sexta-feira, 12 de junho de 2020

Namoro não é reconhecido como união estável

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre os requisitos necessários para o reconhecimento da união estável para fins de recebimento de benefício de pensão por morte. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. ÓBITO DO COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. SENTENÇA MANTIDA.
1. A concessão de pensão por morte aos dependentes do segurado falecido pressupõe o óbito do segurado, a qualidade de segurado do falecido na data do óbito e que o dependente possa ser habilitado como beneficiário, conforme art. 16, incisos I, II e III da Lei n. 8.213/91.
2. Comprovados nos autos o óbito e a qualidade de segurado do instituidor da pensão, a controvérsia resume-se à prova da união estável para fins de habilitação da parte autora à condição de dependente do segurado falecido.
3. Nos termos do art. 1.723/CC, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
4. Existe uma linha tênue que separa o namoro moderno da união estável, porém esses relacionamentos não se confundem. Consoante entendimento do STJ, “o namoro qualificado não é uma entidade familiar, consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família” (...). “A união estável, por se tratar de estado de fato, demanda, para sua conformação e verificação, a reiteração do comportamento do casal, que revele, a um só tempo e de parte a parte, a comunhão integral e irrestrita de vidas e esforços, de modo público e por lapso significativo” (precedentes citados no voto).
5. No caso dos autos, a autora apresenta documentos que demonstram relacionamento por aproximadamente dez meses com o segurado falecido. Entretanto, são informações declaradas por terceiros, pela própria autora ou simples indicação do nome dela como referência pessoal em análise de crédito. Não há nenhuma prova que expresse efetivamente a intenção do segurado em reconhecer a existência de união estável.
6. Soma-se à fragilidade da prova material, os depoimentos das testemunhas, que registram tratar-se apenas de “namoro”, além da anotação na certidão de óbito de que o segurado deixou três filhos menores de outro relacionamento.
7. Tendo em vista a ausência da prova inequívoca da existência de relacionamento comparado ao casamento, não é possível a habilitação da autora como dependente econômica do segurado falecido.
8. Sem honorários recursais, por ausência de contrarrazões.
9. Apelação da parte autora desprovida.
TRF 1ª, APELAÇÃO (1728) n. 1000145-20.2018.4.01.9999, 1ª T., Desembargador Federal relator Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 19/05/2020.

ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação.
1ª Turma do TRF da 1ª Região - 13/05/2020.
Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente seu pedido de pensão por morte, fundamentada na ausência de provas de dependência econômica em relação ao instituidor da pensão.

Alega, em síntese, ter comprovado nos autos a união estável com o segurado falecido e, com isso, sustenta o direito ao benefício de pensão por morte em decorrência do óbito do suposto companheiro.

Contrarrazões não apresentadas.

É o relatório.

VOTO
Apelação que preenche os requisitos subjetivos e objetivos de admissibilidade.

Mérito

Pensão por morte – trabalhador rural

A pensão por morte é devida aos dependentes do segurado da Previdência Social, aposentado ou não, que vier a falecer, a contar da data do óbito ou do requerimento administrativo, nos termos do art. 74 da Lei n. 8.213/91. O benefício é regido pela lei vigente à época do óbito do segurado (Súmula 340/STJ) e independe de carência (art. 26 da Lei n. 8.213/91).

Requisitos para a concessão do benefício

A concessão de pensão por morte aos dependentes do segurado falecido pressupõe: a) o óbito do segurado; b) a qualidade de segurado do falecido na data do óbito; c) que o dependente possa ser habilitado como beneficiário, conforme art. 16, incisos I, II e III, da Lei n. 8.213/91.

A dependência econômica dos dependentes previstos no inc. I do referido artigo (cônjuge, companheiro, filho menor de 21 anos ou inválido) é presumida; devendo ser comprovada em relação aos demais descritos nos incisos II e III (pais, irmão menor de 21 anos ou inválido).

Da união estável

A Constituição, em seu art. 226, § 3º, estabelece que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

A Lei n. 8.971/1994 estendeu aos companheiros o direito a alimentos — desde que os conviventes sejam solteiros, separados, divorciados ou viúvos — e os direitos sucessórios, observadas as regras nela dispostas.

A Lei n. 9.278/1996 regulamentou o referido dispositivo constitucional e o Código Civil/2002 acolheu a disposição, na redação dada ao art. 1.723, verbis: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, possibilitando a conversão da união estável em casamento (art. 1.726).

Todavia, o art. 1.727 previu que “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se, constituem concubinato”.

Reconhecida a união estável, sua eficácia equipara-se à do casamento, tendo o Código Civil previsto no inciso II do art. 1.566, entre os deveres dos cônjuges, “a vida em comum, no domicílio conjugal”.

Particularidades da causa

O óbito do segurado, ocorrido em 05/12/2015, está comprovado nos autos (fl. 19) bem como a qualidade de segurado do instituidor do benefício (CTPS, fl. 18). Assim, a controvérsia resume-se à prova da existência de união estável para fins de habilitação da autora como beneficiária de pensão por morte, na condição de companheira.

Existe uma linha tênue que separa o namoro moderno, ou “namoro qualificado”, da união estável. Porém, esses relacionamentos não se confundem. Consoante entendimento do STJ, “o namoro não é uma entidade familiar, consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. A configuração de união estável requer prova de atos e fatos que demonstrem o animus pela vida em comum do casal” (precedentes transcritos adiante). Por isso, não se admite prova produzida de forma unilateral, como ocorre neste caso.

A autora (21 anos) alega ter convivido maritalmente com o segurado por cerca de um ano. Como prova material desse relacionamento, apresentou a certidão de óbito, em que consta o nome dela como companheira; ficha de cadastro de comércio que registra seu nome como “esposa”; cadastro para análise de crédito de compra de imóveis, indicando a autora como “referência pessoal”, e ficha de “cadastro da família”, emitida pela Secretaria Municipal de Saúde, informando o nome do segurado falecido como residente naquela localidade.

No entanto, esses documentos são provas frágeis, porque nenhum deles comprova que o segurado reconhecia, de fato, o relacionamento com a autora como sendo de união estável. A certidão de óbito registra declarações de terceiros (no caso, de acordo com as informações dos autos, a irmã da autora foi a declarante); o cadastro do comércio apresenta um campo para assinatura e o nome do segurado, mas está em branco, significando que ele não confirmou aquela informação; a indicação da autora como “referência pessoal” no documento de análise de crédito — é evidente — não serve para comprovar união estável e, por fim, a informação de que ele vivia no mesmo endereço que a autora, conforme cadastro emitido pela Secretária Municipal de Saúde, demonstra apenas, ao que me parece, o “namoro qualificado” nominado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual não gera os efeitos civis e previdenciários como o da união estável. Estes os precedentes do STJ nesse sentido:

(...)
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social (....)
(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 10/03/2015.

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. UNIÃO ESTÁVEL.NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANSAÇÃO DE DIREITOS DISPONÍVEIS. DESNECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PELO JUÍZO. PRODUÇÃO DE EFEITOS A PARTIR DE SUA CONCLUSÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO. ARREPENDIMENTO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não há falar-se em ofensa ao art. 535 do CPC/1973, pois a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. As relações afetivas são inquestionavelmente complexas e, da mesma forma, o respectivo enquadramento no ordenamento, principalmente, no que respeita à definição dos efeitos jurídicos que delas irradiam.
3. A união estável, por se tratar de estado de fato, demanda, para sua conformação e verificação, a reiteração do comportamento do casal, que revele, a um só tempo e de parte a parte, a comunhão integral e irrestrita de vidas e esforços, de modo público e por lapso significativo.
4. Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que pública e duradoura e celebrada em contrato escrito, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família.
5. Nesse passo, afastada a configuração da formação de união estável, no caso concreto, reconhece-se como transação particular de direitos disponíveis o acordo firmado entre as partes e apresentado a Juízo para homologação.
(...)
(REsp 1558015/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 23/10/2017).

Soma-se a isso o registro na certidão de óbito e na sentença de que o segurado deixou três filhos menores (de outro relacionamento), além de os depoimentos das testemunhas serem frágeis quanto à alegada união estável, indicando apenas a existência de “namoro”. Eis os trechos transcritos no decisum:

Testemunha EVERALDO MESSIAS DOS SANTOS: (...)

o depoente conhece a autora há dois anos; o depoente conheceu o então companheiro da autora; o depoente não se recorda o nome do então companheiro de Elizangela – que veio a óbito quando estava pescando; esta pessoa trabalhou por algum tempo com o autor, em serviços gerais (...)

Testemunha RICARDO LEONER PEREIRA: (...) o depoente conhece a autora desde que frequentavam a escola; o depoente conheceu Erinaldo antes deste namorar com Elizangela; Erinaldo morava na Linha 172, lado norte, km. 19; Elizangela e Erinaldo eram namorados; Elizangela e Erinaldo moravam juntos, no sítio do Sr. Valmir; Elizangela chegou a engravidar, mas perdeu o bebê; Erinaldo tinha três filhos com uma outra pessoa, cujo nome o depoente não se recorda; Erinaldo faleceu quando estava pescando; o depoente não estava nesta pescaria com Erinaldo; quando Erinaldo este trabalhava com gado, cuja pessoa o depoente não se recorda (...)

Por essas razões, não tendo sido comprovado o relacionamento more uxorio, que autorizaria a habilitação da autora como dependente econômica do segurado, não é possível a concessão do benefício pleiteado e, portanto, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.

Honorários advocatícios recursais

A vigência do CPC de 2015 introduziu importante alteração no que se refere aos honorários advocatícios, impondo sua majoração, pois o Código determina que o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, nos termos do art. 85, § 1º, vale dizer, nos casos em que se provocar mais um pronunciamento judicial definitivo, em razão de recurso interposto por uma ou por ambas as partes.

Em todos os casos em que, não obstante desprovida a apelação, não tiver havido contrarrazões, não se majoram os honorários advocatícios em favor do advogado do apelado, que não desenvolveu, nos autos, nenhum trabalho adicional para esse resultado, ficando mantidos os honorários como fixados inicialmente na instância originária.

A apuração final dos honorários advocatícios, inclusive quanto às faixas regressivas, sempre no percentual mínimo, sucumbente a Fazenda Pública, dar-se-á por ocasião da efetivação do julgado, nos termos do inc. II do § 4º do art. 85 do CPC, observando-se os casos de gratuidade de justiça e a respectiva suspensão da execução, conforme art. 98, § 3º, do mesmo código.

No caso dos autos, a sentença foi publicada na vigência do atual CPC (a partir de 18/03/2016, inclusive), entretanto não foram apresentadas contrarrazões ao recurso da parte apelante, devendo-se manter os honorários conforme fixados na sentença.

Conclusão

Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.

É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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