sexta-feira, 5 de junho de 2015

Decisão trata sobre a concessão de benefício mediante fraude

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a prática de estelionato contra a previdência social. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA INDEFERIDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DESTINAÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIUÁRIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Apelação interposta pela defesa contra sentença que condenou a ré como incursa no artigo 171, §3º, do Código Penal, à pena de 2 anos e 08 meses de reclusão.
2. Pleito de gratuidade indeferido: não preenchimento do requisito do artigo 4º da Lei 1.060 /50. Não consta qualquer declaração da acusada de que não está em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família.
3. A materialidade delitiva restou comprovada nos autos pelo procedimento investigatório criminal, dando conta que a acusada obteve de forma fraudulenta o benefício da aposentadoria por idade rural, mantendo o INSS em erro no período de 04/07/2002 a 01/02/2008, causando prejuízo aos cofres públicos no montante de R$ 23.654,81, uma vez que requereu e obteve aposentadoria rural no período em que exercia atividade urbana.
4. Autoria delitiva demonstrada pelo conjunto probatório produzido nos autos.
5. Alegação de atipicidade da conduta por ausência de dolo rejeitada.
6. A pena de prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser destinada à entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1º do Código Penal, no caso, a União Federal, sucessora do INSS, nos termos da Lei 11.457/2007.
7. Apelação desprovida.
TRF 3,
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001783-20.2010.4.03.6123/SP, 1ª T., Desembargador Relator Hélio Nogueira, 23.02.2015.
 
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação da defesa, e de ofício, alterar a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União, mantida, no mais, a r. sentença apelada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal

RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):

O Ministério Público Federal, em 08/09/2010, denunciou MARIA DO CARMO DO NASCIMENTO RAPOSO, qualificada nos autos, nascida aos 03/10/1944, como incursa no artigo 171, §3º do Código Penal. Consta da denúncia (fls.2/4):

... Segundo consta dos autos, a denunciada requereu, em 04/07/2002, junto à agencia do INSS de Bragança Paulista, o benefício de aposentadoria por idade de nº 41/125.140.219-1, na qualidade de segurado especial, nos termos do artigo 11, inciso VII da Lei n° 8.213/91.

Para comprovar seu tempo de atividade rural, visando o enquadramento legal nas hipóteses legais de concessão de benefício previdenciário ao segurado especial, MARIA DO CARMO juntou os documentos (fls. 04/40) que instruíram o pedido administrativo, o qual acompanham e instruem estes autos.

Declarou ter trabalhado durante a maior parte de sua vida em atividade rural na terra de sua mãe (fls. 41/42), não prestando esclarecimentos sobre qualquer outro vínculo de emprego ou cargo exercido.

Em correspondência encaminhada a denunciada (fl. 56), o INSS informa a concessão do benefício pleiteado.

Em 03/04/2007, foi encaminhado para a APS/Bragança Paulista, pela APS/Controle Interno de Cambuí/MG, email (fl. 57) informando que a MARIA DO CARMO requereu, nesta agência, benefício de Auxílio Doença, e, para tanto, apresentou Declaração da Escola Estadual Odete Valadares, de Extrema/MG, onde constava que a então requerente trabalhou, naquele estabelecimento de ensino, como designada, de 12/02/87 à 31/12/06, inclusive com remuneração no CNIS até 12/1998.

Visando a melhor análise dos fatos, foi emitido, pela APS/Bragança Paulista, ofício à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (fl. 69 e 71), sendo obtida a informação (fl. 78) de que a denunciada ocupava função pública no Estado de Minas Gerais, sendo auxiliar de serviços de educação básica designada, nível I, Grau A, desde 01/02/1995 até 31/12/2007.

Em decisão (fl. 103), o INSS, em 22/1/2008, julgou irregular o benefício concedido à denunciada. Tendo cessado o benefício em 01/02/2008 (fl. 106).

Diante de todo o exposto, verifica-se que a denunciada praticou crime de estelionato qualificado, pois obteve para si vantagem ilícita, ao induzir em erro a autarquia previdenciária quanto a sua condição de segurada especial, acarretando prejuízo ao INSS no importe de R$ 23.654,81 (vinte e três mil, seiscentos e cinquenta e quatro reais e oitenta e um centavos), atualizados em fevereiro de 2008 (fl. 122)...

A denúncia foi recebida em 08/09/2010 (fls.7).

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Mauro Sales Ferreira Leite, publicada em 28/04/2011 (fls. 107/114 e 115), que condenou a ré à pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo, como incursa no artigo 171, §3º, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo em favor de entidade pública a ser designada pelo juízo da execução.

Apela a ré (fls.127/139), sustentando, em síntese, a atipicidade da conduta por não ter sido caracterizado o elemento subjetivo do tipo. Argumenta que se dedicou ao trabalho exclusivamente rural por longo período de sua vida, e que mesmo após começar a trabalhar como merendeira, apenas em um período do dia, continuou a laborar no campo; e que portanto pode qualificar-se como trabalhadora rural durante toda a vida, e acreditava ter direito ao benefício. Requer ainda os benefícios da justiça gratuita.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 142/144 pela manutenção da sentença condenatória.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Rose Santa Rosa opinou pelo improvimento do recurso (fls.146/147).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado

VOTO
O recurso da defesa não comporta provimento.

Do pedido de justiça gratuita: indefiro o pleito de gratuidade, diante do não preenchimento do requisito do artigo 4º da Lei 1.060/50.

Com efeito, não consta qualquer declaração da acusada de que não está em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Da materialidade delitiva. A materialidade delitiva restou comprovada nos autos pelo procedimento investigatório criminal, dando conta que a acusada Maria do Carmo obteve de forma fraudulenta o benefício da aposentadoria por idade rural nº 41/125.140.219-1, mantendo o INSS em erro no período de 04/07/2002 a 01/02/2008, causando prejuízo aos cofres públicos no montante de R$ 23.654,81, uma vez que requereu e obteve aposentadoria rural no período em que exercia atividade urbana.

Com efeito, a acusada requereu em 04/07/2002 no APS de Bragança Paulista/SP o benefício de aposentadoria por idade, na qualidade de segurada especial, ao argumento que exercera atividade rural no imóvel de propriedade de seus genitores, na cidade de Extrema/MG. Para comprovar a atividade rural, apresentou documentação do imóvel, certidão de óbito de seu pai e ainda foi entrevistada perante o INSS, sendo o benefício então concedido (fls. 01/54 do apenso).

Em 06/02/2007, a acusada dirigiu-se novamente ao Posto do INSS, mas no APS de Cambuí/MG, onde requereu auxílio-doença apresentando declaração da Escola Estadual Odete Valadares, em Extrema/MG, em que constava a informação de que ela trabalhara naquele estabelecimento, como designada, de 12/02/1987 a 31/12/2006. O vínculo foi confirmado no CNIS com remunerações até 12/98 (fl. 57 do apenso). Foi constatado que a acusada exercia função pública no Estado de Minas Gerais, como Auxiliar de Serviços de Educação Básica Designada, Nível I, Grau A, com a primeira designação em 01/02/1995 em continuidade prevista até 31/12/2007 (fls. 78/87 do apenso), e que a havia anotação no CNIS da acusada na Secretaria do Estado de Planejamento e Gestão desde 15/08/1987 (fl. 65 do apenso).

Constatado que a acusada exercia atividade urbana no período em que se declarou trabalhadora rural, restou descaracterizada a qualidade de segurada especial, sendo o benefício suspenso em 31/01/2008 (fls. 103/106 do apenso) e apurado o montante recebido indevidamente em R$ 23.654,81 (fl. 122 do apenso).

Em outras palavras, no momento em que a acusada requereu a aposentadoria por idade, em 04/07/2002, intitulou-se como rurícola, mas já trabalhava na instituição de ensino (de 1995 a 2007, cfr. fl. 147).

Da autoria: a autoria delitiva restou demonstrada pelo conjunto probatório produzido nos autos.

Interrogada na fase extrajudicial, a acusada afirmou ter trabalhado a maior parte de sua vida em atividade rural, tendo requerido a aposentadoria por idade rural acreditando ser seu direito, independentemente da existência de outro vínculo de trabalho. Disse ainda que "se aposentou pelo Estado em outubro de 2008" (fls. 147/148 do apenso):

"QUE toda vida trabalhou na roça; QUE nasceu na roça e viveu na roça; QUE estudou até a 4a Série do Primário; QUE, quando entrevistada no INSS, não lhe foi perguntado se a declarante desempenhou qualquer outra atividade a não ser a rural, e nem mesmo se a mesma chegou a trabalhar na cidade; QUE um amigo da declarante, na época dos fatos, informou-lhe que, em razão de a declarante possuir o sítio e estar regularizado o mesmo junto ao INCRA, tinha direito à aposentadoria; QUE esse seu amigo, na oportunidade, indicou-lhe uma advogada para acompanhar o trâmite de seu pedido junto ao INSS; QUE essa advogada é a Dra. Vera Lúcia de Sales Caldato; QUE a advogada limitou-se a pedir-lhe os documentos comprobatórios da posse e atividade rural; QUE, na época, a declarante não possuía ainda escritura da propriedade, mas tão somente a partilha, uma vez que a propriedade passou a ser, com o falecimento de seu genitor, da declarante e de sua mãe; QUE de 1987 a 2007 a declarante trabalhou como merendeira na escola estadual Odete Valadares; QUE a partir de 2007 a declarante teve um problema na perna e ficou "encostada", sendo necessário o uso de cadeira de rodas; QUE atualmente a declarante não mais trabalha; QUE a declarante se aposentou pelo Estado em outubro de 2008; QUE faltavam cerca de 7 meses para a declarante se aposentar por invalidez; QUE, como a situação da declarante era precária junto à administração, não sendo ela concursada, sua chefia determinou que a mesma fosse aposentada "por média"; QUE a declarante tem a casa no centro de Extrema desde o ano de 1978, mas somente para passar temporadas; QUE, mesmo quando começou a trabalhar na cidade, retomava todo dia para o Sítio São Jorge para continuar o trabalho na lavoura; QUE o sítio dista 8 Km da escola; QUE a escola em questão situa-se na zona urbana de Extrema/MG; QUE a declarante ia e voltava à escola, em geral de carona; QUE a escola era a mesma onde estudavam seus filhos; QUE, inicialmente, a declarante começou a trabalhar na escola apenas substituindo uma outra pessoa, mas acabou ficando; QUE a partir de 1990 os filhos da declarante se mudaram para a casa dos avós, uma vez que o pai da declarante estava doente e, em seguida, veio a falecer; QUE, no entanto, mesmo nessa época, a declarante retornava todo dia ao sítio, onde seu esposo trabalhava e com ele ficava até a manhã do dia seguinte, quando ia para o trabalho na escola; QUE sua jornada na escola era de 6 horas; QUE no Sítio São Jorge plantava arroz, feijão, fumo, e tinha apenas algumas poucas vacas; QUE seu esposo se aposentou também como trabalhador rural, tendo, inclusive, utilizado-se da mesma documentação que a declarante apresentou ao INSS; QUE em 1991 a declarante teve problema no coração (hipertrofia), tendo, nessa época, excepcionalmente, ficado sem trabalhar na roça; QUE nessa época, que calcula ter durado uns 4 meses, morou na casa no centro de Extrema/MG; QUE, no entanto, retomou ao trabalho na roça tão logo lhe foi possível; QUE de seu problema no coração, a declarante foi operada, inclusive apresentando cicatriz até esta data; QUE ninguém lhe orientou a omitir seu trabalho na escola estadual; QUE a declarante acreditava ser direito dela a concessão de aposentadoria pelo INSS independentemente da existência desse seu outro vínculo de trabalho"

Em juízo, a ré afirmou ter requerido o benefício do auxílio doença no APS de Cambuí/MG. Quanto à aposentadoria por idade rural, objeto da denúncia, respondeu apenas que "foi obtida mediante comprovação do exercício de atividade rural" (fl. 81):

"Quando me dirigi ao Posto do INSS em Cambuí, já era titular do benefício de aposentadoria por idade obtido junto à agência de Bragança Paulista/SP. Fui à agencia do INSS em Cambuí por sugestão de uma ex-colega de trabalho, Maria de Lourdes Borges (colega de trabalho no período em que prestei serviços nas Escola Estadual Odete Valadares). Nessa ocasião, referida colega disse que iria buscar sua aposentadoria na supra citada agência, pois, segundo ela, 'todos os benefícios iriam ser passados para o INSS'. Nessa época, como estava doente (desgaste no quadril com posterior colocação de prótese em ambas as pernas), fui até a agência de Cambuí, munida com os documentos fornecidos pela diretora da escola; fui submetida à perícia, e então disseram que 'lá (leia-se INSS) o Estado (de Minas Gerais não havia passado nada)'. Aposentadoria que posteriormente foi cassada pelo INSS foi obtida mediante comprovação do exercício de atividade rural.
No tocante à alegação de atipicidade da conduta por ausência de dolo, não assiste razão à defesa.

Nas razões de apelação, sustenta a defesa que "a ré, que estudou apenas até a 4ª série e trabalhou durante toda a sua vida na roça, de forma não espontânea, induzida por informação de terceira pessoa que lhe indicou uma advogada e disse que a acusada tinha direito de se aposentar, resolveu pleitear sua aposentadoria junto ao posto no INSS de Bragança Paulista, devidamente representada, por advogada, sendo que tanto sua advogada quanto os funcionários do INSS jamais lhe indagaram acerca do exercício de outra atividade que não a rural" (fls. 136/137).

É certo que a testemunha de defesa Áurea Alves Ferreira declarou em Juízo que a acusada, a quem conhece há 40 anos, sempre foi rurícola e dividia a tarefa na escola como servente com o trabalho rural. Confira-se:

"Não sou parente da acusada, e a conheço há cerca de 40 anos. Nesses anos todos sei que ela sempre trabalhou no sítio de sua família, na condição de rurícola, e posso fazer tal afirmação porque para chegar ao seu sítio, ela passa em frente a minha casa. Não sei informar acerca dos detalhes dos pedidos quer Maria do Carmo formulou, em sede administrativa, junto às agencias do INSS de Cambuí e Bragança. Não sei informar por quantos anos a acusada trabalhou na Escola Estadual Odete Valadares, mas sei que ela trabalhou como servente. Soube, através da própria acusada, que ela havia obtido a aposentadoria, mas desconheço detalhes. Me disse, também, que advogada se chama Dra. Vera. (...) A acusada trabalhou na Escola Odete Valadares por mais ou menos 10 anos, e nesse lapso de tempo dividia essa tarefa com o trabalho rural. A acusada é excelente pessoa, nunca tomei ciência de algum fato que pudesse desaboná-la." (fl. 66)

A testemunha de defesa Josué Evangelista Cardoso aduziu que conhece a acusada "toda a vida", que exerceu atividade rural em propriedade familiar e trabalhou por um período na escola estadual como merendeira. A testemunha disse ainda ter contado à acusada que uma advogada de Bragança Paulista conseguira-lhe um benefício previdenciário, "quando então a mesma se interessou, de tal modo que indiquei a profissional para que prestasse serviços ela":

"Não sou parente da acusada e a conheço 'toda a vida'. Posso afirmar que a acusada, desde que a conheço por gente, exerceu atividade rural, em propriedade de sua família. Não sei informar acerca dos detalhes dos pedidos que Maria do Carmo formulou, em sede administrativa, junto às agencias do INSS de Cambuí e Bragança. A acusada trabalhou por um período, que não me recordo, na Escola Estadual Odete Valadares, salvo engano na função de merendeira. (...) Eu e a acusada sempre conversamos, e numa dessas conversas disse a ela que uma advogada de Bragança Paulista havia obtido para mim, junto ao INSS de Bragança Paulista, um beneficio previdenciário, quando então a mesma se interessou, de tal modo que indiquei a profissional para que prestasse serviços ela, porém em momento algum a acompanhei até o escritório dessa advogada. Não sei dizer se o procedimento adotado por mim junto ao INS foi o mesmo para a acusada." (fl. 65)

Em entrevista no posto do INSS, a acusada respondeu à seguintes perguntas:

II - Atividade(s) alegada(s) e período(s) a ser considerado:
"Disse que desde moça trabalha na lavoura, ultimamente planta e quando espera a colheita, tem porco, horta e galinha para cuidar"

III - Informar se houve afastamento da atividade durante o período mencionado e o motivo, inclusive nas entre-safras:
"Só por 04 meses quando sofreu cirurgia do coração"

IV - Informar a quem pertence ou pertencia as terras, a localização e descrever clara e objetivamente a forma, de acordo com cada período em que a atividade é ou foi exercida - histórico da vida profissional do entrevistado
"Quando ela começou a trabalhar a terra era de seu avô por parte da mãe e nela trabalhava sua mãe e mais 06 tios, depois o avô ainda vivo dividiu com cerca um pedaço para cada filho, mas no papel não foi dividido e o INCRA continuou saindo no nome dele, mesmo depois de sua morte em 1984, depois em 1989 foi feito a formal partilha mas o INCRA não foi regularizado e ai em 1990 seu pai morreu e 1992 ela passou para seu nome a arte de sua mãe e seu pai."
(...)
 
VI - Descrever o que é ou era produzido, extraído ou capturado ao longo do período de exercício da atividade rural
"Vendia queijo, frango e fumo, aro, feijão, milho, criava galinha, gado"
(...)
 
VIII - Descrever se possui outra fonte de renda ou outro membro do grupo familiar, em caso positivo qual(is) é(são) durante o período mencionado no item II desta entrevista.
Não, só aposentadoria do esposo que se aposentou com a mesma documentação.

IX - Outros esclarecimentos que o segurado ou servidor deseja prestar.
"Disse que trabalhava desde moça na terra de sua mãe que ela herdou de seu avô, João Batista Magalhães e que depois da morte de seu pai o Jorge do Ramos Nascimento, esta mesma terra passou para seu nome em 1992. afirmou que no pedaço de sua mãe trabalhava ela, a mãe e seu pai, depois de casada também o seu marido, ela é filha única. Que mesmo quando as crianças eram pequenas ela trabalhava Às vezes levava as crianças pois a lavoura é próximo à casa dela. Só tem uma terra."


Conclusão:
"Diante do que foi dito, trata-se de trabalhadora rural desde moça até agora. Antes de 1992 na terra do avô que passou para sua mãe e para os tios e depois para ela." (fls. 41/42)

Como se observa, verifica-se da descrição feita pela acusada na entrevista, especialmente acerca da divisão das terras e partilha, que, apesar de ter estudado até a quarta série do ensino fundamental, não se trata de pessoa humilde, pouco esclarecida, como pretende fazer parecer a defesa.

Ao contrário, ao descobrir que um conhecido conseguira um benefício previdenciário, a acusada procurou pela mesma advogada buscando o benefício, omitindo a informação de que não possuía outra fonte de renda, pergunta essa feita de forma direta e objetiva, e respondida claramente pela acusada que não possuía, que recebia apenas a aposentadoria de seu marido.

Como bem mencionado na r. sentença apelada (fls. 109v/111):

A meu sentir, e renovadas todas as vênias a quem de direito, o dolo consistente na vontade, ou, pelo menos, no assentimento com a ocorrência do resultado ilícito, está, sim, presente na conduta da acusada, porquanto, o conteúdo de suas declarações perante a autarquia previdenciária foram plenamente capazes de induzir os técnicos encarregados da análise do benefício - pessoas presumivelmente treinadas e aptas para a avaliação desses tipos de situação - à conclusão de que a ré sempre trabalhou na lavoura, desde tenra idade até os dias imediatamente antecedentes à data da entrada do requerimento administrativo para a concessão da aposentadoria rural.

Vale dizer: a autora afirma, em sua entrevista, atividade rural atual, exclusivamente, sem mencionar - o que já ocorria à época - o seu trabalho perante escola estadual no Estado de Minas Gerais. Se era verdade, como argumentam tanto a defesa quanto as alegações finais da acusação, que a autora trabalhara, em tempos remotos, em atividade rural, a mesma conclusão não mais era verdadeira para a atualidade, em que - o fato está sobejamente comprovado nos autos e não está controvertido pela ré - a acusada se dedicava a atividade diversa. Nesse ponto, necessário frisar que não procede o argumento engendrado pela defesa no sentido de que - mesmo depois de contratada para serviços de natureza urbana - a ré continuou laborando em atividade rural. A vinculação a qualquer trabalho de natureza urbana impede o acesso ao benefício rural, que se destina exclusivamente aos trabalhadores dessa modalidade.

Quanto a este aspecto em particular, tenho por especialmente relevante a reposta da ora requerida à indagação, efetuada ainda no âmbito do INSS, em que, inquirida a respeito de possuir outra fonte de renda para o custeio da subsistência, que não aquela haurida do próprio exercício da atividade rural, sobrevém resposta nos termos seguintes (fls. 42 do apenso, resposta ao item VIII - INFORMAR SE POSSUI OUTRA FONTE DE RENDA OU OUTRO MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR, EM CASO POSITIVO, QUAL(IS) É(SÃO) DURANTE O PERÍODO MENCIONADO NO ITEM II DESTA ENTREVISTA):
"Não, só a aposentadoria do esposo que se apresentou com a mesma documentação"(grifei).

Essa asserção é claramente falsa. Na data em que efetivada (aos 04/07/2002, cf. fls. 42 do procedimento investigatório criminal, em apenso) a acusada percebia, sim, remuneração relativa ao cargo de auxiliar de serviços de educação básica designada, nível I, grau A, que ocupava perante a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais desde 01/02/1995, consoante se colhe do documento junto ao apenso investigatório às fls. 78. Houvesse, na oportunidade, sido declinada a verdade, o resultado quanto ao deferimento do seu benefício previdenciário haveria se encaminhado para uma conclusão radicalmente diferente.

Ou seja: ao omitir exatamente essa informação, a agente consuma o delito de estelionato ao externar - mediante a omissão de fato juridicamente relevante - a vontade livre e consciente de praticar a elementar que caracteriza o núcleo do tipo penal incriminador. Eis aí a nota distintiva do dolo a qualificar o elemento anímico da conduta ora sindicada.

E nem venha a se argumentar que essa omissão decorreu de erro ou equívoco da agente, que se trata de pessoa rude, de parcos conhecimentos, não versada à complexidade do meio social atual. Não é caso. A uma, que a indagação acima referida é claríssima, de perfeita inteligibilidade, até mesmo para pessoas de diminuta compreensão, que vivem no meio rural. Aliás, análise de toda entrevista efetuada no âmbito da Previdência Social, quando da concessão do benefício de aposentadoria por idade (fls. 41/42 do apenso), demonstra que a ré não teve qualquer dificuldade em compreender os outros quesitos que lhe foram dirigidos, não havendo nenhum motivo para acreditar que, apenas neste ponto - diga-se, relevantíssimo para a conclusão pelo deferimento do pedido - a ré haja turvado o seu entendimento.

A duas que não considero crível e, muito menos, aceitável que alguém que se deu a trabalhar como servidora pública estadual por mais de 12 anos (de 02/1995 a 12/2007), possa, seriamente, qualificar-se como trabalhadora rural de toda a vida perante a autarquia previdenciária, sem cogitar da desonestidade da afirmação. É da consciência comum de qualquer pessoa do povo, que, em processos perante entidades oficiais do governo, não se pode faltar com a verdade, falseando-a ou omitindo informações pertinentes e relevantes a respeito de suas atividades laborais.

Ignorância, insuficiência de esclarecimento, simplicidade de meios de vida ou poucas posses econômicas não podem, por si apenas, servir de passaporte ao cometimento de crimes, pena de se criar uma ordem jurídica paralela, sectária, privilegiada, e, em suma, profundamente injusta, já que erige a situação econômico/ social do agente à condição de indulgência exculpante para toda a sorte de ilícitos, embustes e estratagemas.

Por todas estas razões, tenho para mim, plenamente configurado o dolo da conduta da acusada, na medida em que se utiliza da omissão ou do silêncio como meio, evidentemente fraudulento, para induzir em erro o agente concessor do benefício previdenciário.

Portanto, e inexistindo nos autos alguma comprovação de que a apelante possua reduzida capacidade de compreensão e determinação, comprovadas a autoria e a materialidade delitiva e o dolo, é de ser mantida a condenação.

Não houve insurgência das partes em relação à dosimetria da pena.

Quanto à destinação da pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, a sentença comporta reparo, de ofício, posto que a mesma deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União Federal, sucessora do INSS, nos termos da Lei 11.457/2007.

Por estas razões, nego provimento à apelação da defesa, e de ofício, altero a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União, mantida, no mais, a r. sentença apelada.

É o voto.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo