sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Decisão trata sobre a coisa julgada administrativa

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 283 com a seguinte redação "Saber se a coisa julgada administrativa é oponível na hipótese de revisão de ato administrativo versando sobre matéria previdenciária, considerando que os requisitos para concessão de benefício previdenciário são previstos em lei". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. OBJETO DE AFETAÇÃO EM REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA: "SABER SE A COISA JULGADA ADMINISTRATIVA É OPONÍVEL NA HIPÓTESE DE REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO VERSANDO SOBRE MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA, CONSIDERANDO QUE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SÃO PREVISTOS EM LEI". TESE FIRMADA: "A COISA JULGADA ADMINISTRATIVA NÃO EXCLUI A APRECIAÇÃO DA MATÉRIA CONTROVERTIDA PELO PODER JUDICIÁRIO E NÃO É OPONÍVEL À REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO PARA ADEQUAÇÃO AOS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI PREVIDENCIÁRIA, ENQUANTO NÃO TRANSCORRIDO O PRAZO DECADENCIAL". INCIDENTE PROVIDO.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5002117-85.2019.4.04.7202/SC, Relatora Juíza Federal Susana Sbrogio Galia, 31/08/2021.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO, nos termos do voto da Juíza Relatora, julgando-o como representativo de controvérsia, fixando a seguinte tese do tema 283: "a coisa julgada administrativa não exclui a apreciação da matéria controvertida pelo Poder Judiciário e não é oponível à revisão de ato administrativo para adequação aos requisitos previstos na lei previdenciária, enquanto não transcorrido o prazo decadencial".

Brasília, 26 de agosto de 2021.

RELATÓRIO
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - TEMA 283: “Saber se a coisa julgada administrativa é oponível na hipótese de revisão de ato administrativo versando sobre matéria previdenciária, considerando que os requisitos para concessão de benefício previdenciário são previstos em lei.

Trata-se de pedido de uniformização interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fulcro no artigo 14, § 2º, da Lei 10.259/2001, em face de acórdão prolatado pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Santa Catarina/4ª Região, no qual se discute a respeito da coisa julgada administrativa.

A Turma Recursal de origem determinou ao INSS o restabelecimento da aposentadoria por tempo de contribuição em favor de NADIR DELMINO FAVETTI (NB 42/143.928.080-8 - DIB 27.7.2007), desde a data do cancelamento administrativo (DCB 1.11.2018 - CNIS6, ev. 12), concluindo haver “coisa julgada administrativa” por ter a autarquia previdenciária, em requerimento administrativo processado anteriormente, reconhecido o direito ao referido benefício e, depois, em processo administrativo subsequente, ter promovido a sua revisão.

Nas razões de recurso, a parte recorrente alega que, ao processar o pedido de revisão administrativa do benefício efetuado pelo autor, constatou flagrantes ilegalidades/irregularidades na concessão do mesmo benefício, em especial no que toca à documentação apresentada pela parte autora. Assim, utilizando-se do seu poder-dever de autotutela, o qual lhe impõe a revisão de ofício dos atos eivados de ilegalidade, tomou providências para a apuração das irregularidades, antes de expirado o prazo de dez anos.

Suscita divergência entre o acórdão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Santa Catarina/4ª Região (processo nº 50021178520194047202) e os acórdãos paradigmas da Turma Nacional de Uniformização - TNU (processos números 2004.71.95.018181-8, 0059972-71.2007.4.01.3400, 5004000-89.2013.404.7101 e 2009.33.00.701303-0) e do Superior Tribunal de Justiça - STJ (RMS 43.613/PR e MS 5.611/DF).

A parte adversa renunciou ao prazo para apresentação de contrarrazões (evento 1, CERT52, fl. 3).

O pedido de uniformização foi admitido na origem e pela Presidência desta TNU.

Em sessão ordinária realizada em 25/02/2021, o pedido de uniformização foi admitido por este colegiado, como representativo de controvérsia registrado sob o Tema 283, cuja questão controvertida envolve: "Saber se a coisa julgada administrativa é oponível na hipótese de revisão de ato administrativo versando sobre matéria previdenciária, considerando que os requisitos para concessão de benefício previdenciário são previstos em lei.".

Diante da afetação como representativo de controvérsia, foi seguida a tramitação regimental estabelecida, com a publicação de Edital destinado aos terceiros interessados e a intimação do Ministério Público Federal.

Em sequência, foi deferida a admissão do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP, do INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS – IEPREV e da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – DPU, na figura de amicus curiae (eventos 25 e 34), nos termos do art. 138 do CPC.

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP sustenta a necessidade de distinção entre o objeto do presente julgamento, que diz respeito aos limites da coisa julgada administrativa em face dos mesmos sujeitos (interessados e INSS), na mesma relação (processual administrativa previdenciária) e pela mesma matéria jurídica questionada, e a relação entre coisa julgada administrativa e ação judicial. Destaca que não se discute no presente processo a oponibilidade de coisa julgada administrativa em face da ocorrência da decadência. O opina pelo provimento do incidente do INSS, com a definição da seguinte tese: “a coisa julgada administrativa não é oponível na hipótese de revisão de ato administrativo versando sobre matéria previdenciária, considerando que os requisitos para concessão de benefício previdenciário são previstos em lei, devendo, todavia, ser observado o prazo decadencial, que pode ser afastado apenas nas hipóteses restritas de dolo, fraude ou má-fé, ou diante de declaração de inconstitucionalidade de lei declarada pelo Supremo Tribunal Federal” (evento 40 - PET1).

Por sua vez, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU apresentou memoriais, opinando no sentido de que “seja consolidado o entendimento que impede a cessação de benefícios previdenciários após o trânsito em julgado administrativo” (evento 24 PET2).

Indeferiu-se pedido de tutela de urgência (evento 38).

Atendidas as diligências do evento 30, reiteradas ao evento 38, os autos retornaram conclusos.

É o relatório.

VOTO
Versa o representativo de controvérsia sobre os limites de oponibilidade da coisa julgada administrativa.

Inicialmente, observo que as questões relativas à admissibilidade e similitude fática e jurídica restaram superadas em face da decisão colegiada vinculada ao evento 11.

Quanto à questão controvertida, esta foi assim definida: "Saber se a coisa julgada administrativa é oponível na hipótese de revisão de ato administrativo versando sobre matéria previdenciária, considerando que os requisitos para concessão de benefício previdenciário são previstos em lei".

Cumpre destacar a propriedade das ponderações do IBDP, quando distingue a hipótese de coisa julgada administrativa em face dos mesmos sujeitos (interessados e INSS), na mesma relação (processual administrativa previdenciária) e pela mesma matéria jurídica questionada, e a relação entre coisa julgada administrativa e ação judicial. Igualmente, quando enfatiza, ao contrário da argumentação da DPU, que, no caso concreto, não se está diante de hipótese de revisão administrativa após transcorrido o prazo decadencial para a administração rever seus atos. Tem-se, pois, in casu, situação em que invocada a impossibilidade de a administração rever seus atos, antes de encerrado o prazo decadencial previsto para tanto, com fulcro na denominada coisa julgada administrativa.

No voto condutor do acórdão que admitiu a afetação da matéria (evento 11), encontra-se devidamente destacado trecho da decisão recorrida que externa essa situação. Confira-se:

Assim, o prazo decadencial para a administração pública anular o ato administrativo de concessão do benefício do autor iniciou-se em 12/09/2007 (data da percepção do primeiro pagamento), findando, portanto, em 12/09/2017.

Consta no processo administrativo juntado ao evento 12 que em 06/10/2015 a parte autora efetuou requerimento de revisão do benefício buscando reconhecimento de atividade especial, que culminou na apuração das irregularidades pelo INSS. E desde aquela data, a autarquia emitiu cartas de exigências para apresentação de documentos, sendo o processo de revisão e de apuração de irregularidades concluído somente em 06/2018 (fls. 34/35, PROCADM4, evento 12).

Portanto, tendo o INSS tomado providências para a apuração de irregularidades antes de expirado o prazo de dez anos, não há falar em decadência do direito de anular os atos relativos à concessão da aposentadoria do autor, devendo ser afastada tal alegação.” (Evento 1 VOTOTR41) (grifo nosso)

No mérito, manejam-se duas premissas argumentativas para elucidação da questão.

A primeira premissa enfatiza a opção constitucional pela adoção do modelo anglo-saxão de unidade jurisdicional. Este modelo difere do modelo francês de jurisdição administrativa, que é dual e paralelo à atuação do Poder Judiciário (Vide: Bacellar Filho, R. F. (1998). Breves reflexões sobre a jurisdição administrativa : uma perspectiva de direito comparado. Revista De Direito Administrativo, 211, 65-77. https://doi.org/10.12660/rda.v211.1998.47127).

Esta constatação nos leva à segunda premissa, que remete ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. E as duas premissas encontram-se ancoradas no inciso XXXV do art. 5º. da Constituição Federal, conferindo ao Poder Judiciário, em última instância, a prerrogativa de prestar a jurisdição.

Em que pese aparentemente a invocação da figura da “coisa julgada administrativa” simule contribuir para a manutenção de benefícios previdenciários, cuida-se de exegese que culmina por comprometer o direito fundamental à ação e, assim, à possibilidade de se deduzir pretensão em juízo e receber uma resposta equitativa. Portanto, a conotação atribuída pela decisão recorrida à ali nominada “coisa julgada administrativa” possui efeitos paradoxais, de modo que, se neste caso operou em benefício da parte autora, acaso chancelada, poderá ser replicada de forma prejudicial ao segurado. Não por outro motivo reforçam este entendimento as bem lançadas ponderações do IBDP.

Tal importa em que, embora a doutrina pátria chame a atenção para o aspecto da assim denominada “coisa julgada administrativa”, esta construção doutrinária não tenha o mesmo significado e os mesmos efeitos da coisa julgada judicial. Outro ponto apropriadamente ressaltado pelo IBDP.

Enquanto na jurisdição judicial - para distinguir da jurisdição administrativa - se tem por definida a coisa julgada material como “ a decisão judicial de que já não caiba recurso" (art. 6°, § 3°, da Lei de Introdução das Normas Gerais do Direito Brasileiro - LINDB), concebendo-se uma preclusão formal decorrente da impossibilidade de utilização de instrumentos de revisão da decisão judicial em um mesmo processo, e igualmente abrangendo a preclusão material advinda da força que torna imutável a decisão transitada em julgado; no âmbito administrativo torna-se viável apenas perquirir acerca de uma preclusão formal para a administração decidir em um mesmo procedimento administrativo.

Contudo, isso não afasta a possibilidade – e o dever - de a administração rever, antes de transcorrido o prazo legalmente estabelecido para tanto, atos emanados em desconformidade com a lei a que a atividade administrativa se encontra vinculada. Tampouco, impede que o Poder Judiciário revise, em confronto com os requisitos previstos em lei, as condições em que emitido o ato administrativo.

Nestes termos, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Limites da utilização de princípios do processo judicial no processo administrativo. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.6, 2° semestre de 2013, .Disponível em: https://portal.tce.go.gov.br/documents/20181/89526/Princ%C3%ADpios%20do%20processo%20judicial%20no%20administrativo/d73b9b0f-853b-44ed-bc91-73854bb9bb13 Acesso em: 11/02/2021) que estando a Administração Pública sujeita à observância do princípio da legalidade, sempre se reconhece a ela o poder-dever de rever os próprios atos, para anulá-los, convalidá-los ou revogá-los. Mesmo que o interessado tenha perdido o prazo para adotar as providências que lhe cabem, como o de produzir a prova dos fatos que tenha alegado ou o de recorrer da decisão que lhe é desfavorável, a Administração pode rever a sua decisão, não só em decorrência do respeito à legalidade, como também pela aplicação dos princípios da oficialidade, da verdade material e da indisponibilidade do interesse público. Apenas se o ato ilegal for favorável ao particular a invalidação está sujeita ao prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei n° 9.784/99.
(...)
É importante ressaltar que as prerrogativas da Administração Pública para impulsionar e instruir o processo, bem como para rever os atos ilegais, mesmo quando previstas com aparência de mera faculdade, têm a característica de verdadeiros poderes-deveres, ou seja, de poderes que não podem deixar de ser exercidos, já que não foram outorgados em benefício da autoridade, para que ela os exerça a seu bel-prazer, mas para garantir o cumprimento da legalidade, considerada em sentido amplo, de modo a abranger todos os princípios impostos explícita ou implicitamente no ordenamento jurídico.

Portanto, o ato administrativo em desconformidade com a lei apenas encontrará, perante o Poder Judiciário, óbice à revisão em face de eventual decurso de prazo decadencial. Isso com fundamento nos seguintes princípios: a) Oficialidade: prerrogativa da Administração Pública para instaurar, fazer instrução, impulsionar e revisar de ofício o processo administrativo; e b) verdade material ou primazia da realidade: a administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se limitando à conveniência dos interesses ou à versão oferecida pelos sujeitos, o que implica o direito e o dever de trazer ao procedimento administrativo todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria ali analisada; e c) indisponibilidade do interesse público: em prol do interesse público - irrenunciável pela autoridade administrativa - à administração não é permitido renunciar às atribuições e cumprimento dos requisitos fixados em lei.

Por isso, a coisa julgada administrativa limita-se à preclusão, restrita à administração, quanto à revisão de decisão administrativa emitida pela administração, quando a atividade administrativa observar em sua decisão as condições previstas em lei; jamais excluindo a possibilidade de aferição destas condições pelo Poder Judiciário e de revisão do ato administrativo em desconformidade à lei, pela administração, enquanto não transcorrido o prazo decadencial. Cita-se precedente do Eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 03/STJ. TRIBUNAL DE CONTAS. REVISÃO ADMINISTRATIVA DE ACÓRDÃO, A PEDIDO, ANTE A AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, APÓS ESGOTADOS OS RECURSOS ADMINISTRATIVOS CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA.
1. Não ampara a jurisprudência cristalizada na Súmula nº 473/STF, nem há previsão legal que possibilite à Administração Pública, findo o julgamento administrativo, rever o que foi por ela decidido, ainda que a pedido, para corrigir suposta ilegalidade, quando esgotados os recursos administrativos cabíveis.
2. Para Bandeira de Mello, a coisa julgada administrativa diz respeito a situações nas quais a Administração haja decidido contenciosamente determinada questão, formalmente assumindo a posição de aplicar o Direito a um tema litigioso, com as implicações de um contraditório (in: Curso de Direito Administrativo. 26. ed. rev., atual. São Paulo: Malheiros, 2009).
3. Segundo Carvalho Filho, a coisa julgada administrativa significa que determinado assunto decidido na via administrativa não poderá mais sofrer alteração nessa mesma via administrativa (in: Manual de Direito Administrativo. 30. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016).
4. No escólio de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (in: Da Função Jurisdicional pelos Tribunais de Contas. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 9, abr. 2005), "a inalterabilidade da decisão é decorrência lógica, jurídica e inafastável da jurisdição. [...] Se não transita em
julgada, não produz coisa julgada, não é jurisdição e tecnicamente não pode ser considerado um julgamento".
5. Em igual sentido, entende esta Corte que "a decisão que aprecia as contas dos administradores de valores públicos faz coisa julgada administrativa no sentido de exaurir as instâncias administrativas, não sendo mais suscetível de revisão naquele âmbito" (REsp 472.399/AL, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ 19/12/2002, p. 351).
6. Agravo interno não provido.
(STJ, 2ª.Turma, AgInt no RMS 51043 / MA, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 03/10/2016)

No que concerne às hipóteses de revisão do ato administrativo, reproduz-se o teor da Súmula 473 do Eg. Supremo Tribunal Federal (STF): “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

A seu turno, o Eg. STJ possui jurisprudência pacífica no sentido de que a decisão administrativa é passível de apreciação pelo Poder Judiciário, em decorrência do princípio da inafastabilidade e unidade de jurisdição (artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal), não se aplicando no direito administrativo o instituto da coisa julgada material:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REENQUADRAMENTO. REVISÃO. ILEGALIDADE. SÚMULA 685/STF. PRECEDENTE ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. AUTOTUTELA. EXERCÍCIO REGULAR. SÚMULA 473/STF.AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança ao pleito mandamental de anulação do ato de revisão administrativa do seu reenquadramento funcional; alega que teria direito ao mesmo, bem como que a revisão teria violado o contraditório e ampla defesa, a coisa julgada administrativa e o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
2. O reenquadramento de servidores de nível médio para o nível superior viola os termos da Súmula 685/STF: "É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido". Precedente específico: RMS 43.451/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 18.10.2013.
3. No caso, o reenquadramento foi deferido em 2010, tendo sobrevindo decisão judicial de indenização por desvio de função que declarou ilegal a sua situação funcional e determinou sua cessação. Assim, a partir de tal fato, Administração Pública iniciou atuação para revisão do reenquadramento, no qual o servidor peticionou (fls.122-125) e, também, constituiu advogado (fl. 126); não há, portanto, falar em violação ao contraditório e à ampla defesa.
4. Os outros argumentos de nulidade - violação da coisa julgada administrativa e ao princípio da irredutibilidade de vencimentos - não se localizam, uma vez que o caso dos autos demonstra apenas o exercício da autotutela - inclusive com base em determinação judicial - em sintonia com o teor da Súmula 473/STF.
Recurso ordinário improvido. (RMS 43.613/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 07/03/2014)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO INTERESTADUAL. PERMISSÃO E CONCESSÃO. AJUSTE DE ITINERÁRIO. COISA JULGADA E PRECLUSÃO. RECURSO HIERÁRQUICO. INVALIDAÇÃO DE ATO PRETÉRITO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 37, § 6º, E 175. DECRETO nº 952/93 (ARTS. 89, 90 e 91). SÚMULA 473/STF.
1. Inexistência de "coisa julgada administrativa" (formal ou material) oponível "erga omnes". No sentido processual só concretiza-se nos julgados judiciais (arts. 467, 471 e 473, CPC). A preclusão cinge-se à extinção do direito de praticar o ato. No caso, à parla de recurso interposto por terceiro interessado, não ficou demonstrada a intempestividade.
2. Sujeitando-se a Administração Pública ao autocontrole, no âmbito da mesma pessoa jurídica, exercitando o poder-dever, sob a aura do interesse público, a autoridade competente pode rever o ato inquinado de ilegalidade (Súmula 473/STF). "Ultima ratio", restará ao administrado, em tese, postular, danos e perdas (art. 37, § 6º, CF).
3. Nas vias recursais graduadas, inarredável o conhecimento do despique e oferecida ocasião para a defesa não procedem as invectivas versando ofensa ao princípio do "devido processo legal".
4. Segurança denegada.” (MS 5611/DF, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU de 29/03/99) (grifo nosso)

Feitas as ponderações pertinentes, cumpre ser firmado o entendimento de que a coisa julgada administrativa não exclui a matéria controvertida da apreciação do Poder Judiciário e não é oponível à revisão de ato administrativo para adequação aos requisitos previstos na lei previdenciária, enquanto não transcorrido o prazo decadencial.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao presente Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, processado como representativo de controvérsia - Tema 283 -, fixando a seguinte tese: "a coisa julgada administrativa não exclui a apreciação da matéria controvertida pelo Poder Judiciário e não é oponível à revisão de ato administrativo para adequação aos requisitos previstos na lei previdenciária, enquanto não transcorrido o prazo decadencial".

Em relação ao caso concreto submetido a julgamento, determina-se a devolução dos autos à Turma Recursal de origem, para adequação do julgado ao entendimento acima firmado.

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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