sexta-feira, 30 de junho de 2023

TRU firma entendimento sobre valor de pensão por morte para óbitos posteriores à EC 103/2019

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a fixação de entendimento para o valor do benefício de pensão por morte para óbitos posteriores a Emenda Constitucional 103/2019, a qual fixou a seguinte tese: "O valor mensal da pensão por morte, para óbitos ocorridos a partir da entrada em vigor da EC nº 103/2019, deve observar as novas regras introduzidas pela referida emenda constitucional". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PENSÃO POR MORTE. RENDA MENSAL INICIAL. EC 103/2019. CONSTITUCIONALIDADE. FATO GERADOR. TEMPUS REGIT ACTUM. UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE O VALOR MENSAL DA PENSÃO POR MORTE, PARA ÓBITOS OCORRIDOS A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA EC N.º 103/2019, DEVE OBSERVAR AS NOVAS REGRAS INTRODUZIDAS PELA REFERIDA EMENDA CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DESPROVIDO.
1. Hipótese em que se analisa a possibildiade de revisão da renda mensal inicial (RMI) do benefício de pensão por morte, cujo fato gerador (óbito) ocorreu após a vigência da EC 103/2019.
2. Com efeito, tendo o fato gerador do direito (óbito) ocorrido após a vigência da EC 103/2019, pelo princípio do tempus regit actum, impõe-se a observância de suas regras no cálculo da prestação, sendo forçoso concluir que não há direito adquirido a determinado regime jurídico.
3. Uniformização de entendimento no sentido de que "o valor mensal da pensão por morte, para óbitos ocorridos a partir da entrada em vigor da EC n.º 103/2019, deve observar as novas regras introduzidas pela referida emenda constitucional.".
4. Incidente desprovido.
TRU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TRU) Nº 5000993-75.2021.4.04.7112/RS , Egrégia Turma Regional de Uniformização - Previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região , Juiz Relator Daniel Machado da Rocha, 19/06/2023.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional de Uniformização - Previdenciária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o relator, conhecer e negar provimento ao pedido de uniformização regional de jurisprudência interposto pela parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 16 de junho de 2023.

RELATÓRIO
Vistos, etc.

A parte autora do feito de origem formulou pedido regional de uniformização de jurisprudência (evento 094) em face de acórdão exarado pela Terceira Turma Recursal dos JEFs da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul (evento 081, VOTO1):

Trata o presente de recurso inominado interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente pedido de revisão da pensão por morte sob NB 198.096.034-5, mediante o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo art. 23 da EC 103/2019.
Afirma a recorrente que a EC nº 103/2019 viola o princípio da proibição ao retrocesso, e que a RMI da pensão por morte que titulariza deve ser calculada nos termos do regramento anterior, isto é, do art. 75 da Lei nº 8.213/91.
Então vejamos.
Inicialmente, ressalte-se que a função do julgador é aplicar a lei, de mdo que, em que pese as partes eventualmente não concordem com a legislação vigente (ou parte dela), não é de competência do Poder Judiciário sua reforma, revogação ou qualquer tipo de alteração, função que é própria do Poder Legislativo.
Nesses termos, o Juízo da origem assim fundamentou a controvérsia (evento nº 40):
Tratando-se de óbito ocorrido depois da entrada em vigor da EC n. 103/2019, o cálculo da RMI da pensão por morte deve ser realizado de acordo com as novas regras.
A parte autora sustenta, contudo, que a nova forma de cálculo do valor da pensão por morte violou princípios constitucionais, na medida em que importou demasiado prejuízo ao dependente previdenciário.
Não há dúvida de que os critérios de cálculo introduzidos pela EC n. 103/2019, para fins de apuração da RMI da pensão por morte, são prejudiciais ao dependente previdenciário, quando comparados aos critérios anteriores. Todavia, não verifico inconstitucionalidade da emenda constitucional neste ponto. Com efeito, o direito à concessão do benefício de pensão por morte aos dependentes previdenciários do segurado falecido foi preservado, ou seja, não houve violação ao princípio da proibição de retrocesso.
Além disso, não há norma constitucional que determine que o valor da pensão por morte deve corresponder ao valor da aposentadoria percebida pelo segurado instituidor. É possível, portanto, que o valor da pensão por morte seja calculado em percentual (menor do que 100%) incidente sobre o valor da aposentadoria do segurado instituidor. A definição dos critérios de cálculo da pensão por morte, desde que não importem supressão do próprio benefício, constitui prerrogativa do legislador (no caso dos autos, do poder constituinte derivado). Em resumo, a redução do valor da pensão por morte, respeitados o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, não significa que houve violação a princípios constitucionais.
Ressalto que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em recente julgado, decidiu pela aplicação da sistemática de cálculo introduzida pela EC n. 103/2019:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. CÁLCULO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. ARTIGO 23 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Nos termos do art. 23 da Emenda Constitucional nº 103, a pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social, ou de servidor público federal, será equivalente a cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado, ou servidor, ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). 2. Mantida a sentença que denegou a ordem diante da ausência de direito líquido e certo. (TRF4, AC 5016305-40.2020.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/06/2021)
Portanto, não há como se acolher o pedido formulado nos autos.
Portanto, diante da vasta fundamentação do magistrado da origem que analisou detidamente todos os pontos da controvérsia, o voto é por manter a sentença ora impugnada, pois em harmonia com o entendimento desta 3ª Turma Recursal e que os fundamentos do recurso interposto não demandam enfrentamento específico que vá além dos fundamentos consignados na bem lançada decisão impugnada.
Outrossim, em que pese insatisfeita com o resultado da prestação jurisdicional, a parte autora não demonstrou nos autos a ocorrência de qualquer ilegalidade ou irregularidade cometida pelo julgador da origem, mas, ao contrário, que ele apenas aplicou a legislação pertinente ao caso, razão pela qual deve ser confirmada pelos próprios fundamentos, a teor do contido no artigo 46 da Lei n° 9.099/95, aplicada subsidiariamente no âmbito dos Juizados Especiais Federais (artigo 1º da Lei n° 10.259/01) e por aqueles aqui expostos.
Dou expressamente por prequestionados todos os dispositivos indicados pelas partes nos presentes autos, para fins do art. 102, III, da Constituição Federal, respeitadas as disposições do art. 14, caput e parágrafos e art. 15, caput, da Lei nº 10.259, de 12.07.2001. A repetição dos dispositivos é desnecessária, para evitar tautologia.
Condeno a parte recorrente em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atualizado desde o ajuizamento pelo IPCA-E, suspensos caso seja beneficiária da AJG. Isento de custas ex lege.
Ante ao exposto, voto por negar provimento ao recurso do autor, nos termos da funamentação.

Sustenta, em síntese, ser inconstitucional o art. 23 da EC n.º 103/2019, porquanto ocasiona uma severa redução no valor do benefício de pensão por morte, com ferimento à dignidade da pessoa humana (uma vez que prejudica o indivíduo quando mais necessita de amparo) e violando o direito à proteção do Estado à família.

Afirma a existência de clara ausência de razoabilidade e de nítido retrocesso social.

Requer o provimento do pleito de uniformização nos seguintes termos:

ISTO POSTO, requer-se seja recebido e provido o presente incidente, com reconhecimento incidental da inconstitucionalidade do art. 23 da EC 103/2019, sendo determinado a aplicação do art. 75 da lei 8.213/91 para o cálculo da RMI do benefício de pensão por morte.

Aponta como paradigma julgado da Quarta Turma Recursal dos JEFs da Seção Judiciária do Estado do Paraná (processo n.º 5000025-08.2022.4.04.7016).

Admitido, foram encaminhados os autos a esta Turma Regional (evento 103), tendo o Parquet se manifestado pelo desprovimento do incidente (evento 005 deste incidente).

Vieram conclusos.

Passo a analisar o feito.

VOTO, juiz relator Daniel Machado da Rocha

I. Do conhecimento do incidente de uniformização.
O incidente é tempestivo.

A matéria foi devidamente prequestionada.

O paradigma indicado presta-se para tal finalidade.

Em sendo assim, merece ser conhecido o pleito regional de uniformização.

II. Previdenciário. Pensão por morte. Cálculo da renda mensal inicial (RMI). Art. 23 da Emenda Constitucional n.º 103/2019. Violação ao princípio da razoabilidade, da proporcionalidade e da proibição ao retrocesso social. Inconstitucionalidade. Aplicação do art. 75 da Lei n.º 8.213/1991.

O art. 75 da Lei n.º 8.213/1991 prevê que o valor mensal da pensão por morte será de 100 % (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito, se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.

Contudo, o art. 23 da EC n.º 103 / 2019, ao alterar o cálculo da pensão aos dependentes dos instituidores falecidos, estabeleceu uma cota familiar inicial de metade do percentual previsto no art. 75 da LB:

Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).

Tal redução mostra-se desproporcional e desarrazoada.

A continuar dessa forma, a morte do segurado instituidor configurará uma dupla penalização para o dependente, que sofrerá, primeiro, com a ausência do ente querido, e, segundo, com a escassez brutal de recursos provocada pela diminuição significativa (da ordem de 50 %) de suas condições financeiras.

Não tem sentido o dependente ter de se equilibrar economicamente com metade do que percebia em vida o instituidor, justamente no momento em que o dependente mais está fragilizado (pela ausência da pessoa da qual dependia).

O art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil prevê que "a família tem especial proteção do Estado".

Entendo que obrigar uma família a sobreviver com metade do que dispunha após a perda de um membro importante não configura "especial proteção do Estado".

Pelo contrário, a previsão constante do art. 23 da EC n.º 103/2019 vira as costas para a tutela da família em um de seus aspectos mais cruciais hoje: o financeiro.

O poder constituinte derivado "ressuscitou" uma legislação previdenciária que já havia sido há muito tempo enterrada (a LOPS de 1960, que previa, em seu art. 37, mutatis mutandis, o que dispõe o art. 23 da Lei n.º 103/2019) por completa falta de aplicação social.

Transcrevo o art. 37 da Lei n.º 3.807/1960 (LOPS):
Art. 37. A importância da pensão devida ao conjunto dos dependentes do segurado será constituída de uma parcela familiar, igual a 50% (cinqüenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito se na data do seu falecimento fôsse aposentado, e mais tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de 5 (cinco).

Isso corresponde, em verdade, a suprimir direitos sociais (previdenciários) conquistados ao longo de diversos anos pelas famílias e pela sociedade como um todo.

O Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de dispositivos (emendas constitucionais ou legislação infraconstitucional) por violação ao princípio da proibição do retrocesso social.

De acordo com nossa Suprema Corte, "o princípio do não retrocesso social obsta o desmantelamento das conquistas normativas já alcançadas em determinado contexto social", de modo que "traduz-se em dimensão negativa dos direitos sociais, em que vedada a supressão ou redução dos patamares de sua concretização, sem que implementadas políticas compensatórias" (ADI 5938, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 20-09-2019 PUBLIC 23-09-2019).

Decidiu o STF que o princípio da proibição do retrocesso social "limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana" (ADI 2096, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-258 DIVULG 26-10-2020 PUBLIC 27-10-2020).

Em leading case emblemático, assentou o STF que "a cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado":

CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A "astreinte" - que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência. (ARE 639337 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125) (grifei)

Em resumo, considero inconstitucional o preceito contido no art. 23 da EC n.º 103 / 2019, por violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e por afronta ao princípio da proibição do retrocesso social.

III. Da aplicação da tese ao caso concreto.
No presente caso, o óbito ocorreu em 04/06/2020 (evento 001, PROCADM14, fl. 001) (após 12/11/2019).

Em virtude da fundamentação exposta no item anterior deste Voto, afasto a aplicação, no presente caso concreto, do art. 23 da EC n.º 103/2019, por considerá-lo inconstitucional, incidenter tantum, fazendo incidir, com efeitos ex tunc, o art. 75 da Lei n.º 8.213/1991, de modo que o valor mensal da pensão por morte será de 100 % (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito, se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.

Em sendo assim, nos termos da Questão de Ordem n.º 020 da TNU, tenho que o julgado recorrido deve se adequar ao entendimento esposado neste Voto, conforme o disposto no art. 4B8r3B4p7yhRXuBWLqsQ546WR43cqQwrbXMDFnBi6vSJBeif8tPW85a7r7DM961Jvk4hdryZoByEp8GC8HzsqJpRN4FxGM9 e da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região).

IV. Dispositivo.
Ante o exposto, voto por, nos termos da fundamentação, CONHECER E DAR PROVIMENTO AO INCIDENTE REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA formulado pela parte autora do feito de origem, para o efeito de fixar a tese de que: "o valor mensal da pensão por morte, mesmo para óbitos ocorridos a partir da entrada em vigor da EC n.º 103/2019, continua a ser de 100 % (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito, se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, nos termos do art. 75 da Lei n.º 8.213/1991".

VOTO-VISTA, Alessandra Gunther Favaro
Peço vênia ao Juiz Federal Relator para divergir sobre o mérito do pedido de uniformização regional, o que faço pelos seguintes fundamentos.

No voto do i. Relator, propõe-se o provimento do recurso e a fixação da tese de que "o valor mensal da pensão por morte, mesmo para óbitos ocorridos a partir da entrada em vigor da EC n.º 103/2019, continua a ser de 100 % (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito, se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, nos termos do art. 75 da Lei n.º 8.213/1991".

Eis a decisão recorrida no que interessa ao julgamento do feito - grifei (evento 81, VOTO1):

"(...)
Afirma a recorrente que a EC nº 103/2019 viola o princípio da proibição ao retrocesso, e que a RMI da pensão por morte que titulariza deve ser calculada nos termos do regramento anterior, isto é, do art. 75 da Lei nº 8.213/91.
Então vejamos.
Inicialmente, ressalte-se que a função do julgador é aplicar a lei, de mdo que, em que pese as partes eventualmente não concordem com a legislação vigente (ou parte dela), não é de competência do Poder Judiciário sua reforma, revogação ou qualquer tipo de alteração, função que é própria do Poder Legislativo.
Nesses termos, o Juízo da origem assim fundamentou a controvérsia (evento nº 40):
Tratando-se de óbito ocorrido depois da entrada em vigor da EC n. 103/2019, o cálculo da RMI da pensão por morte deve ser realizado de acordo com as novas regras.
A parte autora sustenta, contudo, que a nova forma de cálculo do valor da pensão por morte violou princípios constitucionais, na medida em que importou demasiado prejuízo ao dependente previdenciário.
Não há dúvida de que os critérios de cálculo introduzidos pela EC n. 103/2019, para fins de apuração da RMI da pensão por morte, são prejudiciais ao dependente previdenciário, quando comparados aos critérios anteriores. Todavia, não verifico inconstitucionalidade da emenda constitucional neste ponto. Com efeito, o direito à concessão do benefício de pensão por morte aos dependentes previdenciários do segurado falecido foi preservado, ou seja, não houve violação ao princípio da proibição de retrocesso.
Além disso, não há norma constitucional que determine que o valor da pensão por morte deve corresponder ao valor da aposentadoria percebida pelo segurado instituidor. É possível, portanto, que o valor da pensão por morte seja calculado em percentual (menor do que 100%) incidente sobre o valor da aposentadoria do segurado instituidor. A definição dos critérios de cálculo da pensão por morte, desde que não importem supressão do próprio benefício, constitui prerrogativa do legislador (no caso dos autos, do poder constituinte derivado). Em resumo, a redução do valor da pensão por morte, respeitados o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, não significa que houve violação a princípios constitucionais.
Ressalto que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em recente julgado, decidiu pela aplicação da sistemática de cálculo introduzida pela EC n. 103/2019:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO POR MORTE. CÁLCULO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. ARTIGO 23 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Nos termos do art. 23 da Emenda Constitucional nº 103, a pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social, ou de servidor público federal, será equivalente a cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado, ou servidor, ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento). 2. Mantida a sentença que denegou a ordem diante da ausência de direito líquido e certo. (TRF4, AC 5016305-40.2020.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 29/06/2021)
Portanto, não há como se acolher o pedido formulado nos autos.
Portanto, diante da vasta fundamentação do magistrado da origem que analisou detidamente todos os pontos da controvérsia, o voto é por manter a sentença ora impugnada, pois em harmonia com o entendimento desta 3ª Turma Recursal e que os fundamentos do recurso interposto não demandam enfrentamento específico que vá além dos fundamentos consignados na bem lançada decisão impugnada."

Nestes termos, a 3ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul afastou a possibilidade de revisão da RMI da pensão por morte, mantendo cálculo nos termos da EC nº 103/2019.

Já no paradigma invocado, RI n. 5000025-08.2022.4.04.7016, a 4ª Turma Recursal do Paraná entendeu ser o caso de reconhecimento incidental da inconstitucionalidade do artigo 23 da Emenda Constitucional 103/2019, permanecendo vigentes as disposições anteriores à EC nº 103/2019, sendo devido o benefício de pensão por morte com RMI de 100% da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento. (evento 94, ANEXO2).

Acerca da controvérsia, entendo deva prevalecer a tese jurídica consubstanciada no acórdão recorrido.

Com efeito, tendo o fato gerador do direito (óbito) ocorrido após a vigência da EC 103/2019, pelo princípio do tempus regit actum, impõe-se a observância de suas regras no cálculo da prestação, sendo forçoso concluir que não há direito adquirido a determinado regime jurídico.

Isso porque, entendo por constitucional tal alteração de regra de cálculo da pensão por morte, ainda que tenha reduzido, por exemplo, os percentuais de cotas/coeficientes em comparação com a legislação anterior, ressaltando que a alteração se aplica de forma isonômica a todos dependentes de segurados que faleceram após o começo de sua vigência, inexistindo óbice material à mencionada mudança de forma de apuração da prestação.

Proponho, nesses termos, uniformização de entendimento no sentido de que "o valor mensal da pensão por morte, para óbitos ocorridos a partir da entrada em vigor da EC n.º 103/2019, deve observar as novas regras introduzidas pela referida emenda constitucional.".

Assim, considerando que o acórdão recorrido está adequado à tese acima proposta, impõe-se desprover o pedido de uniformização regional interposto pela parte autora.

Ante o exposto, voto por conhecer e negar provimento ao pedido de uniformização regional de jurisprudência interposto pela parte autora.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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