sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Decisão sobre o limbo previdenciário

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a fixação de tese sobre a manutenção da qualidade de segurado durante o período de limbo previdenciário. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – TEMA 300. PREVIDENCIÁRIO. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ATÉ A RESCISÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. INCIDENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Controvérsia a respeito da manutenção (ou não) da qualidade de segurado do Regime Geral da Previdência Social no período denominado como “limbo previdenciário”, “limbo jurídico previdenciário trabalhista” ou “limbo trabalhista”, em que o INSS, após período de pagamento de benefício por incapacidade, considera o empregado apto ao retorno ao trabalho, mas o empregador conclui de modo diverso, obstando a retomada do vínculo empregatício.
2. O Tribunal Superior do Trabalho – TST não admite que o empregador se recuse a recebê-lo de volta, mesmo quando fundado em Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) que conclua pela sua inaptidão para a função na qual trabalhava, devendo o contrato de trabalho voltar a produzir todos os seus efeitos legais, inclusive o pagamento da remuneração.
4. Assim, durante o período denominado “limbo previdenciário”, não é possível a aplicação do disposto no art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991, pois o segurado não deixa (ou não deveria ter deixado) de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social e nem está suspenso ou licenciado de suas atividades laborais.
5. Tese proposta: “Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91.” (Tema 300 dos Representativos de Controvérsia da TNU).
6. Incidente conhecido e desprovido.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0513030-88.2020.4.05.8400/RN, relator juiz federal Gustavo Melo Barbosa, 13/12/2022.



ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por voto de desempate, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto do Juiz Relator, julgando-o como representativo de controvérsia, fixando a seguinte tese para o Tema 300: "QUANDO O EMPREGADOR NÃO AUTORIZAR O RETORNO DO SEGURADO, POR CONSIDERÁ-LO INCAPACITADO, MESMO APÓS A CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE PELO INSS, A SUA QUALIDADE DE SEGURADO SE MANTÉM ATÉ O ENCERRAMENTO DO VÍNCULO DE TRABALHO, QUE OCORRERÁ COM A RESCISÃO CONTRATUAL, QUANDO DARÁ INÍCIO A CONTAGEM DO PERÍODO DE GRAÇA DO ART. 15, II, DA LEI N.º 8.213/1991". Vencidos os Juízes Federais LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, ODILON ROMANO NETO, LUCIANA ORTIZ TAVARES COSTA ZANONI e CAIO MOYSES DE LIMA.

Brasília, 07 de dezembro de 2022.


RELATÓRIO
Trata-se de Pedido Nacional de Uniformização interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Evento 01 – PEDUNIFNAC54) em desfavor da decisão proferida pela Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte (Evento 01 – ACORTR50) que, mantendo a sentença de 1º grau de jurisdição (Evento 01 – SENT45), julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo o benefício de auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), reconhecendo a manutenção da sua qualidade de segurado durante o período denominado “limbo previdenciário”.

A recorrente aponta que a Turma de origem decidiu de maneira oposta ao entendimento firmado pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Santa Catarina (Evento 01 – ANEXO55).

O incidente foi admitido na origem (Evento 01 – DECADMPU57).

Chegando os autos ao Colegiado Nacional, o Ministro Presidente admitiu o pedido de uniformização (Evento 04), pois entendeu que “há indícios da divergência suscitada, porquanto o entendimento do acórdão recorrido diverge, em princípio, da posição adotada no aresto acostado como paradigma”.

Na sessão de julgamento virtual realizada entre os dias 04 e 11 de fevereiro de 2022, a TNU, por unanimidade, decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia, definindo o tema controvertido: Como é contado o período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91, quando o empregador não autoriza o retorno do segurado ao trabalho por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS? (Eventos 19 e 20).

Publicado o Edital de que trata o art. 16, § 6º, inciso I, do RITNU (Evento 23), o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP atendeu ao chamado e pediu ingresso como amicus curiae (Evento 27), o que foi acolhido por esta Relatoria (Evento 36).

Em seus memoriais (Evento 39), o IBDP sustenta, em apertada síntese, que o segurado, durante o chamado “limbo previdenciário”, não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991 (cessação de contribuições, licença não remunerada e suspensão do contrato). Alega que, segundo a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, após o encerramento do benefício por incapacidade, o vínculo empregatício permanece e o empregador é responsável pelo pagamento dos salários e contribuições previdenciárias.

Assim, sugere a seguinte tese: Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado ao trabalho por considera-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91.

O Ministério Público Federal apresentou seu parecer (Evento 47), opinando "pela manutenção da qualidade de segurado do empregado que se encontrar em limbo previdenciário enquanto perdurar seu vínculo empregatício”.

É o breve relatório.


VOTO
O exame de admissibilidade já foi superado na sessão de julgamento virtual realizada entre os dias 04 e 11 de fevereiro de 2022, quando a TNU decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia (Eventos 19 e 20), restando muito bem delineada a divergência entre os entendimentos expostos pela Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte e pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Santa Catarina.

A questão posta no incidente de uniformização diz respeito à manutenção (ou não) da qualidade de segurado do Regime Geral da Previdência Social no período denominado como “limbo previdenciário”, “limbo jurídico previdenciário trabalhista” ou “limbo trabalhista”, em que o INSS, após período de pagamento de benefício por incapacidade, considera o empregado apto ao retorno ao trabalho, mas o empregador conclui de modo diverso, obstando a retomada do vínculo empregatício.

Neste período, o segurado empregado fica sem benefício previdenciário e sem exercer sua atividade laboral, inclusive sem receber salário.

    A Turma de origem adotou como solução a manutenção da qualidade de segurado obrigatório do RGPS durante o “limbo previdenciário”, diante do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho – TST de que o empregador é obrigado ao pagamento da remuneração do empregado (Evento 01 – ACORTR50):

“Consoante visto, restou comprovado em instrução que a parte autora manteve vínculo laboral com a empresa, sendo o contrato de trabalho rescindido apenas no ano de 2020.
Eventual inexistência de pagamento de salários é irregularidade trabalhista, irrelevante no campo previdenciário e devendo ser discutida no âmbito laboral, pelos envolvidos, sendo certo, ademais, que a Justiça do Trabalho habitualmente considera o período, que chama de “limbo” responsabilidade do empregador: “RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/17. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO CONSIDERADO APTO PELO INSS E INAPTO PELO EMPREGADOR. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A ALTA PREVIDENCIÁRIA E O RETORNO AO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA. O entendimento desta c. Corte Superior é de que é responsabilidade do reclamado o pagamento de salários ao empregado impedido de retornar ao trabalho pelo empregador, que o considerou inapto, não obstante a cessação do benefício e alta previdenciária. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1675- 64.2017.5.12.0059, 6ª turma, relator ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 13/3/20)”.

Já a decisão paradigma entendeu que após a cessação do benefício previdenciário incapacidade, e mesmo diante da recusa do empregador em acatar a conclusão da perícia do INSS, começa a contagem do período de graça, conforme previsão do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991 (Evento 01 – ANEXO55):

“Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra a sentença de improcedência.
A sentença analisou a questão nos seguintes termos:
(...)
Conforme extrai-se do CNIS do evento 10, a parte autora recebeu auxílio-doença no período de 28/01/2015 a 21/12/2017 (seq. 7) e desde aquela época não mais retornou ao trabalho.
Não é demais lembrar que a existência de vínculo ativo, mas com retorno obstado pelo empregador, caracteriza a hipótese do art. 15, II, da Lei nº 8.213/1991, não restando garantida a qualidade de segurado.
(...)

Por fim, eventual pedido de reintegração deverá ser formulado na Justiça do Trabalho.
A propósito, já decidiu a Terceira Turma Recursal do RS:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RECUSA DA EMPRESA EM RECEBER O EMPREGADO. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. LAUDO PERICIAL JUDICIAL PREVIDENCIÁRIO ATESTA A CAPACIDADE LABORAL. DEVER LEGAL DE REINTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR NO EMPREGO. DESCUMPRIMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Nos casos de benefício por incapacidade, o fato de o segurado ter sido considerado inapto pelo empregador não o torna necessariamente incapaz na esfera previdenciária e, tampouco, torna obrigatório o deferimento do benefício. 2. É dever legal do empregador reintegrar o trabalhador, imediatamente, após a alta do INSS. Na hipótese de limbo previdenciário, onde haja eventual descumprimento desse dever por parte do empregador, essa questão deve ser discutida perante a Justiça do Trabalho. 3. Recurso da parte-autora improvido. ( 5010394-12.2018.4.04.7110, TERCEIRA TURMA RECURSAL DO RS, Relator FÁBIO VITÓRIO MATTIELLO, julgado em 17/07/2019) (grifei)
III. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil.
(...)

O autor mantém vínculo empregatício com Amauri Monteiro desde 1-8-2009 e não há registro de cessação do contrato de trabalho ou anotação da data de saída em sua CTPS (CTPS5 - evento 1).
O documento anexado à petição do evento 26 - atestado de saúde ocupacional, emitido em 3-2-2020 - demonstra que o autor está inapto ao trabalho.
Como constou da sentença, 'Não é demais lembrar que a existência de vínculo ativo, mas com retorno obstado pelo empregador, caracteriza a hipótese do art. 15, II, da Lei nº 8.213/1991, não restando garantida a qualidade de segurado. Nesse sentido, nem mesmo eventual prorrogação do período de graça (em caso de desemprego) seria suficiente, tendo em vista a DII fixada em 04/09/2019, à concessão do benefício judicialmente postulado.'
Assim, indefiro o pedido de concessão ou restabelecimento do benefício por incapacidade.
Confirmo a sentença por seus próprios fundamentos.
(...)
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO".

Pois bem!

Inicialmente, destaco que em pesquisa à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e da Turma Nacional de Uniformização – TNU, não foram identificados julgamentos que tratassem da controvérsia.

Vamos adiante!

Nos termos do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991, mantém a qualidade de segurado, por até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado.

Ocorre que, como muito bem colocado pela Turma de Origem, o Tribunal Superior do Trabalho – TST não admite que o empregador, após a alta médica dada pelo INSS, se recuse a receber o empregado de volta, mesmo quando fundado em Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) que conclua pela sua inaptidão para a função na qual trabalhava:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. (...). 2. DIFERENÇAS SALARIAIS DIANTE DA RECUSA INJUSTIFICADA DA EMPREGADORA EM ACEITAR O TRABALHO OBREIRO APÓS A ALTA PREVIDENCIÁRIA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. REINTEGRAÇÃO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DEVIDOS, INCLUSIVE AS FÉRIAS. O Tribunal Regional, após sopesar as provas dos autos, concluiu que houve recusa/inércia do Reclamado em aceitar o labor do Obreiro após a alta previdenciária. Consta na decisão recorrida que "desde o comunicado havido em 26/04/2012, esteve o Demandante à disposição da Ré para que fosse ele readaptado e conduzido a uma função compatível com a sua condição clínica, mas a Ré assim não o fez". A decisão recorrida se harmoniza com a ordem jurídica atual, que aloca o indivíduo em posição especial no cenário social, despontando nítido o caráter precursor do direito à dignidade da pessoa humana (1º, III, da CF) sobre todo o sistema constitucional. Ademais, a Convenção nº 161 da OIT impõe, como princípio de uma política nacional, "a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental". Dessa forma, cabia ao empregador, ante a cessação do benefício previdenciário, reintegrar ou readaptar o empregado. Isso porque, segundo o ordenamento jurídico pátrio, o empregador também é responsável pela manutenção e respeito aos direitos fundamentais do empregado, devendo zelar pela afirmação de sua dignidade e integração no contexto social - e a readequação de suas funções no processo produtivo da empresa faz parte desse mister. A decisão recorrida também se apresenta em conformidade com a jurisprudência notória, reiterada e atual do TST, o que torna inviável o exame das indicadas violações de dispositivo legal e/ou constitucional, bem como superada a eventual divergência jurisprudencial (Súmula 333 do TST e art. 896, § 7º, da CLT). Logo, permanecendo o vínculo empregatício, é do Reclamado a responsabilidade pelo pagamento dos salários após a alta médica conferida pelo INSS até a determinação de reintegração - tal como decidido. Insta destacar que, ante a determinação de reintegração do Autor, inaplicável à hipótese a Súmula 378/TST. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo desprovido.
(TST - Ag: 8193920135050511, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 11/05/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: 20/05/2022)

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RETORNO AO TRABALHO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. RECUSA INJUSTIFICADA DO EMPREGADOR. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO.
É incontroverso nos autos que a reclamada, com fundamento em atestados médicos, impediu que a reclamante retornasse às suas atividades laborais tampouco procedeu à readaptação da trabalhadora em outras funções, embora a demandante tenha sido considerada apta para o trabalho pela perícia médica do INSS. Cumpre enfatizar que, nos termos do art. 2º da Lei 10.876/2004, o perito médico do INSS possui competência exclusiva para emissão de parecer conclusivo sobre a capacidade de retorno ao trabalho do empregado. Assim, pareceres médicos, ainda que emitidos por profissional da empresa, não têm o condão de respaldar a recusa da empresa em permitir o retorno do empregado ao seu posto de trabalho. Isso porque, embora a empregadora tenha o dever de preservar a integridade física e a saúde do trabalhador, não pode privá-lo de seu direito ao recebimento de salário. Dessa forma, a conduta da empresa, ao impedir o retorno do empregado à atividade laboral e, consequentemente, inviabilizar o percebimento da contraprestação pecuniária, mesmo após a alta previdenciária, se mostra ilícita, nos termos do art. 187 do Código Civil. Ressalte-se, ainda, que, segundo os termos do art. 476 da CLT, com o término do benefício previdenciário, o contrato de trabalho voltou a gerar todos os efeitos, permanecendo com o empregado o dever de prestar serviços e, com o empregador, o de pagar salários. Assim, impedido de retornar ao emprego, e já cessado o pagamento do benefício previdenciário, o empregado permanece no "limbo jurídico previdenciário trabalhista", como denominado pela doutrina. Com efeito, a jurisprudência desta Corte vem se consolidando no sentido de que, nessas hipóteses, há conduta ilícita do empregador em não permitir o retorno do empregado ao trabalho, pois evidenciada afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, inserto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Precedentes. (...). Agravo não provido.
(TST - Ag-AIRR: 11246520125150095, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 23/05/2018, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/06/2018)

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RETORNO AO TRABALHO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. RECUSA INJUSTIFICADA DO EMPREGADOR. READAPTAÇÃO. SALÁRIO DO PERÍODO DECORRIDO ENTRE A ALTA MÉDICA E O RETORNO AO TRABALHO. RESPONSABILIDADE. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO.
A jurisprudência desta Corte vem se consolidando no sentido de que, cessado o benefício previdenciário, há conduta ilícita do empregador em não permitir o retorno do empregado ao trabalho. Precedentes. Desse modo, correta a decisão que deferiu ao autor o pagamento dos salários vencidos e demais verbas a contar da data da alta previdenciária. Incide, portanto, a Súmula nº 333 desta Corte como óbice ao prosseguimento da revista. Agravo não provido.
(TST - Ag-AIRR: 1563820155020371, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 12/06/2019, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/06/2019)


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017.
1. (...).
2. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. RECUSA INJUSTIFICADA DA EMPREGADORA EM ACEITAR O TRABALHO OBREIRO APÓS A ALTA PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DEVIDO. SÚMULA 126/TST.
O Tribunal Regional registrou que já havia cessado a percepção do auxílio-doença pela Reclamante e que a Reclamada não autorizou o retorno do Autor ao trabalho. Extrai-se, portanto, que a Autora foi colocada em um "limbo jurídico-previdenciário", ante o fim do benefício previdenciário consistente no auxílio-doença, o consequente término da suspensão contratual (art. 476 da CLT) e a recusa da Reclamada em proceder ao retorno imediato da obreira aos serviços. Logo, a decisão recorrida se harmoniza com a ordem jurídica atual, que aloca o indivíduo em posição especial no cenário social, despontando nítido o caráter precursor do direito à dignidade da pessoa humana (1º, III, da CF) sobre todo o sistema constitucional. Ademais, a Convenção nº 161 da OIT impõe, como princípio de uma política nacional, "a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental". Dessa forma, cabia à Empregadora, ante a cessação da licença, reintegrar ou readaptar o Reclamante em atividade compatível com suas limitações físicas, e não puramente recusar seu retorno ao trabalho. Isso porque, segundo o ordenamento jurídico pátrio, o empregador também é responsável pela manutenção e respeito aos direitos fundamentais do empregado, devendo zelar pela afirmação de sua dignidade e integração no contexto social - e a readequação de suas funções no processo produtivo da empresa faz parte desse mister. Assim, permanecendo o vínculo empregatício, é da Reclamada a responsabilidade pelo pagamento dos salários após a alta médica conferida pelo INSS - tal como decidido pelo TRT. Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 2818120115020262, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 24/02/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 26/02/2021)

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . ALTA PREVIDENCIÁRIA. ENCERRAMENTO DA SUSPENSÃO CONTRATUAL. RECUSA INJUSTIFICADA DA EMPREGADORA EM ACEITAR O TRABALHO OBREIRO. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. CABIMENTO. (...)
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. RESTABELECIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO APÓS O TÉRMINO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECUSA DA EMPRESA. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS.
O Tribunal Regional registrou que já havia cessado a percepção do auxílio-doença pela Reclamante e que a Reclamada não autorizou o retorno da Autora ao trabalho, sob a alegação de que se encontrava incapacitado, uma vez que passou a perceber auxílio-acidente. Extrai-se, portanto, que a Autora foi colocada em um "limbo jurídico-previdenciário", ante o fim do benefício previdenciário consistente no auxílio-doença, o consequente término da suspensão contratual (art. 476 da CLT) e a recusa da Reclamada em proceder ao retorno imediato da obreira aos serviços por considerá-la inapta para o trabalho. Logo, a decisão recorrida discrepa da ordem jurídica atual, que aloca o indivíduo em posição especial no cenário social, despontando nítido o caráter precursor do direito à dignidade da pessoa humana (1º, III, da CF) sobre todo o sistema constitucional. O texto celetista, concretizando os primados constitucionais ligados à saúde no meio ambiente laboral (art. 6º, 7º, XXII, XXVIII, 196, 200, VIII, CF), estipula obrigação do empregador na prevenção de doenças ocupacionais (art. 157). Ademais, a Convenção nº 161 da OIT impõe, como princípio de uma política nacional, "a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental". Registre-se, por oportuno, ser desnecessário que a Reclamante se submeta a processo de reabilitação profissional, junto ao INSS, para fins de readequação no trabalho. Dessa forma, cabe ao empregador, na incerteza quanto à aptidão da Reclamante para o exercício de suas funções, realocá-la em atividade compatível com suas limitações físicas, e não puramente recusar seu retorno ao trabalho. Isso porque, segundo o ordenamento jurídico pátrio, o empregador também é responsável pela manutenção e respeito aos direitos fundamentais do empregado, devendo zelar pela afirmação de sua dignidade e integração no contexto social - e a readequação de suas funções no processo produtivo da empresa faz parte desse mister. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST - RR: 6746620185230006, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 19/05/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 21/05/2021)

Portanto, após a alta médica previdenciária, o contrato de trabalho deve voltar a produzir todos os seus efeitos legais, inclusive com o pagamento da remuneração. Ainda que o empregador não concorde com a alta previdenciária, não lhe é dado o direito de recusar o retorno, devendo colocar o empregado à disposição, nos termos do art. 4º da CLT, ou em função adaptada.

Assim, durante o período denominado “limbo previdenciário”, não é possível a aplicação do disposto no art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991, pois o segurado não deixou (ou não deveria ter deixado) de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social e nem está suspenso ou licenciado de suas atividades laborais.

Importante destacar que NÃO se enquadra nesta hipótese o segurado que não retorna ao trabalho por decisão própria, ainda que fundada na sua compreensão de que ainda está incapaz para o trabalho e que o INSS cometeu equívoco ao lhe dar alta médica. Neste caso, o TST entende que é possível a configuração de abandono de emprego, a justificar a rescisão do vínculo empregatício por justa causa. Neste sentido:

Súmula nº 32 do Tribunal Superior do Trabalho: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO.
O Regional, amparado no conjunto fático-probatório dos autos, manteve a sentença de piso, por entender que a reclamada logrou comprovar o abandono de emprego perpetrado pela reclamante. Nesse sentido, consignou que a reclamante ausentou-se do trabalho em razão da percepção de auxílio-doença, cuja prorrogação foi negada pelo INSS em 16/10/2015, quando foi considerada apta ao retorno de suas atividades. Ressaltou, ainda, que a reclamante tinha ciência da readaptação em nova função e que a testemunha comprovou que a empresa reclamada se preocupou em adaptar a função com atividades compatíveis com a limitação física da reclamante. Diante desse contexto fático, insuscetível de reexame nesta instância superior pelo óbice contido na Súmula nº 126 do TST, no qual a reclamada logrou demonstrar o abandono de emprego por parte da reclamante, não há falar em contrariedade à Súmula nº 212 do TST e tampouco em violação do art. 482, i, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
(TST - AIRR: 113360420165150129, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 28/08/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/08/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO.
O Regional, amparado no conjunto fático-probatório dos autos, manteve a sentença de piso, por entender que a reclamada logrou comprovar o abandono de emprego perpetrado pela reclamante. Nesse sentido, consignou que a reclamante ausentou-se do trabalho em razão da percepção de auxílio-doença, o qual cessou em 10/7/2013, e somente retornou aos seus serviços em 20/8/2013, ou seja, passados 40 dias após o fim do benefício, de modo que configurado o abando de emprego, de que trata a Súmula nº 32 do TST. Diante desse contexto fático, insuscetível de reexame nesta instância superior pelo óbice contido na Súmula nº 126 do TST, não há falar em contrariedade às Súmulas n os 32 e 212 do TST e tampouco em violação do art. 7º, I, da CF. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
(TST - AIRR: 18717920135070005, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 30/05/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/06/2018)

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC/73. ART. 485, IX, DO CPC/73. ERRO DE FATO. DISPENSA POR JUSTA CAUSA MANTIDA. TÉRMINO DA LICENÇA PREVIDENCIÁRIA SEM RETORNO AO TRABALHO. SÚMULA 32 DO TST. ABANDONO DE EMPREGO CONFIGURADO. HIPÓTESE DE RESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA.
(...). Conquanto tenha o eg. Tribunal Regional acolhido o pleito rescisório (...), manteve a justa causa decorrente do abandono de emprego, haja vista que a empregada não tinha seu contrato suspenso à época da dispensa. O fato que se extrai da decisão rescindenda e das próprias alegações da autora é que a empregada foi afastada em dezembro de 2010, tendo percebido auxílio previdenciário até 28/5/2012, quando teve alta do INSS, sem que tenha retornado ao trabalho, até o momento de sua dispensa, ocorrida em 17/4/2013. Diante disso, a decisão recorrida deu-se em perfeita sintonia com o entendimento já sedimentado nesta c. Corte, nos termos da Súmula nº 32 do TST. (...). Recurso ordinário conhecido e desprovido.
(TST - RO: 10023374120155020000, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 09/10/2018, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 11/10/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. NULIDADE. NEGATIVA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO PROVIMENTO. (...).
2. JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Segundo o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer. Na espécie, a egrégia Corte Regional reconheceu que o reclamante não conseguiu demonstrar sua incapacidade laborativa após o término do auxílio-doença acidentário, em 31.05.2010, de forma que tendo sido declarado apto pelo INSS, pelo ortopedista a que foi encaminhado pela empresa e pelo perito do Juízo, a sua intenção deliberada de não comparecer ao trabalho por mais de 30 dias, mesmo após notificação da reclamada para retomar suas atividades, caracterizou o abandono de emprego, revelando-se lícita sua dispensa por justa causa, o que afastava o pleito de reintegração ou de indenização do período de estabilidade. Premissas fáticas incontestes à luz da Súmula nº 126. Inteligência da Súmula nº 32. Incidência da Súmula nº 333 e do artigo 896, § 7º, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
3. (...)
(TST - AIRR: 105005120115170161, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 14/10/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: 23/10/2015)

Assim, é a recusa do empregador de retorno ao trabalho que garante a continuidade do seu vínculo empregatício e, consequentemente, a manutenção da sua qualidade de segurado sob este fundamento.

No caso concreto, observo que a sentença de 1º grau de jurisdição (Evento 01 – SENT45), mantida em sua integralidade pelo acórdão recorrido (Evento 01 – ACORTR50), entendeu que o autor comprovou, em audiência de instrução, “que não retornou às suas atividades como repositor de mercadorias na Empresa (CIRNE IRMAOS &CIA LTDA), porquanto o médico da empresa o considerou inapto ao trabalho, restando configurado portanto, o limbo previdenciário”. Assim, restou mantida a qualidade de segurado até o fato gerador do benefício previdenciário.

Destaco que, na presente demanda, não está sendo discutido qualquer outro efeito do limbo previdenciário que não a manutenção/perpetuação da qualidade de segurado. Ou seja, a Turma Nacional de Uniformização - TNU não se debruçou e nem avançou, por exemplo, se o período em que o segurado ficou no limbo previdenciário pode ou não ser considerado tempo de contribuição e tempo de carência.

Nessa toada, não vislumbro infringência ao disposto no art. 201, § 14, da Constituição Federal de 1988, que veda "a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca".

Diante destas considerações, tenho como solucionada a controvérsia e fixo tese acatando a sugestão do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP: “Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991.” (Tema 300 dos Representativos de Controvérsia da TNU).

Ante o exposto, voto por CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização proposto pelo INSS.



VOTO-VISTA, juíza Luciane Merlin Cléve Kravetz
1. Sinopse do caso.
Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei interposto pelo INSS, que alega a divergência jurisprudencial sobre a manutenção da qualidade de segurado na hipótese do denominado "limbo" previdenciário e trabalhista (evento 1.54).

O caso subjacente refere-se a segurado empregado que gozou de auxílio-doença até jul/2017. Ele alegou em audiência que tentou voltar ao trabalho, mas a empresa não o considerou apto. Ficou, portanto, entre a perícia médica do INSS, que o considerou capaz para o trabalho, e a recusa do empregador em readmiti-lo. Segundo a análise da prova feita na origem, o segurado voltou a ficar incapacitado em ago/2020. O que se discute é se, nesse início de um novo período de incapacidade, ele manteria ou não a qualidade de segurado, requisito indispensável para a concessão de um novo benefício de auxílio-doença.

A Turma Recursal do Rio Grande do Norte reconheceu o direito ao benefício na época em que o autor voltou a ficar incapaz, com base nos seguintes fundamentos (evento 1.50):

Lê-se na sentença: “No início da incapacidade (data da citação do INSS, em 26/08/2020), o demandante havia cumprido a carência exigida e mantinha a qualidade de segurado do RGPS, nos termos do artigo 15, II, § 2º da Lei 8.213/91, visto que recebeu auxílio-doença até 21/07/2017, e, logo após a cessação do benefício, informou em Audiência de Instrução, que não retornou às suas atividades como repositor de mercadorias na Empresa (CIRNE IRMAOS &CIA LTDA), porquanto o médico da empresa o considerou inapto ao trabalho, restando configurado portanto, o limbo previdenciário. A permanência da relação trabalhista, a despeito de o autor não ter retornado efetivamente ao labor na empresa contratante, como por ele informado em audiência, encontra embasamento legal na Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, vez que o seu artigo 476 sustenta que, após cessação do benefício previdenciário, o contrato de trabalho deve voltar a gerar todos os efeitos, sendo devido ao empregado a prestação dos serviços, e ao empregador o pagamento dos salários. Assim, tal como previsto no art. 89, da lei ,8.213/91 o empregado que se encontra impossibilitado de retornar às suas atividades anteriores, devido ao posicionamento do médico da empresa, deverá como primeira alternativa, ser reacolocado ou readaptado (habilitação e reabilitação profissional e social) para função compatível com a suas condições pessoais. A continuidade do vínculo empregatício se revela, portanto, presente, tanto que a própria empresa efetivou recolhimento recentemente de contribuição previdenciária, em outubro de 2020, consoante se vê no evento 21 dos autos. Preenchidas, em consequência, a condição de segurado do autor e a carência, quando do início da incapacidade”.
Alega, no mérito, o recorrente: “Com efeito, da análise do CNIS do autor, verifica-se que não há qualquer informação de salário em face da empresa CIRNE LTDA de 2016 até a presente data - ANEXO 21, fls. 04 e 05. Ademais, em sede de audiência de instrução processual, o autor afirmou que não trabalha desde a data de cessação de seu benefício, ou seja, não labora desde 2017. Além disso, o último declarante também confirmou que o autor não labora desde 2016. Não trabalha, não faz nenhum bico, e já faz tempo que não recebe salário. Outrossim, a DII fixada pelo perito em laudo pericial é de outubro de 11/11/2020, portanto, em período em que já havia sido expirado o período de graça, não havendo que se falar em direito a concessão de benefício. O autor, inclusive, mora só, não havendo qualquer informação médica de incapacidade do autor desde 2017. Como se sabe, a prova material é que deve preponderar sobre a prova formal (Súmula 225 do STF). Muito embora consta CTPS a informação de labor do autor até outubro de 2020 na empresa CIRNE LTDA, o próprio declarou que não labora desde 2017”.
Mais uma vez sem razão.
Consoante visto, restou comprovado em instrução que a parte autora manteve vínculo laboral com a empresa, sendo o contrato de trabalho rescindido apenas no ano de 2020.
Eventual inexistência de pagamento de salários é irregularidade trabalhista, irrelevante no campo previdenciário e devendo ser discutida no âmbito laboral, pelos envolvidos, sendo certo, ademais, que a Justiça do Trabalho habitualmente considera o período, que chama de “limbo” responsabilidade do empregador: “RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/17. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO CONSIDERADO APTO PELO INSS E INAPTO PELO EMPREGADOR. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A ALTA PREVIDENCIÁRIA E O RETORNO AO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA. O entendimento desta c. Corte Superior é de que é responsabilidade do reclamado o pagamento de salários ao empregado impedido de retornar ao trabalho pelo empregador, que o considerou inapto, não obstante a cessação do benefício e alta previdenciária. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1675- 64.2017.5.12.0059, 6ª turma, relator ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 13/3/20).
Nego provimento ao recurso.

O INSS defende a interpretação do acórdão paradigma, da Primeira Turma Recursal de Santa Catarina, que, em caso análogo ao presente, julgou aplicável o art. 15, II, da Lei 8.213/1991, que prorroga a qualidade de segurado por doze meses após a cessação das contribuições daquele que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração (evento 1.55). Segundo essa decisão, o fato de o segurado ter sido considerado inapto pelo empregador não o torna necessariamente incapaz na esfera previdenciária, sendo dever legal do empregador reintegrar o trabalhador, imediatamente, após a alta do INSS. Se isso não acontece, há a necessidade de que o empregador seja demandado perante a Justiça do Trabalho, a fim de que cumpra com a obrigação trabalhista. Nos termos do acórdão paradigma:

O laudo pericial administrativo é conclusivo no sentido de que o autor, com 29 anos de idade, esteve incapaz para o trabalho em decorrência de moléstia psiquiátrica de 4-9-2019 a 15-11-2019 (LUDO2 - evento 10).
O autor formulou requerimento administrativo de concessão de benefício por incapacidade n. 629.088.814-9, em 8-8-2019, indeferido por perda da qualidade de segurado (INFBEN1, p. 3 - evento 2). Na inicial, requereu a concessão do mesmo benefício desde a data do requerimento administrativo.
Como se verifica das anotações do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, o autor recebeu o benefício de auxílio-doença n. 608.386.810-0, no período compreendido entre 28-1-2015 a 21-12-2017 (CNIS1, p. 3 - evento 10).
O autor mantém vínculo empregatício com Amauri Monteiro desde 1-8-2009 e não há registro de cessação do contrato de trabalho ou anotação da data de saída em sua CTPS (CTPS5 - evento 1).
O documento anexado à petição do evento 26 - atestado de saúde ocupacional, emitido em 3-2-2020 - demonstra que o autor está inapto ao trabalho.
Como constou da sentença, 'Não é demais lembrar que a existência de vínculo ativo, mas com retorno obstado pelo empregador, caracteriza a hipótese do art. 15, II, da Lei nº 8.213/1991, não restando garantida a qualidade de segurado. Nesse sentido, nem mesmo eventual prorrogação do período de graça (em caso de desemprego) seria suficiente, tendo em vista a DII fixada em 04/09/2019, à concessão do benefício judicialmente postulado.'
Assim, indefiro o pedido de concessão ou restabelecimento do benefício por incapacidade.

Na sessão do dia 10/02/2022, a TNU conheceu o pedido de uniformização, afetou o recurso como representativo de controvérsia e submeteu a julgamento a seguinte questão (evento 20.1):

Tema 300: Como é contado o período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91, quando o empregador não autoriza o retorno do segurado ao trabalho por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS?

O ilustre relator, juiz federal Gustavo Melo Barbosa, votou para negar provimento ao incidente de uniformização, adotando a seguinte tese jurídica (evento 54.1):

Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991.

Com todo o respeito devido ao nobre relator, peço vênia para divergir.

2. Conflito oriundo de relação de trabalho.
Depois da cessação do auxílio-doença do segurado empregado, podem ocorrer as seguintes situações:

1. Continuidade da incapacidade. O empregado, apesar da alta médica do INSS, permanece incapaz para sua atividade habitual, tendo o direito ao restabelecimento do benefício de auxílio-doença. A tutela do direito deve ser buscada junto à autarquia ou à Justiça Federal, em ação previdenciária. Não se trata do chamado "limbo".

2. Desinteresse do empregado. O segurado não se apresenta nem se coloca à disposição da empresa, não mostrando interesse de voltar ao trabalho. A recusa não é empregador. A situação não configura o que se costuma chamar de "limbo", mas caracteriza abandono de emprego, segundo a súmula 32, do TST: presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.

3. Recusa do empregador. O empregado se coloca à disposição da empresa, que recusa o retorno, por considerá-lo inapto, conforme o exame de retorno ao trabalho, previsto na NR 7, instituída pela Portaria MTb 3.214/1978. Essa norma tornou obrigatória a realização de exame de retorno ao trabalho antes que o empregado reassuma suas funções, quando ausente por período igual ou superior a trinta dias por motivo de doença ou acidente. Se o empregador recusar a volta do empregado por considerá-lo inapto, surge a situação chamada de "limbo". O trabalhador fica entre a alta médica do INSS, que o avalia como capaz, e o exame da empresa, que o considera incapaz. É um conflito oriundo da relação de trabalho.

A presente controvérsia gira em torno dessa última hipótese: o segurado empregado, após a alta médica do INSS, apresenta-se à empresa, que o recusa com base em exame de retorno contrário.

A concessão de benefício por incapacidade acarreta a suspensão do contrato de trabalho, nos termos do art. 476 da CLT:

Art. 476. Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício.

Quando o benefício por incapacidade cessa, o contrato de trabalho volta a gerar efeitos. Desse modo, o trabalhador deve apresentar-se, colocar-se à disposição da empresa e retomar suas funções, em trinta dias, sob pena de configuração de abandono de emprego (súmula 32, do TST).

Cabe ao empregador reinserir o empregado em trabalho adequado às suas capacidades.

Conforme a NR 7, editada originalmente pela Portaria MTb 3.214/1978, é obrigatória a realização de exame de retorno ao trabalho antes que o empregado reassuma suas funções, quando ausente por período igual ou superior a trinta dias por motivo de doença ou acidente.

Se o empregado for considerado apto no exame de retorno, ele volta ao exercício de suas funções habituais. O problema se coloca quando ele é avaliado como inapto, pois, apesar da alta médica, ele não consegue voltar ao trabalho pela recusa da empresa.

O conflito que surge, nesse tipo de situação, é oriundo de relação do trabalho e deve, como tal, ser julgado pela Justiça do Trabalho, na forma prevista pela Constituição Federal, art. 114, I e IV:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
(...)
VI. as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

É vasta a jurisprudência da Justiça do Trabalho acerca de litígios dessa natureza.

O TST reputa ilícita e arbitrária a conduta do empregador de se manter inerte quanto ao retorno do autor ao trabalho ou mesmo de readaptá-lo em função compatível com seu estado de saúde, deixando-o sem remuneração, mesmo tendo ciência da negativa do INSS em pagar-lhe benefício previdenciário (TST, Ag-AIRR-1087-53.2020.5.22.0001, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 07/10/2022).

Nesse caso, o TST condena o empregador a pagar ao empregado os salários desde a alta do INSS até a data da readmissão, conforme os princípios próprios do direito do trabalho.

A responsabilidade do empregador pelo pagamento dos salários do empregado depois da cessação do auxílio-doença é reconhecida pela jurisprudência mesmo que o obreiro seja considerado inapto no exame de retorno (TST, AIRR-1000373-82.2021.5.02.0006, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 21/10/2022). Nesse mesmo sentido:

LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DO PERÍODO DE AFASTAMENTO . RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELA READAPTAÇÃO DO EMPREGADO. A questão do "limbo jurídico previdenciário trabalhista" não é objeto de legislação clara e específica, o que atrai a necessidade de aplicação de princípios próprios do Direito do Trabalho, como o Princípio da Proteção, de forma garantir a dignidade ao trabalhador, valor insculpido como fundamento da Constituição de República, em seu art. 1.º, III. O limbo atinge o trabalhador, parte mais vulnerável da relação de trabalho, em momento de extrema fragilidade, deixando-o à mercê de sua própria sorte. Sobressai, nesse momento, a importância da função social da empresa e do valor social do trabalho, valores consagrados na matriz constitucional de 1988. A legislação trabalhista estabelece que o contrato de trabalho somente está suspenso quando o empregado estiver "em gozo de auxílio doença" (art. 63 da Lei 8.213/91), ou, nos termos do art.476 da CLT, "durante o prazo desse benefício", se este foi cessado pelo INSS e não há qualquer decisão judicial determinando o restabelecimento desse benefício. Portanto, c om a cessação do benefício previdenciário, nos termos do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos, cabendo à empresa viabilizar o retorno do autor a uma atividade condizente com a sua nova realidade física, de acordo com o que dispõe o artigo 89 da Lei 8.213/91, através de sua readaptação. A conclusão a que se pode chegar é a de que o contrato de trabalho não esteve mais suspenso no período compreendido entre 21/07/2014 a 08/03/2015, de modo que a empregadora, como obrigação, deveria ter retomado o dever de pagar os salários do obreiro, zelando e acompanhando a efetiva resposta do encaminhamento dirigido ao órgão previdenciário. Em razão de a reclamada ter ficado ciente da alta previdenciária do reclamante, verifica-se que é da empresa o ônus de provar que o reclamante tenha se negado a retornar às suas atividades laborais, ou mesmo se recusado a assumir função compatível com suas limitações físicas, diante do princípio da continuidade da relação empregatícia, que constitui presunção favorável ao reclamante. Assim, após a alta médica, era ônus da ré comprovar que o autor não se apresentou à empresa a fim de retornar ao trabalho, por se tratar de fato impeditivo do direito (artigo 818 da CLT e 373, II, do CPC). Ademais, os atestados médicos em dias esporádicos, utilizados como fundamento para justificar a reforma da sentença, não são suficientes para afastar a empresa do cumprimento da obrigação contratual de pagamento de salários e promoção de readaptação. Pelo exposto, reconhecida a continuidade do vínculo empregatício entre as parte as obrigações decorrentes, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a recusa do empregador em aceitar o retorno do empregado após a alta previdenciária, em razão de considerá-lo inapto ao trabalho, não afasta o dever de pagamento dos salários correspondentes, pois diante da presunção de veracidade do ato administrativo do INSS que atesta a aptidão do empregado para o labor, cessando o benefício previdenciário, cabe ao empregador receber o obreiro, realocando-o em atividades compatíveis com sua limitação funcional, até eventual revisão da decisão tomada pelo órgão previdenciário. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido (...)" (TST, RR-1002150-86.2015.5.02.0241, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 21/05/2021)

A situação de incerteza ocasionada pela recusa do empregador em admitir o empregado apto ao trabalho e em promover as adaptações eventualmente necessárias para o retorno é considerada, pelo TST, fato ilícito que gera danos morais in re ipsa:

LIMBO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL. Do reconhecimento do direito do reclamante ao pagamento do período de afastamento em razão do limbo previdenciário, decorre, in re ipsa , a conclusão de que houve danos de ordem moral para o trabalhador. A falta de pagamento de salários e a situação de incerteza causada pela inercia da empresa em promover a necessária readaptação do empregado ao trabalho após a alta previdenciária, sobretudo em um momento de maior vulnerabilidade do trabalhador, são razões suficientes para ensejar o pagamento de indenização. Desta forma, presentes os elementos necessários para a caracterização dodano moral, quais sejam, o dano, tendo em vista o constrangimento psíquico decorrente da frustração em ver a recorrente recusando-se a reabilitá-lo em outra função, sem a percepção dos devidos salários; a culpa, diante da inércia em promover a reabilitação do autor e onexo de causalidadeentre o dano e a ação patronal, a conduta da reclamada enseja reparação por danos morais. Ademais, ao obstar o retorno do autor ao trabalho, em função compatível com a sua debilidade, sujeitando-o ao desamparo trabalhista e previdenciário, fere a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), configurou-se abuso de direito, o que e enseja o pagamento de indenização pelo ato ilícito perpetrado, nos termos do art. 5.º. V e X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1002150-86.2015.5.02.0241, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 21/05/2021).

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. 1. DOENÇA OCUPACIONAL. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. “ ACTIO NATA ”. 2. DIFERENÇAS SALARIAIS. RECUSA INJUSTIFICADA DA EMPREGADORA EM ACEITAR O TRABALHO OBREIRO APÓS A ALTA PREVIDENCIÁRIA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DEVIDOS. 3. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerando o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República; e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos esses bens imateriais, consubstanciados, pela Constituição, em princípios fundamentais. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral deflagrada pela Constituição de 1988. Nessa linha de intelecção, a jurisprudência desta Corte entende ser devida a reparação civil quando existe uma circunstância objetiva que demonstre a existência de qualquer constrangimento ao trabalhador, capaz de atingir sua honra, imagem ou intimidade, causando-lhe lesão de natureza moral. Na hipótese dos autos , é incontroverso que a Reclamada obstaculizou o retorno do Reclamante ao trabalho, por considerá-la inapto, não lhe tendo oferecido função compatível com suas limitações físicas, deixando-o à própria sorte sem qualquer fonte de sustento, seja porque não houve o pagamento de salários desde a recusa empresarial, seja porque a renovação do benefício previdenciário foi indeferida. Emerge cristalino, portanto, o manifesto dano ao patrimônio moral do ser humano que vive de sua força de trabalho, em face do caráter absolutamente indispensável que a verba tem para atender necessidades inerentes à própria dignidade da pessoa natural, tais como alimentação, moradia, saúde, educação, bem-estar, todos eles sendo direitos sociais fundamentais na ordem jurídica do País (art. 6º, CF). Portanto, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, “a ”, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-AIRR-1162-18.2017.5.21.0004, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 07/10/2022).

A Justiça do Trabalho somente considera haver a responsabilidade do empregador pelo pagamento dos salários do empregado, a partir da alta médica da previdência, se comprovado que a ausência de retorno ao trabalho decorreu da recusa patronal (Ag-AIRR-10634-69.2021.5.03.0112, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 28/11/2022).

Como se pode perceber, não se trata de um conflito entre o segurado e o INSS, mas de um conflito entre o empregado e o empregador, com a necessidade de produção de provas sobre fatos que envolvem as duas partes da relação trabalhista. Por isso, não se pode escapar da conclusão de que compete à Justiça do Trabalho resolver esses casos.

Haverá impacto sobre a esfera da previdência social se e somente se a Justiça do Trabalho reconhecer a ilicitude da recusa do empregado após a cessação do auxílio-doença, condenando o empregador a readmitir o trabalhador e a pagar os salários desde a alta médica do INSS.

O INSS tem razão ao afirmar a importância indissociável da Justiça do Trabalho nessa celeuma, de modo a melhor averiguar em que condições ocorreu essa divergência entre empregador e empregado, autorizando, somente em caso de procedência do pedido do reclamante, o pagamento dos respectivos salários e recolhimento, a partir de então, das respectivas contribuições (evento 57.1).

O INSS também está correto ao argumentar que nem todo vínculo empregatício em aberto - sem o registro de remuneração após a cessação de um benefício por incapacidade - pode ser interpretado como recusa do empregador (evento 57.1). Incumbe à Justiça do Trabalho avaliar a prova e decidir se houve recusa e quais os efeitos perante a relação empregatícia. É esse o palco próprio para a produção da prova, com acesso a exames de saúde ocupacionais e outras informações pertinentes ao contrato de trabalho.

Não pode ser imputado qualquer dever ao INSS caso não haja o reconhecimento, pelo juízo competente, da responsabilidade do empregador pela reintegração do empregado e pelo pagamento dos salários desde a alta médica.

3. Qualidade de segurado: exercício de atividade remunerada.
Segundo o art. 11, I, a e b, da Lei 8.213/1991, o que vincula o segurado empregado à previdência social não é o contrato de trabalho em aberto e sim o exercício de atividade remunerada, com a respectiva contraprestação, ou seu equivalente, na hipótese de reintegração ordenada pela Justiça do Trabalho.

Se o empregado fica inerte na busca da tutela de seu direito trabalhista, após a recusa da empresa, não há manutenção da qualidade de segurado indefinidamente, vindo a acarretar não apenas a concessão de benefício por incapacidade, mas de pensão por morte a dependentes, sem qualquer contribuição à coletividade.

A inércia do segurado é um ponto relevante a ser considerado. A depender do tempo que passe depois da alta do INSS, pode ocorrer até mesmo a prescrição da ação trabalhista.

É preciso levar em conta as consequências da decisão judicial, conforme o art. 20, da LINDB. O fato é que o reconhecimento da manutenção da qualidade de segurado, após a alta médica do INSS, independentemente do retorno ao trabalho ou do reconhecimento do direito de retornar ao trabalho, com a condenação da empresa ao pagamento de salários atrasados (com descontos de contribuições previdenciárias), acarreta efeitos deletérios sobre o sistema de previdência social, desequilibrando a relação entre custeio e benefícios.

O segurado recusado pela empresa após a alta do INSS poderá ficar, por exemplo, dez ou quinze anos sem ter voltado ao emprego e sem buscar a tutela de seus direitos trabalhistas no foro competente. Nesse tempo, a ação trabalhista terá sido extinta pela prescrição, a empresa quiçá não mais existirá. Ainda assim, se acolhida a interpretação defendida pelo autor, ele manterá a qualidade de segurado, enquanto existir vínculo em aberto, apesar de não ter contribuído para o sistema solidário de previdência social. Então, passados esses dez ou quinze anos, a previdência social será acionada na hipótese de uma nova incapacidade ou de óbito. Não é propriamente uma situação justa para com a coletividade.

O presente caso é um exemplo dessa situação. O autor recebeu beneficio por incapacidade até jul/2017. Segundo o acórdão recorrido, ele apenas alegou que houve recusa, não havendo referência à exame de retorno ao trabalho. Em ago/2020, ele requereu a concessão de um novo auxílio-doença ao INSS, que indeferiu o pedido. Antes de mais nada, é preciso apurar se houve a recusa da empresa, o que ensejaria sua responsabilização. Volta-se, então, à competência da Justiça do Trabalho.

Em conclusão, não é possível reconhecer o direito à manutenção da qualidade de segurado sem que a Justiça do Trabalho condene a empresa a reintegrar o empregado recusado depois da alta médica do INSS. A mera existência de vínculo em aberto na CTPS ou no CNIS é insuficiente para acarretar efeitos previdenciários, pois corresponderia a considerar existente um tempo de contribuição fictício, o que vai de encontro ao art. 201, § 14, da Constituição Federal:

§ 14. É vedada a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

Conforme já ressaltado, o TST entende que se presume o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço depois de trinta dias da cessação do benefício por incapacidade (súmula 32). A Justiça do Trabalho também reconhece que, ante o desinteresse da Empregada em retornar ao emprego, não há falar em condenação da Reclamada ao pagamento de salários (RRAg-1000367-31.2021.5.02.0053, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 25/11/2022).

A partir desse entendimento, compreende-se que a omissão do trabalhador em exigir sua reintegração na empresa, diante da recusa do empregador em aceitar seu retorno após a cessação do auxílio-doença, é uma figura que pode ser comparada e equiparada, naquele momento, à do abandono de emprego, se perdurar por mais de trinta dias, salvo decisão em contrário da Justiça do Trabalho.

Em face dessas razões, peço vênia ao ilustre relator e aos nobres colegas que acompanham seu voto, para apresentar divergência e propor a seguinte tese:

Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei 8.213/1991 tem início trinta dias após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao pedido de uniformização de interpretação de lei, com a determinação de retorno do feito à origem para adequação do julgado.


VOTO, Ministro Marco Aurélio Bellizze
Trata-se, na origem, de demanda ajuizada por Neemias Francelino de Andrade em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio da qual o segurado postula a concessão do benefício previdenciário de auxílio por incapacidade temporária.

Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido para conceder benefício por incapacidade laboral, reconhecendo a manutenção da qualidade de segurado do autor durante o período denominado “limbo previdenciário”, no qual ele foi considerado apto pelo INSS e inapto pelo empregador. (evento n. 1).

Inconformada, recorreu a autarquia previdenciária, sustentando, preliminarmente, a incompetência absoluta do juízo ao fundamento de que se trata de benefício acidentário.

Quanto ao mérito, alegou inexistir qualidade de segurado da Previdência Social na DII fixada na origem, pois, embora conste na CTPS "a informação de labor do autor até outubro de 2020 na empresa CIRNE LTDA, o próprio declarou que não labora desde 2017" (evento n. 1).

A Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte, inicialmente, afastou a preliminar suscitada pelo INSS, concluindo que "a despeito do autor ter ingressado com ação judicial junto à Justiça Estadual de Natal –Vara da Fazenda Pública, pleiteando o restabelecimento do benefício cessado em 2015, o requerimento administrativo que embasa a ação em questão foi processado na espécie 31, não tendo, portanto, origem acidentária".

Quanto à qualidade de segurado, a turma originária decidiu pela sua manutenção durante o período denominado de “limbo previdenciário”, considerando o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho – TST de que é responsabilidade do empregador o pagamento da remuneração do empregado no mencionado intervalo (evento 01 – ACORTR50):

“(...) Consoante visto, restou comprovado em instrução que a parte autora manteve vínculo laboral com a empresa, sendo o contrato de trabalho rescindido apenas no ano de 2020.
Eventual inexistência de pagamento de salários é irregularidade trabalhista, irrelevante no campo previdenciário e devendo ser discutida no âmbito laboral, pelos envolvidos, sendo certo, ademais, que a Justiça do Trabalho habitualmente considera o período, que chama de “limbo” responsabilidade do empregador: “RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/17. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO CONSIDERADO APTO PELO INSS E INAPTO PELO EMPREGADOR. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A ALTA PREVIDENCIÁRIA E O RETORNO AO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA. O entendimento desta c. Corte Superior é de que é responsabilidade do reclamado o pagamento de salários ao empregado impedido de retornar ao trabalho pelo empregador, que o considerou inapto, não obstante a cessação do benefício e alta previdenciária. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1675- 64.2017.5.12.0059, 6ª turma, relator ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 13/3/20)”. (...)"

Irresignado, o INSS interpôs incidente de uniformização nacional, sustentando a existência de divergência entre a decisão impugnada e o entendimento da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, segundo o qual "a existência de vínculo ativo, mas com retorno obstado pelo empregador, caracteriza a hipótese do art. 15, II, da Lei nº 8.213/1991, não restando garantida a qualidade de segurado". (evento n. 1).

Após juízo positivo de admissibilidade, os autos foram remetidos a esta Turma Nacional de Uniformização, oportunidade na qual o então Presidente, Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, admitiu o incidente e determinou a sua distribuição a um dos magistrados integrantes do Colegiado (evento n. 4).

Iniciado o julgamento do pedido de uniformização na Sessão Virtual de 04/02/2022 a 10/02/2022, o Plenário da TNU decidiu, por unanimidade, conhecer do pedido de uniformização, indicando o tema para ser julgado sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, com a seguinte questão controvertida:

“Como é contado o período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91, quando o empregador não autoriza o retorno do segurado ao trabalho por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS?” (Tema n. 300).

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP pleiteou sua participação no feito, na condição de amicus curiae, pedido deferido formalmente pelo Relator, restando assegurada sua intervenção nos termos estabelecidos pelo Regimento Interno (evento 36).

No parecer acostado no evento 47, O Ministério Público Federal opinou "pela manutenção da qualidade de segurado do empregado que se encontrar em limbo previdenciário enquanto perdurar seu vínculo empregatício”.

Na Sessão de 23/06/2022, o Relator, Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa, encaminhou seu voto por negar provimento ao incidente interposto pelo INSS, propondo a fixação da seguinte tese:

"Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991."

Apresentado o voto, os juízes Fabio de Souza Silva e Ivanir Cesar Ireno Junior decidiram antecipar os seus votos no sentido de acompanhar a solução proposta pela Relator; e a Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz, por sua vez, pediu vista antecipadamente.

O julgamento foi retomado nesta sessão com a apresentação do voto-vista pela Juíza Luciane Merlin Clève Kravetz, no sentido de dar provimento ao pedido de uniformização de interpretação de lei, com a determinação de retorno do feito à origem para adequação do julgado à seguinte tese proposta:

"Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei 8.213/1991 tem início trinta dias após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS."

Após a apresentação do mencionado voto, os juízes Lilian Oliveira da Costa Tourinho e Julio Guilherme Berezoski Schattschneider decidiram acompanhar o voto apresentado pelo Relator. Os demais julgadores, Francisco Glauber Pessoa Alves, Odilon Romano Neto, Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni e Caio Moyses de Lima, decidiram aderir à divergência inaugurada pela Juíza Luciane Merlin Clève Kravetz.

Diante do empate verificado, passo a proferir meu voto, nos termos do art. 7º, VII, do RITNU.

O tema cuja uniformização é perseguido neste incidente, versa sobre interpretação de lei federal. Assim, as premissas iniciais que devem ser consideradas são: 1) A existência de posicionamento específico do STJ sobre o tema; 2) sendo negativa a resposta em relação ao questionamento anterior, se existem precedentes do STJ sobre questões similares que possam indicar qual seria a decisão mais adequada, tendo em vista a obrigação que os tribunais possuem de não apenas uniformizar sua jurisprudência, mas de conservá-la estável, íntegra e coerente.

Consoante referido no relatório, no Tema 300 dos Representativos da TNU, a questão afetada foi a seguinte: "Como é contado o período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/91, quando o empregador não autoriza o retorno do segurado ao trabalho por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS?".

Conforme bem pontuado pelo Relator, o ponto central da controvérsia se refere "à manutenção (ou não) da qualidade de segurado do Regime Geral da Previdência Social no período denominado como “limbo previdenciário”, “limbo jurídico previdenciário trabalhista” ou “limbo trabalhista”, em que o INSS, após período de pagamento de benefício por incapacidade, considera o empregado apto ao retorno ao trabalho, mas o empregador conclui de modo diverso, obstando a retomada do vínculo empregatício".

Destaco, preliminarmente, que pesquisas à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ demonstraram que o Tribunal da Cidadania ainda não se manifestou acerca da controvérsia posta em julgamento.

Assim, com a vênia da divergência e demais julgadores que a acompanharam, compartilho da solução proposta pelo i. Relator, no sentido de negar provimento ao incidente interposto pelo INSS e fixar a seguinte tese:

"Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991."

Com alguma frequência, o INSS realiza operações conhecidas popularmente como "pente-fino", com o objetivo de combater fraudes, o que aliás é completamente legítimo. Entretanto elas catalisam a ocorrência do limbo previdenciário, pois acabam atingindo um expressivo contingente de segurados que podem estar na percepção de benefícios por incapacidade por períodos significativos. Não é incomum que algumas empresas sequer fiquem sabendo das convocações dos seus empregados e, por consequência, do resultado destas perícias.

Com a cessação do benefício, o comportamento dos trabalhadores apresenta variações. Alguns voltam para a empresa para comunicar que o benefício cessou e querem ser reintegrados. Outros querem recorrer administrativamente, outros procuram um advogado e recorrem contra a decisão do INSS na Justiça Federal. Mas se o cidadão não comunicou a empresa o contrato de trabalho continua suspenso ou voltou a produzir os seus efeitos? Vamos imaginar que a incapacidade venha a se agravar e depois de mais de ano o segurado faz novo pedido no qual a incapacidade é reconhecida, entretanto ocorre nova negativa, agora pela perda da qualidade de segurado! Seria possível cogitar de uma responsabilidade da empresa pelo pagamento das contribuições, com base no artigo 33 da LBPS, já que existe uma presunção de que as contribuições deveriam ter sido recolhidas na época oportuna e, por decorrência que a qualidade de segurado tenha sido mantida? Este problema socialmente complexo, pode acarretar 5 derivações básicas:

a) o segurado não se considera capaz e não se apresenta para a empresa. Nos termos do artigo 4º da CLT, o empregado cujo auxílio por incapacidade temporária for cessado, volta a ficar à disposição do seu empregador e, por decorrência, fica aguardando as ordens do empregador, tendo direito ao pagamento do salário (Súmula 212 do TST). Por isso, o mais indicado, após a cessação do benefício previdenciário, seria o retorno imediato do segurado para a empresa. Lamentavelmente, em muitos casos, o segurado não concorda com a decisão e prefere recorrer administrativa ou judicialmente, sem apresentar-se para o seu empregador. Esta conduta é extremamente arriscada, podendo ser presumido o abandono do emprego (Súmula 32 do TST);

b) cessado o benefício, o segurado se dirige a empresa que, realizando o exame de saúde ocupacional, entende que o trabalhador está incapaz. Em relação as concussões médicas divergentes, é preciso recordar que existe uma hierarquia legal. Conquanto a perícia médica do INSS, em alguma situações, possa ter sido feita sem levar em conta realidade específica das tarefas desempenhadas diariamente pelo segurado, com evidente prejuízo para o trabalhador, a legislação que trata da carreira dos peritos médicos, estabelece que são atribuições essenciais e exclusivas dos cargos de Perito Médico Federal, de Perito Médico da Previdência Social a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral (§ 3º do art. 30 Lei nº 11.907/09). Enquanto não houver uma decisão judicial em sentido contrário, deve prevalecer a opinião do perito do INSS para fins de concessão ou indeferimento do benefício previdenciário. Assim, para evitar maiores complicações, a empresa resolve demitir o segurado, pois se ele está capaz, conforme a perícia do INSS, poderá efetuar a rescisão do contrato de trabalho;

c) cessado o benefício, o segurado se dirige a empresa que, realizando o exame de saúde ocupacional, entende que o trabalhador está incapaz e não permite o seu retorno, dizendo ao cidadão que ele tem de recorrer da decisão do INSS, mas sequer fornece comprovante desta recusa;

d) cessado o benefício, o segurado se dirige a empresa que, realizando o exame de saúde ocupacional, entende que o trabalhador está incapaz. A empresa consegue realocar o trabalhador em outro posto que não coloca em risco a sua saúde. Neste caso não haverá desvio de função, consoante o disposto no § 2º do art. 62 da LBPS. Entranto, o segurado fica litigando com o INSS e inclusive pode acabar ganhando esta ação;

e) cessado o benefício, o segurado se dirige a empresa que, realizando o exame de saúde ocupacional, entende que o trabalhador está incapaz e não permite o seu retorno. A empresa não quer agravar a situação do segurado, o que poderia inclusive acarretar danos materiais e morais, mas dotada de preocupação social resolve pagar o salário do segurado, mesmo que não permita o seu retorno.

Sem a pretensão de dar respostas finais para tantas questões que podem sugir penso que a reflexão do problema deve ser pautada, não apenas pelos princípios protetivos insculpidos na nossa Lei Fundamental, passando pelas disposições da CLT e da LBPS, mas tendo em conta a responsabilidade social de quem exerce atividade lucrativa.

A relação entre empregado e empregador, como é cediço, não é isonômica. Compete ao empregador efetuar um controle dos seus trabalhadores afastados, pois inclusive existem mecanismos legais para isso. Atualmente, é notório que os benefícios de auxílio por incapacidade temporária são concedidos com prazo determinado, e a empresa pode exigir que o empregado informe periodicamente a sua situação previdenciária.

Demais dissso, o Decreto 3.048/99, nos arts. 76-A e 76-B, não apenas faculta que a empresa formule requerimento de auxílio por incapacidade temporária dos seus empregados, como garante o acesso às decisões administrativas de benefícios que foram requeridos por seus empregados:

Art. 76-A. É facultado à empresa protocolar requerimento de auxílio por incapacidade temporária ou documento dele originário de seu empregado ou de contribuinte individual a ela vinculado ou a seu serviço, na forma estabelecida pelo INSS. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

Art. 76-B. A empresa terá acesso às decisões administrativas de benefícios requeridos por seus empregados, resguardadas as informações consideradas sigilosas, na forma estabelecida em ato do INSS. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

Desta forma, a empresa pode convocar o empregado para o retorno ao trabalho sempre que houver a cessação do benefício previdenciário.

Embora compartilhe de algumas das preocupações destacadas no voto-divergente, a situação gerada pelo chamado “limbo previdenciário” não deve prejudicar aquele segurado que, após a alta médica do INSS, apresenta-se à empresa, que o recusa com base em exame de retorno contrário.

Ou seja, naqueles casos em que segurado recebe atestado de capacidade pela autarquia previdenciária e se apresenta ao empregador para retomar as suas atividades, nos termos do entendimento do TST, o seu vínculo laboral deve voltar a produzir efeitos, sendo dever do empregador reintegrá-lo ao labor anterior ou direcioná-lo à atividade compatível com o seu quadro, tudo isso mediante o pagamento da remuneração.

Conforme apontado pelo Relator:

"(...)
Portanto, após a alta médica previdenciária, o contrato de trabalho deve voltar a produzir todos os seus efeitos legais, inclusive com o pagamento da remuneração. Ainda que o empregador não concorde com a alta previdenciária, não lhe é dado o direito de recusar o retorno, devendo colocar o empregado à disposição, nos termos do art. 4º da CLT, ou em função adaptada.
Assim, durante o período denominado “limbo previdenciário”, não é possível a aplicação do disposto no art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991, pois o segurado não deixou (ou não deveria ter deixado) de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social e nem está suspenso ou licenciado de suas atividades laborais. (...)"

Também manifesta, o Relator, preocupação pontual com o alcance da tese proposta, destacando que a solução apresentada não se refere ao segurado que espontaneamente não retorna ao trabalho, o que será uma questão fática a ser examinada, evidentemente nas instâncias ordinárias:

"(...)
Importante destacar que NÃO se enquadra nesta hipótese o segurado que não retorna ao trabalho por decisão própria, ainda que fundada na sua compreensão de que ainda está incapaz para o trabalho e que o INSS cometeu equívoco ao lhe dar alta médica. Neste caso, o TST entende que é possível a configuração de abandono de emprego, a justificar a rescisão do vínculo empregatício por justa causa. (...)"

Digno de nota também, o destaque da relatoria quanto à restrição do objeto do julgamento, o qual se limita à manutenção da qualidade de segurado:

"(...)
Destaco que, na presente demanda, não está sendo discutido qualquer outro efeito do limbo previdenciário que não a manutenção/perpetuação da qualidade de segurado. Ou seja, a Turma Nacional de Uniformização - TNU não se debruçou e nem avançou, por exemplo, se o período em que o segurado ficou no limbo previdenciário pode ou não ser considerado tempo de contribuição e tempo de carência.
Nessa toada, não vislumbro infringência ao disposto no art. 201, § 14, da Constituição Federal de 1988, que veda "a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca". (...)"

Em conclusão, negando provimento ao incidente interposto pelo INSS, voto no sentido de fixar a seguinte tese: "Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n.º 8.213/1991".

Ante o exposto, voto por acompanhar o Relator.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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