sexta-feira, 22 de maio de 2015

Dolo na apropriação indébita previdenciária pode ser caracterizado mesmo sem lucro

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre os crimes envolvendo a falta de recolhimento dos encargos previdenciários, os quais o dolo fica caracterizado com a vontade livre e consciente de não pagar a contribuição no prazo legal que já é prova suficiente para tal, além disso, não é necessário que os réus obtenham lucro com a conduta para caracterização do dolo. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
 
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA APRECIADA. TENTATIVA DE MODIFICAÇÃO DO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS IMPROVIDOS.
1. Embargos de declaração opostos em face de acórdão que deu parcial provimento ao recurso da defesa.
2. Os embargos de declaração possuem extensão limitada às hipóteses estabelecidas no art. 619 do CPP, quais sejam, ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Não se prestam a rediscutir a matéria apreciada para reformar a decisão de modo a obter efeitos infringentes.
3. No caso em tela, o embargante não aponta a ocorrência de vícios de que trata o artigo 619 do Código Penal, mas apenas sustenta a ocorrência de inexigibilidade de conduta diversa à vista das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa e a ausência de dolo por parte dos acusados.
4. Conforme mencionado no acórdão embargado, houve a devida apreciação quanto à inexigibilidade de prova de dolo específico e inexistência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.
5. Embargos de declaração improvidos.

TRF 3,
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001783-32.2010.4.03.6119/SP, 1ª T., Desembargador Federal Relator Hélio Nogueira, 24.04.2015.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de abril de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal

RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA: Trata-se de embargos de declaração opostos pela defesa de ZELMA BEZERRA DE SOUZA LOPES e OTÁVIO DOS SANTOS LOPES contra o acórdão de minha lavra, assim ementado:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE OU DA CULPABILIDADE. PENAS-BASES. VALOR DA PENA DE MULTA. DESTINAÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Apelação da Defesa contra a sentença que condenou os réus à pena de 5 anos de reclusão e 100 dias-multa como incursos no artigo 168-A, §1º, inciso I, c.c. o artigo 71 do Código Penal.
2. A materialidade restou comprovada pela NFLD, apontando a falta de recolhimento de contribuições previdenciárias, nas competências 10/2003 a 10/2005, bem como pelas cópias das folhas de pagamento e extratos GFIP, evidenciando que o desconto do valor relativo à contribuição previdenciária foi efetuado e não repassado aos cofres da Administração Previdenciária.
3. Autoria demonstrada pelo conjunto probatório produzido nos autos, compreendendo contrato de constituição societária e interrogatório judicial dos acusados.
4. No crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do Código Penal, exige-se apenas o dolo genérico. Não é de exigir-se intenção de apropriar-se das importâncias descontadas, ou seja, não se exige o animus rem sibi habendi. Precedentes.
5. Não há que se falar em exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.
6. A prova das alegadas dificuldades financeiras incumbe ao réu, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal. Caberia à Defesa trazer aos autos a prova documental de dificuldades financeiras invencíveis da empresa. Apenas a declaração do réu em interrogatório, ou mesmo depoimentos de testemunhas, ainda mais com declarações genéricas, não constituem prova suficiente para ter-se como cabalmente demonstradas as alegadas dificuldades financeiras. Precedentes.
7. Não são dificuldades financeiras de qualquer ordem que justificam a configuração de causa de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade, ou em causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Estas devem ser tais que revelem a absoluta impossibilidade da empresa efetuar os recolhimentos. Precedentes.
8. No caso dos autos, não há que se falar em exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, pois a alegação de que o não recolhimento das contribuições deveu-se a dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não restou suficientemente comprovada nos autos.
9. A conseqüência de cada um dos delitos perpetrados apresenta-se significativa, considerado o valor do salário mínimo, de modo que a pena-base é de ser fixada moderadamente acima do mínimo legal. Não serve para recrudescer as penas-bases a prática continuada do não recolhimento das contribuições previdenciárias, pois tal circunstância será sopesada na terceira fase da dosagem da pena, na análise de eventual continuidade delitiva.
10. Incidência da circunstância atenuante da confissão, mesmo nos casos em que o réu, embora admita como verdadeiros os fatos narrados na denúncia, alega a ocorrência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Precedentes. Ressalva do ponto de vista do Relator.
11. Com relação à pena de multa no crime continuado, assinalo que a sua fixação deve seguir os mesmos critérios utilizados para a pena privativa de liberdade, aplicando também o artigo 71 do Código Penal. Precedentes.
12. A multa é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.
13. Apelação parcialmente provida.


Sustentam os embargantes a ocorrência de contradições no julgado.

Aduzem que não há como ser afastada a crise financeira ao quais os embargantes informam, como se observa dos inúmeros processos trabalhistas e execuções fiscais. Alegam que em nenhum momento os embargantes apropriaram-se das contribuições nem tampouco obtiveram benefício pessoal nem demonstraram dolo seja genérico ou específico em se apropriar de valores descontados dos seus funcionários e não repassados à Previdência Social.

Pleiteia sejam sanados os vícios mencionados.

A i.representante da Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 478/479-v, opinou pelo não conecimento dos presentes embargos e, no caso de conhecidos, pelo seu desprovimento.

É o relatório.

Apresento o feito em mesa.

VOTO
Tempestivos os embargos, deles conheço. No mérito, o recurso não comporta acolhimento.

De início, anoto que os embargos de declaração possuem extensão limitada às hipóteses estabelecidas no art. 619 do CPP, quais sejam, ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.

Não se prestam a rediscutir a matéria apreciada para reformar a decisão de modo a obter efeitos infringentes.

Neste sentido são registros os precedentes desta Corte:
PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO. INADMISSIBILIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO. INADMISSIBILIDADE. ERRO MATERIAL. INOCORRÊNCIA. 1. Os embargos de declaração não se prestam a rediscutir a matéria julgada, para que desse modo se logre obter efeitos infringentes. (...)"
(ACR 00020623620044036181, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/02/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REVISÃO DO MÉRITO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Cabimento dos embargos de declaração. Hipóteses enumeradas no art. 619 do CPP. Inexistência de qualquer vício no acórdão a ser sanado pela via dos embargos declaratórios. (...) 3. Rediscussão de provas e da fundamentação do julgado. Pretensão de reformar o acórdão. Clara a intenção de se conferir efeitos infringentes ao recurso, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal. (...) (ACR 00108524320044036105, JUIZ CONVOCADO CARLOS FRANCISCO, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No caso em tela, os embargantes não apontam a ocorrência de vícios de que trata o artigo 619 do Código Penal, mas apenas sustenta a ocorrência de inexigibilidade de conduta diversa à vista das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa e a ausência de dolo por parte dos acusados.

Conforme mencionado no acórdão embargado, houve a devida apreciação quanto à inexigibilidade de prova de dolo específico e inexistência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade:

Da inexigibilidade de prova de dolo específico: no crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do Código Penal, exige-se apenas o dolo genérico.

O dolo exigido, portanto, é a vontade livre e consciente de deixar de recolher, no prazo legal, contribuição descontada de pagamentos efetuados a segurados.

Não é de exigir-se intenção de apropriar-se das importâncias descontadas, ou seja, não se exige o animus rem sibi habendi. Nesse sentido situa-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, v.g.:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. DIFICULDADE FINANCEIRA. MATÉRIA PROBATÓRIA. 1. O artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea "d" do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico. Daí a improcedência da alegação de abolitio criminis ao argumento de que a lei mencionada teria alterado o elemento subjetivo, passando a exigir o animus rem sibi habendi...
STF, RHC 86072-PR, Relator Min.Eros Grau, DJ 28/10/2005

CRIMINAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECURSO ESPECIAL "NÃO-CONHECIDO". APRECIAÇÃO DO MÉRITO. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. DOLO GENÉRICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. EMBARGOS ACOLHIDOS...
III.- A conduta descrita no tipo penal do art. 95, "d", da Lei 8.212/95 é centrada no verbo "deixar de recolher", sendo desnecessária, para a configuração do delito, a comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados à Previdência Social. Precedentes do STJ e do STF. IV - Embargos acolhidos.

STJ, ERESP 331982-CE, DJ 15/12/2003 p.179

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ADVENTO DA LEI N.º 9.983/2000. INCLUSÃO DO ART. 168-A NO CÓDIGO PENAL. DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI... 1. O crime previsto no art. 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/1991, revogado com o advento da Lei n.º 9.983/2000, que tipificou a mesma conduta no art.168-A, do Código Penal, consuma-se com o simples não-recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal. 2. O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal...

STJ, HC 30393-PR, DJ 07/03/2005 p.288

No caso concreto, a conduta omissiva dos acusados, deixando de repassar aos cofres públicos a contribuição previdenciária descontada dos salários dos empregados ajusta-se à tipificação prevista no artigo 168-A do Código Penal, sendo desnecessário que os réus tenham obtido lucro ou utilizado os recursos em proveito próprio.

Da inexistência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade: no caso dos autos, não há que se falar em exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

É certo que a existência de dificuldades financeiras na empresa pode, em determinados casos, configurar causa de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade, como entendem alguns, ou em causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, como entendem outros.

A prova das alegadas dificuldades financeiras incumbe ao réu, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal.

As contribuições previdenciárias descontadas e não recolhidas eram de responsabilidade de pessoa jurídica da qual o réu era administrador. Pessoas jurídicas, são obrigadas, por força de lei, a manter contabilidade devidamente escriturada. A própria fiscalização do INSS utilizou-se da escrituração da empresa do réu para levantar os valores das contribuições em questão.

Portanto, caberia à Defesa trazer aos autos a prova documental de suas dificuldades financeiras.

Apenas a declaração do réu em interrogatório, ou mesmo depoimentos de testemunhas, ainda mais com declarações genéricas, não constituem prova suficiente para ter-se como cabalmente demonstradas as alegadas dificuldades financeiras. Nesse sentido situa-se a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, v.g.:
PROCESSUAL PENAL E PENAL: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AUTORIA E MATERIALIDADE. OMISSÃO DO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGO 95, "D" DA LEI 8.212/91. ADVENTO DA LEI 9.983/00. ARTIGO 168-A DO CP... IV - A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão da culpabilidade sendo, pois, imprescindível, perquirir se o agente estava efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados da sua empresa. V - A comprovação da real impossibilidade de praticar a conduta determinada pela norma é de ordem a excluir a tipicidade do delito, em razão da aplicação da causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa. VI - A prova da alegação incumbe a quem a fizer, sob pena de não ser considerada pelo julgador (artigo 156 do CPP). VII - A omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias passou a ser tipificado no artigo 168-A do CP. VIII - A mera referência a dificuldades financeiras não é suficiente para ilidir a responsabilidade penal dos agentes. A exclusão da culpabilidade requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal.
TRF, 3ª Região, ACR 14292, DJ 28/05/2004 pg.417

APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 95, D, DA LEI Nº 8.212/91. ART. 168-A DO CP. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ANISTIA. DOLO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. COMPROVAÇÃO. PROVA DOCUMENTAL. DOSIMETRIA DA PENA... 6. As dificuldades financeiras argüidas pela defesa, em ações como a presente, podem configurar excludente de culpabilidade, sendo imprescindível, porém, que se apresentem provas contundentes da insolvência da empresa e também dos sócios responsáveis. 7. A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra conduta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, deve ser feita por meio de documentos, sendo insuficiente, de per si, a prova testemunhal. Entendimento pacífico desta Corte. 8. Se do conjunto probatório não resta demonstrada a séria crise financeira da empresa, com repercussão ruinosa na vida pessoal do sócio responsável, incluindo decréscimo patrimonial, não deve ser absolvida a parte ré, já que não configurada a excludente de culpabilidade.

TRF, 4ª Região, ACR 10042, DJ 14/01/2004 pg.463

Acrescente-se que não são dificuldades financeiras de qualquer ordem que justificam a configuração de causa de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade, ou em causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

Estas devem ser tais que revelem a absoluta impossibilidade da empresa efetuar os recolhimentos. Nesse sentido situa-se a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, v.g.:

PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - ARTIGO 168-A DO CP - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CRIME FORMAL - DESCABIDA A EXIGÊNCIA DO ANIMUS REM SIBI HABENDI - NÃO COMPROVAÇÃO DA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE (INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA) - AUSÊNCIA DE PROVA CABAL DAS DIFICULDADES FINANCEIRAS - DIMINUIÇÃO DE OFÍCIO DA PENA DE MULTA... 5. O ônus de comprovar a excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa é dos acusados que fizeram a alegação (art. 156 do CPP). 6. Não basta a mera menção de séria dificuldade financeira. É indispensável a prova cabal da situação periclitante. Precedentes das Turmas desta Corte. 7. No caso dos autos, alega-se a bancarrota da empresa. Entretanto, a alegação de dificuldade financeira robustecida pela decretação de quebra da empresa não é suficiente para elidir o jus puniendi do Estado-juiz. A decretação da quebra é signo do estado financeiro ruinoso da empresa e que não ocorre "de uma hora para outra"; entretanto não há como se reconhecer a excludente extralegal de culpabilidade (inexigibilidade de outra conduta) para fins de livrar o empresário de responder pela infração nem de ser condenado porque é sempre necessário aquilatar se houve concurso de má gestão dolosa ou culposa da firma, capaz de conduzir à bancarrota. 8. As escusas no sentido de que a empresa entrou em declínio após o advento de Planos Econômicos não afastam a reprovação da conduta delitiva. Negócios desfavoráveis não são fatos extraordinários, ao contrário, são enfrentados por todas as empresas, indistintamente, colocando-se como uma realidade que deve ser contornada por uma administração eficiente. 9. A seleção de pagamentos de débitos, ou seja, a alegada negociação com credores e pagamento de fornecedores em detrimento da INSS, desfigura a causa excludente de culpabilidade, ainda que na tentativa de evitar a quebra, em vista da supremacia do interesse público sobre o privado. Poder-se-ia admitir o preterimento da Previdência Social apenas diante do impasse entre o recolhimento das contribuições e o pagamento de salários, mas tal situação não foi contabilmente comprovada. 10. Frise-se que não há nos autos qualquer escrituração da empresa hábil à demonstração da intensidade do percalço econômico. Em que pese à inexistência de hierarquia entre as provas, não se pode ignorar o fato de a defesa haver privilegiado a prova oral e se quedado inerte quanto à apresentação de documentação de fácil acesso a qualquer pessoa jurídica como livro-diário, extratos bancários, declarações de imposto de renda. Sequer cogitou a realização de perícia contábil a fim de esmiuçar a real situação das finanças da pessoa jurídica. TRF, 3a Região, 1a Turma, ACR 2002.61.22.000554-9, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, DJ 30/10/2007 p.356

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. DESNECESSIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. ALEGAÇÕES AFASTADAS... 3. A ocorrência de meras dificuldades financeiras não escusa a apropriação indébita de contribuições previdenciárias; para configurar-se o estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa, é mister a efetiva comprovação, pela defesa, da absoluta impossibilidade de efetuarem-se os recolhimentos nas épocas próprias... TRF, 3a Região, 2a Turma, ACR 12632, DJ 25/02/2005 pg.412

PENAL. PRESCRIÇÃO DE PARTE DO PERÍODO DELITIVO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APROPRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DIFICULDADES FINANCEIRAS DO AGENTE... 4. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de ilicitude por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-recolhimento de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-recolhimento das contribuições... TRF, 3a Região, 5a Turma, ACR 16908, DJ 17/12/2004 pg.298

APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 95, D, DA LEI Nº 8.212/91. ART. 168-A DO CP. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ANISTIA. DOLO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. COMPROVAÇÃO. PROVA DOCUMENTAL...6. As dificuldades financeiras argüidas pela defesa, em ações como a presente, podem configurar excludente de culpabilidade, sendo imprescindível, porém, que se apresentem provas contundentes da insolvência da empresa e também dos sócios responsáveis. 7. A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra conduta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, deve ser feita por meio de documentos, sendo insuficiente, de per si, a prova testemunhal. Entendimento pacífico desta Corte. 8. Se do conjunto probatório não resta demonstrada a séria crise financeira da empresa, com repercussão ruinosa na vida pessoal do sócio responsável, incluindo decréscimo patrimonial, não deve ser absolvida a parte ré, já que não configurada a excludente de culpabilidade... TRF, 4a Região, 7a Turma, ACR 10042, DJ 14/01/2004 pg.463

No caso dos autos, a defesa não trouxe nenhum documento que comprovasse a impossibilidade do recolhimento das contribuições previdenciárias em razão das dificuldades apresentadas pela empresa.

Constata-se que a defesa sequer trouxe aos autos balancetes, livros-caixa ou qualquer documento contábil a comprovar a alegada dificuldade financeira do estabelecimento.

Ademais, conforme se pode extrair das declarações dos réus, a empresa permaneceu em funcionamento durante a suscitada crise, retirando pro-labore no valor de R$ 2.000,00.

Os acusados houveram por bem continuar nas atividades sociais, assumindo o risco do negócio, inerente para qualquer atividade econômica.

A despeito das alegações dos acusados no sentido de terem vendido matéria prima como sucata para saldar a dívida, não há provas de que houve algum esforço dos administradores, envolvendo patrimônio pessoal, para resguardar a sobrevivência da empresa.

A obtenção de financiamento para a aquisição de maquinário e eventual dificuldade de quitação das parcelas integra o risco da atividade econômica que assume o empreendedor e o fato de a empresa ter vendido a própria matéria prima como sucata indica, em princípio, a má administração da empresa.

Registre-se ainda que, a despeito de a defesa alegar ter sido impedida de solicitar parcelamento do debito, verifica-se do oficio de fl. 147, que "não existe pedido de parcelamento para o débito em questão".

Vale frisar, ainda, que aos réus está sendo imputado o não recolhimento das contribuições previdenciárias no período de março de 10/2003 a 12/2005, ou seja, 26 contribuições mensais.

Isto demonstra que o lapso temporal em que não houve o recolhimento das devidas contribuições previdenciárias foi extenso, levando-me a consignar que os valores devidos a título de tributos não podem ser tidos como fonte de custeio da empresa, de modo a transferir o risco do negócio para os cofres públicos, pois se é certo que o empresário aufere lucros advindos da atividade empresarial, também deve saber administrar os prejuízos e não repassá-los ao Estado, na forma de apropriação de tributos previdenciários.

Dessa forma, não há como se concluir pela ocorrência de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

Comprovadas a autoria e a materialidade delitiva e não estando demonstrada a exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, é de ser mantida a condenação.

Dessa forma, não há como se concluir pela ocorrência de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

Portanto, comprovadas a autoria e a materialidade delitiva e não estando demonstrada a exclusão da ilicitude, por estado de necessidade ou em exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, é de ser mantida a condenação.

Por conseguinte, não vislumbro vícios a serem sanados.

Ademais, não se trata de vício, mas sim de inconformismo da defesa em relação à conclusão do julgador.

Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração opostos.

É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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