sexta-feira, 1 de abril de 2011

Laudo não contemporâneo é admitido como início de prova material.

Nesta sexta-feira irá ser analisado uma interessante jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização, a qual define que o laudo pericial, em questões de atividades insalubres, não precisa ser contemporâneo, para demarcar um início de prova material para comprovação das condições especiais em que o trabalho era realizado. 
Esta decisão se mostra importante pois muitos trabalhadores não possuem laudos atestando que o exercício de suas atividades ocorria de forma prejucidial a sua saúde, desta forma, caso ele consiga um laudo atual comprovando que a mesma atividade continua sendo insalubre este poderá servir com um início de prova para que o processo possa ser levado adiante e discutido junto ao Poder Judiciário. Abaixo a decisão na íntegra para análise dos amigos.


EMENTA PREVIDENCIÁRIO. TEMPO SERVIÇO ESPECIAL. CONTEMPORANEIDADE DA PROVA. DESNECESSIDADE. LAUDO PERICIAL. INÍCIO DE PROVA. 
1. O laudo pericial não contemporâneo, realizado por profissional especializado, consubstancia início razoável de prova material para comprovação das condições especiais de trabalho a que foi submetido o trabalhador. 
2. Incidente de Uniformização conhecido e provido.
(PEDILEF 200483200008814, JUÍZA FEDERAL MARIA DIVINA VITÓRIA, TNU - Turma Nacional de Uniformização, 14/05/2007)


I - RELATÓRIO
Trata-se de pedido de Uniformização interposto por José Carlos Correia Lima da Silva , com fundamento no § 2º do art. 14 da Lei n. 10.259/2001, em face de acórdão da Turma Recursal do Estado de Pernambuco que julgou improcedente o pedido formulado pelo autor, consistente no reconhecimento da natureza especial de trabalho por ele prestado nos anos dede abril de 1976; maio de 1976 a abril de 1992; dezembro de 1993 a janeiro de 1995, sob os seguintes fundamentos: 1) os formulários e laudos técnicos colacionados aos autos não comprovam efetiva exposição ao agente nocivo "frio"; 2) para comprovação da exposição ao ruído nos períodos questionados, já se exigia laudo pericial, que deve ser relativamente contemporâneo à data dos fatos que se pretende provar.
Sustenta que o acórdão recorrido decidiu de forma contrária a jurisprudência dominante no STJ, que entende não haver necessidade de que os documentos expedidos por empresas, a fim de comprovar o exercício de atividade especial, sejam contemporâneos à prestação do serviço.
Afirma, ainda, que a própria Turma Recursal de Pernambuco, em casos semelhantes, já decidiu em conformidade com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde se concluiu que"o fato do laudo pericial não ser contemporâneo à prestação de serviços não pode ser invocado para prejudicar o empregado, considerando que cabia ao empregador a responsabilidade de determinar a elaboração de laudos atualizados, a respeito das condições de trabalho".
O recurso versa apenas quanto ao trabalho especial prestado em condições insalubres em face do ruído. O INSS apresentou contra-razões. O Incidente de Uniformização foi admitido na origem. 
II. VOTO
O recurso é tempestivo. No presente Incidente de Uniformização, o requerente trouxe como paradigma o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (RESP n. 253.365-PE) abaixo transcrito:
PREVIDENCIÁRIO. URBANO. TEMPO DE SERVIÇO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. RECONHECIMENTO. PRESCRIÇÃO. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL. DECLARAÇÃO DE EMPRESA EM ATIVIDADE. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. 
I - O reconhecimento de tempo de serviço em condições especiais, para fins de concessão de benefício previdenciário, é matéria de direito previdenciário que, consoante art. 103, da Lei 8.213/91, na redação original vigente por ocasião do ajuizamento da ação, não alberga a prescrição de fundo, senão das parcelas não pagas nem reclamadas na época própria. 
II - Declaração de empresa em atividade, ainda que extemporânea ao tempo de serviço reclamado, serve como início de prova documental da atividade especial, a ensejar o reconhecimento de tempo de serviço em condições especiais. Precedentes. 
III - Recurso conhecido, mas desprovido. (REsp 253365/PE, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28.06.2001, DJ 27.08.2001 p. 375) 
Inicialmente, cumpre observar se é caso de admitir-se o presente incidente de uniformização, à luz do disposto o § 2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001de uniformização, à luz do disposto o § 2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001.
O acórdão paradigma declara que documentos extemporâneos podem ser utilizados como início de prova material para comprovação de tempo de serviço especial. 
Na hipótese dos autos, embora o requerente tenha apresentado diversos laudos para comprovação do tempo de serviço alegado, não foram considerados pela Turma Recursal de Pernambuco como prova ou, tampouco, como início de prova material, conforme admitido pelo Superior Tribunal de Justiça no acórdão paradigma. Assim sendo, tenho por comprovada a controvérsia jurisprudencial. No tocante ao mérito, razão assiste ao requerente. 
Inicialmente, oportuno se faz registrar que o tempo de serviço alegado pelo recorrente é anterior a entrada em vigor da Lei n. 9.711/98.
No tocante à prova das condições especiais a que afirma ter submetido, é incontroverso que as atividades laborais por ele exercidas não se inserem no rol do anexo do Decreto 53.831/64. Assim sendo, não há que se falar em presunção absoluta de exposição ao agente nocivo ora questionado, qual seja, "ruído", devendo tal fato ser demonstrado pelo recorrente. Registre, mais uma vez, que no tocante ao agente "frio", o acórdão em epígrafe não foi por ele questionado.
Não obstante as profissões exercidas pelo requerente não estejam relacionadas no Decreto em referência , tal fato não tem o condão de impedir o reconhecimento do seu direito a contagem do tempo de serviço como especial, desde que reste comprovado que efetivamente laborou em condições especiais naqueles períodos.
Deste modo, analisando-se a questão sob o prisma do princípio do devido processo legal, tem-se que tal princípio deva ser observado não somente quanto ao aspecto formal mas, sobretudo, do ponto de vista substancial, a fim de que sejam efetivamente assegurados ao requerente todos os meios e recursos para comprovação do seu direito.
Colocada nestes termos a questão, verifico que o Superior Tribunal de Justiça não afirma que o único documento hábil a comprovar as condições a que foi submetido seja o laudo contemporâneo ao fatos. Ao contrário, tem expressamente admitido não só a utilização de documentos extemporâneos , como foi referido no acórdão paradigma, mas também de outras modalidades de prova. Se não, vejamos: 
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE COMPROVADA POR PERÍCIA TÉCNICA. TRABALHO EXPOSTO A RUÍDOS. ENUNCIADO SUMULAR Nº 198/TFR. 
1. Antes da lei restritiva, era inexigível a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos, porque o reconhecimento do tempo de serviço especial era possível apenas em face do enquadramento na categoria profissional do trabalhador, à exceção do trabalho exposto a ruído e calor, que sempre se exigiu medição técnica. 
2. É assente na jurisprudência deste Superior Tribunal ser devida a concessão de aposentadoria especial quando a perícia médica constata a insalubridade da atividade desenvolvida pela parte segurada, mesmo que não inscrita no Regulamento da Previdência Social (verbete sumular nº 198 do extinto TFR), porque as atividades ali relacionadas são meramente exemplificativas.
3. In casu, o laudo técnico para aposentadoria especial foi devidamente subscrito por engenheiro de segurança do trabalho e por técnico de segurança do trabalho, o que dispensa a exigibilidade de perícia judicial.
4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 689.195/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07.06.2005, DJ 22.08.2005 p. 344) 
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE INSALUBRE NÃO PREVISTA EM REGULAMENTO. MATÉRIA PACIFICADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 198 DO EXTINTO TFR. 
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que ao trabalhador que exerce atividade insalubre, ainda que não inscrita em regulamento, mas comprovada por perícia judicial, é devido o benefício de aposentadoria especial. 
2. Fundamentada a decisão agravada no sentido de que a questão já está pacificada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, deveria o recorrente, em sede de agravo regimental, demonstrar que outra é a positivação do direito na jurisprudência desta Corte.
3. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada." (Súmula do STJ, Enunciado nº 182). 
4. "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento." (Súmula do extinto TFR, Enunciado nº 198). 
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 228832/SC, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 13.05.2003, DJ 30.06.2003 p. 320) 
Ora, se outras provas são admitidas para a comprovação do tempo de serviço especial, resta claro que a exigência do acórdão recorrido não está conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 
No presente caso, embora o recorrente tenha apresentado cópias da CTPS e Laudos Periciais Individuais que podem ser utilizados como início de prova material, não lhe foi dada oportunidade de produzir outras provas, que corroborando aquelas já trazidas, pudessem demonstrar de forma segura a veracidade de suas alegações, em especial as condições de trabalho a que foi submetido. 
Além disso, entendo que fere os princípios da razoabilidade, da primazia da realidade da dignidade da pessoa humana presumir de forma pura e simples a inocorrência das condições especiais de trabalho alegadas tão-somente pelo fato dos documentos que possui não serem contemporâneos aos períodos vindicados.
Admitir o contrário implica em ignorar as precárias condições de labor a que se encontram submetidos os trabalhadores no Brasil e também a deficiente fiscalização trabalhista e previdenciária das empresas empregadoras pelos órgãos competentes. 
Por todo o exposto, conheço do Incidente de Uniformização e, no tocante ao mérito, dou-lhe provimento para reconhecer que os documentos colacionados aos autos podem ser utilizados como início de prova material do tempo de serviço alegado, anulando a sentença e acórdão recorridos e determinado que os autos sejam devolvidos ao Juizado Especial de origem para que outra sentença seja prolatada, assegurando-se ao recorrente a oportunidade de produzir outras provas de sua alegações.
É como voto. 
MARIA DIVINA VITÓRIA 
Juíza Federal Relatora

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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