sexta-feira, 21 de julho de 2023

Utilização de EPI não impede reconhecimento de atividade especial

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o reconhecimento de atividade especial mesmo com a utilização de Equipamento de Proteção Individual. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. AGENTES COMPROVADAMENTE CANCERÍGENOS. GRUPO 1 DA LINACH. EFICÁCIA DO EPI. IRDR Nº 15 DO TRF DA 4ª REGIÃO. TEMA Nº 170 DA TNU. ALINHAMENTO.
1. A presença no ambiente de trabalho de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos constantes do Grupo 1 da lista da LINACH, que tenham registro no Chemical Abstracts Service - CAS, caracteriza a especialidade do trabalho, a qual não é descaracterizada pela utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva - EPC e/ou Equipamentos de Proteção Individual - EPI, ainda que nominalmente considerados eficazes.
2. Fixação de tese para fins de alinhamento e harmonização às teses fixadas no julgamento do Tema nº 555 pelo STF, do IRDR nº 15 pelo TRF da 4ª Região e do Tema nº 170 da TNU após o cancelamento do Tema nº 1.090 do STJ.
TRF 4ª, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TRU) Nº 5007865-31.2015.4.04.7108/RS, Turma Regional de Uniformização - Previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Juíza Relatora Jacqueline Michels Bilhalva, 16/06/2023.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional de Uniformização - Previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao pedido de uniformização, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 16 de junho de 2023.

RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização apresentado por ACEDINO SOARES contra acórdão da 3ª TR/RS, em que se discute tempo de serviço especial.

Alega o recorrente, em síntese, que "o §4º, do artigo 68, do Decreto 3.048/99, traz tratamento jurídico especial para o reconhecimento da especialidade pelo contato com agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos para humanos. Também fixada a tese de que decorre desse tratamento jurídico especial que o uso de EPI, ainda que eficaz, não afasta a especialidade pelo contato com agentes nocivos cancerígenos". Invoca como paradigmas acórdãos da 2ª TR/SC.

O pedido foi admitido na origem.

O Ministério Público Federal devolveu os autos sem pronunciamento sobre o mérito da causa.

O andamento do feito ficou sobrestado em atenção ao IRDR nº 15 do TRF da 4ª Região.

Porém, após o cancelamento do Tema nº 1.090 do STJ, que envolvia o REsp interposto contra o acórdão do IRDR nº 15, o referido tema foi cancelado, retornando os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO
Inicialmente, impende salientar que, conforme o disposto no parágrafo único do art. 43 do RI/TRU, "dada a natureza essencialmente objetiva dos pedidos de uniformização de interpretação de lei, a prolação de sentença no processo originário ou a participação no julgamento de recurso na turma recursal, ou em juízo de retratação ou readequação, não gera o impedimento do juiz na Turma Regional de Uniformização”.

Considerando o cancelamento do tema nº 1.090 do STJ em 14.04.2023, quanto ao fornecimento de EPI como fator descaracterizador de tempo de serviço especial temos, cronologicamente, o seguinte contexto de teses fixadas pelos órgãos de uniformização de jurisprudência.

Em acórdão publicado em 12.02.2015, no julgamento do Tema nº 555 (ARE 664.335/SC) o STF fixou a seguinte tese:

"I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria" (grifei).

Em acórdão publicado em 11.12.2017, no julgamento do IRDR nº 15 (50543417720164040000) a 3ª Seção do TRF da 4ª Região fixou a seguinte tese:

"A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário".

No referido julgamento o TRF da 4ª Região concluiu que "o fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta "S" (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial".

Concluiu também que "mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia)" taxativamente em algumas situações, como no caso de "agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015: Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017".

Posteriormente, em acórdão publicado em 23.08.2018, da Relatoria da Juíza Federal Luisa Hickel Gamba, no julgamento do Tema nº 170 (PEDILEF nº 5006019-50.2013.4.04.7204/SC), a TNU fixou a seguinte tese:
"A redação do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 dada pelo Decreto 8.123/2013 pode ser aplicada na avaliação de tempo especial de períodos a ele anteriores, incluindo-se, para qualquer período:
(1) desnecessidade de avaliação quantitativa; e
(2) ausência de descaracterização pela existência de EPI" (grifei).

Naquela oportunidade, em 23.08.2018, estava em vigor a seguinte redação dada ao § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/1999 pelo Decreto nº 8.123/2013:
"§ 4o A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2o e 3o, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador" (grifei).

Após, o Decreto nº 10.410/2020 alterou a redação do § 4º do art.68 do Decreto nº 3.048/1999 para os seguintes termos, em vigor atualmente:

"§ 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição" (grifei).

Finalmente, em 14.04.2023 foi publicada decisão monocrática no Tema nº 1.090 do STJ (REsp nº 1.828.606/RS), não conhecendo dos recursos especiais interpostos em relação ao IRDR nº 15 do TRF da 4ª Região e cancelando esse tema.

Nesse contexto, após longo período de sobrestamento perante essa Turma Regional, parece caber a este órgão uniformizador a harmonização das teses fixadas pelo STF no julgamento do Tema nº 555, pelo TRF da 4ª Região no julgamento do IRDR nº 15 e pela TNU no julgamento do Tema nº 170, especificamente no que diz respeito à relação entre agentes comprovadamente cancerígenos e equipamentos de proteção individual (EPI) e/ou coletiva (EPC).

Assim sendo, para fins de contextualização da tese firmada pela TNU no julgamento do Tema nº 170 transcrevo a seguir o inteiro teor do voto-condutor então proferido pela Juíza Federal Luisa Hickel Gamba:

"No mérito, o objeto do presente recurso é a uniformização sobre a aplicação no tempo dos critérios para o reconhecimento de tempo especial pela exposição a agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos.

A matéria submetida ao rito de representativo da controvérsia (Tema 170), por sua vez, foi assim delimitada:

Saber se a alteração promovida pela Portaria Interministerial MTE/MS/MPS 09, publicada em 08 de outubro de 2014, cujo anexo incluiu - dentre outros - a "poeira de sílica, cristalina, em forma de quartzo ou cristobalita" (LINACH - Grupo 1 - Agentes confirmados como cancerígenos para humanos 2 - CAS 014808-60-7) como agente cancerígeno e, portanto, com a possibilidade de exposição a ser apurada na forma do § 4º do art. 68 do Decreto 3.048/99, também se aplica para o reconhecimento da especialidade dos períodos laborados antes da sua vigência.

Nos Decretos 53.831/64 (código 1.2.10), 83.080/79 (código 1.2.12), 2.172/97 (1.0.18) e 3.048/99 (1.0.18), a poeira de sílica é prevista como agente nocivo, sem indicação de limite de tolerância. A avaliação da especialidade se dava de forma meramente qualitativa.

A partir da MP 1.729, publicada em 03.12.1998 e convertida na Lei 9.732/1998, as disposições trabalhistas concernentes à caracterização de atividade ou operações insalubres, com os respectivos conceitos de "limites de tolerância", "concentração", "natureza" e "tempo de exposição ao agente", passam a influir na caracterização da especialidade do tempo de trabalho, para fins previdenciários, sendo certo que a Norma Regulamentadora (NR) 15, do Ministério do Trabalho, aprovada pela Portaria 3.214/78, no seu Anexo 12, estabelece o limite de tolerância para exposição à poeira de sílica. A avaliação da especialidade da atividade com exposição à sílica passa, então, a ser quantitativa.

O Decreto 8.123, de 16 de outubro de 2013, alterou dispositivos do Decreto 3.048/99, no que refere à aposentadoria especial, passando a constar do art. 68:

Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV.
[...]
§ 2º A avaliação qualitativa de riscos e agentes nocivos será comprovada mediante descrição: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
I - das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente nocivo ou associação de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada; (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
II - de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados no inciso I; e (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
III - dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato. (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 3º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
§ 4º A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)

Assim, a partir da alteração promovida pelo Decreto 8.123/2013, restou estabelecida a possibilidade de avaliação qualitativa para os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos que estejam devidamente listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Considerando os estudos científicos da Agência Internacional para Investigação do Câncer (IARC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS 09, de 07 de outubro de 2014, publicou a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos - LINACH, como referência para formulação de políticas públicas, classificando os agentes cancerígenos de acordo com os seguintes grupos: I - Grupo 1 - carcinogênicos para humanos; II - Grupo 2A - provavelmente carcinogênicos para humanos; e III - Grupo 2B - possivelmente carcinogênicos para humanos. Ao final do anexo da referida portaria, consta a nota de que, "para efeito do art. 68, §4º, do Decreto 3048, de 6 de maio de 1999, serão considerados agentes reconhecidamente cancerígenos aqueles do Grupo I desta lista que têm registro no Chemical Abstracts Service - CAS".

Portanto, passaram a ser considerados, para fins de concessão de aposentadoria especial, os agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos para humanos, previstos no Grupo 1, com registro no Chemical Abstracts Service - CAS, mediante análise meramente qualitativa, além dos demais agentes nocivos listados no Anexo IV ao Decreto 3.048/99, mediante análise qualitativa ou quantitativa, conforme constem dos anexos 1, 2, 3, 5, 11 e 12 ou 6, 13 e 14 da NR-15, respectivamente.

A "poeira de sílica, cristalina, em forma de quartzo ou cristobalita", está prevista no Grupo 1, de agentes confirmados como carcinogênicos para humanos, da LINACH, e possui o registro 014808-60-7 no Chemical Abstracts Service - CAS, razão pela qual, nos termos do Decreto 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto 8.123, de 2013, a sua presença no ambiente de trabalho é suficiente para a comprovação da efetiva exposição do trabalhador, para o fim de reconhecimento de tempo especial.

O próprio INSS editou o Memorando-Circular Conjunto n. 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS, de 23-07-2015, uniformizando os procedimentos para análise de atividade especial referente à exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, biológicos e ruído, com o seguinte teor, no que interessa ao presente caso:

1. Considerando as recentes alterações introduzidas no § 4º do art. 68 do Decreto n. 3.048, de 1999 pelo Decreto n. 8.123, de 2013, a publicação da Portaria Interministerial TEM/MS/MPS n. 09, de 07-10-2014 e a Nota Técnica n. 00001/2015/GAB/PRFE/INSS/SÃO/PGF/AGU (anexo 1), com relação aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, observar as seguintes orientações abaixo:
a) serão considerados agentes reconhecidamente cancerígenos os constantes do Grupo 1 da lista da LINACH que possuam o Chemical Abstracts Service - CAS e que constem do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99;
b) a presença no ambiente de trabalho com possibilidade de exposição de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, será suficiente para a comprovação da efetiva exposição do trabalhador;
[...]
d) a utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva - EPC e/ou Equipamentos de Proteção Individual não elide a exposição aos agentes reconhecidamente cancerígenos, ainda que considerados eficazes; e
e) para o enquadramento dos agentes reconhecidamente cancerígenos, na forma desta orientação, será considerado o período de trabalho a partir de 08/10/2014, data da publicação da Portaria Interministerial n. 09/2014.

Resta definir como se dá a aplicação dessas regras no tempo, considerando que, em relação à sílica (entre outros agentes químicos), no período de 03/12/1998 a 07/10/2014, não havia previsão de avaliação qualitativa.

De início, cabe ressaltar que não há notícia de precedente do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria, sendo certo que a jurisprudência dominante daquela Egrégia Corte é no sentido de que "a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor".

Nesse sentido, especialmente, o REsp 1.398.260 (recurso repetitivo - Tema 694) e a Pet 9.059 (incidente de uniformização). Naquelas oportunidades, em que se cuidava do limite de tolerância relativo à exposição ao agente ruído, o STJ afastou expressamente a retroatividade da norma mais benéfica, mesmo que baseada em evolução científica que atestasse a nocividade de modo mais rigoroso.

Esta Turma Nacional, por sua vez, possui uniformização reafirmada no sentido de que "para o reconhecimento da insalubridade no caso de exposição à agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos, constantes do Grupo 1 da lista da LINACH, basta a comprovação da sua presença no ambiente de trabalho (análise qualitativa) e a utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva - EPC e/ou Equipamentos de Proteção Individual não elide a exposição desses agentes, ainda que considerados eficazes" (PEDILEF 00012182720124036304, SERGIO DE ABREU BRITO - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO). Naquela oportunidade, todavia, não foi apreciada a questão da aplicação no tempo do Decreto 8.123/2013.

Há precedente, por outro lado, que acabou abordando a matéria de certo modo, uniformizando o entendimento de que "é cabível o reconhecimento das condições especiais do labor exercido sob exposição ao agente químico cancerígeno formol (formaldeído) no ambiente de trabalho, inclusive durante a vigência do Decreto n° 2.172/97". Na ocasião, no entanto, a questão temporal referia-se ao fato de que não havia previsão do agente formol (formaldeído) no decreto de regência, também não entrando na controvérsia a respeito da vigência do Decreto 8.123/2013.

Penso, entretanto, que a jurisprudência dominante do STJ, no sentido de que "a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor", e mesmo o precedente daquele Corte em relação à aplicação no tempo dos limites de tolerância estabelecidos para o ruído, não impedem a ultratividade da análise qualitativa dos agentes reconhecidamente cancerígenos constantes do Grupo 1 da lista da LINACH, que possuam o Chemical Abstracts Service - CAS e que constem do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99.

É que a qualificação do agente químico como cancerígeno foi apenas reconhecida na legislação, que a declarou expressamente, sendo a qualidade existente desde sempre. Além disso, a avaliação da sílica e de outros agentes químicos já esteve sujeita a critério qualitativo no passado, para o qual se retorna agora.

Ainda cabe acrescentar que a relação de agentes químicos (entre eles a sílica) cuja exposição enseja o reconhecimento da especialidade não sofreu qualquer alteração, permanecendo listados no Anexo IV do Decreto 3.048, de 1999 (código 1.0.18, para a sílica), assim como também não sofreu alteração a NR-15, que continua estabelecendo limites de tolerância para a exposição, e os artigos 57 e 58 da Lei 8.213, de 1991, que fazem remissão aos critérios dessas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho.

Disso tudo resulta que o Decreto 8.123, de 2013, representou mera mudança de interpretação da Administração e, não necessariamente, novo critério de aferição da especialidade.

Com efeito, no caso dos agentes cancerígenos, diferente da legislação que tratou da exposição ao ruído, não houve mera minoração de limite de tolerância para fins de averiguação de nocividade, mas sua completa extinção, em razão do reconhecimento da extrema nocividade de agentes cancerígenos, entre os quais inclui-se o asbesto/amianto, cuja extração, industrialização, comercialização e distribuição (na variedade crisotila) foi recentemente considerada inconstitucional pelo STF (ADIs 3406, 3470 e 3937).

Essa constatação é suficiente para fazer a distinção entre o presente caso e o entendimento consolidado do STJ. Na verdade, não há retroatividade do Decreto 8.123/2013, mas mera mudança de interpretação da Administração, mediante o reconhecimento de que, pela extrema nocividade dos agentes cancerígenos, nunca poderia ter havido "limite de tolerância". O critério de aferição qualitativa acabou constando no Decreto, mas dele não dependia, não se confundindo com o caso da exposição a ruído, em que houve apenas ajuste relativo ao limite de tolerância que seria mais adequado, considerando novas técnicas de medição e estudo.

Tanto assim, que acabou sendo afastada, inclusive, a eficácia de EPI.

Em relação ao EPI, aliás, deve-se destacar, de início, a primeira tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 555, cujo leading case foi o ARE 664.335):

I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.

Na segunda tese firmada nesse mesmo precedente, o STF validou o enunciado da súmula 09 desta Turma Nacional [o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado].

Com efeito, o STF decidiu que apenas o EPI realmente capaz de neutralizar a nocividade afasta o reconhecimento de tempo especial. E, no item 11 da ementa do leading case, chegou a consignar que "em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial".

A partir desse julgamento, esta Turma Nacional não tem conhecido de incidentes de uniformização que tratem sobre a eficácia do EPI, considerando que essa questão refere-se ao exame da matéria de fato (nesse sentido, PEDILEF 50010336220134047201, FERNANDO MOREIRA GONCALVES - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO).

Dessa forma, também neste ponto, é irrelevante a discussão sobre a retroatividade do Decreto 8.123/2013. Isso porque, desde quando a legislação previdenciária começou a tratar de EPI, a especialidade só era afastada se o EPI realmente fosse capaz de neutralizar a nocividade, sendo certo que a sua ineficácia podia ser reconhecida desde sempre.

Em conclusão, deve ser ratificado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor". Por outro lado, deve ser reconhecido que os critérios trazidos pelo novo Decreto, por serem meramente interpretativos, podem retroagir.

Diante de todas essas considerações, é caso de firmar a seguinte tese em sede de representativo de controvérsia (Tema 170):

A redação do art. 68, § 4º, do Decreto 3.048/99 dada pelo Decreto 8.123/2013 pode ser aplicada na avaliação de tempo especial de períodos a ele anteriores, incluindo-se, para qualquer período: (1) desnecessidade de avaliação quantitativa; e (2) ausência de descaracterização pela existência de EPI.

No caso concreto, o acórdão recorrido está em consonância com a tese ora proposta, impondo-se o desprovimento do incidente de uniformização interposto pelo INSS.

Pelo exposto, voto por CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização" (grifos no original e sublinhados acrescidos) (tnu, pedilef nº 5006019-50.2013.4.04.7204/Sc, Relatora JUÍZA FEDERAL LUISA HICKEL GAMBA, publicado em 23.08.2018).

Com efeito, o que se extrai desse julgamento é que a TNU concluiu que "pela extrema nocividade dos agentes cancerígenos, nunca poderia ter havido 'limite de tolerância'", de modo que sequer se poderia cogitar de equipamentos de proteção realmente eficazes.

E essa conclusão, de ordem técnico-científica, a meu ver não se alterou diante da mera alteração da redação do disposto no § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/1999 pelo Decreto nº 10.410/2020, o qual, na sua parte final, atualmente extrapola o poder regulamentar, por conter conclusão técnico-científica insustentável, tanto que a Administração expressamente não admitia peremptoriamente a eficácia dos equipamentos de proteção em relação aos agentes comprovadamente cancerígenos no item 1.d do Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS, de 23-07-2015.

De modo que, adotando-se a mesma linha de raciocínio perfilhada no julgamento do Tema nº 170 da TNU, no sentido de que o reconhecimento da nocividade dos agentes reconhecidamente cancerígenos é de ordem técnico-científica, abrangendo períodos anteriores e posteriores à redação dada ao § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/1999 pelo Decreto nº 8.123/2013 e pelo Decreto nº 10.410/2020, também parece se impor a conclusão no sentido de que a sua avaliação quantitativa é sempre desnecessária e que a utilização de equipamentos de proteção, ainda que considerados eficazes, não descaracteriza a especialidade do tempo de serviço com exposição a esses agentes.

Destarte, para fins alinhamento e harmonização às teses fixadas no julgamento do IRDR nº 15 do TRF da 4ª Região e no Tema nº 170 da TNU, após o cancelamento do Tema nº 1.090 do STJ, caberia a fixação da seguinte tese nesta Turma Regional:

- A presença no ambiente de trabalho de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos constantes do Grupo 1 da lista da LINACH, que tenham registro no Chemical Abstracts Service - CAS, caracteriza a especialidade do trabalho, a qual não é descaracterizada pela utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva - EPC e/ou Equipamentos de Proteção Individual - EPI, ainda que nominalmente considerados eficazes, mesmo após a alteração do disposto no § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/1999 pelo Decreto nº 10.410/2020.

Entretanto, em atenção aos limites objetivos do pedido de uniformização ora sob julgamento, que foi apresentado em 2016 e envolve tempo de serviço de 2009 a 2014, proponho a fixação da seguinte tese mais limitada:

- A presença no ambiente de trabalho de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos constantes do Grupo 1 da lista da LINACH, que tenham registro no Chemical Abstracts Service - CAS, caracteriza a especialidade do trabalho, a qual não é descaracterizada pela utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva - EPC e/ou Equipamentos de Proteção Individual - EPI, ainda que nominalmente considerados eficazes.

Oportunamente os autos deverão retornar à Turma Recursal de origem para fins de adequação a esse entendimento.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao pedido de uniformização.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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