LOAS concedido a requerente em condição de miserabilidade
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício assistencial a requerente que preencheu os requisitos. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). INTERESSE DE INCAPAZ. MITIGAÇÃO DO RIGOR. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL CONFIGURADA DESDE A DATA DE PROTOCOLIZAÇÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CADUNICO. RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DE VALORES DA RENDA FAMILIAR. DESPESAS PROCESSUAIS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. A desconsideração do estudo socioeconômico somente se justifica por significativo contexto probatório contraposto à conclusão do assistente social, constituído por documentos que sejam seguramente indicativos da ausência de situação de miserabilidade ou vulnerabilidade do núcleo familiar.
3. É própria a exclusão, do valor de um salário mínimo, do cálculo do montante da renda familiar, quando percebido por idoso aposentado.
4. A inscrição no CadÚnico não é o único modo de aferição da renda, cabendo ao julgador analisar o contexto probatório a fim de verificar o requisito econômico, mesmo que as informações no cadastro estejam desatualizadas.
5. O Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário com repercussão geral, estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo, previsto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742, não constitui a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família (Tema nº 27).
6. Comprovada a condição de deficiência ou o impedimento a longo prazo, bem como a situação de risco social e miserabilidade, tem direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
7. Honorários de advogado majorados para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
(TRF4, AC 5061709-70.2022.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 07/11/2023)
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários de advogado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2023.
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação contra sentença que julgou procedente o pedido para concessão de benefício assistencial, em favor da parte autora, desde a protocolização do requerimento administrativo, conforme segue (ev. 74 - grifo no original):
Ante o exposto:
a) rejeito as preliminares eventualmente suscitadas;
b) DEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos da fundamentação, devendo o Instituto Nacional do Seguro Social implantar o benefício a contar do dia 1º do mês em que for requisitado para tanto; e
c) JULGO PROCEDENTE o pedido para DETERMINAR que o Instituto Nacional do Seguro Social conceda o Benefício Assistencial NB 703.909.993-5, RMI no valor mínimo, a contar da DER (14/02/2019), CONDENANDO-O a pagar as parcelas vencidas na forma da fundamentação, e extingo este feito consoante inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil.
Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em valor equivalente a 10% sobre o valor atualizado da condenação até a data da sentença, nos termos do art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil, e Súmulas 76 do TRF4 e 111 do STJ.
A parte ré deverá ressarcir os valores dos honorários periciais adiantados pela Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.
Deixo de condenar a Autarquia ao pagamento de custas, diante da isenção conferida pelo artigo 4º, inciso I, da Lei n.º 9.289/1996. Cumpre ao INSS apenas o reembolso de eventuais valores antecipados pela parte autora.
Sustentou que a sentença merece reforma em relação ao termo inicial, estabelecido pelo magistrado na data de protocolização do requerimento administrativo (DER - 14/02/2019), tendo em vista que o pedido foi indeferido por ausência de atualização no Cadúnico. Discorreu que, em face disso, o autor propôs a ação de nº 50459061820204047100, em 17/08/2020, extinta sem resolução de mérito por falta de interesse de agir por não ter atendido àquela diligência. Mencionou que, diante disso, foi ajuizada a presente ação, em 24/11/2022, na qual foi concedido o benefício desde a DER (14/02/2019).
Argumentou que, uma vez indeferido o pedido administrativo por ausência de ato imputado à parte, e proferida sentença de extinção naquele feito, é certo que o termo inicial não pode ser a DER. Mencionou que a mãe do autor apresentou vínculo de emprego após a DER, o que também interfere no estabelecimento do termo inicial. Em síntese, protestou pela concessão do amparo a contar do citação do INSS neste feito (24/01/2023 - ev. 12), ou desde o ajuizamento, em 24/11/2022 (ev. 95).
Com contrarrazões (ev. 99), subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer (ev. 04 da apelação).
VOTO
Benefício Assistencial ao Idoso ou Portador de Deficiência
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g.STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01 de julho de 2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19 de abril de 2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de recurso repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar for superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, 3ª Seção, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20 de novembro de 2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18 de abril de 2013, a reclamação nº 4374 e o recurso extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) requisito etário - ser idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou apresentar condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente); e (2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
No que diz respeito ao requisito etário, em se tratando de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise da condição incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Quanto à condição de deficiente, deve ficar comprovada a incapacidade para a vida independente, conforme disposto no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, esclarecendo que este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Cumpre ao julgador, portanto, ao analisar o caso concreto, observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
A situação de risco social, por sua vez, deve ser analisada inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familar, que deverá ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registro, no ponto, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185 esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefíciode prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10 de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda.
Demais disso, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27 de junho de 2013).
Em relação à percepção do benefício instituído pelo Programa Bolsa Família, não só não impede o recebimento do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07 de outubro de 2014).
Concluindo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
Mérito da causa
A controvérsia diz respeito exclusivamente ao termo inicial, sendo matéria incontroversa a condição de deficiente e a situação de vulnerabilidade social.
Pedro Kauan dos Santos Oliveira atualmente conta 10 (dez) anos de idade e é portador de autismo infantil. Como bem demonstram as fotografias que fazem parte do laudo social (ev. 57), a situação é, sem dúvida, de vulnerabilidade social. Quanto a este aspecto, assim constou da sentença:
Conforme laudo confeccionado por assistente social (evento 57, LAUDO1), o núcleo familiar, além da autora, é formado por mais cinco integrantes: sua mãe, seu pai, um irmão, avó paterna e avô paterno.
A renda da família alcança o montante de R$ 4.202,00. Desse montante, R$ 600,00 são recebidos pela mãe do autor a título de Bolsa Família. Tal valor, contudo, deve ser excluído da apuração total da renda familiar, nos termos do art. 4º, § 2º, II, do Dec. nº 6.214/07 (incluído pelo Dec. nº 7.617, de 17/11/2011), dada a sua natureza de programa social de transferência de renda. O valor remanescente, no montante de R$ 3.602,00, advém da aposentadoria da avó, no valor de um salário mínino; do valor de R$ 1.500,00 auferidos pela avô como o trabalho de auxiliar de serviços gerais e o trabalho do pai com "bicos", que na média geram o rendimento de R$ 400,00 ao mês e a genitora complementa a renda com "bicos" de faxina, com média de R$ 400,00.
A avó do demandante é idosa, o que possibilita o desconto do valor por ela recebido do cômputo da renda total familiar. Nesse sentido, o excerto que trago à colação:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE, NESTA INSTÂNCIA, DO ART. 543-C DO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE VALOR MÍNIMO, RECEBIDO POR OUTRO MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Descabe o pedido sobrestamento, nesta Corte, do julgamento do Recurso Especial, pois o art. 543-C do Código de Processo Civil destina-se à suspensão dos feitos, na instância ordinária. Precedentes. II. Conforme entendimento uniforme do STJ, para fins de concessão de benefício assistencial, o benefício previdenciário de valor mínimo, recebido por pessoa acima de 65 anos, não deve ser considerado na composição da renda familiar per capita, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, pois não se pode permitir que o segurado, após longos anos de contribuição, seja obrigado a compartilhar seu benefício com os demais membros do grupo familiar. III. O critério da renda familiar per capita, para fins de concessão do benefício assistencial, não impede o magistrado de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família (STJ, REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 20/11/2009). IV. Agravo Regimental improvido. (AgRg na Pet 8609 / PR, Terceira Seção, Rela. Mina. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 25/11/2013) (grifei)
Assim, a renda total da família a ser considerada é de R$ 2.300,00. Este valor divido pelo número de integrantes (6), resulta em uma renda per capita de R$ 383,33, superior a ¼ do salário-mínimo vigente à época.
Não obstante a renda per capita seja superior a 1/4 do salário mínimo, fato é que este critério legal não é absoluto, podendo a situação de miserabilidade da parte autora ser aferida por outros meios de prova.
Nesse sentido, transcrevo:
Incidente Regional de Uniformização de Jurisprudência. Benefício Assistencial. Renda per capita superior a ¼ do salário mínimo. Critério não absoluto. Súmula n.º 042 da C. TNU. Não conhecimento. 1. O critério objetivo estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/1993 não exclui outros elementos de prova para aferição da condição socioeconômica do requerente de benefício assistencial e de sua família. 2. Não se conhece do pleito de uniformização que implique reexame de matéria fático-probatória (Súmula n.º 042 da C. TNU). Incidente Regional de Uniformização não conhecido. ( 5002247-44.2011.404.7109, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Jairo Gilberto Schafer, juntado aos autos em 28/04/2015) [grifei]
Ademais, quanto às condições de vida da parte autora, a perícia socioeconômica constatou que a residencia é bastante precária. Atestou também que os móveis e utensílios domésticos são escassos e precários, não recebendo o núcleo familiar qualquer ajuda oriunda de vizinhos. Conclui no sentido de que a concessão do benefício assistencial é fundamental para a sobrevivência da autora com dignidade e qualidade.
Deste modo, ponderadas as conclusões da perícia socioeconômica, bem como os demais elementos trazidos aos autos, perfeitamente supridos os requisitos da condição de deficiência e de carência econômica exigidos pelo artigo 20 da Lei n. 8.742/93, devendo ser deferida a pretensão da parte autora à concessão do benefício.
Não obstante as considerações constantes do teor das razões de apelação, a sentença deve ser mantida.
Com efeito, além de a inscrição ou atualização do Cadúnico não ser o único modo de aferição da renda, trata-se de absolutamente incapaz, portador de condição neurológica e psiquiátrica que exige atenção e cuidados, visivelmente inserido em situação de vulnerabilidade social, e que não pode ser penalizado pela omissão, que deve ser atribuída exclusivamente aos seus responsáveis legais.
No que é pertinente ao argumento de que a mãe do autor teria, depois da DER, exercido atividade laboral, a tese, de igual modo, não se sustenta. Isso porque o núcleo familiar é formado pelo autor, seus pais e avós, bem como seus irmãos, sendo o incremento da renda proveniente da mãe insuficiente, acrescido aos demais, para manter a subsistência do grupo, até mesmo porque o vínculo se deu por curtos períodos de tempo (CNIS - ev. 95).
Feitas tais considerações, conclui-se que a sentença deve ser mantida, pois há prova em relação à vulnerabilidade e risco social em relação ao núcleo familiar no qual o autor encontra-se inserido, desde a DER.
Além disso, há entendimento consolidado no âmbito desta Corte no sentido de que deve ser excluído, do cálculo da renda familiar, o valor auferido por idoso aposentado, como sua avó, componente do núcleo familiar, até o limite de 1 (um) salário mínimo. Confira-se (sublinhei):
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. REANÁLISE DO PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA RESTABELECIMENTO. RENDA DO NÚCLEO FAMILIAR. EXCLUSÃO DO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO DO MONTANTE RECEBIDO PROGENITOR APOSENTADO POR INVALIDEZ. POSSIBILIDADE. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Deve ser anulado o ato administrativo que considera, na apuração da renda per capita familiar, o valor integral do benefício recebido pelo progenitor aposentado por invalidez, a fim de que o pedido de concessão de benefício assistencial seja reanalisado. 2. É própria a exclusão, do valor de um salário mínimo, do cálculo do montante da renda familiar, quando percebido por aposentado por invalidez. 3. Determinado o imediato cumprimento do acórdão. (TRF4, AC 5004284-89.2021.4.04.7110, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 05/09/2022)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). IDOSO. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. EXCLUSÃO DE VALORES DA RENDA FAMILIAR. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS. ÍNDICES DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. ISENÇÃO DE CUSTAS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. Para a apuração da renda per capita, devem ser excluídos do cálculo da renda familiar os valores recebidos por pessoas idosas, com 65 anos ou mais, a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, bem como as quantias provenientes da manutenção de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. 3. Comprovado o requisito etário, bem como a situação de risco social, tem direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a data de entrada do requerimento na via administrativa. 4. As condenações impostas à Fazenda Pública, decorrentes de relação previdenciária, sujeitam-se à incidência do INPC, para o fim de atualização monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. 5. A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação: IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94); INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91), reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial. 6. O INSS é isento do pagamento de custas na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais). (TRF4, AC 5022148-43.2020.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 05/12/2020)
Por oportuno, deve-se ressaltar, ainda, que não se exige situação de extrema vulnerabilidade ou miserabilidade. Com efeito, extraindo-se do conjunto probatório que a renda é insuficiente a prover as necessidades da família na qual a parte autora está inserida, é própria a concessão. Nessa linha já se manifestou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (sublinhei):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA. 1. O Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário com repercussão geral, estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo, previsto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742, não constitui a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família (Tema nº 27). 2. O cancelamento do benefício assistencial somente pode ser realizado após a eventual comprovação da ausência do risco social, especialmente quando está demonstrado que a renda familiar é modesta e se destina à manutenção da família em que um dos membros possui necessidades especiais. (TRF4, AG 5031538-90.2022.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 27/11/2022)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CANCELAMENTO INDEVIDO. RENDA FAMILIAR "PER CAPITA". RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. 1. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 12.016, concedida a segurança, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição. 2. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 3. Evidenciada a situação de risco social, considerada a baixa renda "per capita" da família do impetrante, impõe-se o restabelecimento do benefício assistencial. (TRF4 5005197-86.2021.4.04.7105, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 26/11/2022)
Logo, a sentença deve ser mantida, devendo o INSS pagar os valores devidos desde a DER (24/02/2019).
Assim, deve-se negar provimento à apelação do INSS.
Honorários de advogado
O Código de Processo Civil em vigor inovou de forma significativa a distribuição dos honorários de advogado, buscando valorizar a sua atuação profissional, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar (art. 85, §14, CPC).
Destaca-se, ainda, que estabeleceu critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do respectivo parágrafo terceiro, incisos I a V, do mesmo artigo 85.
A um só tempo, a elevação da verba honorária intenta o desestímulo à interposição de recursos protelatórios.
Considerando o desprovimento do recurso do INSS, associado ao trabalho adicional realizado nesta instância no sentido de manter a sentença de procedência, a verba honorária deve ser aumentada em favor do procurador da parte vencedora.
Assim sendo, em atenção ao que se encontra disposto no art. 85, §4º, II, do CPC, os honorários advocatícios deverão contemplar o trabalho exercido pelo profissional em grau de recurso, acrescendo-se, em relação ao percentual arbitrado, mais 20% (vinte por cento).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Conclusão
Negou-se provimento à apelação do INSS, ficando mantido o termo inicial do amparo assistencial.
De ofício, determinou-se a majoração dos honorários de advogado.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários de advogado.
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