sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Empresário não consegue aposentadoria por idade na qualidade de produtor rural

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a negativa de um pedido de aposentadoria por idade rural, tendo em vista que ficou comprovado que o produtor é um empresário rural e se enquadra na condição de segurado individual. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. VENDA DE PEIXES CRIADOS EM CATIVEIRO, PELA PARTE AUTORA, COM A PERCEPÇÃO DE VALOR SIGNIFICATIVO. PROPRIEDADE SOBRE BENS DE VALOR INCOMPATÍVEL COM O REGIME DE SUBSISTÊNCIA. FATOS COMPROVADOS ATRAVÉS DE DOCUMENTOS E DE PROVA TESTEMUNHAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. São requisitos para aposentadoria de trabalhador(a) rural: contar com 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91).
2. O art. 39, I, da Lei nº 8.213, de 1991, garante a aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, aos segurados especiais que trabalham em regime de economia familiar, nos termos do art. 11, VII, desde que seja comprovado o exercício efetivo de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
3. A celebração de negócio de venda de peixes criados em cativeiro, pelo autor, com a percepção de quantia significativa, bem como a propriedade de bens de valor inestimável, em seu nome ou no do seu cônjuge, descaracterizam o exercício de trabalho campesino em regime de economia familiar, impedindo o reconhecimento da sua qualidade de segurado especial.
4. Apelação a que se nega provimento.
TRF 1ª, APELAÇÃO CÍVEL 1029076-91.2022.4.01.9999, Nona Turma, Desembargadora Federal relatora Nilza Reis, 13.06.2024.


ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela parte autora, nos termos do voto da relatora.

Brasília, data da assinatura eletrônica.
Desembargadora Federal NILZA REIS
Relatora

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, de sentença na qual foi julgado improcedente o o seu pedido de concessão de aposentadoria por idade, na qualidade de trabalhador rural, com a sua condenação no pagamento das custas e honorários advocatícios, ficando suspensa a exigibilidade destas verbas, nos termos do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil (fls. 107/112).

Em suas razões, a apelante pede a reforma da sentença para que seja julgado procedente o seu pleito, ao argumento de que houve o preenchimento de todos os requisitos legamente exigidos para o deferimento do benefício (fls. 114/124).

Sem contrarrazões.

É o relatório.

VOTO
O recurso reúne os requisitos de admissibilidade, merecendo ser conhecido.

No mérito, impõe-se examinar se estão presentes, ou não, os requisitos legalmente estabelecidos para a concessão do benefício.

Aposentadoria rural por idade. A concessão do benefício exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, mediante prova documental plena ou, ao menos, um início razoável de prova material, corroborada por prova testemunhal. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º, da Lei de Benefícios).

Período de carência. Este requisito legal deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642), cuja tese ficou assim redigida: “O segurado especial tem que estar laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade” (REsp 1.354.908 SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).

Regime de economia familiar. Conforme dispõe o art. 11 da Lei do RGPS, considera-se trabalho rural em regime de economia familiar, o exercício efetivo da atividade campesina na qual o trabalho dos membros da família é indispensável à sua própria subsistência, é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, e sem a utilização de empregados.

Início de prova material. Para o reconhecimento de tempo de labor rural, conquanto não se admita a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental alcance todo o período de carência, de forma que pode ser estendida para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).

É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge ou companheiro como trabalhador rural.

Do caso em exame:

A parte autora, nascida em 17/11/1959, implementou o requisito etário em 17/11/2019 (60 anos), tendo formulado o seu requerimento administrativo de benefício em 03/03/2020.

Para a comprovação da qualidade de segurado e da carência, foram apresentados os seguintes documentos: a) Fatura de serviço de energia elétrica contendo endereço em zona rural, em nome do autor (fl. 16); b) Escritura pública de venda e compra, lavrada em 08/1999, na qual o requerente figura como comprador de imóvel rural (fls. 20/21); c) certidão de casamento da filha (fl. 24); d) notas fiscais de produtor, datadas de 1998 e 1999, referentes à venda de “tambaqui de cativeiro” (fls. 25/26), e e) notas fiscais relativass à aquisição de insumos (fls. 27/34);

Diante das provas apresentadas, nota-se que a condição financeira do recorrido não condiz com a do trabalhador que atua em regime de economia familiar, pois foi constatado, através de declarações prestadas pelas testemunhas, que o autor possui notável quantidade de criação de animais.

Uma das testemunhas ouvidas, o senhor de pré nome Aparecido, afirmou que o apelante trabalha com a criação de animais, que ele possui cerca 180 (cento e oitenta) cabeças de gado e outros de menor porte, e mantém, em exploração, 3 (três) tanques de peixe, produzindo, em média, de 10 (dez) a 12 (doze) toneladas por ano.

O segundo depoente, senhor Amaury, narrou que o requerente possui entre 180 (cento e oitenta) e 200 (duzentas) cabeças de gado e mantém 3 (três) ou 4 (quatro) tanques para a criação e reprodução de peixes.

Importante dizer que o segurado especial é o pequeno produtor, o parceiro, o meeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ou seja, visando a própria subsistência e a do grupo familiar.

O médio produtor rural, diferentemente do segurado especial, não se beneficia do regime especial de seguridade social. Ele é considerado empresário rural e se enquadra na categoria de contribuinte individual.

Soma-se a isso, ademais, que as notas fiscais referentes à comercialização de peixe, datadas entre 1998 e 1999 (fls. 25/26), inserem valores consideráveis. De fato, realizada em 02/1998, a venda de 1.500 "tambaquis de cativeiro" acarretou a percepção da quantia de R$3.000,00 (três mil reais), ou seja, um valor correspondente, aproximadamente, a 17 (dezessete) salários-mínimos, vigentes à época.

De outro lado, o INSS trouxe aos autos a comprovação de que o apelante é proprietário de um veículo de alto valor de mercado - CHEVROLET S10, LTZ, DD4A 2014. Embora o referido bem tenha sido alienado em fevereiro de 2020, um mês antes da DER, compôs o seu patrimônio por longo tempo, fato que também se incompatibiliza com o segurado especial que realizada atividade em regime de economia famiiar.

Ora, importa registrar quer a condição desigual do segurado especial serve de causa à benesse legal reservada ao trabalhador do campo, que explora a sua atividade campesina visando a sua própria subsistência e a de sua família, razão pela qual qual não tem a obrigação de recolher contribuições ao erário, não sendo razoável a extensão da situação ao trabalhador que, possuindo condição patrimonial satisfatória, teria ampla capacidade de contribuir para a Previdência Social.

Nesse contexto, considerando que os documentos trazidos aos autos, pelo autor, não servem à demonstração do exercício efetivo do seu trabalho rural, tem-se que a existência desta espécie de labor este não pode ser comprovado apenas através de prova testemunhal, nos termos da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça e do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91: “A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.”

Nesse sentido decidiu esta Corte mais recentemente:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO DEMONSTRADA. HONORÁRIOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA.1. O benefício de pensão por morte pressupõe: a) óbito do instituidor que mantinha a condição de segurado; b) qualidade de dependente; e c) dependência econômica (art. 74 da Lei 8.213/91).2. Início de prova material: os documentos apresentados (prontuário médico do de cujus, iniciado em 28/12/1994,onde consta a sua profissão como lavrador, a certidão de óbito do extinto, ocorrido em 24/02/2007, onde consta a sua profissão como lavrador, e declaração de atividade rural feita por proprietário rural) não são suficientes para caracterizar início razoável de prova material da atividade de rurícola.3. Quanto ao de cujus, constam do CNIS os seguintes períodos de contribuição: de 14/12/1993 a 26/05/1994 (05 meses e 13 dias); de 01/01/1995 a 31/05/1995 (05 meses); de 01/05/1997 a 30/09/2001 (04 anos e 05 meses); de 01/02/2002 a 31/01/2003 (01 ano) e de 01/04/2003 a 30/10/2005 (02 anos e 07 meses), no total de 106 contribuições. A cessação da última contribuição deu-se em 10/2005, tendo sido mantida a qualidade de segurado até 31/12/2006, ou seja, 12 meses após a cessação da última contribuição, portanto, o óbito (24/02/2007) ocorreu após a perda da qualidade de segurado (art. 15, II, da Lei nº 8.213/91 e arts. 13 e 14 do Decreto nº 3.048/99).4. Não resta comprovado, de forma robusta, que o extinto satisfaça a condição de segurado especial.5. A coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido ante novas circunstâncias ou novas provas.6. Mantidos os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, majorando-os em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, § 11, do CPC, ficando suspensa a execução, enquanto perdurar a situação de pobreza da parte autora, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos, quando estará prescrita.7. Apelação da parte autora desprovida.(AC 1000860-28.2019.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, TRF1 - SEGUNDA TURMA, PJe 10/05/2021 PAG.) “

Na verdade, a prova testemunhal colhida nos autos contraria as alegações contidas na peça inicial, pois oferece elementos robustos acerca da inexistência da qualidade de segurado especial da parte autora, ora apelante.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela parte autora.

Considerando a situação financeira ostentada pelo apelante, revogo, de ofício, a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, e o condeno ao pagamento de honorários recursais, em quantia equivalente a 1% do valor da causa.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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