sexta-feira, 27 de julho de 2012

Incidente de uniformização trata sobre o menor sob guarda

Nesta sexta-feira será visto um incidente de uniformização de jurisprudência proveniente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que trata sobre o menor sob guarda e aplicação da lei previdenciária frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA. DEPENDENTE PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. PREVALÊNCIA DA LEI PREVIDENCIÁRIA SOBRE O ECA. GUARDA E TUTELA. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DOS INSTITUTOS. TUTELA DE FATO. INSTITUTO INEXISTENTE.
1. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a Lei Previdenciária, a qual excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes previdenciários, prevalece sobre as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. Se o óbito do guardião ocorreu na vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, é indevida a concessão do benefício de pensão por morte ao menor sob guarda.
3. Inexiste, no ordenamento jurídico pátrio, a figura da "tutela de fato", sendo indevido se perquirir sobre a sua configuração em casos concretos.
4. O legislador foi claro ao estabelecer o rol de dependentes previdenciários, não sendo dado ao julgador ampliá-lo ou restringi-lo ao arrepio da Lei, sob pena de estar atuando como legislador positivo. Precedentes do STJ.
5. Incidente de Uniformização de Jurisprudência conhecido e desprovido. 
IUJEF 0001492-48.2008.404.7162/RS, TRF 4ª, Relatora Juíza Federal Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva, Publicação 29.05.2012.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional de Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento ao incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de maio de 2012.
FERNANDO ZANDONÁ
Relator para Acórdão

RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização regional interposto pela parte autora contra acórdão da Segunda Turma Recursal do Rio Grande do Sul que negou provimento ao seu recurso com o fundamento de que a alteração trazida pela Lei nº 9.528/97, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sustenta que era dependente economicamente do seu progenitor, segurado da Previdência, sendo que este ingressou com uma ação requerendo a guarda judicial da menor, já tendo sua guarda de fato desde o seu nascimento. Narra que seu avô faleceu antes de se realizar a audiência do processo, sendo o feito extinto.

A Recorrente aponta como paradigmas decisões das Turmas Recursais do Rio Grande do Sul e acórdão da TRU.

A presidência da 2ª Turma Regional do Rio Grande do Sul negou seguimento ao pedido de uniformização, tendo a parte autora ingressado com pedido de submissão, sendo que a Presidente desta Turma Regional admitiu o presente incidente.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do pedido de uniformização de jurisprudência. É o relatório.

VOTO
A parte autora interpõe o presente incidente visando à prevalência do entendimento no sentido de que, como menor sob guarda fática do avô, falecido pode fazer jus ao benefício de pensão por morte.

O incidente de uniformização foi interposto no prazo de dez (10) dias, portanto, de forma tempestiva. Ademais, observo que há correspondência entre a controvérsia manifestada nestes autos e a mencionada nos processos trazidos como paradigmas e, quanto à admissibilidade do recurso, adoto as razões lançadas na decisão do pedido de submissão.

A controvérsia jurídica aqui diz respeito à possibilidade, diante da legislação previdenciária atual, do menor sob guarda fática do avô receber o benefício de pensão por morte.

O acórdão ora impugnado entendeu que a alteração trazida pela Lei nº 9528/97 deveria prevalecer sobre o disposto no artigo 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O artigo 16 da Lei nº 8.213/91 assim dispõe:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - (...)
II - (...)
III - (...)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)(...)
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
(grifo nosso)

Já o artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente assim prevê:

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
(grifo nosso)

Essas duas leis devem ser interpretadas, de acordo com a melhor hermenêutica, de modo a guardarem conformação com os princípios constitucionais. Nesse sentido, o artigo 227 da Constituição de 1988, ao dispor sobre a proteção da criança e do adolescente assim preceitua:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
(...)
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
(...)
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
(...)


Desse modo, nós, juízes hermeneutas que somos, devemos seguir a lição de Juarez Freitas no sentido de que:
"...bem interpretar qualquer dispositivo em face da Constituição é colocá-lo, plasticamente, em conexão com a totalidade axiológica do sistema, realizando, de modo tópico-sistemático, a ponderada hierarquização de princípios, de normas e de valores, de sorte a obter a máxima justiça possível, substancialmente indispensável para que a Constituição viva" (In Direito Constitucional, estudos em homenagem a Paulo Bonavides, Melhoramentos, 2001, p. 232)

Portanto, deve ser ampliada ao máximo a proteção conferida ao menor em termos previdenciários, nos moldes da previsão constitucional do artigo 227 que ordena a absoluta prioridade no que tange ao atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, sendo possível incluir o menor sob guarda fática entre aqueles compreendidos no rol de dependentes para fins previdenciários, nos termos do § 2º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91, sendo o menor sob guarda equiparado ao menor tutelado.

Saliente-se, aqui, que a alteração procedida pela Lei n. 9.528/97 no referido dispositivo legal não teve o condão de derrogar o previsto no artigo 33 da Lei nº 8.069/90, sob pena de ferir o princípio constitucional de proteção especial da criança e do adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição.

Nesse diapasão é o precedente da Primeira Turma Recursal de Santa Catarina:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO(A) MENOR SOB GUARDA EM RELAÇÃO AO(À) SEGURADO(A) FALECIDO(A) NÃO COMPROVADA. 1. A Lei nº 9.528/97 não teve o efeito de excluir o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado da Previdência Social, apenas retirou sua condição de dependente econômico presumido. É que o menor sob guarda pode ser equiparado ao menor tutelado, sendo certo ainda que a Lei nº 8.069/90 (ECA) prevê o menor como dependente previdenciário (art. 33), conforme jurisprudência dominante no TRF da 4ª Região. Assim, para ter direito ao benefício de pensão por morte o menor sob guarda, da mesma forma que o menor tutelado, deverá fazer prova de sua dependência econômica, nos termos do §2º do art.16 da Lei 8.213. 2. Recurso improvido. (, RCI 2008.72.58.003163-3, Primeira Turma Recursal de SC, Relatora Luísa Hickel Gamba, julgado em 29/04/2009)

A Turma Nacional de Uniformização já se pronunciou sobre o assunto no sentido aqui defendido:
EMENTA PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. CONFLITO APARENTE DE LEIS. PREVALÊNCIA DA PROTEÇÃO ASSEGURADA NO ART. 33, § 3°, DA LEI N° 8.069/90 (ECA) POR SOBRE A REDAÇÃO DO ART. 16, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91, POR FORÇA DAS PREVISÕES DO ART. 5º, CAPUT, E DO ART. 227, CAPUT, § 3º, INCISOS II E VI, DA CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA ALTERAÇÃO DETERMINADA PELA LEI N° 9.528/97 NO ART. 16, § 2°, DA LEI Nº 8.213/91. RECURSO CONHECIDO E NEGADO.
(PEDILEF 200671950010322, JUIZ FEDERAL MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA, TNU - Turma Nacional de Uniformização, DJ 28/08/2009.)

Deve ser ressaltado ainda que a guarda de fato não deve ser empecilho para a caracterização da dependência econômica, pois devemos ter em vista a condição sócioeconômica da maioria da população brasileira, a qual se mantém à margem das condições básicas de instrução que viabilizariam a formalização de suas vidas.

Tem sido esse o posicionamento reiterado do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA (DE FATO). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO ESPECIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 227, CAPUT, E § 3.º, INC. II). COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1. A guarda e a tutela estão intimamente relacionadas: a) ambas são modalidades, assim como a adoção, de colocação da criança e do adolescente em família substituta, nos termos do art. 28, caput, do ECA; b) a guarda pode ser deferida, liminarmente, em procedimentos de tutela e de adoção, embora a eles não se limite (art. 33, §§ 2º e 3º); c) o deferimento da tutela implica necessariamente o dever de guarda (art. 36, parágrafo único); d) ambas obrigam à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. 2. À luz do princípio constitucional de proteção especial da criança e do adolescente (Constituição Federal, art. 227, caput, e § 3.º, inc. II), o menor sob guarda pode ser considerado dependente previdenciário do segurado, nos termos do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, combinado com o art. 16, §2º, da Lei de Benefícios, desde que comprovada a dependência econômica, conforme dispõe a parte final deste último dispositivo. 3. A existência, in casu, de guarda de fato não deve ser empecilho para a caracterização da dependência previdenciária, uma vez que a guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente destina-se, justamente, a regularizar uma posse de fato (art. 33, §1º). Assim, comprovado que os avós efetivamente eram os responsáveis pela assistência material, moral e educacional do menor, justamente as obrigações exigidas do guardião judicial, devem ser aqueles equiparados a este, para fins previdenciários. Precedentes deste Tribunal. (TRF4, EINF 2008.72.99.000972-0, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 14/12/2011)

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA DE FATO OU DE DIREITO. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. A nova redação dada pela Lei n.º 9.528/97 ao § 2º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91 não teve o condão de derrogar o art. 33 da Lei n.º 8.069/90 (ECA), sob pena de ferir a ampla garantia de proteção ao menor disposta no art. 227 do texto constitucional, que não faz distinção entre o tutelado e o menor sob guarda. Permanece, pois, como dependente o menor sob guarda de direito ou de fato, inclusive para fins previdenciários. (TRF4, AC 0016306-85.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 19/01/2012)

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE AVÔ. GUARDA DE FATO. COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. A nova redação dada pela Lei nº 9.528/97 ao §2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, excluindo a menção expressa ao menor sob guarda dentre as figuras equiparadas aos filhos para fins previdenciários, não teve o efeito de vedar o reconhecimento de sua condição de dependente e o consequente direito de pensão por morte do guardião, se comprovada a dependência econômica à época do óbito. Interpretação da regra previdenciária em consonância com o direito assegurado pelo texto constitucional e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. (TRF4, EINF 0016266-40.2010.404.9999, Terceira Seção, Relator Rogerio Favreto, D.E. 08/03/2012)

Ante o exposto, voto por CONHECER E DAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO da parte autora, para propor a uniformização de entendimento no sentido de que a Lei nº 9.528/97, que alterou o § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, não teve o condão de excluir o menor sob guarda da proteção previdenciária para fins de pensão por morte e de que, por equiparação ao menor tutelado, podem ser considerados dependentes, para fins previdenciários, aqueles que vivam sob guarda fática do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, tal como exigido no §4º do mencionado art. 16 da Lei de Benefícios.

Diante disso, determino o retorno à Turma de origem para adequação ao entendimento ora uniformizado e para verificação da comprovação da dependência econômica alegadamente havida pelo menor sob guarda fática em relação ao segurado falecido. 
Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva
Relatora

VOTO-VISTA
Pedi vista para analisar mais detidamente o caso.

A Ilustre Relatora propôs uniformização de entendimento no sentido de que "a Lei nº 9.528/97, que alterou o § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, não teve o condão de excluir o menor sob guarda da proteção previdenciária para fins de pensão por morte e de que, por equiparação ao menor tutelado, podem ser considerados dependentes, para fins previdenciários, aqueles que vivam sob guarda fática do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, tal como exigido no §4º do mencionado art. 16 da Lei de Benefícios".

A solução que proponho, ao fim, é a mesma, qual seja, pela possibilidade de o menor sob guarda (de fato ou já regularizada) poder ser considerado dependente para fins previdenciários, mas por fundamentos diversos.

Entendo que a Lei nº 9.258/97 (que alterou o §2o do art. 16 da Lei n. 8213/91), ao não mais contemplar o menor sob guarda no rol de dependentes, revogou a disposição do art. 33, §3o do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no tocante à relação de dependência para fins previdenciários.

Isso porque a Lei nº 9.258/97, além de ser mais recente, é específica no tocante à matéria previdenciária, sendo que alteração legislativa promovida, que suprimiu a hipótese do "menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda", teve a evidente intenção de alterar o ordenamento neste particular.

Penso, assim, que o art. 16, §2o, da Lei nº 8213/91 não é omisso ao não prever o menor sob guarda no rol de dependentes, mas sim determinante quanto à sua exclusão. Não vejo espaço, portanto, para ponderação de valores ou interpretações que tragam à baila princípios constitucionais cuja abstração não permitem o afastamento da regra legal higidamente estabelecida.

Contudo, tenho que tal exclusão teve por escopo tão-somente desobrigar a autarquia de, em qualquer situação de guarda, conceder o benefício. Com isso não se quer dizer que uma situação de guarda - em tudo equiparável à tutela - não possa ser amparada pela Previdência Social.

Esta é a primeira premissa que entendo deva ser fixada.

Nesse passo e levando-se em conta a sistemática exegética previdenciária, não vejo óbice à possibilidade de enquadramento do menor que esteja sob guarda na condição de dependente, com fulcro na redação atual do art. 16, §2o da Lei 8.213/91.

É que no direito previdenciário a conformação dos institutos e a análise das provas devem ser norteadas pelo princípio da primazia da realidade, atentando-se à efetiva configuração do risco social que está sendo tutelado.

Observo que o instituto da tutela e da guarda, ressalvadas as suas diferenças de índole formal, são extremamente semelhantes em sua essência.

A guarda é uma medida provisória, que antecede os procedimentos de adoção ou de tutela, mas nele já estão contempladas as mesmas características e os mesmos deveres. Veja-se o conceito legal de cada um:
Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:
I - dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição;
II - reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção;
III - adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade. (Código Civil)


Ambos tem lugar quando há morte dos pais ou destituição do poder familiar. Ambos exigem assistência material, moral e educacional.

Diferem em dois pontos de índole meramente formal: o primeiro é a transitoriedade, pois "A guarda destina-se a regularizar a posse de fato (...) nos procedimentos de tutela e adoção" (Art. 33, §1o do ECA); o segundo é relativo às obrigações de prestar contas, pois na tutela o tutor fica encarregado também pela administração do patrimônio do tutelado (quando este possuir algum). Por conseqüência, e na prática, a guarda é sempre obtida de um modo mais simples, fácil e rápido que a tutela.

No mais, os dois institutos servem de igual maneira para proteger um único risco social, qual seja, a falta de proteção do menor quando ausente o poder familiar dos pais.

O direito previdenciário não pode se ater a meros formalismos ou a institutos jurídicos formatados para solucionar controvérsias específicas de outros ramos do Direito. É esse raciocínio que justifica, de maneira pacífica, por exemplo, a possibilidade de reconhecimento de união estável independentemente da situação declarada no juízo cível e a possibilidade de concessão de pensão por morte à companheira do instituidor quando à data do óbito já estava separado de fato (sem qualquer tipo de formalização) de sua ex-esposa.

Proponho, portanto, solução similar, qual seja, que diante da análise do conjunto probatório, uma vez verificado que a guarda (legal ou de fato) preenche os mesmos requisitos da tutela, a despeito de qualquer formalização, o menor deve ser enquadrado como dependente indistintamente, com fulcro no art. 16, §2o da Lei 8213/91.

Com efeito, não se pode fechar os olhos à realidade que coloca justamente os mais necessitados à margem dos mecanismos de formalização/ oficialização das situações de fato muito bem consoidadas. Não estou falando dos avós que juntamente com a mãe ou o pai da criança auxiliam na criação do menor. Falo dos inúmeros vizinhos, parentes e avós que assumem sozinhos todo o cuidado e educação da criança/adolescente sem qualquer interferência dos pais, que geralmente já abandonaram o exercício do patrio poder.

Repito que o que se pretendeu com a supressão da hipótese legal da "guarda" foi não mais legitimar a concessão do benefício àqueles que de forma simplista e sem qualquer característica efetiva de guarda/tutela obtinham a homologação judicial do instituto com a única finalidade de obter o benefício. Isso não significa, contudo, que o direito previdenciário tenha abandonado aqueles que, em tudo se assemelhando ao tutor/tutelado, não tenham obtido o provimento judicial específico.

Importante consignar, por fim, que a mera dependência econômica não enseja ao reconhecimento nem da tutela, nem da guarda, razão pela qual não pode ser utilizada como único elemento para justificar a concessão do benefício.

Ante o exposto, com a divergência de fundamentação em relação ao voto da Exma. Relatora, também voto por CONHECER E DAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. 
Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo

VOTO DIVERGENTE
Peço vênia a Ilustre Relatora para divergir de seu voto, o qual encaminha uniformização no sentido de "que a Lei nº 9.528/97, que alterou o § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, não teve o condão de excluir o menor sob guarda da proteção previdenciária para fins de pensão por morte e de que, por equiparação ao menor tutelado, podem ser considerados dependentes, para fins previdenciários, aqueles que vivam sob guarda fática do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, tal como exigido no §4º do mencionado art. 16 da Lei de Benefícios".

Com efeito, o colendo Superior Tribunal de Justiça, interprete último da legislação federal no sistema pátrio, firmou entendimento em sentido contrário ao da proposta de uniformização encaminhada.

Aquela Corte tem posicionamento consolidado acerca da inviabilidade de concessão do benefício de pensão por morte ao menor sob guarda, acaso o óbito do guardião tenha se dado já na vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, a qual deu nova redação ao §2º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, suprimindo a figura do menor sob guarda do rol de dependentes previdenciários. Veja-se (os grifos são meus):

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ÓBITO DO SEGURADO OCORRIDO APÓS A LEI 9.528/97. NÃO-CABIMENTO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 340/STJ. ENTENDIMENTO PACÍFICO NO ÂMBITO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. 1. Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528, em 10 de dezembro de 1997, retirou-se o menor sob guarda do rol de dependentes previsto no art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91. 2. Assentou-se na jurisprudência desta Corte que a concessão da pensão por morte reger-se-á pela norma vigente ao tempo da implementação da condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, a data do óbito do segurado (Súmula 340/STJ). 3. Tendo o óbito ocorrido na vigência da Medida Provisória nº 1.523/96, inviável a concessão da pensão por morte ao menor sob guarda. Precedentes da Terceira Seção. 4. Inexiste direito adquirido do menor sob guarda designado antes da Medida Provisória nº 1.523/96, pois as condições para a percepção do benefício são aferidas ao tempo do óbito do segurado instituidor, fato gerador da pensão. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp 961.230/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/02/2009, DJe 20/02/2009)

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO A MENOR SOB GUARDA. ÓBITO POSTERIOR À MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/1996. IMPOSSIBILIDADE.
1. A concessão da pensão por morte deve se pautar pela lei em vigor na data do óbito do segurado, instituidor do benefício. Precedentes. 2. Segundo consolidada jurisprudência desta Corte, é indevida a concessão de pensão a menor sob guarda, se o óbito do segurado ocorreu após o advento da Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.1996, convertida na Lei n. 9.528/1997, que excluiu o inciso IV do art. 16 da Lei n. 8.213/1991. 3. A Corte Especial deste Tribunal, apreciando incidente de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela citada Medida Provisória, exarou entendimento de que, como a lei superveniente não teria negado o direito a equiparação, mas apenas se omitido em prevê-lo, não haveria inconstitucionalidade a ser declarada. 4. Agravo regimental improvido."
(AgRg no REsp 1178495/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 08/11/2011)

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/96, REEDITADA ATÉ SUA CONVERSÃO NA LEI Nº 9.528/97. MENOR SOB GUARDA EXCLUÍDO DO ROL DE DEPENDENTES PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I. A questão sub examine diz respeito a possibilidade do menor sob guarda usufruir do benefício de pensão por morte, após as alterações promovidas no art. 16, § 2º da Lei nº 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528 em 10 de dezembro de 1997 que, por sua vez, o teria excluído do rol de dependentes de segurados da Previdência Social. II No julgamento dos Embargos de Divergência nº 727.716/CE, Rel Min. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO), a Corte Especial, apreciando incidente de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela citada Medida Provisória, exarou entendimento de que, como a lei superveniente não teria negado o direito a equiparação, mas apenas se omitido em prevê-lo, não haveria inconstitucionalidade a ser declarada. III. O entendimento já assentado no âmbito da Terceira Seção é no sentido de que a concessão da pensão por morte deve se pautar pela lei em vigor na data do óbito do segurado, instituidor do benefício. IV. Após as alterações legislativas ora em análise, não é mais possível a concessão da pensão por morte ao menor sob guarda, sendo também inviável a sua equiparação ao filho de segurado, para fins de dependência. V. Recurso especial provido." (REsp 720706/SE, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 31/08/2011)

Ressalto, por oportuno, que as situações de guarda e de tutela são deveras distintas, sendo que a primeira não retira dos pais o dever de prestar alimentos - mantendo-se o menor, pois, igualmente sob sua dependência econômica (§4º do art. 33 da Lei n. 8.069/90). A tutela, de outra banda, pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, a qual, nos termos da legislação de regência, somente se dará judicialmente, em procedimento no qual se assegure o contraditório, nos casos previstos na legislação civil ou na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações de sustento, guarda e educação, ao que não é suficiente a simples falta ou carência de recursos materiais (artigos 22, 23, 24 e parágrafo único do art. 36 do ECA).

Nesta senda, o colendo Superior Tribunal de Justiça já externou o entendimento de que é inviável a concessão do benefício previdenciário em questão mediante a equiparação da situação de guarda à de tutela, pela cognominada "tutela de fato", seja em razão da inexistência de tal figura em nosso ordenamento jurídico, seja pelo fato de que o legislador foi claro ao estabelecer o rol de dependentes previdenciários, não sendo dado ao julgador ampliá-lo ou restringi-lo ao arrepio da Lei, sob pena de estar atuando como legislador positivo, o que é vedado aos membros do Poder Judiciário. Veja-se:

"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE. MENOR TUTELADO DEFINIDO NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO QUE REGE A MATÉRIA. DESIGNAÇÃO DE DEPENDÊNCIA. ÓBITO DO SEGURADO OCORRIDO SOB A VIGÊNCIA DA LEI N.º 9.032/95. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. Não há falar em violação ao art. 535 do CPC quando todas as questões relevantes para a apreciação e julgamento do recurso de apelação foram analisadas pelo Tribunal de origem. 2. A Lei de Benefícios da Previdência Social ao referir-se ao menor tutelado como equiparado ao filho, na condição de dependente do segurado, o fez considerando os termos definidos na legislação que rege a matéria: Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Assim, não há como admitir a existência de "tutela de fato", como afirmado pelo Tribunal de origem, para a concessão do benefício de pensão por morte, a uma porque tal instituto não existe no ordenamento jurídico, a duas porque o legislador foi claro ao estabelecer, quem seriam e em quais condições, os dependentes do segurado, não cabendo, portanto, ao Poder Judiciário legislar positivamente. 4. Vale ressaltar que, embora esteja devidamente comprovado nos autos a dependência econômica do menor, por meio de escritura pública, lavrada anos antes do óbito da segurada, não lhe dar o direito de perceber o benefício de pensão por morte. A condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, o óbito da segurada, sobreveio à vigência da Lei nº 9.032/95, já se encontrando a pessoa do menor designado excluída do rol dos dependentes da Previdência Social. 5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido." (REsp 590936/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2006, DJ 19/06/2006, p. 178) (grifei)

Destarte, encaminho a uniformização no sentido de que, com o advento da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, a qual deu nova redação ao §2º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, suprimindo a figura do menor sob guarda do rol de dependentes previdenciários, é indevida a concessão do benefício de pensão por morte ao menor sob guarda, bem como inviável a sua equiparação ao menor tutelado.

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Fernando Zandoná
Juiz Federal

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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