Decisão trata sobre contribuição como facultativo do segurado que possui renda
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o tema 241 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU que fixou a seguinte tese: O exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, § 2º, inciso II, alínea ‘b’, da Lei n. 8.212/1991, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 241. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. RECOLHIMENTOS COM ALÍQUOTA DE 5%. RENDA PRÓPRIA DECORRENTE DE ATIVIDADE INFORMAL E DE BAIXA EXPRESSÃO ECONÔMICA. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE À QUALIDADE DE SEGURADO E VALIDAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. PUIL IMPROVIDO. TESE FIXADA: "O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA, AINDA QUE INFORMAL E DE BAIXA EXPRESSÃO ECONÔMICA, OBSTA O ENQUADRAMENTO COMO SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA, NA FORMA DO ART. 21, §2º, II, ALÍENA 'B', DA LEI 8.212/91, IMPEDINDO A VALIDAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS SOB A ALÍQUOTA DE 5%.
TNU, PEDILEF 0179893-64.2016.4.02.5151/RJ, Juiz Federal relator Ivanir César Ireno Júnior, 27/10/2021.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por voto de desempate, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, julgando-o como representativo de controvérsia, nos termos do voto do Juiz Relator, para fixar a seguinte tese do tema 241: "o exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, alíena 'b', da Lei 8.212/91, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%". Vencidos os Juízes Federais FABIO DE SOUZA SILVA, PAULO CEZER NEVES JUNIOR, LUCIANE KRAVETZ, JAIRO SCHAFER e POLYANA BRITO, que davam provimento ao pedido.
Brasília, 21 de outubro de 2021.
RELATÓRIO
1. Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal - PUIL - intentado pela Parte Autora contra acórdão proferido pela 6ª TR da SJRJ, que reformou sentença que havia concedido auxílio-doença, em razão da ausência de qualidade de segurado na data de início da incapacidade, por não validação das contribuições vertidas como segurada facultativa dona de casa.
2. Na sessão do dia 06/09/2019, o PUIL foi admitido e afetado como representativo de controvérsia (Tema 241), com a seguinte questão controvertida: "Saber, para os fins do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91, se renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica impossibilita a validação dos recolhimentos efetuados na condição de segurado facultativo."
3. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) foi admitido como amicus curiae, apresentando memoriais (evento 26). O INSS apresentou memoriais (evento 44). O MPF não se manifestou (evento 24).
4. No evento 27, após verificar cumprido todo o procedimento do §6º do art. 16 do RI/TNU, declarei o processo apto para julgamento.
VOTO
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 241. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. RECOLHIMENTOS COM ALÍQUOTA DE 5%. RENDA PRÓPRIA DECORRENTE DE ATIVIDADE INFORMAL E DE BAIXA EXPRESSÃO ECONÔMICA. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE À QUALIDADE DE SEGURADO E VALIDAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. PUIL IMPROVIDO. TESE FIXADA: "o exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, alíena 'b', da Lei 8.212/91, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%.
5. Da admissibilidade do PUIL
Trata-se de matéria bem resolvida e superada, conforme se vê do acórdão de afetação constante do evento 12. O paradigma contrário apresentado é da própria TNU. Registro que não ocorreu fato superveniente à afetação a impedir o julgamento do PUIL como representativo de controvérsia.
6. Contexto fático, controvérsia e decisões das instâncias oridinárias
6.1. Eis o teor ao acórdão da TR de origem, que traz trecho relevante da sentença:
CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL CONSTATOU INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. BENEFÍCIO CONCEDIDO E PAGO ATÉ 02/10/2017. NÃO COMPROVADO O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA LEI 12.470/2011. PARTE AUTORA NÃO COMPROVOU QUE É SEGURADA FACULTATIVA SEM RENDA PRÓPRIA QUE SE DEDICA EXCLUSIVAMENTE AO TRABALHO DOMÉSTICO E QUE PERTENCE A FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. AS CONTRIBUIÇÕES RECOLHIDAS NESTA CONDIÇÃO NÃO PODEM SER CONSIDERADAS. AUTORA AFIRMOU NA PETIÇÃO INICIAL E AO PERITO QUE TRABALHAVA COMO COZINHEIRA. EM DILIGÊNCIA SOCIO ECONÔMICA CONFIRMOU QUE VENDE FABRICA E VENDE SALGADO COM SEU MARIDO EM HOSPITAIS. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADA FACULTATIVA DE BAIXA RENDA. RECURSO DO INSS CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA.
[...]
No caso em tela, no entanto, a discussão se refere ao cumprimento dos demais requisitos necessários à concessão do benefício, especialmente a qualidade de segurada, já que a patologia da autora dispensa a carência.
O CNIS de fls. 45 revela que a autora ingressou no RGPS em 01/03/2016, tendo recolhido contribuições entre 01/03 e 31/12/2016, sempre na qualidade de contribuinte facultativa de baixa renda mediante pagamento da alíquota reduzida de 5%.
[...]
Segundo a legislação tal forma de recolhimento com alíquota reduzida somente pode ser utilizado pelo microempreendedor individual e pelo segurado facultativo de baixa renda, este último desde que pertencente a família de baixa renda e se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico.
Todavia, a autora não comprovou que exerce trabalho exclusivamente doméstico, sem renda e em sua residência, tendo, ao contrário, informado ao perito nomeado pelo juízo (cf. fl.52 do laudo) que trabalhava como cozinheira.
Além disso, realizada diligência sócio-econômica (fls. 78/79), a autora informou que recebe R$ 87,00 referente ao Bolsa Família, seu marido não recebe nenhum benefício assistencial ou previdenciário. Disse que "ambos trabalham juntos fazendo salgadinhos para vender em empresas e hospitais, mas informam que as vendas não estão tão boas, o que fez com que o Sr. Artur iniciasse a feitura de peças de artesanato, recebendo com essas atividades juntos aproximadamente R$500,00 (quinhentos reais) mensais bruto".
Entendeu o magistrado a quo que "a renda pessoal de que a autora trata é extremamente informal e inconstante e aquela que é constante é exatamente aquela referente à assistência social que lhe é prestada e que está cadastrada no Cad Único (fls. 76 e 78/79), o que não invalida sua condição de segurada facultativa de família de baixa renda, nos termos do art. 21, § 2º e § 4º, da Lei 8.212/91". Aduziu, ainda, que "o entendimento do INSS fere de morte a busca por inclusão previdenciária de pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade social, mas possuam rendas informais advindas de benefícios assistenciais mínimos como bolsa família, além de ser nitidamente contrário à teleologia da Lei 12.470/2011, pois estimula o cidadão ou a mentir sobre a existência de eventual renda informal ou a sobreviver apenas de auxílios assistencialistas, não buscando o primado do trabalho e da auto-sustentação".
Discordo respeitosamente do entendimento acima.
Ainda se que se considere que qualquer rendimento que não exija obrigatória vinculação ao RGPS possa gerar contribuições facultativas ao sistema e, assim, benefícios previdenciários, não se pode olvidar que são duas as espécies de contribuintes facultativos:
[...]
Desse modo, não é só o fato de receber bolsa família que impede a validação das contribuições e, assim, que se cumpra o requisito da qualidade de segurado (considerando que a patologia da parte autora dispensa a carência). É o fato de a autora exercer atividade, ainda que informal, que não é exclusivamente doméstica e em sua própria residência.
Entendo que as alterações promovidas pela Lei 12.470/2011 pretenderam dar alguma proteção previdenciária às donas de casa e aos donos de casa (popularmente chamados de 'do lar') pertencentes às famílias de baixa renda. Ao utilizar as expressões conjugadas de “sem renda própria” e “se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda”, tal intenção do legislador fica bem evidente e identifica exatamente o segurado, buscando evitar fraudes, isto é, que pessoas que se enquadram como outras espécies de segurados recolhessem com uma alíquota reduzida em claro prejuízo à Previdência Social e à coletividade como um todo.
Não se pode esquecer, nesse contexto, que o legislador criou forma de contribuição excepcional para uma parte especial de segurados e realizou assim uma inclusão previdenciária. No entanto, essa forma especial observa os mesmos princípios das demais do RGPS, não se tratando de benefício assistencial. Assim, não basta a família ser de baixa renda para que se tenha direito a contribuir na forma do art. 21, §2º, da Lei 8.212/91.
A discussão é profícua e há bons argumentos relativos à ampliação da inclusão previdenciária e quanto à violação da autonomia pessoal (pela exigência de que alguém sem renda dependa de alguém para recolher suas contribuições), mas especialmente no caso de benefícios previdenciários por incapacidade tendo a interpretar de maneira mais restritiva a benesse legislativa.
Desse modo, as contribuições não podem ser validadas porque a autora não é segurada facultativa de baixa renda, ou seja, sequer detém a qualidade de segurada. Na falta desse requisito, o benefício não pode ser concedido, diga-se, ainda que a autora esteja incapacitada.
6.2. Eis, no que interessa, o teor do acórdão de afetação, que traz trecho essencial do PUIL:
Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal interposto pela parte autora contra acórdão de Turma Recursal (Rio de Janeiro) que deu provimento a recurso inominado do INSS para reconhecer que as contribuições previdenciárias vertidas na condição de segurada facultativa com base no art. 21, § 2º, II, 'b', da Lei 8.212/91 não poderiam ser validadas em razão do recebimento de renda informal, reformando, com isso, sentença de procedência exarada em ação na qual buscada a concessão do benefício de auxílio-doença.
Sustenta a parte autora, em síntese, que o acórdão recorrido diverge da jurisprudência firmada pela Turma Nacional de Uniformização, no sentido de que "a realização de “bicos” não possui, por si só, o condão de afastar a condição do segurado facultativo de baixa renda prevista no art. 21, §2º, II, alínea b, da Lei nº 8.212/91" (PEDILEF 05192035020144058300).
[...]
Por sua vez, o acórdão paradigma, emanado desta colenda Turma Nacional de Uniformização (PEDILEF 05192035020144058300), tem o seguinte teor:
"Trata-se de incidente de uniformização movido pela parte autora em face de Acórdão da Turma Recursal que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de auxílio-doença. - A sentença, integralmente confirmada pelo Acórdão recorrido, assim consignou, in verbis: “(...) No caso dos autos, vê-se que a autora é faxineira (declarado tanto na petição inicial quanto na perícia judicial), embora não exerça suas atividades desde abril de 2014 (declarado na perícia judicial). Vê-se nas GPS (anexos 11-13) que a autora realizou contribuições ao INSS na qualidade de segurada facultativa de baixa-renda (código 1929), de janeiro/2012 a junho/2014. Intimada para comprovar sua condição de segurada facultativa de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, b, c/c art. 21, §4º, todos da Lei nº 8212/91 (ausência de renda própria, família inscrita no CadÚnico e renda mensal familiar de até 2 salários mínimos), a autora comprovou apenas que é inscrita no CadÚnico e possui NIS. Ressalte-se que não há que se confundir o segurado facultativo de baixa-renda (aquele que não exerça atividade remunerada, não possua renda própria, pertença a família de baixa renda e esteja inscrito no sistema Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico) com a faxineira, diarista, etc. Este é o caso da autora (faxineira), conforme declarado pela mesma em sua petição inicial e também por ocasião da perícia judicial. Assim, conforme extrato do CNIS e CTPS da autora (último vínculo findou em abril/1993), por aplicação do inciso II do artigo 15, c/c §§ 1º e 2º, todos da Lei nº 8.213/91, a condição de segurada da Autora vigorou até abril de 1996, se considerado o período máximo de prorrogação para o período de graça. Dessa forma, observo que, por ocasião do início da incapacidade (12/11/2014), a Demandante não ostentava a qualidade de segurada.”. (...) Entendo que as expressões “sem renda própria” e “exclusivamente” devem ser interpretadas sistematicamente e teleologicamente, sob pena de criar-se um paradoxo. O contribuinte facultativo de baixa renda é o único responsável pelo recolhimento da sua contribuição. Se não possuir “renda nenhuma”, como poderá contribuir para a Previdência Social? Impor a necessidade de recolher sua contribuição, mas ao mesmo tempo dizer que “não deve possuir renda própria” é criar um paradoxo. O significado “renda própria”, portanto, deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS. - A legislação criou o contribuinte facultativo de baixa renda, o que não significa "zero renda". Se qualquer renda estiver excluída, deixaria de ser previdência para converter-se em assistência social, já que o segurado vai depender de terceiro - seja do próprio governo, seja de uma outra pessoa, parente ou não - para recolher a sua contribuição previdenciária. É forçoso “renda marginal” que muitas vezes nem chega a um salário mínimo ou dois salários mínimos. Interpretar a lei desta maneira seria manter o estado de exclusão que o legislador constituinte quis evitar. (...) Isso porque, a meu ver, a realização de bicos na condição de faxineira/diarista não possui, por si só, o condão de descaracterizar a condição de dona de casa de baixa renda, sendo imprescindível um estudo quanto à sua miserabilidade. (...) Por conseguinte, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao incidente de uniformização, afirmando a tese de que a realização de “bicos” não possui, por si só, o condão de afastar a condição do segurado facultativo de baixa renda prevista no art. 21, §2º, II, alínea b, da Lei nº 8.212/91." (grifos nossos)
[...]
É fato que paira controvérsia sobre o real conteúdo desse precedente da TNU. Não obstante, é inegável que inúmeros juízes de primeira instância, assim como diversas turmas recursais, têm, Brasil afora, aplicado a tese acima exposta. Ressai hialino, nesse contexto, a absoluta relevância de este colendo colegiado reenfrentar o tema e esquadrinhá-lo no rito dos pedidos de uniformização representativos de controvérsia, ocasião em que, inclusive, poderá ser melhor examinado o próprio conteúdo do julgado paradigma que tem sido aplicado em um sem-número de ações previdenciárias em trâmite no território nacional, definindo de forma clara o atual posicionamento esgrimido pela TNU em tão controverso assunto.
7. Do resumo das argumentações do INSS e do amicus curiae
7.1. Memorial INSS:
(i) no âmbito da previdência, de caráter contributivo, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento é cumprido pelo princípio da universalidade de participação nos planos previdenciários (art. 2º, I, da Lei 8.213/91); assim, foi criada a figura do segurado facultativo, uma vez que a previdência, a princípio, desde a sua origem, foi criada para proteger o trabalhador, ou seja, a pessoa que exerce atividade remunerada;
(ii) conforme §12 do art. 201 da CF/88, na redação dada pela EC 47/2005, e diante do elevado custo da filiação previdenciária para os segurados de baixa renda, foi determinada a criação de um sistema de inclusão previdenciária para dar efetividade ao princípio da universalidade;
(iii) inicialmente destinada ao MEI (MP 529), a alíquota de 5% foi estendida - pelo parlamento - à dona de casa, para ampliar a formalização do facultativo e em "homenagem ao trabalho realizado ao longo da vida e que não gozava de qualquer reconhecimento formal da sociedade";
(iv) segundo a lei, os destinatários são: a) ter filiação como segurado facultativo; b) não ter renda própria; c) dedicação exclusiva ao trabalho doméstico, na própria residência; d) inscrição da família no Cadastro Único; e) renda do grupo familiar até dois salários mínimos;
(v) a relativização de um desses requisitos já foi afastado pelo TNU no tema 181 (inscrição CADÚnico);
(vi) renda própria abrange: a) rendimentos patrimonais (aplicação fianceira e alguéis); b) exercício de atividade remunerda formal e informal; c) recebimento de benefícios da seguridade social, salvo o bolsa-família;
(vii) exercício de atividade remunerada, formal ou informal, importa filiação como segurado obrigatório e afasta a filiação como facultativo; ademais, a lei exije exclusividade do trabalho doméstico no âmbito residencial;
(viii) flexibilizar os requisitos legais violaria princípios de justiça tributária, prejudicando quem recolhe corretamente a alíquota de 11% ou se filia formalmente como MEI; além disso, seria um enorme incentivo para práticas elisivas, com segurados com renda própria contribuindo com 5% ao invés de 11%;
(ix) "Como o trabalho informal é de difícil fiscalização, sequer seria possível mensurar quanto efetivamente determinado indivíduo auferiu ao longo do tempo. Tratar-se-ia, pois, de uma prova produzida unilateralmente. Além disso, a noção do que seria "baixa expressão econômica" é algo extremamente subjetivo, dando ensejo a uma enorme insegurança jurídica e custo para o Estado";
(x) "O objetivo da legislação previdenciária foi fomentar a inclusão previdenciária de um grupo específico, e não reduzir a alíquota do tributo social de outros grupos.";
(xi) "Em acréscimo, a orientação de que o trabalhador informal enquadra-se como "trabalhador de baixa renda" é, com a devida vênia, absolutamente inadequada, independentemente da técnica interpretativa. Mais uma vez: como poderia uma lei resguardar o trabalhador informal, estimulando o comportamento desviado? Afinal, se a TNU concluir pela possibilidade de flexibilização do critério legal, qual trabalhador regularizaria a sua situação como microempreendedor individual ou recolheria
a alíquota de 11%?";
(xii) conclusão: requer a fixação da seguinte tese: "A percepção de renda própria, ainda que de baixa expressão econômica, seja ela decorrente de rendimentos patrimoniais, do exercício de atividade remunerada formal ou informal ou do recebimento de benefício da seguridade social, à exceção do bolsa-família, inviabiliza o recolhimento da contribuição de 5% na forma do art.21, § 2º, II, da Lei 8.212/91."
7.2. Memorial do IBDP:
(i) De fato, parece-nos que a expressão “sem renda própria” exclui qualquer renda, formal ou informal, sendo que neste período se trataria de segurada contribuinte individual, devendo contribuir com 11% do salário-mínimo, nos termos do art. 21, § 2º, inc. I e não no art. 21, § 2º, II, 'b';
(ii) Entende-se que admitir renda própria para enquadramento da dona-de-casa poderia gerar uma análise subjetiva (quanto seria essa renda? Seria com base no caso concreto? Com que parâmetro?), o que não é desejável diante do princípio da isonomia.
(iii) no entanto, se segurado tem renda própria ele poderia ser microempreendedor individual, que recolhe a mesma alíquota de 5%;
(iv) de ser oportunizado o pagamento da complementação da contribuição de modo a alcançar a alíquóta previsto no art. 21, §2º, I, também da Lei 8212/91;
(v) conclusão: "Assim, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário opina para que seja fixada a tese de que “Caso haja renda informal que afaste a aplicação do art. 21, § 2º, II, 'b', da Lei 8.212/91, mas o segurado possa ser enquadrado no art. 21, § 2º, II, 'a', da mesma Lei, deve ser aproveitada a contribuição como microempreendedor individual. Afastada essa possibilidade, deve ser oportunizado o pagamento da complementação da contribuição de modo a alcançar a alíquota prevista no art. 21, § 2º, I, também a Lei 8.212/91.”
8. Da jurisprudência sobre o tema
8.1. Não localizei jurisprudência do STJ sobre o tema a orientar a decisão da TNU. A TNU tem o julgado adotado como paradigma no PUIL.
8.2. A TRU da 5ª Região tem julgamento contrário à tese do PUIL, nos seguintes termos:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE INCONTROVERSA. DISCUSSÃO ACERCA DA QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DA PARTE AUTORA. CF/88 ART. 201, § 12 E 13 C/C ART. 21, §2º, II, “b”, DA LEI Nº 8.212/91). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA SOB O FUNDAMENTO DE SER SERGURADO OBRIGATÓRIO [CONTRIBUINTE INDIVIDUAL]. PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO DE QUE O SEGURADO FACULTATIVO NÃO DEVE POSSUIR RENDA OU EXERCER QUALQUER ATIVIDADE ECONÔMICA. ART. 201, §12, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ARTIGO 21, §2º, II, “b”, LEI 8.212/91. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL PARA CRIAÇÃO DE OUTRA HIPÓTESE DE SEGURADO DE BAIXA RENDA. IMPORTÂNCIA DE GARANTIR O EQUILÍBRIO ATUARIAL DO SISTEMA E DE PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO PARA CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS OU AMPLIAÇÃO DE NOVAS HIPÓTESES DE SEGURADO. SEGURADO QUE RECEBE RENDA, AINDA QUE INFORMAL, NÃO PODE CONTRIBUIR SOB A ALÍQUOTA DE 5% SEM PRÉVIA PREVISÃO LEGAL. VEDAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO. QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA DESCARACTERIZADA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. MANTIDO O ACÓRDÃO RECORRIDO.
[...]
Diante do exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao incidente de uniformização, para o fim de: 1) firmar a tese de que o exercício de atividade remunerada (ainda que informal e os rendimento auferidos sejam considerados baixos) afasta a condição de segurado facultativo de baixa renda, prevista on art. 22, § 2º, inciso II, alínea 'b' da Lei 8.212/91 (Processo 0503776-98.2014.4.05.8401)
9. Das propostas de tese do IBDP e do INSS: matérias estranhas ao debate nas instâncias de origem e no PUIL e sem relação imediata, direta, prejudicial e necessária com o tema controverso
9.1. A par de concordar com o INSS no sentido de que a "expressão sem renda própria exclui qualquer renda, formal ou informal, sendo que neste período se trataria de segurada contribuinte individual, devendo contribuir com 11% do salário-mínimo", o IBDP propõe que a solução do tema 241 contemple, na tese, os seguintes pontos: a) possibilidade do segurado que tem renda própria ser reconhecido como MEI; b) alternativamente, ser oportunizado o pagamento da complementação da contribuição de modo a alcançar a alíquóta prevista no art. 21, §2º, I, também da Lei 8212/91.
9.2. Com a devida vênia, os pontos em questão nao foram tratados pelas instâncias ordinárias ou agitados no PUIL. Também não foram objeto do acórdão de afetação. Por fim, não são temas prejudiciais ou intrínsecos à questão controversa em debate, que devem, obrigatoriamente, ser aqui decididos. Na verdade, o caso da complementação, por exemplo, tem legislação e casuística específica, que será, em alguma medida, tratado no tema 286.
9.3. Já o INSS requer que a tese alcance os rendimentos patrimonais (aplicação financeira, aluguel etc) e os benefícios da seguridade social, à exceção do bolsa família, como elementos impeditivos do recolhimento como "dona de casa/facultativo de baixa renda". No entanto, a controvérsia nas instâncias ordinárias e que foi afetada pela TNU alcança, somente, a renda decorrente de atividade remunerada, ou seja, trabalho. Assim, também é forçoso reconhecer que o INSS quer ampliar, indevidamente, o objeto da afetação.
9.4. Nesse contexto, não é possível ampliar o debate estabelecido com a afetação, para incluir as propostas do IBDP e do INSS (parcial), que serão rejeitadas de plano, sem prejuízo de enfretamento oportuno em outros processos, se for o caso.
10. Da legislação de regência: os requisitos para se enquadrar como segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda ("dona de casa/segurado facultativo de baixa renda")
10.1. Textos legais:
CF/88:
Art. 201. (...)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
§ 12. Lei instituirá sistema especial de inclusão previdenciária, com alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda, inclusive os que se encontram em situação de informalidade, e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
Lei 8.212/91:
§ 2o No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - 5% (cinco por cento): (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; e (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) (Produção de efeito)
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 4o Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
IN 77/2015
Art. 55. Podem filiar-se na qualidade de facultativo os maiores de dezesseis anos, mediante contribuição, desde que não estejam exercendo atividade remunerada que os enquadre como filiados obrigatórios do RGPS.
§ 1º Podem filiar-se facultativamente, entre outros:
[...]
XIII - o segurado sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente à família de baixa renda, com pagamento de alíquota de 5% (cinco por cento), observado que:
a) o segurado facultativo que auferir renda própria não poderá recolher contribuição na forma prevista no inciso II, b, do art. 21 da Lei nº 8.212, de 1991, salvo se a renda for proveniente, exclusivamente, de auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e de valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;
b) considera-se de baixa renda, para os fins do disposto no inciso XIII do caput deste artigo, aquele segurado inscrita no CadÚnico, cuja renda mensal familiar seja de até dois salários mínimos;
c) o conceito de renda própria deve ser interpretado de forma a abranger quaisquer rendas auferidas pela pessoa que exerce trabalho doméstico no âmbito de sua residência e não apenas as rendas provenientes de trabalho;
e
10.2. A princípio e genericamente, para se filiar como segurado facultivo no RGPS são necessários os seguintes requisitos: a) manifestar vontade, via inscrição e pagamento da primeira contribuição; b) ter idade mínima de ingresso (16 anos); c) não exercer atividade remunerada que implique filiação obrigatória a algum regime de previdência.
10.3. No entanto, a CF/88 e a Lei 11.470/2011 criaram uma categoria específica de segurado facultativo (na verdade, duas, considerado o MEI), a do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, conhecido, popularmente, como "dona de casa de baixa renda/segurado facultativo de baixa renda"1, que, além dos requisitos genéricos, deve cumprir requisitos específicos para se filiar, quais sejam:
a) não possuir renda própria;
b) se dedicar, exclusivamente, ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência;
c) estar inscrito no CADÚnico;
d) pertencer a família de baixa renda (renda mensal de até 2 sm's).
10.4. É importante lembrar que, cumprindo os comandos constitucionais de universalidade na participação nos planos previdenciários e inclusão previdenciária, já em 2006, por meio da LC 123, o legislador havia criado as figuras do contribuinte individual sem relação de emprego com empresa e equiparado e do faculativo que optarem pela exclusão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com alíquota de contribuição de 11% sobre o salário mínimo mensal. Para esse facultativo, em particular, não é exigido qualquer outro requisito específico, salvo imposição de vedação de acesso à aposentadoria por tempo de contribuição.
10.5. Como se vê, com a LC 123/2006 e a Lei 12.470/2011 o legislador ordinário deu cumprimento, efetivamente, ao ditame da inclusão previdenciária, permitindo que milhares de segurados de baixa renda, inclusive, facultativos2, tivessem acesso facilitado ao RGPS e à proteção social, com um custo reduzido e uma proteção ampla. Custo reduzido em razão das alíquotas de 5% e 11% e proteção ampla em razão da exclusão, somente, do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (extinto com a EC 103/2019, salvo nas regras de transição).
10.6. Veja-se que, no caso do MEI e da "dona de casa de baixa renda", essa proteção é realmente efetiva e concreta, considerada a relação baixo custo X rol de proteção X requisitos de acesso. Tomo a liberdade de fazer uma conta simples, de conhecimento de todos que operam no direito previdenciário. Para faciliar, vamos imaginar um SM de R$ 1.000,00. Contribuição mensal de R$ 50,00 (5%). Carência para a aposentadoria por idade de 15 anos. Custo total das contribuições (sem correção monetária): R$ 9.000,00 (50 x 180). Valor mínimo do benefício: R$ 1.000,00 (01 SM). Nesse contexto, em tese, após 9 meses de benefécio todo o valor contributivo estaria recuperado. Frisando que, durante o período de carência, já estava em curso proteção contra eventos como incapacidade, morte, maternidade e prisão.
10.7. Inclusive, é importante registrar que essa inclusão é feita à custa de renúncia de receitas previdenciárias, que, por exemplo, no caso do MEI, alcançou, segundo dados de 2017, R$ 1,5 bilhão (TAFNER e Nery. Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar. Elsevier, 2019, p. 208).
11. Da (im)possibilidade de flexibilização dos requisitos: renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica
11.1. No mérito, inobstante o respeito às posições contrárias, tenho que a questão controversa é de fácil solução, bastando aplicar diretamente o comando da CF/88 (e da Lei 12.470/2011, que apenas repetiu a CF/88), que foi expresso, didático, incisivo e repetitivo ao identificar quem seria benefíciário da inclusão previdenciária privilegiada, com a alíquota reduzida de 5%: "aqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda".
11.2. Assim, quem tem renda própria e não se dedica com exclusividade ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, não pode ser segurado facultativo de baixa renda, benefíciário da alíquota de 5%.
11.3. E veja-se que o caso é emblemático. Sequer aqui é possível se socorrer do elástico princípio da dignidade da pessoa humana, utilizado nos últimos anos como "curinga" para ampliar benefícios legais, uma vez que a identificação e limitação dos benefíários já constam, repito, de forma clara, incisiva e unívoca da própria CF/88, somente tendo a lei repetido os seus termos e a IN 77/2015 explicitado o seu alcance.
11.4. Quando a CF/88 fala sem renda própria, não é possível ao Poder Judiciário ler "sem renda formal própria ou sem renda formal ou informal que seja de médio ou elevado valor", para acomodar as convicções pessoais do magistrado acerca de quem deveria ser beneficiário da norma. Essa leitura distorce a escolha constitucional nos seus aspectos formal (transforma "sem" em "com") e material, que elegeu, na construção de uma política pública, um público específico e delimitado para ter o favor previdenciário, qual seja, as pessoas sem renda própria.
11.5. E a CF/88 reforça a não mais poder essa sua primeira opção, qual seja, pessoas sem renda própria, ao exigir, quase gritando, com um advérbio de modo unívoco, que esse benefíciário, além não ter renda própria, deve se dedicar, exclusivamente, ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência. Assim, é evidente que o beneficiário não pode exercer atividade remunerada. A não ser que se queira também extrair do texto constitucional a seguinte leitura, por exemplo: "se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, salvo se fizerem salgados para vender em hospitais ou empresas" (hipótese concreta dos autos), o que não se mostra possível.
11.6. A sentença sustenta que "o entendimento do INSS fere de morte a busca por inclusão previdenciária de pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade social". Essa afirmação não é verdadeira e deve ser atribuída à sensibilidade social do julgador, na tentativa de materializar a sua visão do alcance subjetivo e objetivo que deveria ser dado ao beneficio.
11.7. Primeiro porque, como já visto (item 10.5 retro), a inclusão proprocionada pela regra em comento, na prática, favoreceu milhares de donas de casa de baixa renda com proteção previdenciária ampla e a preço módico, protegendo uma população historicamente vulnerável.
11.8. Segundo, porque a política de inclusão previdenciária não beneficiou "as donas de casa de baixa renda" e se esqueceu de todos os outros facultativos vulneráveis, propiciando também a eles uma alíquota diferenciada e ainda vantajosa de 11%, muito mais barata, efetiva e acessível do que qualquer forma de poupança pessoal ou proteção social fora do sistema público de seguridade social.
11.9. Por fim, para quem exerce atividade remunerada, como a parte autora no caso dos autos, ainda que de baixo rendimento, o RGPS garante a filiação como segurado contribuinte individual, com alíquotas reduzidas de 11% (desde que não preste serviço a pessoa jurídica) ou de 5%, neste último caso desde que previamente formalizada como MEI, o que a parte autora e todos os outros na mesma condição podem fazer, acessando o portal do SISMEI. O que não se pode fazer ou admitir é relativizar uma política pública amparada em renúncia fiscal, porque parte dos seus destinatários, favorecidos por ela, injustificadamente, não querem cumprir regras mínimas de validação e aderência.
11.10. Como se vê, não faz sentido qualquer desobediência ao ordenamento legal, apelar a princípios abstratos ou ativismos judiciais para alcançar, em uma hipótese ou outra, proteção previdenciária de baixo custo
11.11. Outro argumento sem lastro e descontestualizado, também utilizado na sentença, é o seguinte: "As expressões "sem renda própria "e "exclusivamente" devem ser interpretados sistemática e teleologicamente, sob pena de criar-se um paradoxo. O contribuinte facultativo de baixa renda é o único responsável pelo recolhimento da sua contribuição. Se não possuir "renda nenhuma", como poderá contribuir para a Previdência Social?" Primeiro, porque, como já destacado, foi uma escolha constitucional o facultativo não ter renda e não exercer atividade remunerada. Segundo, porque o grupo familiar pode ter renda de até 02 SM's, o que garante a fonte de custeio para o pagamento da contribuição.
11.12. Em resumo, está correta a interpretação dada pelo INSS, inclusive na IN 77/2015, no sentido de que: (i) o segurado facultativo que auferir renda própria não poderá recolher contribuição na forma prevista no inciso II, b, do art. 21 da Lei nº 8.212, de 1991, salvo se a renda for proveniente, exclusivamente, de auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária e de valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; (ii) a renda do trabalho, formal ou informal (ainda que decorrente do chamado "bico"), afasta a possibilidade de se enquadrar como segurado facultativo de baixa renda (5%); (iii) o conceito de renda própria deve ser interpretado de forma a abranger quaisquer rendas auferidas pela pessoa que exerce trabalho doméstico no âmbito de sua residência e não apenas as rendas provenientes de trabalho. Quanto a esse último ponto relembro, no entanto, que para o tema 241 só interessa a renda proveniente do trabalho, conforme explicado item 8 retro.
11.13. Caminhando para o final, tenho que qualquer ampliação do espectro subjetivo/objetivo de proteção concedido pela CF/88 às "donas de casa/facultivos de baixa renda" esbarra, claramente, nos princípios da legalidade, da prévia fonte de custeio (art. 195, §6º, da CF/88), da vedação da interpretação ampliativa de isenções/renúncias fiscais e da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS (art. 201, caput, da CF/88). Além do mais, incentiva práticas elisivas (com segurados com renda contribuindo com 5% e não 11%) e ajuda a perpetuar a informalização do nosso mercado de trabalho, retirando incentivos para que as pessoas formalizem suas atividades econômicas, inclusive como MEI3. Não devemos nos iludir que, hoje, sem formalização, diversas diaristas já recolhem 5% ao invés de 11%, se passando por donas de casa de baixa renda. Sem retórica, o Judiciário não deve colaborar com esses eternos "jetinhos" brasileiros.
11.14. Outro inconveniente de se acolher a tese do PUIL foi bem colocado pelo INSS: "Como o trabalho informal é de difícil fiscalização, sequer seria possível mensurar quanto efetivamente determinado indivíduo auferiu ao longo do tempo. Tratar-se-ia, pois, de uma prova produzida unilateralmente. Além disso, a noção do que seria "baixa expressão econômica" é algo extremamente subjetivo, dando ensejo a uma enorme insegurança jurídica e custo para o Estado". A própria pergunta de afetação, em caso de provimento do PUIL, somente poderá ser respondida de forma abstrata, remetando para os milhares de casos concretos a "definição de atividade informal de baixa expressão econômica". Lembro o que disse o IBDP: "Entende-se que admitir renda própria para enquadramento da dona-de-casa poderia gerar uma análise subjetiva (quanto seria essa renda? Seria com base no caso concreto? Com que parâmetro?), o que não é desejável diante do princípio da isonomia."
11.15. Em síntese, qualquer atividade laborativa remunerada, eventual, formal ou informal, inclusive os convenientes "bicos", se enquadram na restrição constitucional de que trata o tema 241. Previdência social é coisa séria que demanda segurança jurídica, em especial considerada a importância para a população e a forte demanda à qual estão submetidos os órgãos administrativos e judiciários para a apreciação e concessão de benefícios.
11.16. Finalizo transcrevendo acórdão constante dos memoriais do INSS, que pela riqueza de seu conteúdo merece ser reproduzido:
PREVIDENCIÁRIO. ADEQUAÇÃO DO JULGADO. PRECEDENTE DA TRU DA 5a. REGIÃO. AUXÍLIODOENÇA. SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA-RENDA. SEGURADO QUE RECEBE RENDA, AINDA QUE INFORMAL, NÃO PODE CONTRIBUIR COM ALÍQUOTA DE 5% SEM PRÉVIA PREVISÃO LEGAL.QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA DESCARACTERIZADA. RECURSO DO INSS PROVIDO.
Trata-se de recurso inominado interposto pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de auxílio-doença a segurada facultativa de baixa renda. No acórdão do anexo 17, esta Turma Recursal entendeu que os valores declarados como renda mensal pessoal eram irrisórios, não tendo tal fato o condão de desqualificar a demandante como segurada facultativa de baixa renda, mantendo, assim, a sentença recorrida.
No entanto, Turma Regional de Uniformização da 5a. Região proferiu a seguinte decisão: “O objeto da presente controvérsia diz respeito à possibilidade de exercício de atividade remunerada por parte de segurado facultativo de baixa renda, quando esses rendimentos auferidos sejam mínimos. Sobre a matéria, a Turma Regional de Uniformização firmou o seguinte entendimento, quando do julgamento do processo n° 0503776- 98.2014.4.05.8401, "in verbis": "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE INCONTROVERSA. DISCUSSÃO ACERCA DA QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DA PARTE AUTORA. CF/88 ART. 201, § 12 E 13 C/C ART. 21, §2º, II, “b”, DA LEI Nº 8.212/91). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA SOB O FUNDAMENTO DE SER SERGURADO OBRIGATÓRIO [CONTRIBUINTE INDIVIDUAL]. PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO DE QUE O SEGURADO FACULTATIVO NÃO DEVE POSSUIR RENDA OU EXERCER QUALQUER ATIVIDADE ECONÔMICA. ART. 201, §12, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ARTIGO 21, §2º, II, “b”, LEI 8.212/91. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL PARA CRIAÇÃO DE OUTRA HIPÓTESE DE SEGURADO DE BAIXA RENDA. IMPORTÂNCIA DE GARANTIR O EQUILÍBRIO ATUARIAL DO SISTEMA E DE PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO PARA CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS OU AMPLIAÇÃO DE NOVAS HIPÓTESES DE SEGURADO. SEGURADO QUE RECEBE RENDA, AINDA QUE INFORMAL, NÃO PODE CONTRIBUIR SOB A ALÍQUOTA DE 5% SEM PRÉVIA PREVISÃO LEGAL. VEDAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO. QUALIDADE DE SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA DESCARACTERIZADA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. MANTIDO O ACÓRDÃO RECORRIDO. (...) 7. Ademais, percebe-se, no documento 31, que a autora desempenha a atividade de costureira, auferindo a renda de R$ 200,00 (duzentos reais). 8. Assim sendo, diante da situação arrazoada alhures, torna-se imperioso notar que a parte recorrente não está albergada pela qualidade de segurada facultativa de baixa renda. 9. Sentença reformada. (...) Tenho que o segurado facultativo de baixa renda não pode possuir renda própria para efeito de contribuição sob a alíquota reduzida de 5% prevista na alínea “b”, inciso II, do §2º do art. 21, da Lei 8.212/91. Como bem disse o relator, o texto constitucional consagrou a inclusão previdenciária daqueles "sem renda própria" que se dediquem "exclusivamente" ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência desde que pertencente à família de baixa renda. (...) Ainda conforme ressaltou o relator, segurado facultativo é aquele, que não sendo segurado obrigatório do RGPS (art. 14 da Lei n.º 8.212/91, art. 13 da Lei n.º 8.213/91 e art. 11 do Decreto n.º 3.048/99) ou regime próprio (art. 201, § 5º da CF/88), vincula-se a Previdência social mediante ato volitivo com o recolhimento de contribuição correspondente. Concordo com o ilustre relator quando consigna que o significado “renda própria” deve ser compreendido como não exercer atividade remunerada que enseje a sua filiação obrigatória ao RGPS, como contribuinte individual ou como segurado empregado, por exemplo. Nada obstante, penso ser impossível flexibilizar a exigência de inexistência de renda para a caracterização do segurado facultativo de baixa renda, pois o próprio legislador constituinte reformador deixou claro o intuito de criar apenas duas novas espécies de segurado, para efeito de inclusão previdenciária: (i) Para atender aos trabalhadores de baixa renda; (ii) Àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda. Não há como fugir dessa interpretação, senão através da inovação legislativa desprovida de respaldo constitucional, pois não se autorizou a criação de hipótese híbrida de segurado de baixa renda (segurado facultativo com renda própria, mas informal). Também não vejo qualquer inconstitucionalidade da emenda constitucional, ao criar essas duas hipóteses de segurado de baixa renda, pois terminou por observar o princípio da inclusão previdenciária, admitindo àqueles com baixa renda ou sem renda própria serem cobertos pela rede de proteção previdenciária. Não vejo qualquer inconstitucionalidade por omissão, já que o legislador constituinte também atribuiu ao legislador ordinário a competência para definir as hipóteses de inclusão previdenciária, cuidando o dispositivo constitucional do art. 201 de norma de eficácia limitada. Assim, diante da presunção de constitucionalidade das normas, antes de qualquer decisão em sentido contrário do Supremo Tribunal Federal, tenho que deve prevalecer o entendimento sobre a existência de duas novas figuras de segurado: os de baixa renda (aqueles contribuintes individuais que exercem atividade laborativa - microempreendedor); e os sem qualquer renda própria (segurado facultativo). Se não foi a intenção do legislador constituinte reformador criar a hipótese de inclusão previdenciária do segurado facultativo que exerce atividade remunerada (ainda que informal), não pode o Judiciário se arvorar a legislador positivo, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes (art. 2º, CF). Força ressaltar, portanto, não haver qualquer possibilidade de interpretação ampliativa do quanto disposto no artigo 21, §2º, II, "b", da Lei 8.212/91, sobretudo porque o legislador ordinário limitou-se a reproduzir as novas espécies de segurado previstas na Emenda Constitucional nº 47/2005. Reconhecer a validade das contribuições efetuadas por segurado com renda própria como se fosse segurado facultativo de baixa renda representaria retirar a eficácia da alínea "a", do inciso II, §2º, do artigo 21, da Lei 8.212/91, que prevê a redução da alíquota da contribuição previdenciária na hipótese de inscrição no Simples Nacional pelo microempreendedor individual. A criação de mais uma espécie de segurado facultativo, como sugere a leitura do judicioso voto do relator (o facultativo com renda própria informal), para além de contrariar o próprio conceito de segurado facultativo (aquele que não é segurado obrigatório nem se encontra filiado a regime próprio), encontra empeço nos princípios constitucionais da seguridade social, quais sejam, o da precedência da fonte de custeio, segundo o qual não se pode criar benefício ou estendê-lo a outras categorias de segurados, sem que haja a correspondente fonte de custeio total (art. 195, §5º); bem como o do equilíbrio financeiro e atuarial, pelo qual somente pode ocorrer despesa para o fundo quando também exista, em proporção adequada, receita que venha cobrir os gastos decorrentes da alteração legislativa, a fim de evitar o colapso das contas do sistema. Com efeito, quando da reforma previdenciária em 2005, editada para assegurar a inclusão previdenciária de segurados de baixa renda, se vislumbrou a ampliação de benefícios para contribuintes individuais (inclusive microempreendedores de baixa renda) e segurados facultativos (sem renda própria e integrantes de famílias de baixa renda), sem prever a inclusão previdenciária daquelas pessoas com renda própria, ainda que integrantes de núcleo familiar de baixa renda. Ainda que louvável a pretensão de fazer incluir no sistema esta última categoria, não se pode olvidar ter sido intenção indubitável do legislador constituinte reformador a sua exclusão, diante da literalidade da norma: "§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. Norma constitucional essa reproduzida literalmente na lei ordinária que a regulamentou (...) Desse modo, reputo que a existência de renda decorrente da atividade de regular de costureira constitui óbice ao reconhecimento da qualidade de segurado facultativo de baixa renda. Vale salientar que o recolhimento de contribuição previdenciária com base numa alíquota de 5% do salário mínimo não é exclusivo do contribuinte facultativo de baixa renda, uma vez que o microempreendedor individual [art. 21, § 2º, II, "a" da Lei n.º 8.212/91, incluído pela Lei nº 12.470/2011, c/c art. 18-A da Lei Complementar nº 123/2006] também aufere renda e recolhe sua contribuição na alíquota de 5%. Assim, uma vez cumpridos os requisitos formais previstos no art. 18-A da Lei Complementar n.º 123, poderá a recorrente contribuir sob a alíquota de 5% na condição de microempreendedor individual, de forma a afastar o fundamento do relator de que a norma consagraria um tratamento discriminatório daqueles que recebem rendas informais. Acontece que, para se admitir as contribuições vertidas pela recorrente como se realizadas por microempreendedor individual, deveria restar comprovada a sua inscrição no Simples Nacional, nos termos do art. 18-A da Lei Complementar n.º 123/2006, o que não consta dos autos e ensejaria o revolvimento de matéria fática, de modo a fragilizar o argumento do relator sobre a validação dessas contribuições, sob esse novo prisma. Diante do exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao incidente de uniformização, para o fim de: 1) firmar a tese de que o exercício de atividade remunerada (ainda que informal e os rendimentos auferidos sejam considerados baixos) afasta a condição de segurado facultativo de baixa renda, prevista no art. 21, § 2º, inciso II, alínea "b" da Lei nº 8.212/91; 2) manter o acórdão recorrido do anexo 39". PAULO ROBERTO PARCA DE PINHO Juiz Federal Presidente, em exercício, da 1ª TRPE - Recurso do INSS provido para julgar improcedente o pedido, nos termos do precedente da TRU da 5a. Região. - Sem condenação em honorários advocatícios, pois não há a figura do recorrente vencido. - É o voto. (Recursos 0501329-85.2015.4.05.8310, Joaquim Lustosa Filho, TRF3 - TERCEIRA TURMA RECURSAL, Creta - Data::22/08/2017 - Página N/I.)
12. Da conclusão
Em face do exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao PUIL, julgando-o como representativo de controvérsia, para fixar a tese do tema 241 nos seguintes termos: "o exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, alíena 'b', da Lei 8.212/91, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%.
IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, Juiz Relator
VOTO
Trata-se, na origem, de demanda ajuizada por Nadja Correa Ribeiro em face do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, por meio da qual postula concessão de auxílio-doença e sua conversão em aposentadoria por invalidez.
Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido ao fundamento de que restou comprovada a qualidade de segurada da parte autora quando da data fixada pelo perito como de início de sua incapacidade, computando como válidas as contribuições pagas como segurada facultativa (dona de casa).
Inconformada, recorreu a Autarquia Previdenciária, sustentando que, para a configuração da condição de segurado facultativo baixa renda, é necessário que não haja obtenção de qualquer tipo de renda, sendo necessária a dedicação exclusiva aos afazeres domésticos.
A Sexta Turma Recursal do Rio de Janeiro decidiu reformar a sentença, por entender que, verbis:
"[...]
Todavia, a autora não comprovou que exerce trabalho exclusivamente doméstico, sem renda e em sua residência, tendo, ao contrário, informado ao perito nomeado pelo juízo (cf. fl.52 do laudo) que trabalhava como cozinheira.
Além disso, realizada diligência sócio-econômica (fls.78/79), a autora informou que recebe R$ 87,00 referente ao Bolsa Família, seu marido não recebe nenhum benefício assistencial ou previdenciário. Disse que "ambos trabalham juntos fazendo salgadinhos para vender em empresas e hospitais, mas informam que as vendas não estão tão boas, o que fez com que o Sr. Artur iniciasse a feitura de peças de artesanato, recebendo com essas atividades juntos aproximadamente R$500,00 (quinhentos reais) mensais bruto".
[...]
Desse modo, não é só o fato de receber bolsa família que impede a validação das contribuições e, assim, que se cumpra o requisito da qualidade de segurado (considerando que a patologia da parte autora dispensa a carência). É o fato de a autora exercer atividade, ainda que informal, que não é exclusivamente doméstica e em sua própria residência.
[...]
Desse modo, as contribuições não podem ser validadas porque a autora não é segurada facultativa de baixa renda, ou seja, sequer detém a qualidade de segurada. Na falta desse requisito, o benefício não pode ser concedido, diga-se, ainda que a autora esteja incapacitada. [...]"
Em face dessa decisão, a parte autora interpôs o presente pedido de uniformização dirigido a esta Turma Nacional, em que sustenta divergência com o entendimento da própria TNU, segundo o qual "a realização de “bicos” não possui, por si só, o condão de afastar a condição do segurado facultativo de baixa renda prevista no art. 21, §2º, II, alínea b, da Lei nº 8.212/91".
Em juízo preliminar de admissibilidade, a Presidência das TRs do Rio de Janeiro admitiu o incidente e determinou a remessa do feito a TNU (evento n. 1).
Aqui recebidos, o então Presidente desta Turma Nacional, Ministro Raul Araújo, admitiu o incidente e determinou a sua distribuição a um dos magistrados integrantes do Colegiado (evento n. 3).
Iniciado o julgamento do pedido de uniformização na Sessão do dia 06/11/2019, o Colegiado da TNU, por maioria, conheceu do pedido de uniformização, indicando o tema para ser julgado sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, com a seguinte questão controvertida: "Saber, para os fins do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91, se renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica impossibilita a validação dos recolhimentos efetuados na condição de segurado facultativo." (Tema n. 241).
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP solicitou sua admissão como amicus curiae, pedido deferido formalmente pelo Relator, restando assegurada sua intervenção nos termos estabelecidos pelo Regimento Interno (eventos 17 e 27).
O referido instituto opinou pela fixação da seguinte tese: "Caso haja renda informal que afaste a aplicação do art. 21, § 2º, II, 'b', da Lei 8.212/91, mas o segurado possa ser enquadrado no art. 21, § 2º, II, “a”, da mesma Lei, deve ser aproveitada a contribuição como microempreendedor individual. Afastada essa possibilidade, deve ser oportunizado o pagamento da complementação da contribuição de modo a alcançar a alíquota prevista no art. 21, § 2º, I, também a Lei 8.212/91.".
O INSS, por sua vez, apresentou memoriais, defendendo a seguinte tese: "A percepção de renda própria, ainda que de baixa expressão econômica, seja ela decorrente de rendimentos patrimoniais, do exercício de atividade remunerada formal ou informal ou do recebimento de benefício da seguridade social, à exceção do bolsa-família, inviabiliza o recolhimento da contribuição de 5% na forma do art.21, § 2º, II, da Lei 8.212/91.". (evento 44)
Na Sessão de 23/09/2021, o Relator, Juiz Federal Ivanir Cesar Ireno Junior, acompanhado pelos Juízes Federais Gustavo Melo Barbosa, Jairo Pinto, David Wilson Pardo e Luis Eduardo Bianchi, encaminhou seu voto por negar provimento ao incidente interposto pela parte autora, propondo a fixação da seguinte tese:
"O exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, alíena 'b', da Lei 8.212/91, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%."
O voto divergente foi apresentado pelo Juiz Federal Fábio Souza, seguido pelos Juízes Federais Paulo Cesar Neves Junior, Luciane Kravetz, Jairo Schafer e Polyana Brito, no sentido de conhecer e dar provimento ao pedido de uniformização e proceder à sua adequação à seguinte tese:
"A renda eventual, decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica, não obsta o reconhecimento da condição de segurado facultativo de baixa renda, para os fins do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91."
Diante do empate verificado, pedi vista para proferir meu voto, nos termos do art. 7º, VII, do RITNU.
Desde o momento em que foi instituído o procedimento para o julgamento dos representativos de controvérsia, esta Turma de Uniformização fortaleceu a sua atuação, desempenhando a missão de definir a interpretação que deve prevalecer no âmbito dos Juizados Especiais Federais quando não há orientação específica oriunda do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Em tal cenário, para que possa bem orientar as Turmas Recursais de todo o País, é fundamental que o seu posicionamento seja bem compreendido. Por conseguinte, para uma adequada aplicação de tese por parte das instâncias ordinárias, é fundamental que a sua ratio decidendi também fique clara.
Consoante referido no relatório, no Tema 241 dos Representativos da TNU, a questão afetada foi a seguinte: "Saber, para os fins do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91, se renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica impossibilita a validação dos recolhimentos efetuados na condição de segurado facultativo.".
Ou seja, no presente julgamento qualificado, o ponto central da controvérsia reside em definir se, para o reconhecimento da qualidade de contribuinte facultativo de baixa renda, é ou não razoável exigir que o requerente não possua qualquer renda, de modo que a obtenção de ganhos módicos em razão de trabalho informal, como, por exemplo, na atividade de doméstica/cozinheira, afasta, por si só, a condição de segurado facultativo de baixa renda.
Embora pessoalmente considere que o cumprimento da legislação tributária e previdenciária, para o cidadão comum, possa ser uma tarefa demasiado complexa, e que por isto a boa-fé do segurado deva ser considerad,a a questão da complementação não pode ser tratada neste inidente. Considerando os limites da afetação, não seria possível enveredar para esta problemática. Ademais a questão relativa possibilidade ou não da complementação será resolvida no julgamento do tema 286. Igualmente não cabe enveredar para questões relativas a rendimentos decorrentes de outras fontes como aplicações financeiras ou aluguéis.
Tendo em conta as categorias de contribuintes obrigatórios e facultativos contempladas na Lei de Custeio, e que densificam as previsões constitucionais, entendo não ser adequado criar judicialmente uma nova categoria que poderia ter o efeito de desestimular a formalização dos segurados da previdência social. Vale dizer, quem explora atividade econômica já tem um expressivo estímulo para efetuar sua inscrição como MEI.
O voto apresentado pelo Ilustre magistrado relator, Ivanir Ireno, entende que a legislação referente à definição do segurado facultativo de baixa renda, com destaque para o texto constitucional, traz parâmetros estritos que não permitem a flexibilização dos seus requisitos:
"[...]
11. Da (im)possibilidade de flexibilização dos requisitos: renda própria decorrente de atividade informal e de baixa expressão econômica
11.1. No mérito, inobstante o respeito às posições contrárias, tenho que a questão controversa é de fácil solução, bastando aplicar diretamente o comando da CF/88 (e da Lei 12.470/2011, que apenas repetiu a CF/88), que foi expresso, didático, incisivo e repetitivo ao identificar quem seria benefíciário da inclusão previdenciária privilegiada, com a alíquota reduzida de 5%: "aqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda".
11.2. Assim, quem tem renda própria e não se dedica com exclusividade ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, não pode ser segurado facultativo de baixa renda, benefíciário da alíquota de 5%.
11.3. E veja-se que o caso é emblemático. Sequer aqui é possível se socorrer do elástico princípio da dignidade da pessoa humana, utilizado nos últimos anos como "curinga" para ampliar benefícios legais, uma vez que a identificação e limitação dos benefíários já constam, repito, de forma clara, incisiva e unívoca da própria CF/88, somente tendo a lei repetido os seus termos e a IN 77/2015 explicitado o seu alcance.
11.4. Quando a CF/88 fala sem renda própria, não é possível ao Poder Judiciário ler "sem renda formal própria ou sem renda formal ou informal que seja de médio ou elevado valor", para acomodar as convicções pessoais do magistrado acerca de quem deveria ser beneficiário da norma. Essa leitura distorce a escolha constitucional nos seus aspectos formal (transforma "sem" em "com") e material, que elegeu, na construção de uma política pública, um público específico e delimitado para ter o favor previdenciário, qual seja, as pessoas sem renda própria.
11.5. E a CF/88 reforça a não mais poder essa sua primeira opção, qual seja, pessoas sem renda própria, ao exigir, quase gritando, com um advérbio de modo unívoco, que esse benefíciário, além não ter renda própria, deve se dedicar, exclusivamente, ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência. Assim, é evidente que o beneficiário não pode exercer atividade remunerada. A não ser que se queira também extrair do texto constitucional a seguinte leitura, por exemplo: "se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, salvo se fizerem salgados para vender em hospitais ou empresas" (hipótese concreta dos autos), o que não se mostra possível. [...]"
Com efeito, conforme destacado pelo relator, diante do texto expresso da CF/88 e da legislação correlata, não cabe ao Poder Judiciário dar interpretação ampliativa à política pública definida pelo legislador.
Em certas situações, como a presente, a intenção de ampliar o texto legal, para abarcar outras hipóteses não previstas expressamente, não se faz possível, pois poderia, conforme destacado pelo Relator, desfigurar "a escolha constitucional nos seus aspectos formal (transforma "sem" em "com") e material, que elegeu, na construção de uma política pública, um público específico e delimitado para ter o favor previdenciário, qual seja, as pessoas sem renda própria".
Ademais, como bem frisou o Relator, caso prevaleça a tese defendida pela divergência, a definição do que seria a tal "atividade informal e de baixa expressão econômica", certamente, traria mais inconiventes ao trabalho dos juízes de primeira instância, assim como das diversas turmas recursais, pois a resposta a essa questão está dentro de uma análise subjetiva do julgador, impedindo a fixação de uma tese isonômica. Acerca dessa questão, destaco do voto do relator:
"[...]
11.13. Caminhando para o final, tenho que qualquer ampliação do espectro subjetivo/objetivo de proteção concedido pela CF/88 às "donas de casa/facultivos de baixa renda" esbarra, claramente, nos princípios da legalidade, da prévia fonte de custeio (art. 195, §6º, da CF/88), da vedação da interpretação ampliativa de isenções/renúncias fiscais e da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS (art. 201, caput, da CF/88). Além do mais, incentiva práticas elisivas (com segurados com renda contribuindo com 5% e não 11%) e ajuda a perpetuar a informalização do nosso mercado de trabalho, retirando incentivos para que as pessoas formalizem suas atividades econômicas, inclusive como MEI3. Não devemos nos iludir que, hoje, sem formalização, diversas diaristas já recolhem 5% ao invés de 11%, se passando por donas de casa de baixa renda. Sem retórica, o Judiciário não deve colaborar com esses eternos "jetinhos" brasileiros.
11.14. Outro inconveniente de se acolher a tese do PUIL foi bem colocado pelo INSS: "Como o trabalho informal é de difícil fiscalização, sequer seria possível mensurar quanto efetivamente determinado indivíduo auferiu ao longo do tempo. Tratar-se-ia, pois, de uma prova produzida unilateralmente. Além disso, a noção do que seria "baixa expressão econômica" é algo extremamente subjetivo, dando ensejo a uma enorme insegurança jurídica e custo para o Estado". A própria pergunta de afetação, em caso de provimento do PUIL, somente poderá ser respondida de forma abstrata, remetando para os milhares de casos concretos a "definição de atividade informal de baixa expressão econômica". Lembro o que disse o IBDP: "Entende-se que admitir renda própria para enquadramento da dona-de-casa poderia gerar uma análise subjetiva (quanto seria essa renda? Seria com base no caso concreto? Com que parâmetro?), o que não é desejável diante do princípio da isonomia."
11.15. Em síntese, qualquer atividade laborativa remunerada, eventual, formal ou informal, inclusive os convenientes "bicos", se enquadram na restrição constitucional de que trata o tema 241. Previdência social é coisa séria que demanda segurança jurídica, em especial considerada a importância para a população e a forte demanda à qual estão submetidos os órgãos administrativos e judiciários para a apreciação e concessão de benefícios. [...]"
Assim, pedindo vênia à divergência, encaminho voto no mesmo sentido do Relator, fixando a seguinte tese: "o exercício de atividade remunerada, ainda que informal e de baixa expressão econômica, obsta o enquadramento como segurado facultativo de baixa renda, na forma do art. 21, §2º, II, alínea 'b', da Lei 8.212/91, impedindo a validação das contribuições recolhidas sob a alíquota de 5%.".
Ante o exposto, voto por acompanhar o Relator.
MINISTRO RICARDO VILLAS BOAS CUEVA, Presidente da Turma Nacional de Uniformização
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