sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Filha que não mora com requerente de BPC não pode ser considerada no cálculo da renda familiar

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a composição do grupo familiar o qual não inclui filho que não mora junto com o requerente. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1o. DA LEI 8.742/1993, ALTERADO PELA LEI 12.435/2011. RECURSO ESPECIAL DO MPF PROVIDO.
1. O conceito de renda mensal da família contido na LOAS deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).
2. Na hipótese, em que pese a filha da autora possuir renda, ela não compõe o conceito de família, uma vez que não coabita com a recorrente, não podendo ser considerada para efeito de aferição da renda mensal per capita. 
3. Recurso Especial do MPF provido para restabelecer a sentença de primeiro grau.
STJ, REsp.1741057, 1ª T., Ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho, 11/06/2019.


ACÓRDÃO 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao Recurso Especial para restabelecer a sentença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília/DF, 11 de junho de 2019 (Data do Julgamento).
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
MINISTRO RELATOR


RELATÓRIO
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base nas alíneas a e c do art. 105, III da Constituição Federal, objetivando a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3a. Região, assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. MISERABILIDADE NÃO RECONHECIDA. SUBSIDIARIEDADE. FAMÍLIA. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO PRIMÁRIA. DIREITO SOCIAL. RECURSO DESPROVIDO.

- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.

- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

- A autora é pessoa com deficiência para fins assistenciais. Todavia não está patenteada a miserabilidade, consoante as razões constantes do voto.

- O Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 20, § 3 o,da LOAS, que cuida do critério da miserabilidade, não ser interpretado taxativamente. Consequentemente, também o artigo 20, § 1º, da mesma lei não pode ser interpretada literalmente, sob pena de prática de grave distorção e inversão de valores, de modo que se não pode simplesmente olvidar da condição econômica da filha, que fornece inclusive a moradia da autora.

- O conceito de família do artigo 20, § I o , da LOAS, despreza o dever legal da família de prestar alimentos, previsto não apenas na Constituição Federal, como no Código Civil, de modo que não se prescinde da interpretação sistemática.

- Filha com remuneração superior a R$ 2.300,00, residente em casa diversa da autora. Esta vive com um filho cujos dados não foram trazidos aos autos, inviabilizando-se a apuração da real renda mensal familiar.

- A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/02/2017, em Brasília (autos n° 0517397-48.2012.4.05.8300).

- A responsabilidade dos filhos pelo auxílio aos pais é dever primário, e que a responsabilidade do Estado é subsidiária. Não se admite razoável que se aceite que os filhos releguem a assistência devida pai ao Estado, pois isso gera grave distorção do sistema de assistência social.

- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo.

- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.

- Não preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício.

- Agravo legal conhecido e desprovido.

2. Em seu Apelo Especial, defende o recorrente que o acórdão recorrido viola o art. 20, § 1o. da Lei 8.742/1993, ao argumento de que a renda da filha que não coabita na mesma residência não pode ser considerada para aferir a condição de miserabilidade daquele que requer concessão do benefício assistencial. 

3. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República MÁRIO JOSÉ GISI, opina pelo conhecimento e provimento do recurso.

4. É o relatório.

VOTO
1. Versa a controvérsia sobre o conceito de família a ser levado em conta para fins de concessão de benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, inciso V da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei 8.742/1993, consistente no pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas portadoras de deficiência ou idosas (65 anos de idade ou mais), desde que estas comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

2. Dispunha o art. 20, § 1o. da LOAS, em sua redação original, que:
Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam no mesmo teto.

3 O art. 16 da Lei de Benefícios, de sua parte, disciplina que: 
São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

4. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1º do art. 20 da LOAS, determinando que:
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. 

5. Com efeito, o conceito de renda mensal da família contido na LOAS deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).

6. Em que pese a filha da autora possuir renda, ela não compõe o conceito de família, uma vez que não coabita com a recorrente, não podendo ser considerada para efeito de aferição da renda mensal per capita por falta de previsão legal. No mesmo sentido: 

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI Nº 8.742/93, ALTERADO PELA LEI Nº 12.435/2011. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Depreende-se do disposto no art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, alterado pela Lei nº 12.435/2011, que o irmão do requerente portador de necessidade especiais, que tem seu próprio núcleo familiar (isto é, esposa e filhos), não tem o dever legal de manter-lhe a subsistência. Assim, seus rendimentos, ainda que viva sob o mesmo teto do requerente do benefício, não devem ser considerados para fins de apuração da hipossuficiência econômica a autorizar a concessão de benefício assistencial.
2. Recurso especial provido (REsp. 1.247.571/PR, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,DJe 13.12.2012).

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991. CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA.
1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ.
2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).
3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica.
4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido (REsp 1.538.828/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 27.10.2017).

7. Em vista disso, deve ser afastado o entendimento da Corte de origem que fez somar a renda familiar de dois núcleos distintos que residem em moradias também diferentes. 

8. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial do MPF, para restabelecer a sentença. É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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