Jurisprudência trata sobre o benefício, concedido irregularmente àquele que havia perdido qualidade de segurado, gera direito à manutenção da qualidade de segurado durante o período em que ele foi mantido ativo
Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 245 com a seguinte redação "A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé.". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMA 245 DA TNU. ALEGAÇÃO DE OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. APLICAÇÃO DA TESE A CASOS DE REVOGAÇÃO DE TUTELA JURISDICIONAL PROVISÓRIA. O JULGAMENTO NÃO AVANÇOU SOBRE O TEMA. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 346 E 473 DO STF. MATÉRIA NÃO RELACIONADA AO JULGAMENTO. RETIFICAÇÃO DA EMENTA APENAS PARA EVITAR EQUÍVOCOS NA INTERPRETAÇÃO DO JULGADO. EXCLUSÃO DA EXPRESSÃO "POR DECISÃO ADMINISTRATIVA OU JUDICIAL". EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. EMENTA RETIFICADA PARA ADOTAR A SEGUINTE REDAÇÃO:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 245. QUESTÃO JURÍDICA: "SABER SE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCEDIDO IRREGULARMENTE ÀQUELE QUE HAVIA PERDIDO QUALIDADE DE SEGURADO, GERA, EM NOME DA MANUTENÇÃO DA JUSTA EXPECTATIVA, DIREITO À MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DURANTE O PERÍODO EM QUE ELE FOI MANTIDO ATIVO”. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. NORMA CONTEMPLADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL. LINDB, ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO. VEDAÇÃO DE PERDAS ANORMAIS OU EXCESSIVAS. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TESE FIRMADA: "A INVALIDAÇÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO IMPEDE A APLICAÇÃO DO ART. 15, I DA LEI 8.213/91 AO SEGURADO DE BOA-FÉ".
1. O princípio da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, exerce grande importância nas relações previdenciárias, como há muito já reconhecido doutrinária e jurisprudencialmente, sendo exemplo emblemático o caso da “Viúva de Berlim”, julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht) em 1957 (BVerwGE 9, 251). No caso, a Administração Pública cessou, após significativo lapso temporal, pensão decorrente de aposentadoria concedida de modo irregular. O Tribunal entendeu que a segurança jurídica e a confiança legitimamente depositadas no atuar administrativo consubstanciavam fundamento jurídico suficiente à manutenção do benefício.
2. No Direito Brasileiro, a proteção da confiança possui, atualmente, sólido desenvolvimento acadêmico e pretoriano. No plano doutrinário, merecem destaques as obras de Valter Shuenquener de Araújo (O princípio da proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói-RJ: Impetus, 2016) e Victor de Souza (Proteção e promoção da confiança no Direito Previdenciário. Curitiba, Alteridade, 2018).
3. O Supremo Tribunal Federal possui diversos precedentes em que afirma a existência de proteção constitucional à confiança legítima, cabendo especial menção ao recente julgamento do tema 445, no qual firmou a seguinte tese:“Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas”. A Suprema Corte considerou que, ultrapassado prazo razoável o peso da confiança legítima se sobrepõe a eventual ilegalidade e os atos devem ser considerados “definitivamente registrados”.
4. Também o legislador brasileiro conserva preocupação com a proteção da confiança, determinando a proteção razoável da segurança jurídica nos casos de invalidação de atos administrativos e judiciais, como pode ser observado no parágrafo único, do art. 21 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que proscreve ônus e perdas anormais ou excessivos.
5. Se a Administração Pública concede um benefício previdenciário, é legítima a confiança depositada pelo segurado de boa-fé no ato que reconhece seu direito, razão pela qual uma posterior invalidação deve proteger a expectativa provocada pelo deferimento, de modo a não provocar cenário de total insegurança jurídica, com atribuição de ônus e perdas absolutamente desproporcionais.
6. Impedir a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 nos casos de benefícios irregulares, mesmo sem má-fé do segurado, afronta o parágrafo único, do art. 21 da LINDB, pois gera a perda da proteção previdenciária, sem qualquer culpa do segurado. Basta imaginar um benefício cessado após 5 (cinco) anos; caso não reconhecido o período de graça, a cessação provocará imediatamente a perda da qualidade de segurado, efeito evidentemente desproporcional.
7. Se houve a concessão do benefício, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
8. Tese jurídica (tema 245): "A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé".
TNU, PEDILEF 0008405-41.2016.4.01.3802/MG, juiz federal relator Fábio Souza, 3/3/21.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração, nos termos do voto do Juiz Relator.
Brasília, 25 de fevereiro de 2021.
RELATÓRIO
1. Embargos de Declaração interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), alegando a existência de obscuridade e contradição no julgamento do tema 245 desta Turma Nacional de Uniformização e buscando o prequestionamento de matéria constitucional.
2. A obscuridade estaria no fato de a fundamentação ter registrado analogia entre as hipóteses de erro administrativo e de revogação de decisão judicial antecipatória. Quanto ao prequestionamento, alega afronta às súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3. Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
4. Na sessão de 19 de junho de 2020, a Turma Nacional de Uniformização julgou Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal afetado como representativo de controvérsia e vinculado ao tema 245, cuja questão jurídica é a seguinte: “saber se benefício previdenciário, concedido irregularmente àquele que havia perdido qualidade de segurado, gera, em nome da manutenção da justa expectativa, direito à manutenção da qualidade de segurado durante o período em que ele foi mantido ativo”.
5. O julgamento restou assim ementado:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 245. QUESTÃO JURÍDICA: "SABER SE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCEDIDO IRREGULARMENTE ÀQUELE QUE HAVIA PERDIDO QUALIDADE DE SEGURADO, GERA, EM NOME DA MANUTENÇÃO DA JUSTA EXPECTATIVA, DIREITO À MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DURANTE O PERÍODO EM QUE ELE FOI MANTIDO ATIVO”. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. NORMA CONTEMPLADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL. LINDB, ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO. VEDAÇÃO DE PERDAS ANORMAIS OU EXCESSIVAS. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TESE FIRMADA: "A INVALIDAÇÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO IMPEDE A APLICAÇÃO DO ART. 15, I DA LEI 8.213/91 AO SEGURADO DE BOA-FÉ".
1. O princípio da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, exerce grande importância nas relações previdenciárias, como há muito já reconhecido doutrinária e jurisprudencialmente, sendo exemplo emblemático o caso da “Viúva de Berlim”, julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht) em 1957 (BVerwGE 9, 251). No caso, a Administração Pública cessou, após significativo lapso temporal, pensão decorrente de aposentadoria concedida de modo irregular. O Tribunal entendeu que a segurança jurídica e a confiança legitimamente depositadas no atuar administrativo consubstanciavam fundamento jurídico suficiente à manutenção do benefício.
2. No Direito Brasileiro, a proteção da confiança possui, atualmente, sólido desenvolvimento acadêmico e pretoriano. No plano doutrinário, merecem destaques as obras de Valter Shuenquener de Araújo (O princípio da proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói-RJ: Impetus, 2016) e Victor de Souza (Proteção e promoção da confiança no Direito Previdenciário. Curitiba, Alteridade, 2018).
3. O Supremo Tribunal Federal possui diversos precedentes em que afirma a existência de proteção constitucional à confiança legítima, cabendo especial menção ao recente julgamento do tema 445, no qual firmou a seguinte tese:“Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas”. A Suprema Corte considerou que, ultrapassado prazo razoável o peso da confiança legítima se sobrepõe a eventual ilegalidade e os atos devem ser considerados “definitivamente registrados”.
4. Também o legislador brasileiro conserva preocupação com a proteção da confiança, determinando a proteção razoável da segurança jurídica nos casos de invalidação de atos administrativos e judiciais, como pode ser observado no parágrafo único, do art. 21 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que proscreve ônus e perdas anormais ou excessivos.
5. Se a Administração Pública concede um benefício previdenciário, é legítima a confiança depositada pelo segurado de boa-fé no ato que reconhece seu direito, razão pela qual uma posterior invalidação deve proteger a expectativa provocada pelo deferimento, de modo a não provocar cenário de total insegurança jurídica, com atribuição de ônus e perdas absolutamente desproporcionais.
6. Impedir a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 nos casos de benefícios irregulares, mesmo sem má-fé do segurado, afronta o parágrafo único, do art. 21 da LINDB, pois gera a perda da proteção previdenciária, sem qualquer culpa do segurado. Basta imaginar um benefício cessado após 5 (cinco) anos; caso não reconhecido o período de graça, a cessação provocará imediatamente a perda da qualidade de segurado, efeito evidentemente desproporcional.
7. Se houve a concessão do benefício, por decisão administrativa ou judicial, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
8. Tese jurídica (tema 245): "A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé".
6. No voto condutor, consta a seguinte afirmação (original sem grifo):
A situação é análoga aos casos de revogação de decisão judicial antecipatória de tutela. Sobre o tema é útil colacionar fragmento de artigo doutrinário de autoria de Victor Souza, Diego Henrique Schuster e Luiz Gustavo Boiam Pancotti:
Durante o período de vigência da liminar, o segurado acredita estar em uma situação de segurança, pois a concessão do benefício decorreu de uma ordem judicial amparada por razões concretas que levaram a decidir como tal. Assim, a boa-fé do segurado é vista como uma forma de proteção latu sensu da confiança. Portanto, a revogação da liminar deverá operar efeitos “ex nunc”, conferindo ao segurado a produção de todos os efeitos jurídicos decorrentes da fruição do benefício, como por exemplo, a manutenção da sua qualidade de segurado, dentre outras já aventadas.
Assim, por exemplo, caso o segurado venha a falecer durante a fruição do benefício por incapacidade concedido liminarmente, a pensão por morte decorrente desta condição será concedida de forma efetiva, e não precária. Caso contrário, conferindo a revogação da tutela provisória efeitos jurídicos ex tunc, irá retroagir desde o momento da concessão da liminar, fazendo com que os dependentes perdessem esta condição pela perda da qualidade de segurado do instituidor. Isto sem contar com hipóteses outras em que, durante o período da vigência da liminar, se verifica o agravamento ou surgimento de nova doença que o impede a retornar ao trabalho. Nestes casos, a injustiça se qualifica ainda mais, pois se o segurado conseguir voltar a contribuir, o tempo em que esteve em gozo de benefício por incapacidade não será computado para fins de contribuição e a doença de que até então era portador, e se agravou no decorrer do tempo, será considerada como preexistente (nos termos dos arts. 59 e 60 da Lei 8.213/91), o que o impedirá o reconhecimento de sua qualidade de segurado. Pensamos que o reconhecimento de que há períodos de qualidade de segurado putativo na vida do trabalhador poderá permitir o equilíbrio e a razoabilidade na análise de seus períodos contributivos, incluindo períodos de benefícios por incapacidade recebidos por força de tutela judicial que foi recebida de boa-fé e que venha a ser posteriormente revogada no processo. Esses períodos não podem ser desprezados, especialmente se for intercalado com períodos de outras contribuições e vínculos, nos moldes do art. 55 da Lei 8.213/91, ou se o trabalhador vier a óbito, sem novos vínculos ou recolhimentos, em um prazo de pelo menos 12 meses após a revogação da tutela, período em que deverá ser prorrogada sua qualidade de segurado putativo.
(SCHUSTER, Diego Henrique. PANCOTTI, Luiz Gustavo Boiam. SOUZA, Victor. Os efeitos da percepção de mensalidade de recuperação de incapacidade por 18 meses e a qualidade de segurado putativo)
7. O INSS, em seus embargos, afirma que “inserir no acórdão apreciação sobre decisão judicial antecipatória, questão estranha a este processo, constitui inovação”. E grifa fragmento da citação doutrinária que consta no voto.
8. Entretanto, em momento algum o acórdão avançou sobre a questão mencionada nos embargos. A analogia foi realizada, para demonstrar que as afirmações do artigo doutrinário poderiam ser empregadas no presente caso.
9. A tese firmada responde à questão jurídica proposta. Se a linha de pensamento adotada pode ser aplicada em outros casos é uma questão que foge ao presente recurso.
10. Na verdade, o INSS pretende, por meio dos embargos, obter uma manifestação contrária à aplicação da tese aos casos de revogação de tutela jurisdicional provisória, tema não enfrentando pela TNU – seja para afirmar ou para rejeitar a possibilidade.
11. Desse modo, não vislumbro qualquer omissão no acórdão.
12. Quanto ao prequestionamento, afirma o INSS que a tese ofende o conteúdo das súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
13. Entretanto, em momento algum esta Turma Nacional avança sobre a possibilidade de declaração de nulidade dos atos da Administração, razão pela qual não há motivo para manifestação específica sobre os verbetes jurisprudenciais.
14. Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO aos embargos de declaração.
VOTO
1. Na sessão de 16 de outubro de 2020, ao analisar os embargos de declaração interpostos pelo INSS, proferi voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso, por não vislumbrar omissão no julgamento principal, uma vez que objeto do recurso não alcança benefícios concedidos por determinação judicial. Transcrevo fragmento do voto que reflete sua ideia central:
7. O INSS, em seus embargos, afirma que “inserir no acórdão apreciação sobre decisão judicial antecipatória, questão estranha a este processo, constitui inovação”. E grifa fragmento da citação doutrinária que consta no voto.
8. Entretanto, em momento algum o acórdão avançou sobre a questão mencionada nos embargos. A analogia foi realizada, para demonstrar que as afirmações do artigo doutrinário poderiam ser empregadas no presente caso.
9. A tese firmada responde à questão jurídica proposta. Se a linha de pensamento adotada pode ser aplicada em outros casos é uma questão que foge ao presente recurso.
10. Na verdade, o INSS pretende, por meio dos embargos, obter uma manifestação contrária à aplicação da tese aos casos de revogação de tutela jurisdicional provisória, tema não enfrentando pela TNU – seja para afirmar ou para rejeitar a possibilidade.
11. Desse modo, não vislumbro qualquer omissão no acórdão.
2. Entretanto, o voto-vista proferido nesta sessão pelo Juiz Federal Atanair Nasses Ribeiro Lopes, alerta para uma expressão que consta na ementa capaz de gerar dúvidas quanto ao teor do julgamento, uma vez que o item 7 do referido texto restou assim redigido:
7. Se houve a concessão do benefício, por decisão administrativa ou judicial, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
3. Desse modo, apesar de o teor do voto deixar claro o objeto do julgamento, para evitar qualquer equívoco interpretativo do alcance do que foi debatido pela TNU, considero ser adequado a exclusão da expressão "por decisão administrativa ou judicial", para que a ementa passe a constar com a seguinte redação:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 245. QUESTÃO JURÍDICA: "SABER SE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCEDIDO IRREGULARMENTE ÀQUELE QUE HAVIA PERDIDO QUALIDADE DE SEGURADO, GERA, EM NOME DA MANUTENÇÃO DA JUSTA EXPECTATIVA, DIREITO À MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DURANTE O PERÍODO EM QUE ELE FOI MANTIDO ATIVO”. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. NORMA CONTEMPLADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL. LINDB, ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO. VEDAÇÃO DE PERDAS ANORMAIS OU EXCESSIVAS. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TESE FIRMADA: "A INVALIDAÇÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO IMPEDE A APLICAÇÃO DO ART. 15, I DA LEI 8.213/91 AO SEGURADO DE BOA-FÉ".
1. O princípio da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, exerce grande importância nas relações previdenciárias, como há muito já reconhecido doutrinária e jurisprudencialmente, sendo exemplo emblemático o caso da “Viúva de Berlim”, julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht) em 1957 (BVerwGE 9, 251). No caso, a Administração Pública cessou, após significativo lapso temporal, pensão decorrente de aposentadoria concedida de modo irregular. O Tribunal entendeu que a segurança jurídica e a confiança legitimamente depositadas no atuar administrativo consubstanciavam fundamento jurídico suficiente à manutenção do benefício.
2. No Direito Brasileiro, a proteção da confiança possui, atualmente, sólido desenvolvimento acadêmico e pretoriano. No plano doutrinário, merecem destaques as obras de Valter Shuenquener de Araújo (O princípio da proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói-RJ: Impetus, 2016) e Victor de Souza (Proteção e promoção da confiança no Direito Previdenciário. Curitiba, Alteridade, 2018).
3. O Supremo Tribunal Federal possui diversos precedentes em que afirma a existência de proteção constitucional à confiança legítima, cabendo especial menção ao recente julgamento do tema 445, no qual firmou a seguinte tese:“Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas”. A Suprema Corte considerou que, ultrapassado prazo razoável o peso da confiança legítima se sobrepõe a eventual ilegalidade e os atos devem ser considerados “definitivamente registrados”.
4. Também o legislador brasileiro conserva preocupação com a proteção da confiança, determinando a proteção razoável da segurança jurídica nos casos de invalidação de atos administrativos e judiciais, como pode ser observado no parágrafo único, do art. 21 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que proscreve ônus e perdas anormais ou excessivos.
5. Se a Administração Pública concede um benefício previdenciário, é legítima a confiança depositada pelo segurado de boa-fé no ato que reconhece seu direito, razão pela qual uma posterior invalidação deve proteger a expectativa provocada pelo deferimento, de modo a não provocar cenário de total insegurança jurídica, com atribuição de ônus e perdas absolutamente desproporcionais.
6. Impedir a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 nos casos de benefícios irregulares, mesmo sem má-fé do segurado, afronta o parágrafo único, do art. 21 da LINDB, pois gera a perda da proteção previdenciária, sem qualquer culpa do segurado. Basta imaginar um benefício cessado após 5 (cinco) anos; caso não reconhecido o período de graça, a cessação provocará imediatamente a perda da qualidade de segurado, efeito evidentemente desproporcional.
7. Se houve a concessão do benefício, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
8. Tese jurídica (tema 245): "A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé".
4. Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração.
VOTO-VISTA - ATANAIR NASSER RIBEIRO LOPES, Juiz Federal
Cuida-se de embargos de declaração interpostos pelo INSS sob o fundamento de que o debate originário nestes autos não acobertava a discussão sobre a manutenção da qualidade de segurado irregularmente concedida em virtude de tutela judicial posteriormente revogada, bem como que as Súmulas 346 e 473 do STF autorizam à Administração rever seus próprios atos nulos, tese que pretende prequestionar para futuros recursos.
O voto do relator elucida os fatos da seguinte forma:
"[...]
4. Na sessão de 19 de junho de 2020, a Turma Nacional de Uniformização julgou Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal afetado como representativo de controvérsia e vinculado ao tema 245, cuja questão jurídica é a seguinte: “saber se benefício previdenciário, concedido irregularmente àquele que havia perdido qualidade de segurado, gera, em nome da manutenção da justa expectativa, direito à manutenção da qualidade de segurado durante o período em que ele foi mantido ativo”.
5. O julgamento restou assim ementado:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 245. QUESTÃO JURÍDICA: "SABER SE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCEDIDO IRREGULARMENTE ÀQUELE QUE HAVIA PERDIDO QUALIDADE DE SEGURADO, GERA, EM NOME DA MANUTENÇÃO DA JUSTA EXPECTATIVA, DIREITO À MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO DURANTE O PERÍODO EM QUE ELE FOI MANTIDO ATIVO”. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. NORMA CONTEMPLADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL. LINDB, ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO. VEDAÇÃO DE PERDAS ANORMAIS OU EXCESSIVAS. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TESE FIRMADA: "A INVALIDAÇÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO IMPEDE A APLICAÇÃO DO ART. 15, I DA LEI 8.213/91 AO SEGURADO DE BOA-FÉ".
[...]
7. Se houve a concessão do benefício, por decisão administrativa ou judicial, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
8. Tese jurídica (tema 245): "A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé". (Destaquei)
[...]
7. O INSS, em seus embargos, afirma que “inserir no acórdão apreciação sobre decisão judicial antecipatória, questão estranha a este processo, constitui inovação”. E grifa fragmento da citação doutrinária que consta no voto.
8. Entretanto, em momento algum o acórdão avançou sobre a questão mencionada nos embargos. A analogia foi realizada, para demonstrar que as afirmações do artigo doutrinário poderiam ser empregadas no presente caso.
9. A tese firmada responde à questão jurídica proposta. Se a linha de pensamento adotada pode ser aplicada em outros casos é uma questão que foge ao presente recurso.
10. Na verdade, o INSS pretende, por meio dos embargos, obter uma manifestação contrária à aplicação da tese aos casos de revogação de tutela jurisdicional provisória, tema não enfrentando pela TNU – seja para afirmar ou para rejeitar a possibilidade.
[...]"
Como se percebe do tema proposto, a questão originária de fato não abrangia os casos de tutela judicial revogada, mas apenas aqueles casos em que a própria Administração teria concedido equivocadamente um benefício. O próprio voto do eminente relator no mesmo sentido esclarece. Todavia, no item 7 da ementa do acórdão constou expressamente sobre "concessão do benefício, por decisão administrativa ou judicial [...]", o que adentra de fato na seara de benefício concedido equivocadamente por decisão judicial.
Na verdade, penso que essa é mesmo a concepção do ilustre relator, a qual foi explicitada no conteúdo do voto e no texto doutrinário citado, que faz alusão à hipótese de benefício concedido judicialmente e depois revogado. Contudo, como ele mesmo esclareceu e o INSS fundamentou no seu arrazoado, a expressão no item 7 do acórdão e a fundamentação exposta no corpo do voto realmente induzem à crença de que o tema sobre revogação de benefício concedido judicialmente tenha sido apreciado nesta Corte, o que não foi.
Quanto às Súmulas citadas, a possibilidade de revogação pela Administração de seus próprios atos eivados de nulidade e o prequestionamento, tenho que os efeitos de ato nulo ou anulado não são por elas tratados, nem tampouco há impedimento que a Lei cuide da manutenção e da projeção dos efeitos de atos praticados com boa fé, o que nada tem a ver com sua anulação pela Administração. Aliás, recente decisão do STF manteve a conversão de quinquênios de servidores públicos feita após vedação por Medida Provisória, justamente com base na boa fé dos titulares de direito. Todavia, o prequestionamento não é concepção de mérito que imponha rejeição ou acolhimento pelo órgão julgador, o qual sobre ele apenas tece sua consideração.
Posto isso, voto por conhecer e dar provimento aos embargos no sentido de excluir do acórdão embargado a expressão "ou judicial", em sintonia com os demais argumentos e fundamentos do próprio relator no voto destes embargos, restando prequestionada a matéria consignada nos embargos.
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