sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Filiação tardia ao INSS de pessoa com doença relacionada a envelhecimento natural pode configurar burla ao sistema

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o fato de idoso voltar a contribuir para o sistema do INSS sendo acometido por enfermidade causada pelo envelhecimento natural, o que conforme a relatora do processo há o"intento evidente de manipulação do risco social, visto que tal ato ocorreu no final da sua vida profissional média com o escopo único de obtenção de benefício previdenciário por incapacidade”. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. FILIAÇÃO TARDIA AO RGPS. IDADE AVANÇADA. MANIPULAÇÃO DO RISCO SOCIAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONTRIBUTIVO E DA EQUIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO DO CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA REFORMADA.
1. A controvérsia central reside na comprovação da incapacidade laboral para os fins de concessão de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez.
2.Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91; e c) a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral.
3. O INSS apela alegando que a parte requerente, em idade avançada, não faz jus a qualquer benefício por incapacidade, pois que padece de enfermidades que nitidamente se desenvolveram em função da idade.
4. O expert atesta (perícia realizada em 12/2021) que a autora, nascida em 1959, é portadora de osteoartrose erosiva – CID M15.4 – que a incapacita total e temporariamente, desde 10/2021, para atividades laborais. Disse que se trata de doença relacionada ao envelhecimento natural.
5. A parte autora verteu contribuições como contribuinte individual pelo período de 09/2020 a 09/2021 e formulou requerimento administrativo em 18/10/2021.
6. O CNIS, os documentos e o laudo médico pericial acostados aos autos comprovam que a parte autora contribuiu ao RGPS pelo período de 01/1987 a 05/1987, após, voltou a se filiar ao RGPS em 09/2020, quando possuía 61 anos de idade e, conforme atestado pelo perito judicial, é portadora de osteoartrose erosiva, “doença relacionada ao envelhecimento natural”.
7. Embora o art. 25, I da Lei nº 8.213 disponha que o período de carência para o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez seja de 12 (doze) contribuições mensais, salvo a hipótese do art. 26, II, da mencionada lei, quando não há carência a ser cumprida, tendo a autora, desse modo, preenchido os requisitos legais conectados à qualidade de segurado e ao cumprimento da carência, entendo que a situação dos autos deve ser examinada sob enfoque diverso.
8. Trata-se, no caso concreto, de refiliação tardia ao RGPS com o intento evidente de manipulação do risco social, visto que tal ato ocorreu no final da vida profissional média com o escopo único de obtenção de benefício previdenciário por incapacidade.
9. A autora se filiou ao RGPS na qualidade de segurado contribuinte individual somente aos 61 anos de idade, quando já detectava a necessidade real da percepção de algum benefício por incapacidade laborativa. Tal comportamento implica flagrante burla ao sistema previdenciário público, não podendo ser chancelado pelo Judiciário, sob pena de a generalização da conduta ameaçar a higidez do próprio sistema e, assim, comprometer a concessão dos benefícios aos trabalhadores que efetivamente dele participam em conformidade com as regras normativas estabelecidas.
10. Nota-se que o princípio contributivo está expressamente consignado no art. 195 da Constituição Federal, abarcando, também, os recolhimentos a que estão submetidos os trabalhadores e os demais segurados da previdência social, consoante se extrai do inciso II deste dispositivo. Dessa forma, admitir o ingresso simulado quando o indivíduo já se encontra com a sua saúde debilitada, muitas vezes diante de orientações de profissionais habilitados, que calculam com precisão a questão conectada ao risco social, seria vulnerar frontalmente o princípio da equidade na forma de participação do custeio da previdência social.
11. Incumbe registrar que tal inferência não tem o propósito de discriminar o ingresso no mercado de trabalho de pessoas idosas, o que, a toda evidência, não é o comum na sociedade, devendo o ônus da prova ficar na esfera da responsabilidade do segurado.
12. Na situação em foco, concluo que a autora já era portadora das doenças mencionadas pelo perito médico antes de ingressar no RGPS, passando a efetuar os recolhimentos devidos quando já se encontrava em nível de debilidade de saúde passível de incapacidade laborativa.
13. Com efeito, como foi afirmado pelo perito judicial que a doença da parte autora é “doença relacionada ao envelhecimento natural”, entendo que já era portadora de doença preexistente ao reingresso no RGPS (antes mesmo de completar o período de carência de 12 contribuições mensais - art. 25, I, da Lei nº 8.213/91), o que é vedado à luz do disposto no art. 42, §2º (aposentadoria por invalidez) e art. 59, parágrafo único (auxílio-doença), ambos da Lei nº 8.213/91.
14. Apelação do INSS provida para reformar a sentença e rejeitar o pedido da autora.
TRF 1ª, APELAÇÃO CÍVEL n. 1010856-45.2022.4.01.9999, Segunda Turma, desembargadora federal relatora Candice Lavocat Galvão Jobim, 28/07/2023

ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do voto da relatora.

Brasília, na data lançada na certidão de julgamento.

Desembargadora Federal CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM
Relatora

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da autora e condenou a autarquia a conceder o benefício de auxílio-doença, com o devido pagamento das prestações pretéritas.

Nas razões recursais (ID 206137023 – págs. 89 a 92), a apelante alega que não há de se conceder benefício por incapacidade, sustentando que a incapacidade alegada é própria da idade avançada e, desse modo, requer a reforma da sentença.

As contrarrazões foram apresentadas (ID 206137023 – págs. 101 a 110).

É o relatório.

VOTO
A controvérsia central reside na comprovação da incapacidade laboral para os fins de concessão de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez deferido pelo Juízo a quo.

O auxílio-doença será devido ao segurado empregado, cf. art. 60 da Lei n. 8.213/1991, a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapacitado para o trabalho.

A aposentadoria por invalidez será concedida, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.213/1991, ao segurado que, estando ou não em gozo do auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será paga enquanto permanecer nessa situação.

Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, inc. II, da Lei n. 8.213/1991; e c) a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral.

A Previdência Social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, cf. art. 201, caput, da Constituição, por isso que os titulares do direito subjetivo de usufruir das prestações previdenciárias são os segurados e seus dependentes. O modelo nacional não é universal, mas contributivo. Segurados são os que se vinculam diretamente à Previdência Social, em razão do exercício de atividade prevista em lei, ainda que sem contribuir para o sistema, como os segurados especiais, ou em razão de contribuições vertidas, nos termos da lei, como na generalidade dos casos.

Para fruição das prestações previdenciárias pelo segurado ou seus dependentes, além do cumprimento da carência necessária para cada benefício, é preciso ter mantida a qualidade de segurado, à época do evento de que se origina.

Visando à proteção social do contribuinte e de seus dependentes, estão previstas no art. 15 da Lei de Benefícios (Lei n. 8.213/91) algumas hipóteses que garantem a manutenção da qualidade de segurado, mesmo sem haver recolhimento das contribuições, por período indeterminado ou por períodos que podem variar de 3 meses a 3 anos. Esse período é também chamado de período de graça.

Com efeito, a qualidade de segurado será mantida por tempo indeterminado para aquele que estiver em gozo de benefício previdenciário (p.ex. auxílio-doença); por até 12 meses para o que deixar de exercer atividade remunerada, podendo, neste caso, ser prorrogado para até 24 meses se já tiverem sido recolhidas mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (incisos I, II e § 1º).

Esses prazos serão acrescidos de 12 meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (§ 2º), podendo ser provado por outros meios admitidos em Direito (Súmula 27 da TNU).

Com relação ao segurado contribuinte individual e facultativo, o não recolhimento das contribuições previdenciárias até o dia quinze do mês seguinte ao da competência, dá início ao prazo em que se mantém ainda a qualidade de segurado. No caso de contribuinte facultativo o período de graça é reduzido para seis meses (art. 15, inciso VI).

Anterior concessão do auxílio-doença pela autarquia previdenciária comprova a qualidade de segurado do requerente, bem como cumprimento do período de carência, salvo se ilidida por prova em contrário.

Caso a parte autora esteja em gozo do benefício de auxílio-doença, sua condição de segurado será mantida, sem exigência de recolhimento de contribuições, por força do que dispõe o art. 15, inc. I, da Lei n. 8.213/91.

A jurisprudência já consolidou o entendimento de que não perde a qualidade de segurado o trabalhador que deixar de exercer atividade remunerada em face do agravamento da patologia incapacitante.

O período de carência para auxílio-doença e aposentadoria por invalidez é de 12 contribuições mensais.

Para o cômputo do período de carência são consideradas as contribuições constantes dos incisos I e II do art. 27 da Lei n. 8.213/1991.

Segundo o art. 26, inciso II, da Lei n. 8.213/1991, independe de carência a concessão de aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.

Nos termos do art. 151 da Lei n. 8.213/1991, “até que seja elaborada a lista de doenças mencionadas no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida-Aids; e contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada”.

No caso, o Juízo a quo concedeu o benefício de auxílio-doença à parte autora.

O INSS apelou alegando que a parte requerente, em idade avançada, não faz jus a qualquer benefício por incapacidade, pois que padece de enfermidade que nitidamente desenvolveu em função da idade.

O expert atesta (perícia realizada em 12/2021) que a autora, nascida em 1959, é portadora de osteoartrose erosiva – CID M15.4 – que a incapacita total e temporariamente para atividades laborais. Disse tratar-se de "doença relacionada ao envelhecimento natural".

A parte autora verteu contribuições como contribuinte individual pelo período de 09/2020 a 09/2021 e formulou o requerimento administrativo em 18/10/2021.

O CNIS, os documentos e o laudo médico pericial acostados aos autos comprovam que a parte autora contribuiu ao RGPS pelo período de 01/1987 a 05/1987, após, voltou a se filiar ao RGPS em 09/2020, quando possuía 61 anos de idade e, conforme atestado pelo perito judicial, é portadora de osteoartrose erosiva, “doença relacionada ao envelhecimento natural”.

Embora o art. 25, I da Lei nº 8.213 disponha que o período de carência para o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez seja de 12 (doze) contribuições mensais, salvo a hipótese do art. 26, II, da mencionada lei, quando não há carência a ser cumprida, tendo a autora, desse modo, preenchido os requisitos legais conectados à qualidade de segurado e ao cumprimento da carência, entendo que a situação dos autos deve ser examinada sob enfoque diverso.

Trata-se, no caso concreto, de filiação tardia ao RGPS com o intento evidente de manipulação do risco social, visto que tal ato ocorreu no final da vida profissional média com o escopo único de obtenção de benefício previdenciário por incapacidade.

A autora se filiou ao RGPS na qualidade de segurado contribuinte individual somente aos 61 anos de idade, quando já detectava a necessidade real da percepção de algum benefício por incapacidade laborativa. Tal comportamento implica flagrante burla ao sistema previdenciário público, não podendo ser chancelado pelo Judiciário, sob pena de a generalização da conduta ameaçar a higidez do próprio sistema e, assim, comprometer a concessão dos benefícios aos trabalhadores que efetivamente dele participam em conformidade com as regras normativas estabelecidas.

Nota-se que o princípio contributivo está expressamente consignado no art. 195 da Constituição Federal, abarcando, também, os recolhimentos a que estão submetidos os trabalhadores e os demais segurados da previdência social, consoante se extrai do inciso II deste dispositivo. Dessa forma, admitir o ingresso simulado quando o indivíduo já se encontra com a sua saúde debilitada, muitas vezes diante de orientações de profissionais habilitados, que calculam com precisão a questão conectada ao risco social, seria vulnerar frontalmente o princípio da equidade na forma de participação do custeio da previdência social.

Incumbe registrar que tal inferência não tem o propósito de discriminar o ingresso no mercado de trabalho de pessoas idosas, o que, a toda evidência, não é o comum na sociedade, devendo o ônus da prova ficar na esfera da responsabilidade do segurado.

Na situação em foco, concluo que a autora já era portadora das doenças mencionadas pelo perito médico antes de reingressar no RGPS, passando a efetuar os recolhimentos devidos quando já se encontrava em nível de debilidade de saúde passível de incapacidade laborativa.

Com efeito, como foi afirmado pelo perito judicial que a doença da parte autora é “doença relacionada ao envelhecimento natural”, entendo que já era portadora de doença preexistente ao reingresso no RGPS (antes mesmo de completar o período de carência de 12 contribuições mensais - art. 25, I, da Lei nº 8.213/91), o que é vedado à luz do disposto no art. 42, §2º (aposentadoria por invalidez) e art. 59, parágrafo único (auxílio-doença), ambos da Lei nº 8.213/91.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, suspensa a cobrança de ambas as parcelas na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50, ficando revogada a antecipação de tutela, se concedida.

No caso presente, se já houve deferimento da tutela antecipada, é devida a restituição dos valores porventura recebidos, tendo em vista a conclusão do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça na revisão do Tema Repetitivo 692/STJ, em que restou decidido que: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.”

Esclareço, por pertinente, que a coisa julgada na espécie deve produzir efeitos secundum eventum litis, de forma que, demonstrando a parte autora, em momento posterior, o atendimento dos requisitos, poderá postular o benefício almejado.

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS.

É o voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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