciplina legal específica, com processo administrativo prévio, e nesses casos há uma relação jurídica entre o causador do dano e a administração pública (condição de servidor ou funcionário público) que preexiste ao próprio dano causado.
3. Hipótese em que a certidão de inscrição em dívida ativa trouxe como fundamento legal exclusivamente os arts. 159 e 1.518, do Código Civil de 1916 (art. 186, art. 927 e art. 942, do atual Código Civil), que tratam da reparação de danos por atos ilícitos civis extracontratuais, deixando de apontar os dispositivos normativos referentes ao alcance, à reposição ou à indenização.
4. Necessidade de análise dos requisitos da CDA - reexame do conjunto fático e probatório - o que chama a incidência do enunciado n. 7 da Súmula do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 663703, 1ª Turma, DJ 13⁄06⁄2005, p. 185; REsp 430413, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ 13⁄12⁄2004, p. 279.
5. Agravo regimental não-provido
(AgRg no REsp. n. 800.405 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 01.12.2009).

Com a devida vênia dos que pensam de modo diverso, entendo superada a seguinte linha jurisprudencial, que não desconheço:
TRIBUTÁRIO. DÍVIDA ATIVA. INSCRIÇÃO. RESTITUIÇÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PAGO INDEVIDAMENTE.
1. As restituições de benefícios previdenciários indevidamente pagos enquadram-se como Dívida Ativa não Tributária, sendo, portanto, passíveis de escrituração, a fim de adquirir liquidez e executividade.
2. Recurso especial provido
(REsp. nº 527.143 - PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12.12.2006).

PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – INSS - CRÉDITO PROVENIENTE DE FRAUDE NO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIOS.
É lícito ao INSS inscrever em dívida ativa e cobrar em execução fiscal crédito originário de fraude praticada pelo devedor, no recebimento de benefícios previdenciários
(REsp. n. 381.721⁄PR, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1.7.2002).

Veja-se que o que aqui afirmamos não agride os valores decorrentes de casos de ilícitos administrativos cometidos por servidores públicos federais da autarquia previdenciária como o alcance, a reposição e a indenização, justamente porque sua inscrição em dívida ativa se submete a disciplina legal específica. Além disso, nesses casos há uma relação jurídica entre o causador do dano e a administração pública (condição de servidor ou funcionário público) que preexiste ao próprio dano causado, veja-se:

a) reposição: devolução feita ao erário, pelo servidor público, de determinado quantum, em razão de recebimento indevido (normalmente de remuneração ou proventos) ou de indenização indevida (art. 45, parágrafo único, e art. 46, da Lei n. 8.112⁄90);

b) indenização: reparação do dano causado pelo servidor público ao erário no exercício de suas funções (art. 46, da Lei n. 8.112⁄90);

c) alcance: diferença para menos apurada em um processo de tomada de contas entre os valores confiados a um funcionário público, ante o cargo por ele ocupado ou função pública por ele desempenhada, perante a Administração, em virtude de ter havido sua sonegação, extravio ou desvio (art. 214, §1º e art. 225, §1º, da Lei n. 1.711⁄52, e art. 1º, do Decreto-lei n. 3.415⁄41).

Em todos os casos citados acima, a inscrição em dívida ativa decorre da aplicação conjunta do art. 47, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.112⁄90, c⁄c art. 39, §2º, da Lei n. 4.320⁄64.

Observe-se também que as hipóteses citadas para o servidor público em muito diferem da inscrição em dívida ativa de pessoa que, sem qualquer relação jurídica prévia com a administração pública, lhe causa dano, v.g. acidente de veículo ou outros ilícitos extracontratuais de natureza civil para os quais a lei não expressamente reserva o rito da inscrição em dívida ativa. Essas hipóteses de inscrição foram rechaçadas pela jurisprudência do STJ (REsp. Nº 441.099 - RS, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 07 de outubro de 2003, e REsp. Nº 362.160 - RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 05 de fevereiro de 2002), devendo o ente público procurar as vias judiciais para obter a reparação mediante ação condenatória.

Pensar de modo diferente significaria abolir a existência da ação condenatória para os entes públicos e permitir-lhes a formação unilateral do título executivo, sem fundamento legal ou contratual prévio, em todas as relações de direito público e privado de que participem, o que gera enorme insegurança jurídica.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. Prejudicado o julgamento do agravo regimental. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄2008. É como voto.

VOTO-VISTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INADMISSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA E COBRANÇA POR MEIO DE EXECUÇÃO FISCAL. VALOR QUE NÃO ASSUME A NATUREZA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA EM QUE GARANTIDOS O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1.A questão discutida nos presentes autos diz respeito à possibilidade da cobrança de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário ou assistencial, qualificado como enriquecimento ilícito, ser promovida pelo INSS por meio de inscrição em dívida ativa e execução na forma da Lei 6.830⁄90.

2.O ilustre Relator, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, em razão da profusão de casos dessa natureza e da aparente homogeneidade da jurisprudência desta Corte sobre o assunto, submeteu a controvérsia ao regime do art. 543-C do CPC e da Res. 8⁄STJ.

3.Amparado em inúmeros julgados desta Primeira Seção, consignou S. Exa. que à mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previsto no art. 115, II da Lei 8.213⁄91, que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil.

4.Solicitei vista dos autos e após ler o voto do Relator, convenci-me de seu acerto, especialmente porque o reconhecimento de ato ilícito deve ser precedido de processo no qual assegurado ao suposto infrator o contraditório e a ampla defesa.

5.Descabe a criação unilateral do título pelo INSS, presumindo-se já a responsabilidade da outra parte por fraude, que só poderá defender-se mediante constrição patrimonial prévia.

6.Ante o exposto, acompanho o voto do Ministro Relator, negando provimento ao Recurso Especial do INSS.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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