Justiça reconhece aposentadoria por acidente de trabalho mesmo com atraso na comunicação do acontecimento
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que do TRF 1ª região que entendeu que com relação à demora na comunicação do acidente de trabalho - CAT pela autora, não é a CAT que gera o direito à aposentadoria por invalidez com proventos integrais por decorrência de acidente de trabalho, mas o acidente de trabalho em si é que gera essa consequência jurídica. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACIDENTE DE TRABALHO. COMUNICAÇÃO TARDIA. INCONSISTÊNCIAS PROBATÓRIAS SUPERÁVEIS. PROVENTOS INTEGRAIS. DIREITO RECONHECIDO.
1. Servidora inativa relata ter sofrido, no ano de 2002, queda na escada de entrada do Hospital ligado à Universidade Federal da Bahia, onde trabalhava, o que provocou fratura, cujas sequelas geraram incapacidade, sendo aposentada por invalidez.
2. Dada a comunicação tardia do acidente de trabalho, foi aberta sindicância, que, contrariamente a parecer emitido pelo Serviço de Perícia Médica do Ministério da Saúde, concluiu pela não ocorrência de acidente de trabalho, mantendo os proventos proporcionais, como concedidos em junho de 2006.
3. A expedição da CAT em prazo estendido é possível segundo a própria norma que a prevê (Lei 8.112/90, art. 214).
4. A comunicação tardia de acidente de trabalho ou mesmo sua ausência não são provas da inocorrência do acidente.
5. Prestigiam-se documentos robustos acima das pequenas inconsistências decorrentes da ausência de testemunhas diretas do fato e do tempo decorrido desde seu acontecimento.
6. Apelação e remessa necessária não providas.
TRF 1ª, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA n. 0024880-36.2010.4.01.3300, Nona Turma, Des. Federal relator Urbano Leal Berquo Neto, 22/08/2023.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação e a remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUO NETO
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de apelação pela qual a UNIÃO se insurge contra sentença que julgou procedente o pedido: “(...) para determinar a revisão do ato de jubilamento da autora, convertendo-se a atual aposentadoria de invalidez proporcional em aposentadoria por acidente de trabalho (trajeto), bem como condenar a ré ao pagamento das diferenças pretéritas, atualizadas conforme parâmetros constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, descabendo determinar o cômputo de juros de mora a partir da citação, eis que a disciplina da Lei 11.960/09 contempla mecanismo que já embute parcela de natureza remuneratória. O processo é, pois, extinto com resolução do mérito, com esteio no art. 269, I, do Código de Processo Civil”.
Entendeu a apelante que a sentença merece reforma, pois: a) deve-se aplicar o prazo trienal de prescrição previsto no artigo 206, §3º, do Código Civil; b) por aplicação do artigo 186, I, da Lei n. 8112/90, os proventos de aposentadoria por invalidez de servidor federal somente podem ser integrais se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, hipóteses em que não se enquadra a situação da recorrida; c) não houve prova inconteste nos autos sobre a causa acidentária laboral da invalidez, sendo certo que sofrera fratura no braço direito em virtude de queda que ora alega ter ocorrido no recinto doméstico, ora de queda de ônibus fora do trajeto para o trabalho; d) em sindicância concluiu-se pela aplicação da penalidade de advertência à apelada, por irregularidade na apresentação de atestado médico e pela inequívoca inexistência de acidente de trabalho; e) a Comunicação de Acidente, de Trabalho (CAT) foi encaminhada ao órgão de origem da servidora em 19 de novembro de 2003, data que o Ministério da Saúde teve ciência, sendo que o acidente noticiado teria ocorrido em 03 de maio de 2002, sem qualquer registro contemporâneo tanto no Ministério da Saúde como na Universidade Federal da Bahia; f) o acidente ocorreu em 03 de maio de 2002 e mais de um ano depois a alega a ocorrência de acidente de trabalho, contra o disposto no art. 214 da Lei n. 8.112/90, onde estabelecido prazo de dez dias para tal caracterização; g) a perícia médica do Ministério da Saúde, que se refere a acidente de trabalho, não tem maior valor do que o parecer da Junta Médica Oficial em que se baseou a apelante para conceder a aposentadoria proporcional à apelada.
Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção da sentença como exarada e sustenta, por sua vez, que: a) a obrigação é de trato sucessivo, sendo renovado o prazo prescricional mês a mês, alcançando apenas as parcelas anteriores ao quinquênio pretérito ao ajuizamento; b) o acidente de trabalho foi comprovado pelos documentos acostados aos autos, indicando o direito da apelada à aposentadoria por invalidez com proventos integrais sob o artigo 186 da Lei n. 8.112/90; c) sofreu a queda que a tornou inválida às portas do hospital em que trabalhava, no trajeto para o trabalho; d) o indiciamento relatado pela apelante deveu-se apenas pelo excesso de prazo da comunicação do acidente de trabalho, nada foi negado quanto ao próprio acidente, sendo que a descaracterização do sinistro como laboral deveu-se a excesso da comissão quanto ao objeto da apuração; e) o laudo emitido pelo Ministério da Saúde (MEMO 58 da Coordenação Geral de Recursos Humanos – Coordenação de Atenção Integral à Saúde do Servidor do Ministério da Saúde) tem força normativa, na via administrativa, porquanto estabelece um entendimento emitido pelo órgão superior a respeito de dúvida pelos órgãos de origem; f) não perfez a comunicação sobre o acidente laboral imediatamente porque desconhecida o procedimento, não foi devidamente orientada pelo serviço de Recursos Humanos e foi mal orientada por perito não ter direito algum e, por fim, sua pasta funcional não foi localizada oportunamente; g) o indiciamento com relação ao acidente de trabalho se deu apenas pela suposta irregularidade de sua comunicação fora do prazo de 10 dias, não havendo qualquer conclusão quanto ã inexistência dos fatos alegados; h) a comissão desconsiderou a existência da lesão, a sequência das datas, os depoimentos da chefia, todos congruentes com a ocorrência do sinistro.
É o breve relato.
VOTO
Primeiramente, sobre a prescrição do direito de fundo suscitada pela União, entende-se que não ocorreu. A Portaria que deferiu à recorrida aposentadoria proporcional data de 08/06/2006 (documentos que instruem a inicial). Por seu turno, o ajuizamento do feito se deu em 19/07/2010, pouco mais de quatro anos depois do ato concessivo.
Entende-se que o lustro prescricional aplicável ao caso está previsto no artigo 1º do Decreto n. 20.910/32, pois o caso é regido por normas de direito público.
Fica afastada, pois, a prejudicial de mérito, não afetando sequer parcelas vencidas, tanto menos o direito de fundo (critérios de concessão da aposentadoria).
A recorrente busca reformar a sentença que acolheu o pedido formulado na inicial e, declarando a existência de acidente de trabalho como causa da invalidez da autora, condenou a apelante a lhe pagar proventos integrais.
Quando da entrada da recorrida para a inatividade, em junho de 2006, estava em vigor a redação do artigo 40, § 1º, I, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional n. 40/2003, adiante:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;
(...).
verifica-se no artigo 186 da Lei n. 8.112/90:a quoSob esse fundamento de validade, a norma legal a respaldar a ordem de revisão de proventos dada pelo Juízo
Art. 186. O servidor será aposentado
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;
(...).
A plena incapacidade laboral da autora não é objeto de controvérsia. No cerne da apelação está a alegação de inconsistência das provas a caracterizarem o acidente de trabalho tardiamente comunicado pela autora, razão pela qual, defende a recorrente, não haveria fato robusto o suficiente para dar azo ao pagamento de proventos integrais à ex-servidora.
Não é isso que se extrai dos autos.
Na petição inicial, a autora afirma que, em 03/05/2002, durante forte chuva, caiu na escadaria do Hospital das Cínicas da Universidade Federal da Bahia, onde trabalhava, fraturando o antebraço direito. O fato ocorreu sem testemunhas, o atendimento se deu em perante instituição particular de saúde (Instituto Baiano de Ortopedia - INSBOT), comparecendo com atestado médico perante a perita oficial, três dias depois, quando obteve atestado para afastamento por 40 (quarenta) dias.
As inconsistências levantadas pela União, quanto ao relato acerca das causas do acidente partiram de terceiros, não diretamente da autora e foram devidamente analisadas e afastadas pelo julgador na origem, a partir da análise do material probatório que instruiu o processo.
É o que denotam os excertos adiante (sentença de Id 41771046, págs. 145/154, fls. 395/404 dos autos físicos):
(...)
Vê-se, porém, nos formulários de Comunicação de Acidente em Serviço encartados às fls. 22/23 — documentos emitidos por setor da estrutura do Hospital Universitário Professor Edgar Santos, local em que a servidora prestava serviços à época — inequívoca alusão à ocorrência do acidente durante o deslocamento para o trabalho, corroborando, pois, o discurso nesse prumo.
(...)
Nessa senda, alude o ente constitucional ao Laudo de Exame Médico-Pericial de fl. 152, em cujo histórico consta que a acionante foi "vitima de uma queda em sua residência...", bem como ao testemunho realizado por médicos peritos no bojo do processo administrativo (...).
Não se mostram tais elementos ... suficientes para confrontar as informações consignadas nas CAT's anteriormente fornecidas à autora, mormente quando se considera que, sendo tal substrato o instrumento próprio para a comprovação do acidente de trabalho, supõe-se que a expedição pelo setor administrativo competente foi realizada com observância das cautelas pertinentes.
Compondo tal panorama, não se vê outros dados que contrariem a alegação autoral de que o acidente se deu no trajeto para o trabalho.
Essa compreensão é reforçada pela constatação de que, já encerrados os trabalhos da comissão sindicante, o caso foi submetido ao Setor de Perícia do Ministério da Saúde em Brasília, que, com base nos documentos encaminhados pela Administração na Bahia, concluiu pelo enquadramento do evento como "acidente de trabalho", afastando, inclusive, eventual óbice decorrente da entrega tardia da CAT (fl. 21).
(...)
Não se afigura justificada, portanto, a desconsideração do parecer emanado do Serviço de Perícia Médica da Coordenação Geral de Recursos Humanos do Ministério da Saúde no DF — setor que, decerto, conhece detidamente os balizamentos que devem nortear a atuação uniforme dos diversos setores de Perícia Médica do Ministério —, reconhecendo o direito da autora à aposentadoria por acidente de trabalho (tipo trajeto), especialmente quando levado em conta o fato de que a sindicância não negou a ocorrência do acidente em serviço.
(...).
A análise judicial na origem foi percuciente de todas as questões envolventes da lide, sendo oportuno trazer apenas alguns acréscimos.
Sobre a extemporaneidade da apresentação da comunicação de acidente de serviço, justificada na inicial como resultante de uma série de tribulações sucessivas sofridas pela autora, é certamente formalidade capaz de evitar toda essa discussão administrativa e judicial que se arrasta desde o ano de 2006. Todavia, não é a CAT que gera o direito à aposentadoria por invalidez com proventos integrais por decorrência de acidente de trabalho – é o acidente de trabalho que tem essa consequência jurídica.
De modo inverso, a falta ou atraso da comunicação não é o mesmo que prova da não ocorrência do acidente em serviço.
No caso, ainda que a recorrida tenha se mostrado coerente quanto ao fato que a vitimou, a queda na escadaria do Hospital vinculado à UFBA, onde trabalhava, o acidente de trajeto alegado não foi infirmado ou foi feita prova contrária ao alegado (depoimento de Id 41771054, pág. 17, e entrevista de mesmo Id em pág. 24), ainda que pairasse dúvida sobre a queda ter ocorrido no ônibus ou na própria escada na entrada do hospital a que vinculada, seria o caso de acidente de trajeto (sofrido pelo trabalhador na ida ou na volta do trabalho).
”. A única menção diretamente atribuível à acidentada é nesses termos, não sendo ela capaz de controle ou revisão sobre o que em sentido diverso os profissionais de saúde apõem nas fichas médicas, não sendo, por isso, razoável emprestar a tais documentos a força que a recorrente pretende.... devido a uma sequela no pé direito causada por acidente doméstico perdeu o equilíbrio na entrada do Hospital das Clínicas onde trabalhava...Não há, sobre a possibilidade de acidente doméstico, senão uma leitura enganosa do depoimento referido, em que a autora apenas afirma que “
Acerca do caráter de determinação causal do sinistro sofrido pela parte recorrida dado pelo Parecer de Id 41771053, pág.22, é de se atribuir fé a esse documento, pois foi produzido com a finalidade de esclarecer conclusivamente a situação médico-pericial da ex-servidora, em apreciação pelo Núcleo local do Ministério da Saúde. Eis o que diz, expressamente, o Memorando n. 58 /SEPEM/CAS/CGRH/MS, expedido pelo Serviço de Perícia Médica da Coordenação de Atenção Integral à Saúde do Servidor junto ao Ministério da Saúde:
Aos Grupos de Perícia Médica - Núcleo Estadual do Ministério da Saúde /BA
Assunto: esclarecimento sobre questão médico-pericial
Sra. Responsável pela perícia médica /NE/MS/BA,
Após análise de histórico, dos exames e dos relatórios médicos da servidora EULINA SAMPAIO OLIVEIRA, matrícula 0536.948, tecemos as seguintes considerações:
* A servidora foi vítima de acidente durante o trajeto trabalho/residência;
* O acidente levou a fratura que a incapacitou para o trabalho por um período superior a 2 anos, não sendo possível readaptação funcional;
* Existe invalidez definitiva para as atribuições do cargo da servidora, no serviço público federal;
* A deformidade apresentada no momento, e causadora da invalidez, é proveniente da fratura sofrida no acidente acima referido;
Portanto, existe nexo entre o acidente sofrido em 2002 e a causa de invalidez atual, devendo a mesma ser aposentada por acidente de trabalho (trajeto), independentemente de ter havido demora na comunicação do acidente uma vez que o artigo 214 da lei 8112/90 prevê que o prazo para apresentação da "prova do acidente pode ser prorrogável quando as circunstâncias o exigirem".
Assim, se há documentos de produção duvidosa quanto ao apuro com que lavrados, há nos autos os dois documentos oficiais que, por sua assertividade e pela legitimidade de que os exarou, merecem ser considerados, como foram pelo Juízo a quo, na formação da convicção de que a recorrida foi, sim, vítima de acidente de trabalho – a CAT e o Memorando do Setor de Perícias do Ministério da Saúde, convergentes com as narrativas diretas da autora nos autos do processo administrativo acostado aos autos e do próprio processo de conhecimento originário do recurso em análise.
O corolário é o improvimento da apelação da União e da remessa necessária.
É o voto.
Seja o primeiro a comentar ;)
Postar um comentário