sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Segurado deve devolver o que recebeu em tutela antecipada

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a devolução de valores recebidos a título de antecipação de tutela. Atente os amigos que a decisão foi do Superior Tribunal de Justiça, a qual reafirmou o posicionamento já adotado por aquela corte. Abaixo segue o acórdão para análise dos leitores.
EMENTA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.

O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.

Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.

Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

Recurso especial conhecido e provido.
REsp 1401560/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Ari Pargendler que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Ari Pargendler os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Sustentou, oralmente, a Dra. ALINE PAULO SERVIO DE SOUSA CARDOSO, pelo recorrente.

Brasília, 12 de fevereiro de 2014 (data do julgamento).

MINISTRO ARI PARGENDLER
Relator


RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que deu provimento à apelação da autora para "reformar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido formulado na inicial, revogada, de imediato, a tutela antecipada concedida, dispensando a autora da repetição das parcelas recebidas até a cessação dos seus efeitos." (fl. 128).

Alega o INSS violação aos arts. 273, § 3º, e 811, I e II, do CPC, na medida em que há previsão legal para a restituição das parcelas percebidas indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito em desfavor do erário.

Sustenta que (a), "no caso das tutelas antecipadas, a lei processual impõe, com toda a clareza, a reversibilidade do provimento antecipado como pré-requisito à sua concessão" (fl. 136); e que (b) "é impossível falar-se em boa-fé quando a parte autora tinha pleno conhecimento de que estava recebendo em razão de provimento jurisdicional precário." (fl. 138).

Intimada, a recorrida não apresentou contrarrazões, nos termos da certidão à fl. 145.

Inadmitido o especial na origem, o INSS interpôs agravo em recurso especial (AREsp 176.900⁄MT), então distribuído ao Ministro Teori Albino Zavascki, que dele conheceu para dar provimento ao apelo nobre, sob o fundamento da possibilidade de desconto de valores pagos aos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social - RGPS em razão do cumprimento de decisão judicial precária, a qual vem a ser posteriormente revogada.

Em regimental, o beneficiário sustentou, em síntese, que deve ser aplicado à hipótese o princípio da irrepetibilidade, pois ao obter seu benefício por força de decisão judicial, acredita que o seu recebimento é legítimo, não tendo conhecimento da provisoriedade da decisão e da possibilidade de ter que vir a restituir esse valor (fl. 191).

Apreciando o regimental, na sessão do dia 20⁄8⁄2013, deliberou a Primeira Turma, verbis:
"Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Ministro Benedito Gonçalves, a Turma, por unanimidade, determinou a conversão do agravo em recurso especial, afetando-o como repetitivo à egrégia Primeira Seção, nos termos da questão de ordem suscitada pelo Sr. Ministro Relator, dispensada a lavratura de acórdão."

Logo, em atenção ao que assentado pelo colegiado, determinei a reautuação do AREsp 176.900⁄MT, voltando-me os autos conclusos, agora convertidos no presente recurso especial, sob o signo do art. 543-C do CPC.

Em parecer às fls. 224⁄230, opinou a douta Subprocuradoria-Geral da República pelo não provimento do recurso do INSS.

É o relatório.


VOTO VENCIDO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA(RELATOR): A questão em debate já foi examinada nesta Corte em várias outras oportunidades, prevalecendo, há algum tempo, o entendimento no sentido de que não seria obrigatória a devolução, pelo litigante beneficiário, de valores pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social- INSS, a título de benefício previdenciário, em decorrência de posterior cassação da antecipação de tutela.

Entretanto, esta mesma Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.384.418⁄SC, da relatoria do Ministro Herman Benjamim, na assentada do dia 12⁄6⁄2013, decidiu, por maioria de votos, ser legítima tal devolução.

Na ocasião, em percuciente estudo, Sua Excelência reportou-se à origem da tese da irrepetibilidade dos alimentos, fazendo menção a precedentes desta Corte que emprestaram às ações rescisórias, ajuizadas pela autarquia previdenciária, o mesmo entendimento aplicado em feitos decorrentes do direito de família, em que se afastou a exigência de devolução de valores.

Ressaltou que a premissa que tem dado ensejo à aplicação do princípio da irrepetibilidade de verbas inerentes a benefícios previdenciários estaria equivocada, eis que baseada no caráter alimentício da prestação e na boa-fé do beneficiário; contudo, "não é suficiente [...] que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento." Concluiu que, em se tratando de valores percebidos por força de tutela antecipada que veio a ser cassada, presente estaria a boa-fé subjetiva do segurado, mas não a boa-fé objetiva, haja vista que a percepção de valores, no caso, seria legítima, porquanto amparada em decisão judicial, mas a crença na definitividade da decisão mostrar-se-ia incapaz de respaldar a boa-fé objetiva.

Assim, no julgamento desse REsp 1.384.418⁄SC, ficou consignado que a evolução jurisprudencial acerca do princípio da irrepetibilidade dos alimentos recomenda a sua não aplicabilidade, tendo em vista a natureza precária da decisão concessiva de antecipação da tutela e, por conseguinte, a ausência da boa-fé objetiva do beneficiário.

Confira-se a ementa do julgado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728⁄RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007⁄SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909⁄SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544⁄PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ⁄PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349⁄ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746⁄SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182⁄PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213⁄1991.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1.384.418⁄SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12⁄6⁄2013, DJe 30⁄8⁄2013)

Todavia, em que pesem os judiciosos fundamentos alinhados nesse respeitável precedente, a questão, salvo melhor juízo, ainda comporta debates.

Nesse toar, tenho que a matéria sub examine não se subordina, com exclusividade, à tão só compreensão processual de que a reforma da decisão que concedeu a antecipação da tutela tem por efeito lógico e inescusável o retorno ao status quo ante, com a imperiosa obrigação de devolução de valores pelo segurado.

É necessário, em acréscimo, que se examine o contexto de fundo, pautado na normativa previdenciária, que, como cediço, tem por finalidade a proteção social.

Nessa perspectiva, como instrumento de proteção social que é, a Lei de Benefícios tem por precípua finalidade o amparo aos beneficiários que, mediante circunstâncias adversas e, por vezes, alheias à sua vontade, venham a sofrer limitação em sua força de trabalho ou a implementar requisitos legalmente previstos, encontrando, por via de consequência, na legislação previdenciária, o respaldo legal para fins de obtenção de benefícios que lhes garantam os meios necessários à manutenção. Importante, assim, ter em mira que, sob a ótica do sistema previdenciário ora instalado, tais indivíduos são, a priori, dependentes da cooperação ou hipossuficientes.

Feita essa digressão, mister trazer à baila, ainda, o art. 115 da Lei n. 8.213⁄91, amplamente invocado pela autarquia previdenciária, quando em exame do tema inerente à devolução de valores, in litteris:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
III - Imposto de Renda retido na fonte;
IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial;
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício.
(Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)

Do texto legal, percebe-se que, apesar de não estar expressamente previsto na norma o desconto de valores recebidos em virtude de antecipação da tutela posteriormente revogada, a possibilidade em comento tem sido admitida em face do disposto no inciso II e, eventualmente, no inciso VI, que diz respeito aos limites do desconto pretendido.

Todavia, esses dispositivos não são capazes de dar suporte a tal interpretação, pois referem-se a circunstâncias que não guardam relação direta com a temática em pauta. A uma, porque a antecipação de tutela nem sempre vai fazer surtir, no caso concreto, o pagamento de benefício além do devido e, a duas, porque o pagamento de parcelas inerentes a empréstimos decorre de relação contratual em que há manifestação de vontade das partes, o que não guarda consonância com a devolução de valores resultante da cassação de decisão judicial precária.

Afastada, pois, a incidência do art. 115 da Lei n. 8.213⁄91 na hipótese ora examinada, verifica-se que o princípio da irrepetibilidade tem sido aplicado nesta Corte com fundamento no caráter alimentar da prestação e na boa-fé do beneficiário, na medida em que, ao se valer do direito de ação para postular benefício previdenciário, o segurado⁄assistido, hipossuficiente, nada mais almeja senão o cumprimento das disposições legais que atribuem à Previdência Social o objetivo de lhe assegurar os meios indispensáveis à manutenção.

Assim, ao se deparar com uma decisão concessiva da antecipação da tutela, o beneficiário deposita a sua firme confiança na legitimidade da prestação, porquanto amparada em decisão judicial favorável ao seu pleito (boa-fé subjetiva), e, ainda que não desconheça a precariedade do decisum, detém a justa expectativa de que se o magistrado, conhecedor do direito, identificou a presença dos requisitos necessários ao deferimento da antecipação, a cassação dessa decisão traria como consequência a tão só suspensão⁄cancelamento da respectiva parcela paga a título de benefício (boa-fé objetiva), mas não a obrigatoriedade de devolução de valores anteriormente (indevidamente) recebidos, porquanto a sua condição de hipossuficiência, professada na Lei de Benefícios, impede a restituição das parcelas que, por serem de cunho alimentar, são de fruição imediata.

Portanto, a justa expectativa não surge da ausência de conhecimento da norma processual mas sim por crer o beneficiário que o magistrado, ao deferir a antecipação da tutela, não lhe estaria sujeitando à devolução de valores, porquanto a norma previdenciária não contempla especificamente tal exigência, primando, antes, pela observância dos seus fins sociais.

Com esse mesmo entendimento, colhe-se recente julgado do Supremo Tribunal Federal, verbis:
EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213⁄91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 19.12.2008.
A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213⁄91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido.
(ARE 729.449 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06⁄08⁄2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 11-11-2013 PUBLIC 12-11-2013)

Na mesma linha, vejam-se julgados desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento quanto à impossibilidade de restituição de valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada.
2. A Sexta Turma deste Superior Tribunal, no julgamento do AgRg no REsp 1.054.163⁄RS, se manifestou no sentido deu que o "art. 115 da Lei 8.213⁄91 regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto agravante, não agraciando os casos majorados por força de decisão judicial" (Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 30⁄6⁄08).
3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 102.008⁄MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 17⁄12⁄2012)

PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. ESPECIAL. VERBAS RECEBIDAS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. DEVOLUÇÃO. DESNECESSIDADE.
1. Nos casos como na espécie em análise, em que se discutem benefícios previdenciários, por se tratar de verba alimentar percebida em razão de tutela antecipada, posteriormente revogada, é desnecessária a devolução, por força do Princípio da Irrepetibilidade dos Alimentos. Precedentes.
2. A argumentação de que o posicionamento adotado viola o Princípio da Reserva de Plenário não foi suscitada nas razões do recurso especial. Inviável, em agravo regimental, inovar a lide, invocando aspecto até então não suscitado.
3. Não cabe falar, no caso, em ofensa ao Princípio da Reserva de Plenário, pois a lei em comento (art. 115 da Lei 8.213⁄91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada; a controvérsia foi resolvida com fundamento em interpretação de norma que disciplina a matéria. Precedentes.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.304.629⁄TO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18⁄10⁄2012)

Em conclusão, o cunho alimentar das prestações, associado à boa-fé e à condição de hipossuficiência do beneficiário, à luz do disposto nas normas previdenciárias, apontam em sentido favorável ao princípio da irrepetibilidade de valores recebidos, por força de tutela antecipada, pela parte segurada.

Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso especial do INSS, fixando entendimento no sentido de que os valores recebidos pelos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social - RGPS, por força de decisão de antecipação da tutela posteriormente cassada, não são passíveis de devolução ou repetição.

Acórdão submetido ao rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8⁄2008, pelo que determino seu envio, devidamente publicado:

(a) aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais (art. 6º da Resolução STJ 08⁄08), para cumprimento do § 7º do art. 543-C do CPC;

(b) à Presidência do STJ, para os fins previstos no art. 5º, II, da Resolução STJ 08⁄08.

É como voto.

VOTO-VENCEDOR
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:
O Código de Processo Civil de 1939 só autorizava a execução de sentença transitada em julgada, ou de sentença cujo recurso não tivesse efeito suspensivo. As ações cautelares de então eram típicas, isto é, expressamente previstas em lei, e só visavam preservar o objeto do processo. O Código de Processo Civil de 1973, na sua feição originária, não alterou esse quadro, salvo quanto ao poder cautelar geral do juiz, a autorizar que a tutela preventiva fosse além das medidas cautelares típicas. Comum a todas era a provisoriedade, tal como ocorria no mandado de segurança, e por isso sua eficácia não subsistia além da sentença, de que é exemplo a Súmula nº 405 do Supremo Tribunal Federal.

O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.

Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675), dispensava.

"Quando a Constituição, no artigo 5º, XXXV," - lê-se no voto do Ministro Moreira Alves ao julgar a ADI 675 - "declara que 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito', isso importa dizer que não pode a lei impedir que a prestação jurisdicional seja completa, e que, portanto, a decisão definitiva do órgão judiciário que reconhece a lesão ao direito esteja impedida de alcançar os efeitos pretéritos a ela, e que também foram submetidos à apreciação judicial, pelo fato de haver decisão intermediária - que, por isso, mesmo, não esgota a prestação jurisdicional - em sentido contrário".
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, dando-lhe provimento para expungir da parte dispositiva do voto condutor do acórdão impugnado o seguinte trecho: "dispensando a autora da repetição das parcelas recebidas até a cessação dos seus efeitos" (e-stj, fl. 128).

VOTO-VENCIDO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Sr. Presidente, a matéria já foi muito bem examinada, tanto pelo eminente Sr. Ministro Relator, Sérgio Kukina, quanto pelos Srs. Ministros Herman Benjamin e Ari Pargendler. Então, a minha observação é apenas a de que o § 1º do art. 273 do Código de Processo Civil diz o seguinte:

Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

Para antecipar a tutela, deve cumprir esse parágrafo.
O § 2º, mencionado pelo Sr. Ministro Ari Pargendler, diz que não se concederá a antecipação quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. O que penso é que a possibilidade de reversão ocorre, porque os valores recebidos em função da tutela ou em decorrência dela podem ser restituídos. Só que, por outras razões, igualmente ponderáveis e, talvez, até mais relevante sob o aspecto sobretudo de justiça, o próprio Judiciário pode entender que, revogada aquela tutela, aqueles valores percebidos sob a sua vigência não deverão ser restituídos, tal como demonstrou o Sr. Ministro Sérgio Kukina, inclusive, com precedente do Supremo.
 
Por outro lado, o § 2º, se for levado ao pé da letra, como disse um dos nossos mais expressivos Ministros deste Tribunal: "A exigência da irreversibilidade, inserta no § 2º do art. 273 do CPC, não pode ser levada ao extremo, sob perda de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina". É um pequeno tópico da ementa de um acórdão, do qual foi Relator o Sr. Ministro Adhemar Maciel.
 
Outro aspecto é o seguinte: que a restituição de valores percebidos por decisão judicial tem evoluído tanto que o Supremo, recentemente – e não foi em ação rescisória –, reformou acórdão, que havia reconhecido, inclusive deste STJ, a magistrados que trouxeram de outras atividades incorporações de quintos ou décimos e estavam percebendo , dizendo que o juiz não tem direito, porque, depois que ingressou na magistratura, tem direito à percepção daquilo que é pago pela magistratura, mas aqueles valores que recebeu, porque judicialmente lhes foram reconhecidos, devem ser suprimidos dos seus subsídios sem, no entanto, a obrigação de restituir aquilo que recebeu, quando ainda não havia trânsito em julgado, porque foi em julgamento de recurso extraordinário.
 
Verificamos, inclusive, comparando as duas situações, a desproporção, quer dizer, um previdenciário que recebe um benefício em razão de uma tutela antecipada, que, na maioria das vezes, não passa de 10%, 15%, 20% de um salário mínimo ou dois – os benefícios, como sabemos é isso, e a nobre Procuradora disse que a média é baixíssima –, terá que devolver o que recebeu, em função de uma tutela antecipada, que pela própria natureza do instituto é como se fosse uma sentença. Quer dizer, ela tem a antecipação da sentença, pelo conteúdo da regra do art. 273, e pode até, eventualmente, a sentença vir e decidir opostamente àquilo que foi decidido na tutela, mas, por princípio, a tutela é a sentença antecipadamente.
 
A meu ver, a tese que mais se adequa ao espírito de justiça e ao direito, é aquela que está posta no voto do eminente Sr. Ministro Sérgio Kukina e peço toda a vênia para acompanhar o voto de S. Exa., negando provimento ao recurso especial.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de Recurso Especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC pelo e. Relator, Ministro Sérgio Kukina.
Remeto-me ao já lançado relatório, destacando apenas que o presente feito foi admitido como representativo da controvérsia para "saber se o litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social – RGPS deve devolver os valores percebidos do INSS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada".
Sobre esse tema, tive oportunidade de relatar precedente que foi aprovado por maioria (vencidos os Ministros Arnaldo Esteves Lima e Sérgio Kukina) com a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728⁄RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007⁄SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909⁄SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011;
AgRg no REsp 1.332.763⁄CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544⁄PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ⁄PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349⁄ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746⁄SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182⁄PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213⁄1991.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 1384418⁄SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 30⁄08⁄2013).

Com efeito, apesar das sempre brilhantes considerações dos e. Ministros Sérgio Kukina e Arnaldo Esteves Lima, mantenho minha posição sobre a questão em debate, observando as razões que passo a expor.

1. Evolução jurisprudencial e tratamento adequado do tema

Após pesquisa histórica, constatei que o fundamento que a jurisprudência do STJ passou a considerar para dirimir a controvérsia acerca da devolução de valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, quanto a benefícios previdenciários, foi a incidência do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
 
Tal princípio sempre foi largamente utilizado como motivação em hipóteses de Ação Rescisória julgada procedente para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário.
 
A jurisprudência se consolidou, assim, no sentido de ser dispensável a devolução:

PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO EM URV. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DA DECISÃO RESCINDENDA. AÇÃO RESCISÓRIA. CABIMENTO. SÚMULA 343 DO STF. INAPLICABILIDADE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ANÁLISE DOS REQUISITOS. SÚMULA 07. IMPOSSIBILIDADE.
Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, descabida é a restituição requerida pela Autarquia, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
É cabível a ação rescisória que trate de matéria de índole constitucional, na hipótese em que o Supremo Tribunal Federal tenha firmado orientação diversa do entendimento esposado no decisum rescindendo.
O reexame da presença dos requisitos autorizadores do deferimento de tutela antecipada encontra óbice no enunciado da Súmula 7⁄STJ.
Recursos do INSS e de Camilo Osmar Klein desprovidos
(REsp 728728⁄RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJ 09⁄05⁄2005, p. 474).

Como se pode verificar em excerto deste último julgado, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos aplicado aos casos de Ação Rescisória decorre de construção pretoriana acerca do direito de família:

Em precedentes análogos, esta E. Turma já decidiu sobre a matéria objeto de exame nas razões do recurso especial interposto pela autarquia previdenciária. Assim, como razões de decidir, adoto os seguintes fundamentos trazidos pelo Exmo. Ministro Gilson Dipp nos autos do Recurso Especial 674.181⁄SC (DJ de 15⁄10⁄2004), verbis:
(...)
Assim, uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, descabida é a restituição requerida pela Autarquia, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. A esse respeito, seguem os seguintes precedentes:
(...)
"CIVIL E PROCESSUAL. FAMÍLIA. AÇÃO REVISIONAL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. ALIMENTOS DEFINITIVOS (ART. 13, § 2º, LEI N. 5.478⁄68). AGRAVO. PERDA DE OBJETO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL.
I. Fixados os alimentos definitivos (art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos), resta sem objeto o agravo de instrumento em que se discutia os alimentos provisórios fixados initio litis, dado ao princípio da irrepetibilidade dos mesmos.
II. Recurso especial não conhecido."
(Resp 302.60⁄SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 30.10.2000)

"ALIMENTOS. Medida Cautelar. Alimentos Provisionais. Prestações vencidas e não pagas. Sentença definitiva favorável ao alimentante. Execução (possibilidade).
Tendo a mulher obtido a concessão de alimentos provisionais, através de medida cautelar, a superveniência de sentença favorável ao alimentante, na ação principal de separação judicial, não lhe afeta o direito de executar as prestações vencidas e não pagas. A característica de antecipação provisória da prestação jurisdicional, somada a de irrepetibilidade dos alimentos garantem a eficácia plena da decisão concessiva dos alimentos provisionais. Do contrário, os devedores seriam incentivados ao descumprimento, aguardando o desfecho do processo principal.
Recurso não conhecido."
(REsp 36.170⁄SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 01.08.1994)"

Dessume-se, pois, que o fundamento atual para a não devolução de valores pelo segurado em ações ordinárias revisionais deriva de entendimento proferido em Ações Rescisórias, embasado, por conseguinte, na jurisprudência acerca da prestação alimentícia do direito de família.
 
Ocorre que a presente hipótese – antecipação de tutela em ações revisionais ou concessórias previdenciárias – tem traço diferencial importante em relação às Ações Rescisórias: a decisão cassada na primeira situação é precária; e, na segunda, definitiva.
Quanto a esse aspecto, não poderia deixar de citar alguns julgados paradigmas que ressaltam o caráter precário da decisão liminar antecipatória de tutela. A começar por orientação da Terceira Seção, posteriormente modificada, é bem verdade, a qual considero elucidativa (grifei):

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DO DESCONTO A 10% SOBRE O VALOR LÍQUIDO DA PRESTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. A tutela antecipada é provimento jurisdicional de caráter provisório, que, nos termos do art. 273, § 3º e 475-O do CPC, tem a sua execução realizada por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a decisão for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido.
2. De acordo com o art. 115 da Lei 8.213⁄91, que disciplina os planos de benefícios da Previdência Social, havendo pagamento além do devido, como no caso, o ressarcimento será efetuado por meio de parcelas, nos termos determinados em regulamento, ressalvada a ocorrência de má-fé.
3. Tendo em vista a natureza alimentar do benefício previdenciário e a condição de hipossuficiência do segurado, reputa-se razoável o desconto de 10% sobre o valor líquido da prestação do benefício, a fim de restituir os valores pagos a mais, decorrente da tutela antecipada posteriormente revogada.
4. Embora possibilite a fruição imediata do direito material, a tutela antecipada não perde a sua característica de provimento provisório e precário, daí porque a sua futura revogação acarreta a restituição dos valores recebidos em decorrência dela (art. 273, § 3º e 475-O do CPC).
5. Recurso Especial do INSS provido.
(REsp 988.171⁄RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJ 17⁄12⁄2007, p. 343).

Na pesquisa jurisprudencial que realizei, ressalto o bem fundamentado acórdão de relatoria do e. Ministro Humberto Martins, que se aprofundou no exame do requisito da boa-fé objetiva daquele que recebe a parcela tida posteriormente como indevida. Segue a ementa (grifei):

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL NÃO DEFINITIVA. REFORMA DA DECISÃO EM RECURSO ESPECIAL. CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO AMPARADO PELO DIREITO NO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES ART. 46 DA LEI N. 8.112⁄90. NÃO APLICABILIDADE DA SÚMULA 7⁄STJ.
1. O art. 46 da Lei n. 8.112⁄90 prevê a possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente aos servidores públicos. Trata-se de disposição legal expressa, não declarada inconstitucional e, portanto, plenamente válida.
2. Esta regra, contudo, tem sido interpretada pela jurisprudência com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé. A aplicação desse postulado, por vezes, tem impedido que valores pagos indevidamente sejam devolvidos.
3. A boa-fé não deve ser aferida no real estado anímico do sujeito, mas sim naquilo que ele exterioriza. Em bom vernáculo, para concluir se o agente estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito. Busca-se, segundo a doutrina, a chamada boa-fé objetiva.
4. Na análise de casos similares, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado, ainda que implicitamente, um elemento fático como decisivo na identificação da boa-fé do servidor. Trata-se da legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio.
5. É por esse motivo que, segundo esta Corte Superior, os valores recebidos indevidamente, em razão de erro cometido pela Administração Pública ou em decorrência de decisão judicial transitada em julgado e posteriormente reformada em ação rescisória, não devem ser restituídos ao erário. Em ambas as situações, eventual utilização dos recursos por parte dos servidores para a satisfação das necessidades materiais e alimentares é plenamente justificada. Objetivamente, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário.
6. Situação diferente - e por isso a jurisprudência do STJ permite a restituição - ocorre quando os valores são pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não definitiva. Aqui não há presunção de definitividade e, se houve confiança neste sentido, esta não era legítima, ou seja, não era amparada pelo direito.
7. Se não havia razão para que o servidor confiasse que os recursos recebidos integraram em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações emergenciais e excepcionais, não pode estar acobertado pela boa-fé, já que, é princípio basilar, tanto na ética quanto no direito, ninguém pode dispor do que não possui.
8. No caso dos autos, os valores que foram pagos aos servidores não são decorrência de erro de cálculo efetuado pela administração, mas sim de decisão judicial que ainda não havia transitado em julgado, e que foi posteriormente reformada. Ademais, em nenhum momento houve concordância da administração com a quantia que foi paga, o que demonstra que sempre houve controvérsia a respeito da titularidade.
9. Se os agravantes utilizaram desses valores, sem possuir a legítima confiança de que lhes pertenciam, não há como identificar a boa-fé objetiva nessa conduta. Portanto, sendo a decisão judicial final desfavorável aos servidores, a devolução do que foi pago indevidamente se faz possível, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.112⁄90.
10. Vale ressaltar que concluir pela ausência de boa-fé objetiva dos agravantes não implica em violação da Súmula 7⁄STJ, pois em nenhum momento se negou ou alterou os fatos que foram consignados pela instância ordinária, eles apenas sofreram uma nova qualificação jurídica.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1263480⁄CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 9⁄9⁄2011).

Esse aprofundamento sobre o tema, em que a situação é analisada à luz da boa-fé objetiva, foi consagrado no acórdão proferido no RESP 1.244.182⁄PB, julgado pela Primeira Seção sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC). Naquele caso o objeto da discussão foi a devolução de valores recebidos administrativamente de forma indevida pelo servidor público, mas novamente os parâmetros caminham na mesma linha da apreciação da boa-fé objetiva e especificamente em relação à definitividade da parcela recebida. Segue a ementa, em que também inseri alguns grifos para destaque dos trechos que reputo importantes:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112⁄90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC.
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112⁄90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8⁄STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1244182⁄PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 19⁄10⁄2012).

Apesar de toda a jurisprudência referente à restituição de valores pagos a servidores ter evoluído, os julgados aplicados aos casos de benefícios previdenciários ficaram estáticos na exclusiva fundamentação em torno do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, olvidando a evolução pretoriana que passou a considerar, em situação análoga concernente a verba alimentar, a boa-fé objetiva. Vale dizer: relevar a percepção, por parte do titular, da definitividade do recebimento da parcela alimentar paga.
 
Se a teoria da irrepetibilidade dos alimentos fosse suficiente para fundamentar a não devolução dos valores indevidamente recebidos, ela seria o embasamento exclusivo para todos os casos de servidor público, pois nessas hipóteses também se trata de verbas alimentares.
 
Aplicar-se-ia o entendimento de que em qualquer hipótese, independentemente de boa-fé, de definitividade ou de ser decisão judicial precária, a verba recebida indevidamente de servidor público seria irrepetível.
 
O precitado princípio haveria de ser, por fim, argumento suficiente para impor a não devolução de valores pagos por erro ou interpretação legal errônea da Administração no Recurso Especial repetitivo antes citado, da relatoria do Min. Benedito Gonçalves. Bastaria ser verba alimentar.
 
Segundo fixado naquele recurso representativo da controvérsia (art. 543-C do CPC); porém, os pagamentos a servidor público por erro da Administração não são repetíveis diante da presunção, por parte do servidor, da boa-fé referente à presunção do recebimento definitivo dos valores.
 
Ou seja, na mesma linha do já mencionado AgRg no REsp 1.263.480⁄CE (Rel. Ministro Humberto Martins), o que se constata pela evolução jurisprudencial é que há outro critério a ser levado em conta, além do requisito da natureza alimentícia.
 
Não é suficiente, pois, que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento.
 
Esses são, portanto, os parâmetros para a resolução da presente controvérsia, os quais foram confirmados no já citado precedente por mim relatado aqui mesmo na Primeira Seção (REsp 1.384.418⁄SC, DJe 30⁄08⁄2013).
 
Diante de tais premissas, não há dúvida, com todas as vênias aos entendimentos em contrário, de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela relativos a benefícios previdenciários têm caráter alimentar e são recebidos legitimamente pelo segurado enquanto em vigor o título judicial precário.
 
O ponto nodal, por sua vez, consiste no requisito objetivo relativo à percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória.
 
De acordo com os parâmetros acima delineados, a decisão que antecipa liminarmente a tutela, na forma do art. 273 do CPC, não enseja a presunção, pelo segurado, de que os valores recebidos integram, em definitivo, o seu patrimônio.
 
Não há legitimidade jurídica para que o segurado presuma o contrário, até porque invariavelmente está o jurisdicionado assistido por advogado, e, por força do disposto no art. 3º da LINDB ("ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece"), deve estar ciente da precariedade do provimento judicial que lhe é favorável e da contraposição da autarquia previdenciária quanto ao mérito.
 
Não se pode, contudo, atrelar ao conceito de boa-fé objetiva o fato de o segurado receber legitimamente (decisão judicial) o benefício previdenciário. Essa hipótese está ligada ao caráter subjetivo da boa-fé, que é inquestionavelmente presente.
Há precedentes da Primeira Seção na linha de compreensão da devolução de valores em caso de servidores públicos, entre os quais:

PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LIMINAR REVOGADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS.
POSSIBILIDADE.
1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que os valores indevidamente pagos por força de decisão judicial liminar posteriormente revogada são passíveis de devolução.
2. Agravo regimental a que se nega provimento
(AgRg no AREsp 40.007⁄SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJe 16⁄04⁄2012).

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. VALORES PERCEBIDOS EM RAZÃO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE CASSADA. DEVOLUÇÃO. DECORRÊNCIA LÓGICA. EMBARGOS REJEITADOS.
1. A circunstância de se tratar de servidor público militar, regido por norma específica silente sobre o tema da restituição, não afasta a obrigatoriedade de ressarcir a embargada pelos valores recebidos durante o período abrangido pela decisão judicial precária, porquanto a obrigatoriedade de restituição decorre da consequência lógica da cassação da tutela antecipada, para assegurar o retorno das partes ao seu status quo ante.
2. Embargos de declaração rejeitados
(EDcl nos EDcl no REsp 1241909⁄SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 15⁄09⁄2011).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. TUTELA DE URGÊNCIA. LIMINAR REVOGADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. POSSIBILIDADE.
1. Os valores recebidos pelos agravantes, servidores públicos, não decorrem de erro da administração ou da rescisão de sentença transitada em julgado, mas, sim, da revogação de decisão que possuía natureza cautelar.
2. É firme a jurisprudência nesta Corte Superior no sentido de que os valores indevidamente pagos por força de decisão judicial liminar posteriormente revogada são passíveis de devolução. Precedentes de ambas as Turmas da PRIMEIRA SEÇÃO: (AgRg no AREsp 40.007⁄SC, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 10⁄04⁄2012, DJe 16⁄04⁄2012), (EDcl no RMS 32.706⁄SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 25⁄10⁄2011, DJe 09⁄11⁄2011), (AgRg no REsp 1263480⁄CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01⁄09⁄2011, DJe 09⁄09⁄2011).
Agravo regimental improvido
(AgRg no REsp 1332763⁄CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 28⁄08⁄2012).

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE MEDIDA LIMINAR. POSTERIOR DENEGAÇÃO DA ORDEM. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL.
1. A Administração Pública possui o direito de obter a restituição dos valores indevidamente pagos por força de decisão judicial liminar posteriormente revogada, desde que observados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes do STJ.
2. Apenas com a denegação definitiva da segurança, e a consequente cassação da liminar anteriormente concedida, tem início o prazo decadencial estabelecido na Lei n. 9.784⁄99. A partir deste momento surge para a Administração a possibilidade de instaurar procedimento com vistas a obter o ressarcimento dos valores pagos e reconhecidos judicialmente como indevidos.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 23.746⁄SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 14⁄03⁄2011).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LIMINAR REVOGADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. POSSIBILIDADE. ART. 54 DA LEI 9.784⁄99. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA.
1. A jurisprudência dessa corte firmou orientação no sentido de que os valores indevidamente pagos por força de decisão judicial liminar posteriormente revogada são passíveis de devolução, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados. Precedentes.
2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que o prazo decadencial de 5 anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784⁄99, se iniciou na data de publicação, uma vez que não seria possível retroagir para limitar a Administração em relação aos passados.
3. Agravo regimental a que se nega provimento
(AgRg no REsp 639.544⁄PR, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄PE), SEXTA TURMA, DJe 29⁄04⁄2013).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LIMINAR REVOGADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7⁄STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
I - Esta Corte possui jurisprudência no sentido de que é obrigatória a devolução por servidor público de vantagem patrimonial paga pelo erário público, em face de cumprimento de decisão judicial precária, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
II - O v. acórdão recorrido decidiu com base em elementos probatórios disponíveis nos autos. Reexaminá-lo implicaria o revolvimento de matéria fática, inviável em sede de recurso especial, conforme orientação da Súmula 07⁄STJ.
III - Agravo interno desprovido
(AgRg no REsp 1177349⁄ES, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe 1º⁄8⁄2012).

Por dever da aqui tão propalada boa-fé, cito alguns precedentes em sentido contrário:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - MILITAR - PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE - RECEBIMENTO EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE CASSADA - RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS - VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR - IMPOSSIBILIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CARTA MAGNA - DESCABIMENTO.
1. o STJ tem adotado o posicionamento de que não deve haver ressarcimento de verbas de natureza alimentar, como as decorrentes de benefícios previdenciários, recebidas em virtude de antecipação de tutela, posteriormente revogada.
2. O princípio da irrepetibilidade das prestações de caráter alimentício e a boa-fé da parte que as recebeu por força de decisão judicial obstam a devolução das quantias auferidas.
3. Decidida a questão jurídica sob o enfoque da legislação federal, sem qualquer juízo de incompatibilidade vertical com a Constituição Federal, é inaplicável a regra da reserva de plenário prevista no art. 97 da Carta Magna.
4. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 28.008⁄SC, Rel. Ministra DIVA MALERBI
(DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, DJe 19⁄03⁄2013).

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DECISÃO ANTECIPATÓRIA. VERBAS ALIMENTARES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Os valores recebidos em virtude de decisão judicial precária devem ser restituídos ao erário, via de regra. Todavia, nos casos de verbas alimentares, surge tensão entre o princípio que veda o enriquecimento sem causa e o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, fundado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
2. Esse confronto tem sido resolvido, nesta Corte, pela preponderância da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar, quando recebidas de boa-fé pelo agente público.
3. O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento, inclusive em recente decisão proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos REsp 1.244.182⁄PB (Rel. Min. Benedito Gonçalves), no sentido de que os valores recebidos pelos administrados em virtude de erro da Administração ou interpretação errônea da legislação não devem ser restituídos, porquanto, nesses casos, cria-se uma falsa expectativa nos servidores, que recebem os valores com a convicção de que são legais e definitivos, não configurando má-fé na incorporação desses valores.
4. Agravo regimental não provido
(AgRg no REsp 1341308⁄PB, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 08⁄02⁄2013).

Quanto às parcelas previdenciárias não há controvérsia:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. INEXIGIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE MODIFICADA. INAPLICABILIDADE, NO CASO, DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais.
2. A realidade fática demonstra que o segurado, ao obter a concessão de um benefício por força de decisão judicial, acredita que o seu recebimento é legítimo, não tendo conhecimento da provisoriedade da decisão e da possibilidade de ter que restituir esse valor, máxime se essa advertência não constou do título que o favoreceu.
3. Em face da boa-fé do segurado que recebeu o aumento do valor do seu benefício por força de decisão judicial, bem como em virtude do caráter alimentar dessa verba, mostra-se inviável impor ao beneficiário a restituição das diferenças recebidas, por haver a decisão sido reformada ou por outra razão perdido a sua eficácia.
Precedentes do STJ.
4. Não há que se falar em declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213⁄91, uma vez que, no caso, apenas foi dado ao texto desse dispositivo interpretação diversa da pretendida pelo INSS.
5. Recurso Especial do INSS desprovido
(REsp 1356427⁄PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 29⁄04⁄2013).

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PERCEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA. DESNECESSIDADE. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. NÃO VIOLAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO INFRACONSTITUCIONAL.
1. Não se mostra possível discutir em agravo regimental matéria que não foi decidida pelo Tribunal de origem, tampouco objeto das razões do recurso especial, por se tratar de inovação recursal.
2. Segundo consolidada jurisprudência desta Corte, não é devida a repetição de valores percebidos pelo segurado nas hipóteses de erro administrativo da autarquia no cálculo do benefício e de posterior cassação de antecipação de tutela, ante o caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário.
3. Não há falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF) e ao enunciado 10 da Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal quando não haja declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais tidos por violados, tampouco afastamento destes, mas tão somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável ao caso, com base na jurisprudência desta Corte. Precedentes.
4. Agravo regimental improvido
(AgRg no AREsp 291.165⁄RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 15⁄04⁄2013).

Trago, além da crítica relativa à distinção entre boa-fé objetiva e subjetiva, fundamento pragmático e axiológico à baila.
 
Evidencia-se a desproporcionalidade entre duas situações: nas hipóteses em que o Poder Judiciário desautoriza a reposição ao Erário em casos como o dos autos, e naqueles em que o próprio segurado pode tomar empréstimos e consignar descontos em folha. Isto é, o Erário "empresta" (via antecipação de tutela posteriormente cassada) ao segurado e não pode cobrar nem sequer o principal. Já as instituições financeiras emprestam e recebem, mediante desconto em folha, não somente o principal como também os juros remuneratórios.
 
É devida, portanto, a devolução dos valores de benefícios previdenciários recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada.
 
Não obstante tal entendimento, o princípio da dignidade da pessoa humana deve incidir in casu como diretriz da forma de ressarcimento, conforme passarei a fundamentar abaixo.

2. O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e o mecanismo legal de devolução dos valores

Indubitavelmente, o caráter alimentar dos benefícios previdenciários está indissociavelmente ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de forma que as imposições obrigacionais sobre os respectivos proventos não comprometam o sustento do segurado.
 
O princípio da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão objetiva, visa garantir um contexto adequado à subsistência do indivíduo.
 
O desafio a ser enfrentado nessa fase da argumentação, em que se concluiu pela necessidade de devolução da antecipação de tutela posteriormente revogada, é parametrizar critérios de ressarcimento que respeitem o mencionado superprincípio.
 
Há vários paradigmas legais que demonstram qual o grau de comprometimento da remuneração que não prejudica o sustento do titular de verba alimentícia.
 
A começar pela presente hipótese, os descontos sobre os benefícios previdenciários são estipulados pelo art. 115 da Lei 8.213⁄1991, do qual extraio os seguintes excertos (grifei):

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)

Mantive o preceito relativo aos denominados empréstimos financeiros consignados para destacar o valor máximo de comprometimento da renda mensal fixado no patamar de 30% (trinta por cento).
A regulamentação mencionada no § 1º do art. 115 foi feita pelo art. 154 do Decreto 3.048⁄1999 (grifei):

Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

Novamente é, portanto, estabelecido o limite de 30% de desconto sobre o benefício previdenciário.
 
O Decreto 6.386⁄2008, que regulamenta os descontos em folha dos servidores públicos federais, adota o mesmo paradigma percentual (grifei):

Art. 8º A soma mensal das consignações facultativas de cada consignado não excederá a trinta por cento da respectiva remuneração, excluído do cálculo o valor pago a título de contribuição para serviços de saúde patrocinados por órgãos ou entidades públicas, na forma prevista nos incisos I e II do art. 4o. (Redação dada pelo Decreto nº 6.574, de 2008).


A posição jurisprudencial nesta Corte Superior não destoa do modelo legal:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGALIDADE DA AVENÇA. MENORES TAXAS DE JUROS. LIMITAÇÃO DO DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO TRABALHADOR. PERCENTUAL DE 30%. PREVISÃO LEGAL. EQUILÍBRIO ENTRE OS OBJETIVOS DO CONTRATO E A NATUREZA ALIMENTAR DO SALÁRIO.
1. Não incidem as Súmulas 05 e 07 do STJ quando os fatos delineados pelas instâncias ordinárias se revelarem incontroversos, de modo a permitir, na via especial, uma nova valoração jurídica, com a correta aplicação do Direito ao caso concreto.
2. Este Tribunal Superior assentou ser possível o empréstimo consignado, não configurando tal prática penhora de salário, mas, ao revés, o desconto em folha de pagamento proporciona menores taxas de juros incidentes sobre o mútuo, dada a diminuição do risco de inadimplência do consumidor, por isso a cláusula contratual que a prevê não é reputada abusiva, não podendo, outrossim, ser modificada unilateralmente.
3. Entretanto, conforme prevêem os arts. 2º, § 2º, I, da Lei 10.820⁄2003, 45 da Lei 8.112⁄90 e 8º do Decreto 6.386⁄2008, a soma dos descontos em folha referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil não poderá exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração disponível do trabalhador. É que deve-se atingir um equilíbrio (razoabilidade) entre os objetivos do contrato e a natureza alimentar do salário (dignidade da pessoa humana). Precedentes do STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento
(AgRg nos EDcl no REsp 1.223.838⁄RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, DJe 11⁄05⁄2011).

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS. DESCONTO EM FOLHA DE SALÁRIO. LIMITAÇÃO. 30% DOS VENCIMENTOS.
1. A jurisprudência sedimentada nesta Corte é no sentido da possibilidade de se proceder ao desconto em folha de pagamento, de prestações referente a contrato de empréstimo pessoal de servidor com instituições financeiras, desde que o valor a ser descontado não ultrapasse a 30% (trinta por cento) da remuneração mensal do servidor.
2, Aplicação o disposto no art. 2º da Lei nº 10.820⁄2003 c.c. os arts. 45 da Lei nº 8.112⁄90 e 8º do Decreto nº 6.386⁄2008.
3. O objetivo da disposição legal, ao estabelecer porcentagem máxima para os descontos consignáveis na remuneração do servidor é evitar que este seja privado dos recursos necessários para sua sobrevivência e a de seus dependentes; buscando atingir um equilíbrio entre o objetivo do contrato (razoabilidade) e o caráter alimentar da remuneração (dignidade da pessoa humana).
4. É dever do Estado, órgão responsável pelo pagamento dos vencimentos, dar consecução às medidas necessárias para que os servidores públicos fiquem protegidos de situações que confiscam o mínimo existencial, noção resultante, por implicitude, dos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana.
5. Recurso provido
(REsp 1284145⁄RS, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, DJe 26⁄11⁄2012).

Não obstante a reiteração referencial ao índice máximo de 30%, considero adequado à hipótese adotar, por simetria, o percentual mínimo de desconto aplicável aos servidores públicos referido no art. 46, § 1º, da Lei 8.112⁄1990. Transcrevo o citado dispositivo legal:

Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão.

Assim, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e levando-se em conta o dever do segurado de devolução dos valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, deve ser observado o limite mensal de desconto de 10% (dez por cento) da renda mensal do benefício.
Por todo o exposto, com todas as vênias aos e. Ministros Sérgio Kukina e Arnaldo Esteves Lima, acompanho o e. Ministro Ari Pargendler e dou provimento ao Recurso Especial.
É como voto.

VOTO-VENCIDO
(MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)
1.Senhor Presidente, desconfio não estar à altura de participar desse refinado debate que aqui se iniciou, de maneira erudita, com a fala inspiradíssima, a meu ver, da Dra. Procuradora do INSS. Mas, se V. Exa. me permite, farei achegas, pálidas achegas, a esses raciocínios já tão bem desenvolvidos aqui pelos eminentes Ministros que me antecederam.

2.Primeiro, Senhor Presidente, gostaria de observar que nenhuma teoria, nem jurídica, nem social, nem econômica, nem filosófica, nem ideológica, cria ciência. A ciência é filha, exclusivamente, da experiência. E a experiência jurídica nos mostra que as tutelas judiciais de conteúdo material afastam as incertezas e as dúvidas que alguém possa ter no que concerne a qualquer relação jurídica. É exatamente para essa função que as tutelas judiciais foram criadas e desenvolvidas.

3.É evidente, Senhor Presidente, que a provisoriedade de uma tutela não elimina o efeito de afastar as dúvidas e incertezas, ela apenas limita, no tempo, aquela convicção. É algo, se V. Exa. me permite, parecido com a realidade do amor humano, que é infinito enquanto dura. É assim uma tutela provisória ou uma tutela antecipatória que ela têm eficácia decisiva, plena, total e absoluta enquanto vigorar. Até que uma incompreensão, uma desavença, como ocorre no amor, um desentendimento ou o surgimento de outra relação perturbe a tranquilidade daquela, aquela primeira relação é infinita. Essa é a fórmula viniciana que nos foi dada, como V. Exa. muito bem sabe, que ainda há pouco tempo discorríamos sobre isso, como o Senhor Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA está me lembrando.

4.Observo que a antecipação de tutela não é uma Medida Cautelar, é uma medida de conteúdo decisório, eficaz, pleno, tanto que pode ser executada, e é executada. Não vejo como se possa afastar, nessa relação que se apoia numa tutela antecipada, a legitimidade da confiança e a justificabilidade da expectativa de quem a recebeu. Afinal, se não for possível confiar na justiça e ter expectativas seguras da justiça, em quem vamos ter confiança? Ficaríamos absolutamente à deriva, num mar de dúvidas e sob uma nuvem de incertezas.

5.Penso, Senhor Presidente, que o que se deveria fazer, e não é o papel do Judiciário, mas anoto isso, quem sabe se os eminentes Procuradores da Fazenda podem, talvez, aproveitar essa sugestão, claro que é um tratamento brutalmente desigualitário, é que não se permitisse, por exemplo, a restituição de quem recebeu indevidamente valores vultosos. O que se deveria fazer é limitar, dizer que não haveria a restituição ou a repetição até determinado valor, por exemplo, um ou dois salários mínimos. Quando ultrapassasse essa medida, haveria a obrigatoriedade de repetir-se, porque o efeito alimentar daquele excesso estaria, a meu ver, abrandado.

6.Essa limitação discriminatória pelos valores seria "desjustiça", como acontece, por exemplo, nos crimes de contrabando e descaminho, quando o valor iludido ao Fisco é inferior a dez mil reais - considera-se uma bagatela. Dez mil reais corresponde a quantos benefícios previdenciários desse porte? Um número bastante elevado.

7.Senhor Presidente, ouvi atentamente os votos dos eminentes Ministros que me precederam, todos muito bem calcados em argumentos jurídicos de grande saber, de grande expressão teórica, mas a experiência nos mostra que a vida não é assim. O Juiz deferiu a tutela antecipada porque se convenceu do direito. A parte contra quem foi dada a tutela tem diversos meios processuais de retirar a eficácia daquela decisão do Juiz e, particularmente, do Poder Público, que se pode valer do famigerado pedido de suspensão de tutelas, até de sentenças.

8.Então, tudo isso se manteve durante longo tempo. Seria razoável, a esta altura, dizer-se que a confiança que o autor depositou na decisão é ilegítima ou que a sua expectativa de manutenção daquela decisão é injustificável? Teoricamente talvez, porque em teoria aquilo é provisório. E como disse no começo da minha fala, Senhor Presidente, agradecendo a V. Exa. a gentileza de me ouvir, penso que a eficácia das tutelas antecipatórias é infinita enquanto dura.

9.Senhor Presidente, acompanho o voto do Senhor Relator, em tudo e por tudo, pedindo elevadas e reverenciosas vênias ao Senhores Ministros ARI PARGENDLER e HERMAN BENJAMIN, que divergiram do Senhor Ministro Relator.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES(Relator):

A matéria objeto deste recurso envolve a cobrança de valores recebidos do INSS em razão da antecipação dos efeitos da tutela deferida na ação em que se pleiteava a concessão de aposentadoria, posteriormente revogada. Se há efetivamente o dever de o segurado da Previdência Social devolver esses valores ao Erário.

O tema havia sido enfrentado pela Primeira Seção que, ao julgar o REsp 1.384.418⁄SC, em sessão ordinária de 12⁄6⁄2013, realinhou, por maioria, o entendimento jurisprudencial, assentando que é dever do titular de benefício previdenciário, isto é, de direito patrimonial, devolver valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Por conseguinte, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até dez por cento do salário de benefício recebido pelo segurado, até a satisfação do crédito. Em simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos, nos termos do art. 46, § 1º, da Lei 8.213⁄1991.

A antecipação de tutela só pode ser deferida de acordo com o art. 273, § 2º, do CPC. Conforme acentuado pelo Ministro Ari Pargendler que inaugurou a divergência no julgamento do presente recurso, a antecipação de tutela só pode ser deferida, quando não houver perigo de irreversibilidade. Havendo perigo de irreversibilidade, não se antecipa a tutela.

Do ponto de vista processual, Sua Excelência o Ministro Ari Pargendler, afirma que há contrassenso admitir uma antecipação de tutela que seja irreversível. Coaduno da mesma reflexão.

Acrescente-se que não é possível restringir a análise da tese sob o ângulo exclusivo do direito previdenciário, pois dessa forma, estaríamos, inexoravelmente, conduzindo a jurisprudência no rumo de dar à tutela antecipatória as galas de definitividade absoluta.

Outrossim, não vou me permitir caminhar com meu raciocínio para analisar se boa-fé ou má-fé houve por parte do segurado, não chegaria a entrar nessa seara, mas a preocupação que se tem é que, sobretudo em se tratando de direito previdenciário, estando o Erário e nós todos componentes do mesmo sistema solidários com isso, estaríamos a abarcar tese que é rechaçada por absoluto no direito privado, em que lá, o particular contra o particular, essa reversibilidade é tranquila, é pacífica.

Mantenho, portanto, a posição que já havia anteriormente fixado em precedentes que lancei, não só na Primeira Seção, mas na Segunda Turma e também no caso em que se submete à Corte Especial.

A par disso, a própria legislação que rege a matéria, a Lei 8.213⁄1991, como bem trouxe o decano da egrégia Primeira Seção, possui dispositivo expresso quanto ao caráter de repetibilidade daqueles valores percebidos a maior em matéria previdenciária. O art. 115, II, da Lei 8.213⁄1991 é expresso no sentido de que os benefícios pagos ao segurado além do devido estão sujeitos à repetição.

Desta forma. Sr. Presidente, louvando o belíssimo debate que reabre os trabalhos da Primeira Seção, de que foram protagônicos o eminente Ministro Relator e, sobretudo, o eminente decano da Seção, peço vênia ao eminente Ministro Relator para acompanhar a divergência inaugurada por Sua Excelência o Ministro Ari Pargendler.

VOTO
O SR. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Sr. Presidente, como o Sr. Ministro Herman Benjamin leu no início do debate, já tenho uma posição que trouxe na época desse julgamento na Primeira Turma, sobre essa repetição de valores conseguidos por tutela provisória. Então, continuo seguindo.

Mas, antes quero fazer dois comentários. Essa responsabilidade judicial que se tem na tutela antecipada, que o limite está nesse perigo da irreversibilidade que tem que estar atento ao juiz; olha a situação concreta desses autos. Em 2009 - estava observando aqui - foi proposta essa ação. Era um trabalhador rural que, por idade, ganhou um salário-mínimo. Então, é o único benefício, parece, que ele tem pela própria idade. Na apelação se entendeu que só foi por prova testemunhal, sem prova documental, também ofendendo a lei. Então, julgou improcedente o pedido, mas garantindo, dando como boa-fé, continuando os valores sem repeti-los.

O INSS, por sua vez, tem, diante dessa tutela provisória, em vigor a Lei n. 9.494, na qual há outros argumentos, não jurídicos, para pedir a suspensão, a qualquer tempo, como está na lei. Então, tudo isso precisa ser evitado, também, com o uso desse requerimento, que não é um recurso, a qualquer tempo, com argumentos econômicos, outros argumentos que a lei prevê, para suspender esses pagamentos.

De um lado, vejo que a jurisdição tem que ser responsável, por outro lado, o Poder Público, também, poderia evitar a situação.

Peço vênia ao Sr. Ministro Relator e acompanho a divergência. 

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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