sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Inscrição em dívida ativa de valores recebidos de forma indevida

Nesta sexta a jurisprudência a ser vista trata sobre a inscrição em dívida ativa de valores recebidos de forma indevida pelo segurado. Conforme decisão abaixo quando o débito não tem origem em lei, contrato ou regulamento não é possível a sua inscrição, tendo a Fazenda Pública que postular o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do benefício pago indevidamente nas vias ordinárias. Abaixo segue a decisão para uma melhor comprrensão dos amigos do caso posto.

EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ATO ILÍCITO.INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. DESCABIMENTO. EXTINÇÃO DO
FEITO EXECUTIVO.

1. Apelação interposta pelo INSS em face de sentença que extinguiu a execução fiscal, ao fundamento de que esta não seria a via adequada para a cobrança de valores decorrentes de pagamento indevido de benefício previdenciário.
2. O conceito de dívida ativa não-tributária não autoriza a Fazenda Pública a tornar-se credora de todo e qualquer débito, pois a dívida cobrada há de possuir relação com a atividade própria da pessoa jurídica de direito público, tendo origem em lei, contrato ou regulamento.
3. Incabível, assim, a inscrição em dívida ativa e o posterior ajuizamento da execução fiscal, com o objetivo de reaver os valores pagos em decorrência de benefício previdenciário indevidamente recebido.
4. Nesse sentido já decidiu o eg. STJ que: “ o processo de execução fiscal não se mostra como via adequada para a cobrança judicial de dívida que tem origem em fraude relacionada à concessão de benefício previdenciário.” (RESP 1125508,Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.em 03.08.2010, DJe de 24/08/2010).
5. Improvimento do apelo.
TRF 5, 2ª T, Apelação Cível n°529103/PE (2002.83.08.000342-1), Relator Desembargador Federal Rubens de Mendonça Couto, publicado em 21/10/2011.

ACÓRDÃO
Vistos, etc.
Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Recife, 11 de outubro de 2011.(Data de julgamento)
Des. Fed. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO
Relator Convocado

RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença de fls.157/161, proferida pelo juízo da 17ª Vara Federal de Pernambuco, que extinguiu a execução fiscal, ao fundamento de que esta não seria a via adequada para a cobrança de valores decorrentes de pagamento indevido de benefício previdenciário.
 
Em suas razões de recurso, às fls. 165/179, assevera o apelante, em suma,
que é plenamente viável a inscrição em dívida ativa e cobrança executiva de benefício previdenciários indevidamente recebido, por força do disposto nos artigos 39 § 2º da Lei 4.320/64 e 1º e 2º da LEF. Não foram apresentadas contrarrazões. É o relatório.

VOTO
Em que pese os argumentos trazidos pelo apelante, entendo que o procedimento administrativo que apura a possível concessão irregular de benefício previdenciário não tem legitimação jurídica para autorizar o lançamento de crédito em favor da UNIÃO, em razão do estabelecido na Lei nº 6.830/80 e na Lei nº 4.320/64, que tratam da ação de execução fiscal e do lançamento de créditos da Fazenda Pública, uma vez que tais normas não amparam a autotutela dos entes da Administração para produzir liquidez e certeza de um evento danoso, estranho ao âmbito de suas atividades intrínsecas.

Não se nega ao ente público o direito à repetição do que foi indevidamente pago, contudo, o conceito de dívida ativa não-tributária não autoriza a Fazenda Pública a tornar-se credora de todo e qualquer débito, pois a dívida cobrada há de ter relação com a atividade própria da pessoa jurídica de direito público, tendo origem em lei, contrato ou regulamento. Nesse sentido a precisa lição do insigne Humberto Theodoro Junior:
5b. Crédito oriundo de responsabilidade civil por ato ilícito
Para cobrar-se executivamente, segundo os moldes da lei n. 6.830, a Dívida
Ativa deve proceder de obrigação tributária ou não tributária, desde, porém, que esteja prevista em lei, regulamento ou contrato. É preciso que a origem do crédito fazendário seja ato ou contrato administrativo típico. Nessa categoria não se inclui o débito decorrente de dano ao patrimônio da pessoa jurídica de direito público que se rege pelas normas comuns de responsabilidade civil disciplinada pelo direito privado.
(...)
Parte-se do princípio de que a Procuradoria Geral da entidade pública tem poderes para apurar a liquidez e certeza de créditos de qualquer natureza para inscrevê-los em dívida ativa e, finalmente, para cobrá-los executivamente sem submeter-se ao prévio processo judicial de conhecimento. Mas essa ampla competência ‘ é restrita àqueles (créditos) inerentes às atividades da autarquia
’ (ATJ, 1ª T., Resp 330703/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, ac. de 16-10-2001,RSTJ, 160:122.)
Em suma: apenas o crédito oriundo de ato ou contrato administrativo pode ensejar a inscrição e execução tal como disciplinado pela Lei n. 6.830/80

No caso dos autos, o lançamento do crédito na Dívida Ativa não tem origem tributária, mas decorreu de Relatório de Auditoria da própria autarquia que apurou a concessão irregular de benefício previdenciário, cuja origem não está prevista em lei, contrato ou regulamento, não sendo possível sua inscrição por absoluta falta de amparo legal.

O crédito que está sendo objeto de execução não surgiu do exercício do poder de polícia do INSS, nem de contrato administrativo, ou do descumprimento quanto a um ressarcimento por um serviço público prestado a terceiros. Assim, não decorreu do exercício do seu poder de império, não se enquadrando, portanto, no conceito de dívida ativa não-tributária. Não discrepa desse entendimento a orientação jurisprudencial que predomina no eg. STJ, como se colhe do seguinte julgado:

PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – TÍTULO EXECUTIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – CRIAÇÃO UNILATERAL DO TÍTULO – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PROCESSO JUDICIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO – RECEBIMENTO.
1. A dívida tributária já nasce certa e líquida, porque o lançamento gera
presunção de certeza e liquidez. Isso não ocorre com os créditos oriundos de responsabilidade civil que somente recebem tais atributos, após acertamento amigável ou judicial.
2. Os créditos incertos e ilíquidos não integram a dívida ativa, suscetível de cobrança executivo-fiscal. É que o conceito de dívida ativa não tributária, a que se refere a Lei de Execuções Fiscais, envolve apenas os créditos assentados em títulos executivos. Há créditos carentes de certeza e liquidez necessárias ao aparelhamento de execução.
3. Crédito proveniente de responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto responsável não integra a chamada dívida ativa, nem autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve exercer, contra o suposto responsável civil, ação condenatória, em que poderá obter o título executivo. 
4. É nula a execução fiscal por dívida proveniente de responsabilidade civil, aparelhada assentada em títulos.” (RESP 440540/SC, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 06.11.2003, DJU 01.12.2003).
 
Do precedente acima citado, permito-me transcrever o seguinte excerto,
que bem ilustra o tema em debate:
O conceito de dívida ativa não tributária, a que se refere a Lei de Execuções Fiscais, envolve apenas os créditos certos e líquidos do Estado. Há créditos que, embora existam, carecem de certeza e liquidez necessárias ao aparelhamento de execução. 
A dívida tributária já nasce certa e líquida, porque o ato estatal do lançamento, por força do ordenamento jurídico, incute no crédito esses dois atributos. Alguns créditos não tributários – como os provenientes de multas – transformam-se em dívida ativa, após simples procedimento administrativo. Nesses créditos, assim como nos tributários, a própria Administração cria o título executivo. Isso não ocorre, entretanto, com os créditos oriundos de responsabilidade civil.
Para que tais créditos se traduzam em títulos executivos, é necessário o acertamento capaz de superar discussões. Isso é conseguido mediante reconhecimento, transigência ou mediante processo judicial. É que, nesses
casos, a origem da dívida não é o exercício do poder de polícia, nem o contrato administrativo.
No caso deste processo, o crédito surgiu de uma suposta culpa no pagamento
de benefício previdenciário indevido. O INSS, pretende ressarcir-se do dano sofrido com tal pagamento. Como a suposta responsável não admite a culpa Civil, faz-se necessário o exercício de ação condenatória.
Do processo resultante de tal ação, poderá resultar sentença capaz de funcionar como título executivo. Não é, portanto, lícito ao INSS emitir, unilateralmente, título de dívida ativa, para cobrança de suposto crédito proveniente de responsabilidade civil.

 
Confira-se, ainda os seguintes julgados daquela Corte Superior:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA PARA FORMAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO. PRECEDENTES: RESP. 440.540/SC, RESP. 414.916/PR, RESP. 439.565/PR. RECURSO DESPROVIDO” (RESP 867718/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 18.12.2008, DJU 04.02.2009).

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL PARA COBRANÇA DE DÍVIDA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32.
(...)
2. Não bastasse a ocorrência da prescrição, o processo de execução fiscal não se mostra como via adequada para a cobrança judicial de dívida que tem origem em fraude relacionada à concessão de benefício previdenciário.
3. Recurso especial não provido.
” (RESP 1125508, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, j. em 03.08.2010, DJe de 24/08/2010)

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
1. Insurge-se o INSS contra acórdão que manteve extinta a execução fiscal fundada em Certidão de Dívida Ativa para restituição de valores referentes a benefícios previdenciários concedidos mediante suposta fraude, por não se incluir no conceito de dívida ativa não tributária.
2. Conforme dispõem os arts. 2º e 3º da Lei n. 6.830/80, e 39, § 2º, da Lei n.4.320/64, o conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Assim, tanto a dívida ativa tributária como a não tributária requer o preenchimento desses requisitos.
3. No caso dos autos, cuida-se de um suposto crédito decorrente de ato ilícito (fraude). Trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil, não se  enquadrando no conceito de dívida ativa não tributária por falta do requisito da certeza.
4. Necessidade de uma ação própria para formação de um título executivo. Recurso especial improvido.
” (REsp 1172126/SC, Rel. Min. Humberto Martins,
j. em 21/09/2010, DJe 25/10/2010)
 
Nesse passo, como o débito em discussão não teve sua origem em lei, contrato ou regulamento, não se mostra cabível sua inscrição, por absoluta falta de amparo legal, cabendo à Fazenda Pública postular o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do benefício indevidamente pago nas vias ordinárias. Com tais fundamentos, nego provimento à apelação.
É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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