sexta-feira, 22 de abril de 2022

Decisão concede salário-maternidade ao genitor

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 236 com a seguinte redação "É cabível a concessão de salário-maternidade em favor do genitor segurado em caso de óbito da mãe ocorrido após o parto, pelo período remanescente do benefício, ainda quando o óbito tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n. 12.873/2013 (que incluiu o art. 72-B na Lei 8.213/91)." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 236. SALÁRIO-MATERNIDADE. ÓBITO DA GENITORA OCORRIDO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 12.873/2013, QUE INCLUIU O ART. 72-B À LEI 8.213/91. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO EM FAVOR DO GENITOR. POSSIBILIDADE. PRIMAZIA DA PROTEÇÃO AO MENOR. PRECEDENTES. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO.
TESE: É CABÍVEL A CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE EM FAVOR DO GENITOR SEGURADO EM CASO DE ÓBITO DA MÃE OCORRIDO APÓS O PARTO, PELO PERÍODO REMANESCENTE DO BENEFÍCIO, AINDA QUANDO O ÓBITO TENHA OCORRIDO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 12.873/2013 (QUE INCLUIU O ART. 72-B NA LEI 8.213/91).
TNU, PEDILEF 0072880-17.2013.4.01.3800/MG, juíza federal relatora Polyana Falcão Brito, 26/02/2021.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização, nos termos do voto da Juíza Relatora, fixando a seguinte tese jurídica: "É cabível a concessão de salário-maternidade em favor do genitor segurado em caso de óbito da mãe ocorrido após o parto, pelo período remanescente do benefício, ainda quando o óbito tenha ocorrido antes da entrada em vigor da lei nº 12.873/2013 (que incluiu o art. 72-b na lei 8.213/91)". Vencido o Juiz Federal IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, que negava provimento ao incidente. Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 236).

Brasília, 25 de fevereiro de 2021.


RELATÓRIO
1. Cuida-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de lei federal interposto pelo autor contra acórdão da Turma Recursal de Minas Gerais que indeferiu a pretensão de pagamento de benefício previdenciário de salário-maternidade ao genitor fundado no óbito da segurada um dia após o parto.

2. No caso concreto, a mãe faleceu em 31/01/2013, um dia após o parto do seu filho (30/01/2013). Com base nesse fato, o genitor da criança pleiteia a concessão do benefício de salário-maternidade, que foi indeferido pela turma de origem sob o argumento de que a “lei em vigor quando do nascimento não autorizava a concessão do salário-maternidade em caráter sucessivo ou substitutivo ao pai, em caso de óbito da mãe”.

3. De acordo com a fundamentação prestigiada no acórdão recorrido, não é cabível estender os efeitos do art. 71-B da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 12.873/2013, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência tendo em vista a jurisprudência do STJ e do STF segundo a qual aplica-se, em matéria previdenciária, a lei vigente ao tempo dos fatos. Segue, no que importa ao conhecimento do incidente, os fundamentos que amparam o julgado em liça:

4. De início, afasto a possibilidade de aplicação da Lei 12.873/2013 ao caso dos autos, uma vez que, em direito previdenciário, vigora o princípio/regra de que o direito ao benéfico é regido pela lei em vigor na data do implemento dos requisitos legais. Precedentes da jurisprudência do STF e STJ. Na hipótese, o diploma legal citado não estava em vigor quando do nascimento e não estabeleceu exceção de aplicação retroativa. 5. Com as vênias do entendimento da relatora e da jurisprudência protetiva invocada, não é possível criar, estender ou majorar benefício sem previsão legal ou prévia fonte de custeio (arts. 195, §5º e 201, caput, da CF/88). Esse entendimento é o que se depreende da tese firmada pelo STF quando do julgamento da desaposentação (tema de repercussão geral nº 503): “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991”. No caso, a lei em vigor quando do nascimento não autorizava a concessão do salário - maternidade em caráter sucessivo ou substitutivo ao pai, em caso de óbito da mãe. Nesse contexto, o caso seria de criação ou, no mínimo, de extensão de benefício a titular não previsto em lei, em violação à CF/88 e ao entendimento do STF. Acerca das necessidades de ordem material da criança, é importante frisar, sem querer parecer inoportuno ou insensível, que passou a titularizar, desde óbito da mãe, pensão por morte.

4. O recorrente invoca como paradigma julgado de Turma Recursal da 4ª Região em sentido diametralmente oposto:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. CONDIÇÃO DE PAI. NASCIMENTO ANTES DA VIGÊNCIA DO ART. 71-B DA LEI DE BENEFÍCIOS. CUMULAÇÃO COM PENSÃO POR MORTE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. POSSIBILIDADE. 1. O nascimento dos filhos da parte autora ocorreu antes da vigência do art. 71-B da Lei de Benefícios, o qual previu que no caso de falecimento da segurada ou segurado que fizer jus ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente que tenha a qualidade de segurado, exceto no caso do falecimento do filho ou de seu abandono. 2. Nestas situações, considerando-se o interesse do recém-nascido em ter as suas necessidades mais prementes atendidas, é possível, mediante uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, a concessão do benefício, por analogia, ao pai, de modo a atender ao comando previsto no art. 227 da Constituição Federal. 3. O fato da parte demandante passar a perceber pensão por morte não afasta o direito ao salário-maternidade, sendo oportuno referir que tal vedação sequer está elencada na legislação pertinente (art. 124 da LB). 4. Recurso da parte ré improvido. (5001281- 22.2014.4.04.7127, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO RS, Relatora ALESSANDRA GÜNTHER FAVARO, julgado em 12/08/2015).

5. Admitido o incidente como representativo da controvérsia, seguiu-se a publicação de editais e a habilitação do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - como amicus curiae, tendo o mesmo apresentado manifestação favorável ao reconhecimento do direito em favor do demandante.

6. É o relatório.

VOTO
7. Inicialmente, deixo de tecer considerações relacionadas ao juízo de admissibilidade do recurso tendo em vista que o exame desses requisitos já foi realizado por ocasião do julgamento de afetação deste incidente como representativo de controvérsia.

8. Conforme assentado por ocasião do julgamento da questão de ordem, o presente Incidente de Uniformização foi afetado como representativo sob o Tema nº 236 e tem por propósito decidir a seguinte questão de direito material: saber "se é cabível o pagamento de salário-maternidade em favor do genitor, no caso de falecimento de segurada que a ele faria jus, quando o óbito da mãe for anterior à edição da Lei nº 12.873/2013, que incluiu o art. 71-B na Lei nº 8.213/91".

9. Para uma melhor compreensão da controvérsia, entendo oportuno trazer a lume o teor dos dispositivos legais sobre cuja interpretação se discute neste feito, qual seja o art. 72 e seguintes da Lei nº 8.213/91 com as modificações operadas pela Lei nº 12.873/2013:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
(...)
Art. 71-B. No caso de falecimento da segurada ou segurado que fizer jus ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente que tenha a qualidade de segurado, exceto no caso do falecimento do filho ou de seu abandono, observadas as normas aplicáveis ao salário-maternidade. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)

10. Conforme se observa, apenas com a edição da Lei nº 12.873/2013 passou a existir no ordenamento jurídico previsão legal expressa autorizando a concessão do salário-maternidade em favor do genitor nos casos em que a segurada, titular do direito à percepção do benefício, vem a óbito após o parto e antes de esgotado o pagamento das parcelas desse benefício.

11. Em que pese isso, a jurisprudência de há muito já vinha reconhecendo esse direito, tendo em conta o princípio da primazia da proteção ao menor. Além do paradigma indicado pelo recorrente, vários são os julgados que caminhavam nessa linha de orientação:

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. ÓBITO DA GENITORA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO EM NOME DO GENITOR. POSSIBILIDADE. PROTEÇÃO DA CRIANÇA. ANALOGIA. ARTIGO 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
- O salário-maternidade encontra-se disciplinado nos artigos 71 a 73 da Lei nº 8.213/91, consistindo em remuneração devida a qualquer segurada gestante durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste ou, ainda, à mãe adotiva ou guardiã para fins de adoção, por igual período.
- O direito da adotante ao salário-maternidade foi inovação introduzida pela Lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002.
- O legislador promoveu, por meio da Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013, a equiparação do período de gozo do benefício em relação a todos os casos de adoção infantil, superando o critério anterior, que estabelecia menor tempo de recebimento do auxílio quanto maior fosse a idade do adotado.
- Os cuidados com a criança norteiam o sistema previdenciário, no tocante ao referido benefício.
- Possibilidade de aplicação dos expedientes previstos no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme redação dada pela Lei nº 12.376/2010.
- Na hipótese em que a mãe venha a falecer, considerando-se o interesse da criança em ter suas necessidades providas, possível a concessão do benefício, por analogia, ao pai, ora viúvo, concretizando-se a garantia prevista no artigo 227 da Constituição Federal. Precedentes desta Corte.
- Apelação do INSS improvida.
(TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1902971, 0001236-30.2012.4.03.6116, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, julgado em 26/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/06/2014)

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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-PATERNIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PROTEÇÃO À INFÂNCIA. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E TELEOLÓGICA DO ART. 71 DA LEI N. 8.213/91. RECURSO IMPROVIDO.
Trata-se de recurso inominado interposto contra sentença de procedência que deferiu salário-maternidade ao genitor, demandante.
Insurge-se o INSS, alegando, em síntese: a ausência de previsão legal para o pagamento do benefício ao genitor; a ausência de comprovação da qualidade de segurada da falecida; ausência de prévia fonte de custeio do benefício.
No caso dos autos, o demandante, segurado do regime geral da previdência social, sofreu o falecimento da esposa um dia após o nascimento do segundo filho do casal, conforme se verifica nas certidões constantes no anexos 04 e 05. Além de ter sofrido a perda prematura da mãe, a criança nasceu com problemas de saúde, necessitando de tratamento médico e fisioterápico.
É certo que a Lei n. 8.213/91 apenas previu o pagamento do salário-maternidade à segurada mulher. Entretanto, é necessário ir além da letra fria da lei e atentar para os fins da norma, numa interpretação teleológica.
O demandante é pai viúvo, único responsável pela tutela e bem-estar do filho. É de conhecimento geral a atenção e cuidado extraordinários que um recém-nascimento precisa, mormente no caso dos autos, em que houve complicações no parto, precisando o menor de cuidados médicos e fisioterápicos.
Em casos tais, há de se garantir o tempo livre e dedicação exclusiva do pai, em tempo idêntico ao que seria concedido à mãe, caso tivesse sobrevivido e fosse segurada. O acompanhamento e presença do responsável são imprescindíveis para a sobrevivência do bebê.
Além disso, é importante ter em mente que a proteção à infância é um direito social inserido no rol dos direitos fundamentais, cumprindo ao Estado garantir ativamente as condições mínimas necessárias ao desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças. Tal desenvolvimento é assegurado mediante a convivência da criança no meio familiar e social e principalmente pelo carinho e atenção dos pais na fase da mais tenra idade, época em que a sobrevivência daquela depende totalmente destes.
Disso resulta que, ausente a mãe, como destinatária natural do benefício, mas presente o pai, que assumiu, em face da viuvez prematura, os cuidados com a criança, é ele também destinatário, por substituição, do salário-maternidade. Essa conclusão também pode ser extraída de forma direta da norma do art. 227 da Constituição Federal que, ao partilhar a responsabilidade pela vida dos menores entre pais, sociedade e Estado, permite sem dúvida uma leitura extensiva do texto do art. 71 da Lei 8.213/91, para amoldar o seu texto a situações excepcionais como a dos autos.
(...)
Adotando o entendimento acima, não merece reforma a sentença.
Recurso inominado improvido. Sentença mantida pelos próprios fundamentos."
(Recurso Cível nº 0510555-52.2012.4.05.8300, 1ª Turma Recursal de Pernambuco, Rel. Juiz Federal PAULO ROBERTO PARCA PINHO, julgado em 05/03/2015)

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"SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUERENTE O PAI VIÚVO. ART. 71 DA LEI 8.213/91. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA.
Conquanto mencione o art. 71 da Lei 8.213/91 que o salário-maternidade é destinado apenas à segurada, situações excepcionais, como aquela em que o pai, viúvo, é o responsável pelos cuidados com a criança em seus primeiros meses de vida, autorizam a interpretação ampliativa do mencionado dispositivo, a fim de que se conceda também ao pai o salário-maternidade, como forma de cumprir a garantia constitucional de proteção à vida da criança, prevista no art. 227 da Constituição Federal de 1988. Recurso do autor provido." (Recurso Cível nº 5002217-94.2011.404.7016/PR, 2ª Turma Recursal do Paraná, Relator para Acórdão Juiz Federal LEONARDO CASTANHO MENDES)

12. Não se trata, pois, de conferir interpretação retroativa a norma previdenciária mais favorável, eis que pacífico o entendimento das Cortes Superiores em matéria previdenciária no sentido de aplicação do princípio tempus regit actum. Cuida-se de investigar o alcance e sentido da norma originária estampada no caput do art. 71 da Lei nº 8.213/91 para dele extrair o significado que melhor se coadune à moldura constitucional e legal do benefício de salário-maternidade.

13. Conforme entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, o salário-maternidade é um benefício de natureza previdenciária e não trabalhista e seu escopo de proteção social vai além da proteção ao trabalho da mulher para alcançar todos os riscos sociais inerentes ao evento maternidade, de modo que o seu alcance se projeta para a família e não apenas para a mãe. Por isso, qualquer interpretação finalística sobre o conteúdo do salário-maternidade não pode desconsiderar o indivíduo mais vulnerável que dele se beneficia: a criança.

14. Veja-se que sistematicamente o Supremo Tribunal Federal tem considerado o princípio da primazia do interesse do menor como vetor de interpretação fundamental para a análise de normas que versam sobre a proteção à maternidade e à infância, conforme se extrai do voto do Ministro Roberto Barroso, Relator do RE 778889/PE, donde colijo o seguinte excerto:

A própria Carta expressa, assim, por meio da palavra “prioridade”, a precedência em abstrato e “prima facie” dos direitos dos menores, em caso de colisão com outras normas. E o faz por se ter entendido que, em virtude da condição de fragilidade e de vulnerabilidade das crianças, devem elas sujeitar-se a um regime especial de proteção, para que possam se estruturar como pessoas e verdadeiramente exercer a sua autonomia. Por isso, as decisões concernentes às crianças devem buscar atender ao princípio do superior interesse do menor. (RE 778889, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08- 2016) (Grifamos)

15. Em outra oportunidade, no julgamento do RE 629053/SP, o STF se manifestou novamente sobre os princípios que devem orientar a interpretação e aplicação das regras referentes aos direitos sociais relacionados à proteção à maternidade e à infância, estampados em seu art. 6º. Do voto do Ministro Alexandre de Morais, Relator para o acórdão, o próprio direito à estabilidade no emprego deve esrr entendido como uma segurança ao recém-nascido à convivência com a mãe durante os primeiros meses de vida, ainda que a norma legal nada mencione quanto a isso. Senão vejamos:

Sob essa ótica, a proteção contra dispensa arbitrária da gestante, caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurarlhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quando da criança, pois a ratio da norma não só é salvaguardar outros direitos sociais da mulher – como, por exemplo, o pleno gozo do direito a licença maternidade – mas também, efetivar a integral proteção ao recém nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). (RE 629053, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2018, DJe-040 PUBLIC 27-02-2019)

16. Nesse cenário, entendo que a menção exclusiva à segurada inserida no caput do art. 71 da Lei nº 8.213/91 deve ser interpretada como regra geral que não impede a interpretação extensiva ao segurado homem nos casos em que a proteção à criança se veja inviabilizada pelo óbito precoce da mãe. Essa é a interpretação que melhor se coaduna com o viés social de proteção à infância que não pode ser apartado das normas que tratam de conferir proteção à maternidade.

17. Outrossim, não faz sentido a alegação de que haveria um bis in idem no pagamento do salário-maternidade ao genitor em razão de ele perceber a pensão por morte instituída pela segurada falecida. Com efeito, o valor da pensão por morte irá substituir a renda que a mãe em vida percebia, e a finalidade do salário-maternidade é permitir que o genitor se afaste do seu próprio trabalho para cuidar do menor durante esse período sem prejuízo da sua renda, tanto que para o acolhimento desta pretensão exige-se dele próprio a qualidade de segurado ao tempo do nascimento da criança.

18. Tampouco vislumbro ofensa ao princípio da prévia fonte de custeio ou do equílibrio atuarial, já que na hipótese o fato gerador do benefício - parto da criança nascida de segurada empregada e com carência cumprida - já foi considerado nos cálculos atuariais do sistema, não tendo havido o pagamento apenas em razão de um evento posterior imprevisível: o óbito da mãe.

19. Tudo isso considerado, voto por dar provimento ao incidente de uniformização para fixar a seguinte tese:

"É cabível a concessão de salário-maternidade em favor do genitor segurado em caso de óbito da mãe ocorrido após o parto, pelo período remanescente do benefício, ainda quando o óbito tenha ocorrido antes da entrada em vigor da lei nº 12.873/2013 (que incluiu o art. 72-b na lei 8.213/91)".

19. À luz dessas considerações, voto por DAR PROVIMENTO ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência para determinar o retorno dos autos à Turma Recursal de origem com o propósito de adequar o julgado à tese fixada nestes autos.

VOTO DIVERGENTE - juiz federal Ivanir Cesar Ireno Junior
1. Adoto o relatório constante do voto da eminente relatora, nos seguintes termos:

1. Cuida-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de lei federal interposto pelo autor contra acórdão da Turma Recursal de Minas Gerais que indeferiu a pretensão de pagamento de benefício previdenciário de salário-maternidade ao genitor fundado no óbito da segurada um dia após o parto.
2. No caso concreto, a mãe faleceu em 31/01/2013, um dia após o parto do seu filho (30/01/2013). Com base nesse fato, o genitor da criança pleiteia a concessão do benefício de salário-maternidade, que foi indeferido pela turma de origem sob o argumento de que a “lei em vigor quando do nascimento não autorizava a concessão do salário-maternidade em caráter sucessivo ou substitutivo ao pai, em caso de óbito da mãe”.
3. De acordo com a fundamentação prestigiada no acórdão recorrido, não é cabível estender os efeitos do art. 71-B da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº 12.873/2013, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência tendo em vista a jurisprudência do STJ e do STF segundo a qual aplica-se, em matéria previdenciária, a lei vigente ao tempo dos fatos. Segue, no que importa ao conhecimento do incidente, os fundamentos que amparam o julgado em liça:
“4. De início, afasto a possibilidade de aplicação da Lei 12.873/2013 ao caso dos autos, uma vez que, em direito previdenciário, vigora o princípio/regra de que o direito ao benéfico é regido pela lei em vigor na data do implemento dos requisitos legais. Precedentes da jurisprudência do STF e STJ. Na hipótese, o diploma legal citado não estava em vigor quando do nascimento e não estabeleceu exceção de aplicação retroativa. 5. Com as vênias do entendimento da relatora e da jurisprudência protetiva invocada, não é possível criar, estender ou majorar benefício sem previsão legal ou prévia fonte de custeio (arts. 195, §5º e 201, caput, da CF/88). Esse entendimento é o que se depreende da tese firmada pelo STF quando do julgamento da desaposentação (tema de repercussão geral nº 503): “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991”. No caso, a lei em vigor quando do nascimento não autorizava a concessão do salário - maternidade em caráter sucessivo ou substitutivo ao pai, em caso de óbito da mãe. Nesse contexto, o caso seria de criação ou, no mínimo, de extensão de benefício a titular não previsto em lei, em violação à CF/88 e ao entendimento do STF. Acerca das necessidades de ordem material da criança, é importante frisar, sem querer parecer inoportuno ou insensível, que passou a titularizar, desde óbito da mãe, pensão por morte.”
[...]
8. Conforme assentado por ocasião do julgamento da questão de ordem, o presente Incidente de Uniformização foi afetado como representativo sob o Tema nº 236 e tem por propósito decidir a seguinte questão de direito material: saber "se é cabível o pagamento de salário-maternidade em favor do genitor, no caso de falecimento de segurada que a ele faria jus, quando o óbito da mãe for anterior à edição da Lei nº 12.873/2013, que incluiu o art. 71-B na Lei nº 8.213/91".

2. Peço vênia para divergir da relatora, apresentando visão diversa sobre o tema, que conduz à negativa de provimento ao PUIL.

3. No caso, o parto ocorreu em 30/01/2013 e o óbito da mãe em 31/01/2013. A Lei 12.873/2013, que incluiu o art. 71-B na Lei 8.213/91, criando a figura do salário-maternidade sucessivo em favor do cônjuge ou companheiro sobrevivente, no caso de óbito da segurada ou segurado que fazia jus ao benefício, entrou em vigor em 23/01/2014. A Lei 12.873/2013 não trouxe previsão de aplicação retroativa. Até a sua edição, o óbito da segurada ou segurado que fizesse jus ao salário-maternidade era causa de cessação do benefício.

4. A aplicação retroativa da Lei 12.873/2013, para garantir o salário-maternidade sucessivo para fato gerador (nascimento e óbito) ocorrido antes de sua vigência, viola normas constitucionais, legais e entendimentos jurisprudenciais fortemente consolidados, que entendo aplicáveis à espécie.

5. De início, entendo violado o princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, previsto no art. 194, III, da CF/88, que garante ao legislador ordinário a escolha dos riscos e beneficiários a serem protegidos pelo sistema de seguradade social, inclusive o subsistema previdenciário. A conjugação do princípio da seletividade e distributividade, aliado ao da legalidade, orientaram o STF na solução do tema 503 dos seus julgados representativos de controvérsia, onde ficou assentado que "No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à 'desaposentação' ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91."

6. Destaco que não é novidade que a rede de proteção da seguridade social, em especial da previdência, é construída e ampliada gradativamente por ação do legislador, observando as demandas sociais, os consensos políticos e a capacidade econômica do sistema, não tendo, em regra, caráter retroativo. A título de exemplo é bom frisar que o salário-maternidade para a hipótese de maternidade decorrente do nobre ato de adoção somente se tornou realidade em 2002, com a edição da Lei 10.421/2002, sendo o benefício, até então, restrito ao parto. Não consta, na hipótese, aplicação retroativa da lei para adoções anteriores.

7. A aplicação retroativa da lei, sem autorização expressa do legislador, também viola o art. 195, §5º, da CF/88, que estabelece que "Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total." No caso, ocorreu, no mínimo, estensão de benefício a hipótese fática e beneficiário não previsto em lei quando do fato gerador.

8. Aliado a esses princípios constitucionais, temos regra clássica e pacífica de aplicação da lei no tempo em matéria previdenciária, que estabelece que o que o direito ao benefício é regido pela lei em vigor na data do implemento dos requisitos (tempus regit actum), no caso, o óbito após o parto. Trata-se de regra de mão dupla, que protege a higidez dos sistemas previdenciários, que ficam à saldo de retroatividades e despesas indevidas, e os segurados e dependentes, que ficam protegidos de alterações normativas posteriores de ordem restrititva. Exemplo clásico é o da súmula 340 do STJ, que afirma que a pensão por morte é regida pela lei da data do óbito.

9. O STF tem sido firme na defesa dessa regra de aplicação na lei no tempo, evitando retroatividades indevidas e tentativas de vulneração de direito adquirido, como se vê, no que interessa à solução da lide, do importante e famoso tema 165, que tratou das cotas de pensão por morte, nos seguintes termos: "A revisão de pensão por morte e demais benefícios, constituídos antes da entrada em vigor da Lei 9.032/1995, não pode ser realizada com base em novo coeficiente de cálculo estabelecido no referido diploma legal". No caso, não se permitiu que lei nova, que trazia forma de cálculo mais favorável para a pensão por morte, se aplicasse retroativamente.

10. Redobrando vênias à relatora, tenho que o caso é de mera retroatividade indevida de norma que criou ou estendeu benefício, que não se coaduna com o tratamento constitucional, legal e jurisprudêncial acerca da aplicação da lei previdenciária no tempo. Não me parece que, na hipótese, a destacada proteção conferida à família e a criança pela CF/88 justifiquem a indevida retroatividade da norma.

11. Em face do exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao PUIL, fixando a seguinte tese representativa de controvérsia no tema 236: "não é cabível a concessão de salário-maternidade em favor do genitor segurado em caso de óbito da mãe ocorrido após o parto, pelo período remanescente do benefício, quando o óbito tenha ocorrido antes da entrada em vigor da lei nº 12.873/2013 (que incluiu o art. 72-b na lei 8.213/91)"

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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