sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Desconto de valores pagos a maior somente se comprovada má-fé


Nesta sexta-feira será visto um incidente de unifromização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o qual considerou como irrepetível o valor recebido a maior pelo segurado, decidindo que somente com a comprovação da má-fé é que cabe o desconto. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. ERRO NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ.
1. É irrepetível o valor recebido a maior pelo segurado, salvo quando comprovada a má-fé de sua parte ou quando houver comprovação de que o mesmo contribuiu, de qualquer forma, para o erro de cálculo da RMI por parte do INSS.
2. Incidente de uniformização conhecido e não provido. 

TRF 4ª, IEJEFn.0000145-63.2006.404.7060/PR, Juiz Federal Relator Rodrigo Koehler Ribeiro,  DE 08.02.2011.
 
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional De Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de dezembro de 2010.
RODRIGO KOEHLER RIBEIRO
Relator


RELATÓRIO
Trata-se de Incidente de Uniformização interposto pelo INSS, dirigido à Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região, contra acórdão da 1ª Turma Recursal do Paraná. Tal acórdão, ao dar provimento ao recurso interposto pela parte autora, declarou que o INSS não poderia ter descontado da aposentadoria do demandante os valores por ela recebidos a maior a título de auxílio-doença.

Sustenta o recorrente que, no caso, haveria divergência jurisprudencial na interpretação de lei federal feita por Turmas Recursais no exame de questões de direito material, o que ensejaria o pedido de uniformização ora interposto, conforme previsto no artigo 14 da Lei n. 10.259/2001. Isso porque a 2ª Turma Recursal do Estado de Santa Catarina já teria admitido os descontos, por parte do INSS, de valores recebidos a maior pelo segurado, nos termos do artigo 115 da Lei n. 8.213/91.

Não foram apresentadas contrarrazões. O incidente foi admitido pela Presidência da 2ª Turma Recursal do Estado do Paraná. O Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pelo não-provimento do incidente.

VOTO
1. Da admissibilidade do incidente:
A questão objeto da divergência no caso é a possibilidade de o INSS descontar valores pagos a maior em virtude de erro na concessão do benefício e posterior revisão para menor, nos termos do artigo 15, II, da Lei n. 8.213/91, quando inexiste comprovação de má-fé por parte do segurado.

O incidente deve ser admitido, uma vez que presentes os pressupostos recursais gerais e específicos. O recurso é tempestivo, além do que restou demonstrada a divergência de interpretação entre a 1ª Turma Recursal do Estado do Paraná e a 2ª Turma Recursal do Estado de Santa Catarina (acostado como acórdão paradigma aquele lavrado nos autos do processo n. 2008.72.57.004452-7).

Outrossim, conheço do presente incidente de uniformização, nos termos do artigo 14, §1º, da Lei n. 10.259/2001.

2. Do mérito:
A questão do presente incidente diz respeito à possibilidade de descontos, por parte do INSS, de valores pagos a maior pela autarquia, em virtude de cálculo equivocado (para maior) da renda mensal de benefício. A autarquia sustenta que o acórdão recorrido, ao vedar a possibilidade de desconto de valores pagos a maior, nega vigência ao artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91.

Tal artigo contém a seguinte regra:

"Art. 115. Podem ser descontados os benefícios:
(...) II - pagamento do benefício além do devido; (...)"

Quanto a este tema, há, de fato, divergência na doutrina e na jurisprudência.
Respeitando o entendimento daqueles que pensam de forma contrária, penso que não se deve exigir do segurado a devolução dos valores que recebeu a maior em virtude de cálculo equivocado da renda mensal de benefício por parte da autarquia, salvo quando houver cabal comprovação de que o mesmo tenha agido de má-fé. Também se poderia cogitar da possibilidade de desconto quando o segurado tivesse contribuído, de qualquer forma, para que a autarquia calculasse o benefício de forma equivocada.

A norma legal acima transcrita está, a meu ver, em hierarquia inferior ao princípio constitucional da proporcionalidade. Segundo o constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio da proporcionalidade está diretamente relacionado às ideias de proibição de excessos e proibição de insuficiência. O aludido doutrinador refere que, na função de proibição de excesso, o princípio da proporcionalidade desdobra-se nos três elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em relação à proibição de insuficiência, Sarlet consigna que não há uma elaboração dogmática tão sofisticada e desenvolvida. Menciona que há uma substancial congruência, pelo menos no que tange aos resultados, entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência, principalmente pelo fato de esta ser abrangida por aquela, no sentido de que aquilo que corresponde ao máximo exigível em termos de aplicação do critério da necessidade no plano da proibição de excesso, equivale ao mínimo exigível reclamado pela proibição de insuficiência.

Segundo este entendimento, parece-me que eventuais descontos realizados em um benefício previdenciário decorrentes de um erro de cálculo para a qual o segurado não deu causa afiguram-se demasiadamente onerosos para o mesmo. Primeiro porque já terá sua renda mensal reduzida em face da revisão. Além disso, terá que devolver valores que recebeu em virtude de um equívoco do qual não te culpa alguma. Autorizar tal prática seria, a meu sentir, violar o princípio constitucional da proporcionalidade.

Portanto, concluo que é irrepetível o valor recebido a maior pelo segurado, salvo quando comprovada a má-fé de sua parte ou quando houver comprovação de que o mesmo contribuiu, de qualquer forma, para o erro de cálculo da RMI por parte do INSS.

Corroborando este entendimento, cito os seguintes precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE DE SEGURADO. FILHA MAIOR DE 21 ANOS DA IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIA. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 5. A 3ª Seção desta Corte, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, firmou entendimento no sentido da impossibilidade de devolução, em razão do caráter alimentar dos proventos recebidos a título de benefício previdenciário. Aplica-se, no caso, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos." (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 771.993/RS, Relator Ministro Arnaldo Lima, 5ª Turma, DJ 23.10.2006)

"PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. PENSÃO POR MORTE. DESCONTO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela Autarquia Federal." (TRF4, EINF 2008.70.01.004526-1, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 17/03/2010)

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REVOGAÇÃO DE INATIVAÇÃO. RESTITUIÇÃO. Tratando-se de benefício previdenciário, deve-se ter em conta o inegável caráter alimentar dos valores percebidos, bem como a boa-fé da parte, sendo inviável a devolução das referidas verbas." (TRF4, AC 2007.71.10.000533-0, Turma Suplementar, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 08/03/2010) 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR RPV. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO. Os Egrégios Tribunais Pátrios vem reconhecendo que as prestações alimentícias, onde incluídos os benefícios previdenciários, se percebidas de boa-fé, em decorrência do cumprimento de decisão judicial, não estão sujeitas a repetição. Precedentes do STJ e deste Tribunal." (TRF4, AG 2009.04.00.036350-1, Sexta Turma, Relator Paulo Paim da Silva, D.E. 08/02/2010)

"MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia." (TRF4, APELREEX 2008.72.11.001510-6, Turma Suplementar, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 11/01/2010)

Outrossim, entendo que a jurisprudência deve ser uniformizada neste sentido, pelo que se deve negar provimento ao incidente, prevalecendo a interpretação do acórdão recorrido.

Ante o exposto, voto por CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização, nos termos da fundamentação.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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