sexta-feira, 18 de março de 2022

Jurisprudência trata sobre a demora para realização de perícia pelo INSS em caso de greve

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 242 com a seguinte redação "A demora excessiva na realização de perícia médica pelo INSS, em razão de movimento grevista de seus servidores, não enseja a responsabilização civil do Estado por danos suportados pelo segurado ante a negativa do empregador em admiti-lo ao labor enquanto não liberado o retorno pela perícia médica administrativa." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 242. DIREITO ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. PERÍCIA. DEMORA EXCESSIVA. GREVE DOS PERITOS MÉDICOS. NEGATIVA DA EMPRESA EM ADMITIR O RETORNO DO EMPREGADO CAPAZ AO TRABALHO SEM A PERÍCIA DA AUTARQUIA. PERÍODO SEM PERCEPÇÃO DE SALÁRIO. ATO OMISSIVO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. GREVE. NEGATIVA INDEVIDA DO EMPREGADOR. HIPÓTESES DE FORTUITO EXTERNO. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CARACTERIZADA. PUIL IMPROVIDO. TESE FIXADA.
TNU, PEDILEF 0001436-92.2016.4.01.3807/MG, relator juiz federal Ivanir Cesar Ireno Junior, 24/09/21.


ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto do Juiz Relator, julgando-o como representativo de controvérsia, para fixar a tese do tema 242 nos seguintes termos: "A demora excessiva na realização de perícia médica pelo INSS, em razão de movimento grevista de seus servidores, não enseja a responsabilização civil do Estado por danos suportados pelo segurado ante a negativa do empregador em admiti-lo ao labor enquanto não liberado o retorno pela perícia médica administrativa." Com ressalva de fundamentação dos Juízes Federais LUIS EDUARDO BIANCHI CERQUEIRA, PAULO CEZAR NEVES JUNIOR e LUCIANE KRAVETZ.

Brasília, 23 de setembro de 2021.


RELATÓRIO
1. Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal - PUIL - intentado pela Parte Autora contra acórdão proferido pela 4ª TR da SJMG, que manteve sentença que indeferiu pedido de reparação de danos materiais decorrentes de atraso na realização de perícia médica em razão de movimento grevista dos servidores do INSS.

2. Na sessão do dia 06/11/2019, o PUIL foi admitido e afetado como representativo de controvérsia (Tema 242), com a seguinte questão controvertida: "Saber se a demora excessiva na realização de perícia médica pelo INSS, em razão de movimento grevista de seus servidores, enseja a responsabilização civil do Estado por danos suportados pelo segurado ante a negativa do empregador em admiti-lo ao labor enquanto não liberado o retorno pela perícia médica administrativa".

3. Após a afetação, foi observado todo o procedimento previsto no art. 16, §6º, do RI/TNU.

4. O MPF não se manifestou. Sem amicus curiae. Com memoriais do INSS.

VOTO
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 242. DIREITO ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. PERÍCIA. DEMORA EXCESSIVA. GREVE DOS PERITOS MÉDICOS. NEGATIVA DA EMPRESA EM ADMITIR O RETORNO DO EMPREGADO CAPAZ AO TRABALHO SEM A PERÍCIA DA AUTARQUIA. PERÍODO SEM PERCEPÇÃO DE SALÁRIO. ATO OMISSIVO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. GREVE. NEGATIVA INDEVIDA DO EMPREGADOR. HIPÓTESES DE FORTUITO EXTERNO. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CARACTERIZADA. PUIL IMPROVIDO. TESE FIXADA.

5. Da admissibilidade do PUIL
Trata-se de matéria bem resolvida, conforme acórdão de afetação registrado no evento 19. O paradigma contrário apresentado é da TRU da 5ª Região. Registro que não ocorreu fato superveniente à afetação a impedir o julgamento do PUIL como representativo de controvérsia. Sem preliminares, vou ao mérito.

6. Decisões das instâncias oridinárias, controvérsia, razões do PUIL e resumo dos memoriais

6.1. Sentença






6.2. Acórdão da TR de origem





6.3. Paradigma
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DEMORA NA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA PELA AUTARQUIA-RÉ DE MAIS DE SEIS MESES EM RAZÃO DE MOVIMENTO PAREDISTA. AUTORA QUE FICOU IMPEDIDA DE RETORNAR AO TRABALHO. DANO EVIDENCIADO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DA DEMORA, MAS DEIXOU DE CONDENAR POR DANO MORAL PORQUE A CULPA PELO EVENTO QUE GEROU O ATRASO (GREVE) NÃO PODERIA SER IMPUTADA À AUTARQUIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE PRESCINDE DE CULPA. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. (...)" (Processo nº 0501951-45.2016.4.05.8500, Juiz Federal Gilton Batista Brito, DJ de 11/04/2017)

6.4. Razões do PUIL

(i) divergência do entendimento da TRU da 5ª Região;

(ii) o retorno ao trabalho somente era possível com a apresentação ao empregador de liberação do INSS, estando o contrato de trabalho suspenso na forma do art. 476 da CLT;

(iii) o Decreto nº 8.691/16, que alterou o art. 75 do Decreto nº 3.048/99 (RPS), para permitir o retorno do segurado sem a realização de perícia médica oficial, somente foi publicado em 14/03/2016, ou seja, após os fatos, não tendo aplicação retroativa;

(iv) o atraso foi causado pela greve dos médicos peritos do INSS e a autarquia não demonstrou que adotou quaisquer medidas para mitigar e diminuir os prejuizos causados, em especial priorizar o atendimento dos segurados que buscassem alta previdenciária;

(v) todos os requisitos da responsabilidade civil do Estado pela omissão em realizar a perícia estão cumpridos, valendo ressaltar que o INSS devia e podia agir para evitar o dano;

(vi) o dano consiste no longo período (05 meses) que ficou sem receber salário.

6.5. Menorial do INSS

(i) a responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, devendo o particular comprovar a culpa ou dolo;

(ii) o direito de greve dos servidores públicos é constitucional, já tendo sido diversas vezes reafirmado pelo STF;

(iii) o INSS adotou providências administrativas para minimizar os efeitos da greve, inclusive para rapidamente colocar em dia as perícias acumuladas, tão logo finalizado movimento de paralisação;

(iv) demonstrado que a Administração tomou as medidas administrativas e judiciais que estavam ao seu alcance para enfrentar o movimento paredista, não se sustenta a sua responsabilização sobre eventual recusa do empregador em não permitir que seu empregado retorne ao labor;

(v) as relações trabalhistas e previdenciárias, por mais que sejam umbilicalmente ligadas, são independentes, inclusive no que tange à resposabilização no caso;

(vi) a conduta sem base legal do empregador não pode onerar o INSS;

(vii) o art. 476 da CLT não se aplica ao caso, uma vez que a licença sem remuneração é para período de incapacidade e não para período de indevida recusa do empregador em permitir o retorno do empregado já capaz;

(vii) o TST, no caso de "limbo previdenciário", imputa ao empregador a responsabilidade pela indevida recusa em autorizar o empregado a retornar ao trabalho, conforme julgados que apresenta; inclusive, o TST reconhece dano moral in re ipsa na conduta do empregador de deixar o empregado sem salários no período de limbo previdenciário;

(ix) a redação do §6º do Decreto 3.048/99, atualizada pelo Decreto 10.410/2020, estabelece a possibilidade de retorno ao trabalho com base no laudo médico do assistente da parte, independentemente de realização de nova perícia pelo INSS;

(x) requer a improcedência do PUIL, com a fixação da seguinte tese: "A demora excessiva na realização de perícia médica pelo INSS, em razão de movimento grevista de seus servidores, não enseja a responsabilização civil do Estado por danos suportados pelo segurado ante a negativa do empregador em admiti-lo ao labor enquanto não liberado o retorno pela perícia médica administrativa."

7. Mérito

8. Primeiro, acho necessário resumir o contexto fático analisado pelas instâncias ordinárias, com fatos e datas, para facilitar a compreensão das teses e argumentos que serão debatidos e decididos:

(i) realização de cirurgia de varizes em 20/07/2015, com previsão de afastamento do trabalho pelo período de 01 mês;

(ii) empresa custeou os 15 primeiros dias de afastamento, conforme detetermina a lei;

(iii) DER do auxílio-doença em 27/07/2015;

(iv) a perícia foi remarcada várias vezes em razão da greve e somente foi realizada em 18/02/20161;

(v) benefício concedido com DCB em 20/08/2015, conforme atestado médico;

(vi) estava apto a voltar ao trabalho após a período indicado no atestado (01 mês); no entanto, a empresa se negou a autorizar o retorno enquanto não houvesse a perícia e liberação pelo INSS.

9. Considerada a controvérsia afetada, a questão é saber se a demora na realização de perícia pelo INSS, decorrente de greve dos seus médicos peritos, gera obrigação de indenizar por parte da autarquia, referente ao período em que o segurado ficou privado dos salários, ante a recusa do empregador em permitir o seu retorno ao trabalho antes da liberação pela perícia oficial.

10. Como se vê, a questão é bem específica e envolve omissão da administração (não realização da perícia), possível caso fortuito/força maior (greve), ato de terceiro (decisão do empregador de não aceitar o retorno do empregado/segurado ao trabalho mesmo estando capaz) e relações jurídicas diversas (direito trabalhista X direito previdenciário), que devem ser devidamente analisados.

11. Conforme tentarei demonstrar ao longo do voto, por diversos fundamentos a demora na realização da perícia, na específica controvérsia enfrentada no tema 242, não atrai a responsabilidade civil do Estado/INSS.

12. Acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão, ou seja, aquela decorrente de ato de terceiro ou por falha do serviço que não funcionou, funcionou mal ou tardiamente, o STF definiu que se trata de responsabilidade objetiva, que independe de culpa. Nesse sentido, vejam-se os acórdãos dos temas 366 e 592, recentemente julgados:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO DEVER JURÍDICO ESPECÍFICO DE AGIR. 1. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Aplicação da teoria do risco administrativo. Precedentes da CORTE. 2. Para a caracterização da responsabilidade civil estatal, há a necessidade da observância de requisitos mínimos para aplicação da responsabilidade objetiva, quais sejam: a) existência de um dano; b) ação ou omissão administrativa; c) ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu, pautado na doutrina da teoria do risco administrativo e com base na legislação local, que não poderia ser atribuída ao Município de São Paulo a responsabilidade civil pela explosão ocorrida em loja de fogos de artifício. Entendeu-se que não houve omissão estatal na fiscalização da atividade, uma vez que os proprietários do comércio desenvolviam a atividade de forma clandestina, pois ausente a autorização estatal para comercialização de fogos de artifício. 4. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: “Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular”. 5. Recurso extraordinário desprovido. (RE 136861, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 12-08-2020 PUBLIC 13-08-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-011 DIVULG 21-01-2021 PUBLIC 22-01-2021)

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)

13. No entanto, embora objetiva, a responsabilidade por ato omissivo exige uma omissão específica e qualificada, ou seja, aquela na qual o Estado tem o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para evitar o resultado danoso. Nesse contexto, é certo que a omissão é a causa direta e imediata do dano, inobstante as concausas (ato de terceiro, por exemplo), atraindo a obrigação de indenizar. Se o Estado não tem o dever legal de agir para evitar o resultado e a possibilidade de fazê-lo, o nexo causal se rompe, afastando a responsabilidade civil.

14. Nesse contexto, como regra, não se admite a responsabilidade civil do Estado em danos causados aos cidadãos entre si por homicídios, assaltos e outros atos de violência urbana, porque se trata de dever genérico de proteção, sem possibilidade de atuação preventiva do Estado, salvo se se entendê-lo como um segurador universal. Nesse sentido é didático o acórdão do tema 592 acima transcrito.

15. No caso dos autos, não existe dúvida de que o Estado/INSS tinha a obrigação legal de praticar o ato de perícia. Assim, sob esse primeiro aspecto, a sua omissão foi específica e relevante. No entanto, em razão da greve dos médicos peritos (caso fortuito/força maior)2, tenho que a omissão do INSS em não realizar a perícia a tempo e modo foi justificada, quebrando o nexo causal entre o não periciar e o dano invocado e afastando a própria respnsabilidade civil. Explico.

16. Apressadamente, podemos entender que a greve é um fortuito interno, ou seja, aquele que guarda relação com o serviço desenvolvido pelo ofensor (no caso, a realização das perícias e análise dos benefícios), estando inserido dentro do risco da atividade e, portanto, sem aptidão para afastar a responsabilidade civil, conforme doutrina e jurisprudência amplamente conhecidos.

17. No entanto, tratando-se a greve, inclusive dos servidores públicos (MI 708/DF), de direito constitucional (art. 9º, caput, c/c art. 37, VII, da CF/88), que não pode ser livremente obstado pelo empregador, ela se torna um fortuito externo, fora do risco da atividade e apto a romper o nexo causal e afastar a responsabilidade civil. E a greve no serviço público, em uma atividade específica e qualificada como a de médico perito, é ainda mais complexa de se administrar ou contornar, sem prejuízo aos administrados, que, não caso, são milhares. Isso porque, consideradas as limitações constitucionais, legais e orçamentárias para atender pleitos remuneratórios e substituir mão de obra, no caso composta de médicos especializados, a administração tem pouco ou nenhum espaço para, rapidamente, com medidas alternativas, fazer o serviço funcionar, pelo menos satisfatoriamente.

18. No caso, segundo informações do INSS (evento 40), a greve - de âmbito nacional - durou de 04/09/2015 a 22/01/2016, tendo o STJ, em 23/10/2015, concedido liminar em mandado de segurança coletivo para impedir o corte de ponto dos médicos grevistas. No último trimestre de 2015, em razão da greve, o tempo de agendamento das perícia por agência (TMEA-PM) sofreu elevado incremento, sendo regularizado ao final do primeiro trimestre de 2016. Em 17/02/2016, foi assinado termo de acordo de reposição, com o objetivo de colocar em dias as perícias não realizadas durante a paralisação.

19. Nesse contexto, embora sabedor da discordância de parte do colegiado, tenho que a greve dos médicos peritos caracterizou, na hipótese, caso fortuito externo, a romper o nexo causal da omissão do INSS, não tendo sido a causa imediata e direta do dano alegado. Inclusive, não me parece que fosse possível ao INSS, diante de uma demanda constante e de milhares de atos periciais pendentes e com número reduzido de profissionais em exercício, "priorizar as perícias dos segurados que buscassem alta previdenciária", como sustentou a parte autora, em detrimento dos que estavam incapazes e em busca de benefício.

20. No entanto, creio que o caso concreto sequer passa por considerar a greve um fortuito externo, justificador da omissão do INSS em deixar de realizar a perícia a tempo e modo. Na verdade, o caso envolve ato de terceiro, caracterizado como fortuito externo, que rompeu o nexo causal e foi a causa direta e imediata do dano. No caso, fala-se do ato do empregador, arbitrário, desarrazoado e sem amparo legal, que obstou a parte autora de retornar ao trabalho, mesmo plenamente capaz, privando-lhe dos seus salários. Nesse ponto, a sentença foi precisa.

21. Na forma do art. 60 da Lei 8.213/91: "O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz." Como se vê, a obrigação de proteção do RGPS somente alcança o período de incapacidade (superior aos primeiros 15 dias para os segurados empregados), durante o qual, inclusive, o contrato de trabalho fica suspenso e o empregador não deve remunerar o empregado (arts. 60, §4º e 63 da Lei 8.213/91 e art. 476 da CLT). Na hipótese, embora de forma tardia, o INSS custeou o auxílio-doença pelo período de incapacidade.

22. Ausente incapacidade, como na hipótese, cessa a responsabilidade do RGPS e volta a prevalecer a relação trabalhista, com a obrigação do empregador de readmitir o empregado e remunerá-lo. No caso, a empresa não fez isso, mesmo sendo flagrante a situação de aptidão para o trabalho, afirmada pelo empregado/segurado e seu médico assistente, fruto de uma mera cirurgia de varizes.

23. E, nesse ponto, agiu mal a empresa, ou seja, de forma imprudente, ao condicionar, sem qualquer amparo legal, o retorno do empregado ao trabalho à "liberação" pela perícia médica do INSS. Veja-se que não existia e não existe qualquer norma no ordenamento juridico a exigir a "alta" pelo INSS para o retorno ao trabalho. Por isso que a NR-07 do Ministério do Trabalho e Emprego, que instituiu o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, tornou obrigatória a realização, entre outros exames ocupacionais, do de "retorno ao trabalho".

24. Embora seja correto afirmar que, no período anterior à Cobertura Previdenciária Estimada - COPES, tambem conhecida como "alta programada", havia perícia final para cessação do benefício, esse ato pericial tinha natureza e finalidade previdenciária, sem interferir nas prerrogativas do médico do trabalho, da empresa e da relação trabalhista, havendo sempre a possibilidade de retorno ao trabalho antes do termo final do benefício previdenciário.

25. Veja-se que a Lei 8.213/91, no seu art. 46, sempre previu a possibilidade do aposentado por invalidez retornar voluntariamente à atividade, o que faz cessar automaticamente o seu benefício. No caso dos autos, por exemplo, o autor não estava a perceber benefício e já estava capaz para retornar ao trabalho. Assim, nada justificava a negativa da empresa em autorizar o seu retorno ao trabalho, o que fez, com certeza, à sua conta e risco.

26. Não procede o argumento de que o §6º do art. 75 do Decreto 3.048/99, somente inserido pelo Decreto 8.691, de 14 de março de 2016, ou seja, posterior aos fatos, legitimaria o procedimento da empresa e transferirira a responsabilidade para autorizar o retorno à perícia do INSS. Eis o dispositivo regulamentar, inclusive na sua versão atual:

§ 6º A impossibilidade de atendimento pela Previdência Social ao segurado antes do término do período de recuperação indicado pelo médico assistente na documentação autoriza o retorno do empregado ao trabalho no dia seguinte à data indicada pelo médico assistente. (Incluído pelo Decreto nº 8.691, de 2016)

§ 6º Na impossibilidade de realização do exame médico-pericial inicial antes do término do período de recuperação indicado pelo médico assistente em documentação, o empregado é autorizado a retornar ao trabalho no dia seguinte à data indicada pelo médico assistente, mantida a necessidade de comparecimento do segurado à perícia na data agendada. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

27. No caso, sendo certo que decreto não inova na ordem juridica, o dispositivo somente esclareceu prática que já devia ser adotada3, de retorno antecipado ao trabalho em caso de indicação de cessação da incapacidade pelo médico assistente, tendo a empresa, sempre, a prerrogativa de se certificar, via exame médico próprio, se realmente era caso recuperação da capacidade.

28. Por fim, é certo que a jurisprudência trabalhista, inclusive do TST, em casos conhecidos como de "limbo jurídico previdenciário" ou "limbo jurídico previdenciário-trabalhista", é pacífica no sentido de atribuir ao empregador a responsabilidade pelo pagamento dos salários, no período em que o empregado foi impedido de trabalhar pelo médico da empresa e não houve, por parte o INSS, o reconhecimento da incapacidade. Nesse contexto, parece correto também atribuir à empresa o pagamento de salários quando, sem embasamento legal, impede o retorno ao trabalho de empregado capaz.

29. Em face do exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao PUIL, julgando-o como representativo de controvérsia, para fixar a tese do tema 242 nos seguintes termos: "A demora excessiva na realização de perícia médica pelo INSS, em razão de movimento grevista de seus servidores, não enseja a responsabilização civil do Estado por danos suportados pelo segurado ante a negativa do empregador em admiti-lo ao labor enquanto não liberado o retorno pela perícia médica administrativa."

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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