sexta-feira, 3 de junho de 2022

O conceito de acidente de qualquer natureza consiste em evento súbito e de origem traumática, conforme decisão da TNU

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 269 com a seguinte redação "O conceito de acidente de qualquer natureza, para os fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), consiste em evento súbito e de origem traumática, por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, ressalvados os casos de acidente do trabalho típicos ou por equiparação, caracterizados na forma dos arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 269. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. CONCEITO DE ACIDENTE. EVENTO DE ORIGEM SÚBITA, TRAUMÁTICA E DECORRENTE DE AGENTES EXTERNOS FÍSICOS, QUÍMICOS OU BIOLÓGICOS. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAR, NA VIA JUDICIAL, DOENÇAS PROVOCADAS POR AGENTES EXTERNOS (VÍRUS, BACTÉRIAS ETC) A ACIDENTE. EQUIPARAÇÃO SOMENTE AUTORIZADA PARA AS DOENÇAS OCUPACIONAIS OU DO TRABALHO POR FORÇA DE LEI. PUIL IMPROVIDO COM FIXAÇÃO DE TESE. “O CONCEITO DE ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA, PARA OS FINS DO ART. 86 DA LEI 8.213/91 (AUXÍLIO-ACIDENTE), CONSISTE EM EVENTO SÚBITO E DE ORIGEM TRAUMÁTICA, POR EXPOSIÇÃO A AGENTES EXÓGENOS FÍSICOS, QUÍMICOS OU BIOLÓGICOS, RESSALVADOS OS CASOS DE ACIDENTE DO TRABALHO TÍPICOS OU POR EQUIPARAÇÃO, CARACTERIZADOS NA FORMA DOS ARTS. 19 A 21 DA LEI 8.213/91”.
TNU, PEDILEF 0031628-86.2017.4.02.5054/ES, Juíza Federal Polyana Falcão Brito - para acórdão: Juiz Federal Ivanir César Ireno Júnior, 06/05/2022.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, vencidos a relatora e a Juíza Federal SUSANA SBROGIO GALIA, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto do Juiz Federal IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, julgando-o como representativo da controvérsia, fixando a seguinte tese para o tema 269: o conceito de acidente de qualquer natureza, para os fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), consiste em evento súbito e de origem traumática, por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, ressalvados os casos de acidente do trabalho típicos ou por equiparação, caracterizados na forma dos arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91.

Brasília, 05 de maio de 2022.


RELATÓRIO
Cuida-se de Incidente de Uniformização de Jurisprudência interposto pela parte autora em face de acórdão da Turma Recursal do Espírito Santo que negou provimento ao recurso inominado, mantendo a sentença que havia julgado improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente sob o fundamento de que na hipótese não estava configurado um “acidente de qualquer natureza”, eis que a alegada redução na capacidade laborativa teria sido ocasionada por doença infecciosa.

A parte recorrente afirma que faz jus ao benefício “em razão de possuir visão monocular, que foi ocasionada por coriorrinite por toxoplasmose, que gerou lesão retiniana de caráter permanente e irreversível”. Afirma que o acórdão recorrido diverge do entendimento da Turma Recursal do Rio Grande do Sul, no sentido de que é possível a concessão de auxílio-acidente nos casos em que a redução da capacidade laborativa decorre de toxoplasmose, o qual consiste em um agente exógeno biológico (Evento 1, PU46), nos termos da legislação.

Por decisão do Plenário da TNU o Incidente de Uniformização foi admitido, reconhecendo-se presentes os requisitos recursais genéricos e específicos dessa espécie recursal. Na mesma assentada, decidiu-se afetá-lo como representativo de controvérsia sob o Tema 269 para que fosse respondida a seguinte indagação: "qual o conceito do 'acidente de qualquer natureza' para o fim de obtenção do auxílio-acidente?" (Evento 18).

Publicados os editais, foi deferida a habilitação na qualidade de amicus curiae do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, que apresentou memoriais (Evento 37). A Procuradoria do INSS também apresentou memoriais (Evento 53).

É o breve relatório.

VOTO, POLYANA FALCAO BRITO, Juíza Relatora
Conforme relatado, a controvérsia que se coloca sob apreciação deste colegiado está em definir qual o conceito do acidente de qualquer natureza para o fim de obtenção do auxílio-acidente.

No caso dos autos, a prova formada nas instâncias ordinárias dá conta que a autora é portadora de retinopatia toxoplasmótica, que lhe ocasionou a cegueira monocular, e com base nesse fato pleiteia a concessão do benefício de auxílio-acidente previdenciário.

O dissídio jurisprudencial está bem delineado, e pode ser extraído do cotejo do acórdão recorrido em comparação com acórdão da Terceira Turma Recursal do Rio Grande do Sul no Processo 5001423-96.2017.4.04.7102, que admitiu a possibilidade de a toxoplasmose ser considerada acidente para fins de concessão de auxílio-acidente. Dispôs o acórdão recorrido:

7. Observa-se pela narrativa dos fatos, em conjunto com a perícia médica (fl. 50-55), que a parte autora possui visão subnormal direita adquirida em razão da doença toxoplasmose (fl. 2 da exordial), estando adaptada e atualmente sem incapacidade laboral. [...]

9. Entretanto, restou incontroverso que essa limitação, a alegada redução da capacidade laboral, se deu em razão de doença, qual seja, a toxoplasmose, neste ponto não amparada pelo benefício de auxílio-acidente, visto que, como a nomenclatura sugere, a redução da capacidade deve se dar em razão de acidente, de qualquer natureza.” (grifei)

Por sua vez, consta do paradigma invocado pela parte:

“4. O conceito de acidente do trabalho tem destaque expresso na legislação previdenciária e distingue-se do acidente de qualquer natureza ou causa que foi simplesmente incluído no art. 86 da Lei n. 8.213/1991. O conceito normativo do acidente de qualquer natureza, advém do parágrafo único do art. 30 do Decreto nº 3.048/99 ('Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos) que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.'). Superada a fase do enquadramento fato gerador como acidente de qualquer natureza, passa-se ao exame sobre a existência ou não, após a consolidação das lesões advindas do 'acidente', de uma 'redução da capacidade de trabalho' do segurado e permanentemente para as atividades que habitualmente exercia.

5. Viabilidade, no caso, de enquadramento do fato 'toxoplasmose' como acidente de qualquer natureza 'por equiparação' advinda da regra existente no parágrafo único do art. 30 do Decreto n. 3.048/99, na medida em que o agente causador da patologia identificada na perícia judicial realizada nos autos é o protozoário TOXOPLASMA GONDII, enquadrável como um agente exógeno biológico previsto no Decreto nº 3.048/99.” (grifei)

Identificado o dissídio jurisprudencial, e no intuito de buscar uma interpretação para o conceito de acidente de qualquer natureza dentro do contexto do auxílio-acidente, cumpre relembrar a evolução legislativa desse benefício. Originalmente, a Lei nº 8.213/1991 dispunha, em seu art. 86, que:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultar sequela que implique:
(...) (grifei)

A Lei nº 9.032/1995 deu nova redação ao dispositivo, incluindo o termo "acidente de qualquer natureza" em substituição ao "acidente de trabalho", estendendo assim a proteção social aos casos de lesões não relacionadas a acidente caracterizável como acidente de trabalho. Vejamos:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que impliquem em redução da capacidade funcional. (grifei)

Por fim, a Lei nº 9.528/1997 deu a redação ora vigente ao art. 86, substituindo a sua parte final nos seguintes termos:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

Um primeiro ponto que salta aos olhos ao se fazer uma interpretação evolutiva do instituto é que com a edição da Lei nº 9.032/95 o legislador buscou ampliar o escopo de proteção do benefício de auxílio-acidente, para alcançar também situações nas quais não há demonstração do nexo de causalidade entre o fato gerador das sequelas geradoras de limitação funcional e o trabalho exercido pelo segurado.

Ou seja, o que se buscou naquela ocasião foi estender o direito ao benefício para casos em que o segurado é vitimado em razão de outros acidentes não necessariamente enquadráveis como acidente de trabalho. Essa análise histórica é importante porque se há (e de fato há) uma lacuna legal para definir o que venha a ser o acidente de qualquer natureza, o conceito de acidente de trabalho sempre esteve presente nas leis trabalhistas e previdenciárias, sendo que os artigos 19 e 20 da Lei nº 8.213/91 atualmente assim o definem:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
(...)
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Como se vê, o conceito de acidente de trabalho trazido pela lei previdenciária (strictu sensu) nunca trouxe a origem traumática como elemento indispensável de sua caracterização, muito embora a sequela decorrente de trauma naturalmente esteja abarcada pelo conceito. Ao contrário, o artigo 20 expressamente inclui as doenças profissionais e do trabalho no conceito de acidente, relacionando o termo a seu significado de algo que é fortuito, imprevisto. Para além disso, o art. 21 traz uma série de circunstâncias que caracterizam o acidente de trabalho por equiparação, para aí incluir outras situações fáticas que, não sendo tecnicamente acidente de trabalho, assim são considerados, quais sejam: o acidente in itinere e as concausalidades, dentre outros.

Todo esse conjunto está a indicar que o significado atribuído à palavra "acidente" na legislação previdenciária não necessariamente tem o sentido vulgar que o vincula a um acontecimento súbito, traumático; ao revés, seu uso sempre esteve associado a um "acontecimento infausto que envolve dano, estrago, sofrimento ou morte"1

Nessa senda, e tendo como premissa a compreensão de que a substituição da expressão de acidente “de trabalho” por “de qualquer natureza” veio num contexto de ampliação de direitos, não haveria razão para se exigir em relação ao acidente de qualquer natureza uma interpretação restritiva a ponto de exigir o trauma como elemento central na formação do conceito já que, repiso, essa circunstância não era intrínseca ao conceito de acidente até então definido.

Pois bem.

Embora a lei tenha omitido o conceito do acidente de qualquer natureza, o Regulamento da Previdência trouxe no art. 30 a interpretação de que este [o acidente de qualquer natureza] seria aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, senão vejamos:

Art. 30. (...)
§ 1º Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

Resta saber: para gerar direito ao auxílio-acidente, a condição de saúde apresentada pelo segurado tem que ter origem traumática E ser decorrente da exposição a algum desses agentes exógenos, cumulativamente? Parece-nos que não.

A nosso aviso, a interpretação do dispositivo deve primar pela sua compreensão lógico-evolutiva, o que nos leva a concluir que o sentido da frase objetivado pelo legislador é de que o acidente de qualquer natureza seria aquele [o acidente] de origem traumática e [aquele: o acidente] por exposição a agentes exógenos.

Além de ser essa a interpretação que melhor se harmoniza ao já declarado objetivo de ampliação do escopo de proteção social mirado pelo legislador, interpretação em sentido contrário parece esvaziar, em grande medida, a própria indicação dos agentes exógenos como origens possíveis da condição de saúde que vem a culminar na incapacidade laborativa do segurado.

Com efeito, como se daria no plano hipotético um acidente com origem traumática por exposição a agentes biológicos? Tal linha interpretativa também deixaria de fora, por exemplo, as incapacidades decorrentes de inalação de agentes químicos cancerígenos que ocorressem de forma mais espaçada no tempo (ainda que fora do ambiente de trabalho), quando nos parece que a ideia foi justamente deixar o segurado protegido diante de uma situação de infortúnio que lhe deixou limitação funcional permanente por fatores externos a sua vontade (acidentais) não relacionados à evolução degenerativa natural do ser humano.

Levando a interpretação mais restritiva ao extremo, ficariam de fora os próprios acidentes de trabalho sem origem traumática, já que não estariam contemplados pela norma caso venha a ser emprestada a ela o sentido defendido pelo requerido. E nesse ponto, convém lembrar que no panorama legislativo atual o único fundamento legal para a concessão do auxílio-acidente (seja ele de natureza acidentária ou não) é o próprio art. 86 da Lei nº 8.213/91, de modo que o conceito a ser extraído desse dispositivo legal necessariamente deve abrigar as situações em que a lesão seja decorrente também de acidente de trabalho.

Noutro giro, não nos passa despercebido que o conceito de acidente de qualquer natureza ou causa também e reportado no art. 26 da Lei de Benefícios, ao dispor sobre as hipóteses de isenção de carência. Reza o dispositivo:

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
(...)
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

A simples leitura da norma evidencia que a concessão de benefícios por incapacidade sem exigência de carência prévia é excepcional, e assim deve ser mesmo. Nessa senda, uma vez que a norma supratranscrita prevê a isenção de carência para benefícios por incapacidade causados por acidente de qualquer natureza ou causa, é indispensável que o conceito a ser definido para essa expressão não desvirtue o elemento central do contrato do seguro social, qual seja, a absoluta imprevisibilidade do evento futuro. Em outras palavras, a ocorrência do infortúnio gerador do evento a ser coberto pela previdência não pode, em nenhuma hipótese, estar na esfera de previsibilidade do segurado, pois o elemento surpresa é crucial para que seja preservada a álea inerente a qualquer contrato de seguro público ou privado.

Dito isso, não nos parece que o conceito acima proposto esteja em desacordo com essa premissa, já não é razoável supor que um segurado iria planejar uma exposição deliberada a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos com o intuito de adquirir uma doença ou enfermidade que lhe incapacitassem para a atividade habitual, de modo a lhe proporcionar o direito a um benefício sem exigência de carência prévia. Uma especulação dessa natureza é de despropositada e contrária à boa-fé objetiva e não deve pautar a construção do conceito ora em debate.

Por fim, entendemos que essa linha de orientação é a que traduz uma maior coerência do sistema de proteção previdenciária, estabelecendo uma espécie de gradação entre os benefícios por incapacidade conforme se apresente a incapacidade temporária ou definitiva e/ou parcial ou total para o exercício de suas atividades laborais.

Deveras, embora a conceituação tenha deixado de fora as limitações laborativas que se apresentam como sequelas de doenças degenerativas ou inerentes a grupos etários quando não associadas a agentes exógenos, nos outros casos o auxílio-acidente asseguraria um nível de proteção ao segurado que tem consolidadas as lesões ou sequelas que lhe diminuam a capacidade laborativa.

Tudo isso considerado, diante das interpretações possíveis quanto ao alcance que buscou o legislador ao viabilizar a concessão do auxílio-acidente a limitações funcionais decorrentes de acidentes de qualquer natureza, a que nos parece mais condizente com o sistema previdenciário de proteção ao trabalhador é a que traz, para o escopo de proteção da norma, as lesões ou sequelas resultantes de condição de saúde que tenha por origem a exposição a agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, seja ela de origem traumática ou não.

Por conseguinte, em resposta à indagação trazida ao crivo deste colegiado, proponho a fixação da seguinte tese:

O conceito do acidente de qualquer natureza, para o fim de obtenção do auxílio-acidente, compreende a condição de saúde provocada por agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, seja ela de origem traumática ou não.

No caso concreto e de acordo com a prova dos autos, a parte autora é portadora de “retinopatia toxoplasmótica”, causada por um agente biológico exógeno responsável pela Toxoplasmose, qual seja o protozoário chamado “Toxoplasma Gondii”. Na linha de argumentação que se vem de declinar, conclui-se que essa condição de saúde pode ser enquadrada como acidente de qualquer natureza, convindo às instâncias ordinárias portanto investigar se estão presentes os demais requisitos exigidos para a concessão do benefício a partir dessa premissa.

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao Pedido de Uniformização de Jurisprudência, para determinar o retorno dos autos à origem para adequação do julgado à tese ora firmada.


VOTO-VISTA, FÁBIO SOUZA, Juiz Federal
Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei afetado como representativo de controvérsia e vinculado ao tema 269, que busca responder à seguinte questão jurídica controvertida: "qual o conceito do 'acidente de qualquer natureza' para o fim de obtenção do auxílio-acidente?"

A Relatora, Juíza Federal Polyana Falcão Brito, votou no sentido de dar provimento ao incidente, propondo a seguinte tese:

o conceito do acidente de qualquer natureza, para o fim de obtenção do auxílio-acidente, compreende a condição de saúde provocada por agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, seja ela de origem traumática ou não.

Em voto divergente, o Juiz Federal Ivanir César Ireno Junior, votou por negar provimento ao incidente, propondo a seguinte tese:

o conceito de acidente de qualquer natureza, para os fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), consiste em evento súbito e de origem traumática, por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, ressalvados os casos de acidente do trabalho típicos ou por equiparação, caracterizados na forma dos arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91.

Pedi vista para melhor analisar a questão e, após refletir sobre os argumentos expostos nos votos e nas manifestações das partes e do amicus curiae, concluí, com a vênia da Relatora, estar a razão com o voto divergente.

O conceito de acidente exige a origem traumática do evento, não tendo sido a intenção da Lei 9.032/95 abranger a redução da capacidade decorrente das situações não traumáticas.

É verdade que, ao afirmar que o benefício seria devido em caso de “acidente de qualquer natureza”, a lei amplia o âmbito de cobertura, deixando de limitar os benefícios aos eventos decorrentes de acidente de trabalho. Mas, em momento algum, essa ampliação elimina a exigência de a redução da capacidade de trabalho decorrer de um acidente.

Na realidade, o conceito proposto pela Relatora é demasiado amplo e acaba por tornar irrelevante a causa da redução da capacidade, tese, aliás, defendida pelo amicus curiae. Entretanto, como muito bem analisado no voto divergente, a origem traumática é um elemento historicamente associado ao conceito de acidente, do qual não abdicou o legislador.

Desse modo, acompanhando a divergência lançada pelo Juiz Federal Ivanir César Ireno Junior, voto no sentido de negar provimento ao incidente.


VOTO-VISTA, IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, Juiz Relator
1. Pedi vista dos autos na sessão do dia 26/08/2021, para melhor analisar a controvérisa em julgamento. O caso envolve o tema 269, com a seguinte questão controversa: "qual o conceito do 'acidente de qualquer natureza' para o fim de obtenção do auxílio-acidente?"

2. Adoto o relatório constante do voto da eminente relatora, juíza federal Polyana Falcão Brito, que concluiu nos seguintes termos:

Por conseguinte, em resposta à indagação trazida ao crivo deste colegiado, proponho a fixação da seguinte tese:
O conceito do acidente de qualquer natureza, para o fim de obtenção do auxílio-acidente, compreende a condição de saúde provocada por agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, seja ela de origem traumática ou não.
No caso concreto e de acordo com a prova dos autos, a parte autora é portadora de “retinopatia toxoplasmótica”, causada por um agente biológico exógeno responsável pela Toxoplasmose, qual seja o protozoário chamado “Toxoplasma Gondii”. Na linha de argumentação que se vem de declinar, conclui-se que essa condição de saúde pode ser enquadrada como acidente de qualquer natureza, convindo às instâncias ordinárias portanto investigar se estão presentes os demais requisitos exigidos para a concessão do benefício a partir dessa premissa.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao Pedido de Uniformização de Jurisprudência, para determinar o retorno dos autos à origem para adequação do julgado à tese ora firmada.

3. Peço vênia, desde já, para informar que vou apresentar compreensão totalmente diversa da relatora, que conduzirá ao improvimento do PUIL e à fixação de tese no sentido de limitar o conceito de acidente aos eventos traumáticos, salvo nas hipóteses de acidente do trabalho.

4. Eis, no que interessa, a legislação relacionada com a controvérisa em disputa:

Lei 8.2113/91:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
[...]
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.

Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. (Vide Medida Provisória nº 316, de 2006) (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006)
[...]
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte, salário-família e auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)
[...]

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultar seqüela que implique:
[...]
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que impliquem em redução da capacidade funcional. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar seqüelas que impliquem redução da capacidade funcional. (Redação dada pela Lei nº 9.129, de 1995)
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)

Decreto 3.048/99:
Art. 30. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - ...
III - auxílio por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho e nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, seja acometido de alguma das doenças ou afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Economia, atualizada a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).
§ 1º Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
§ 2º Até que seja elaborada a lista de doenças ou afecções a que se refere o inciso III do caput, independerá de carência a concessão de auxílio por incapacidade temporária e de aposentadoria por incapacidade permanente ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, seja acometido por alguma das seguintes doenças: (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
VIII - paralisia irreversível e incapacitante; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
XI - espondiloartrose anquilosante; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
XIII - estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
XIV - síndrome da imunodeficiência adquirida (aids); ou (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
XV - contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

5. Antes de adentrar pela mérito da controvérsia, contrapondo interpretações e entendimentos, acho importante registrar: as conclusões da relatora, no sentido de que toda doença causada por um agente biológico externo (vírus, bactérias, protozoários, fungos, bacilos, parasitas etc) caracteriza-se como acidente de qualquer natureza para fins de auxílio-acidente, promove uma forte guinada interpretativa no âmbito do RGPS, ampliando imensamente as hipóteses de incidência do citado benefício, além de transformar a carência, requisito genérico de acesso às prestaçoes previdenciárias, de regra em exceção, no que toca aos benefícios por incapacidade.

6. Digo isso porque, não se enganem, o instituto do "acidente de qualquer natureza" conceituado pela relatora, para fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), é o mesmo (somente com o acréscimo do termo "ou causa") previsto no art. 26, II, do mesmo diploma legal, que trata da dispensa de carência. Assim, é evidente e intuitivo, inclusive como consta do voto da relatora, que o próximo passo será adotar o mesmo conceito para as hipóteses de dispensa de carência do art. 26, II, da Lei 8.213/91. Registre-se, inclusive, que o conceito legal de acidente de qualquer natureza, previsto no Decreto 3.048/99, está no §1º do art. 30, que trata, precisamente, de dispensa de carência.

7. Ao final, após desenvolver o meu raciocínio jurídico, voltarei a esse ponto, para arrematar dizendo que a interpretação expansiva feita pela relatora implica ativismo judicial não referendado pela CF/88 e por suas recentes interpretações feitas pelo STF em tema de benefícios previdenciários.

8. O voto da relatora se baseia nas seguintes premissas fáticas e jurídicas:

8.1. Até o advento da Lei nº 9.032/95 o art. 86 somente previa o direito ao auxílio-acidente quando as sequelas ou lesões fossem decorrentes de acidente do trabalho.

8.2. A Lei nº 9.032/95 teve o objetivo explícito de ampliar o escopo de proteção social do trabalhador, ou seja, buscou naquela ocasião estender o direito ao benefício para casos em que o segurado é vitimado em razão de outros acidentes não necessariamente enquadráveis como acidente de trabalho, e é nesse contexto que deve ser entendida a substituição da expressão "acidente de trabalho" por "acidente de qualquer natureza".

8.3. O conceito legal de acidente de trabalho extraído dos artigos 19 a 21 da lei nº 8.213/91 não pressupõe a origem traumática da condição de saúde apresentada pelo segurado, contemplando inclusive doenças profissionais e do trabalho, acidentes in itinere e concausalidades.

8.4. Todo esse conjunto está a indicar que o significado atribuído à palavra "acidente" na legislação previdenciária não necessariamente tem o sentido vulgar que o vincula a um acontecimento súbito, traumático; ao revés, seu uso sempre esteve associado a uma acontecimento infausto que envolve dano, estrago, sofrimento ou morte.

8.5. Nesse viés de interpretação lógico-evolutiva da norma legal, o conceito insculpido no art. 30 do decreto nº 3.048/99 deve ser lido com o sentido de que "Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele [acidente] de origem traumática e [aquele: acidente] por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa".

8.6. Além de ser essa interpretação que melhor se harmoniza ao já declarado escopo de proteção social mirado pelo legislador, interpretação contrária parece esvaziar, em grande medida, a própria indicação dos agentes exógenos como origens de incapacidade/sequelas; com efeito, como se daria no plano hipotético um acidente com origem traumática por exposição a agentes biológicos?

8.7. A ideia foi justamente deixar o segurado protegido diante de uma situação imprevisível de infortúnio que lhe deixou limitação funcional permanente por fatores externos a sua vontade (acidentais) não relacionados à evolução degenerativa do ser humano.

9. Seja na legislação previdenciária, seja na trabalhista, bem como em outros ramos do direito e do conhecimento, sempre houve uma clara diferenciação entre "acidente" e "doença", exigindo o primeiro origem violenta/traumática, causada por fatores externos. Nesse sentido, peço vênia para transcrever trecho pertinente dos memoriais do INSS:

Acidente se diferencia de doença por dois elementos: etiológico e cronológico. Só há acidente quando houver evento súbito e violento (cronológico), com causa externa (etiológico); a doença, por seu turno, tem origem interna e se desenvolve por meio de um processo, ainda que de curta duração".

A doutrina tradicional previdenciária é uníssona em destacar a diferenciação conceitual entre acidente e doença:

Distinguem-se sob dois aspectos: etiológico e cronológico. Caracteriza-se, em regra, o acidente pela subitaneidade e a violência, na expressão da Lei de 1919. Ao passo que, na doença, isso não ocorre, porque é um processo que tem certa duração, embora se desencadeie num momento certo, provocando a lesão corporal ou a perturbação funcional e até mesmo a morte. Pode-se acrescentar, ainda, mais um elemento diferenciador, qual seja a sua causa, que no acidente-tipo é externa, quando, quase sempre, na doença, ela se apresenta internamente devido ao processo silencioso peculiar a toda moléstia orgânica do homem (OPTIZ, Oswaldo e OPTIZ, Silvia. Acidentes e Doenças Profissionais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 22).

(...) enquanto o acidente do trabalho é fato súbito, violento e fortuito, a enfermidade profissional apresenta-se como um processo mais ou menos rápido, que tende a se agravar (FERNANDES, Annibal. Acidentes do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 23 ).

(...) o acidente do trabalho, pois, é um acontecimento em geral súbito, violente e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que lhe determina lesão corporal (RUSSOMANO, Mozart Victo. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981).

São, portanto, a nosso ver, características do acidente do trabalho: a exterioridade da causa do acidente; a violência; a busitaneidade e a relação com a atividade laboral. (...) O acidente é um fato violento, no sentido de que produz violação à integridade do indivíduo. É da violência do evento que resulta a lesão corporal ou a perturbação funcional que torna o indivíduo incapaz, provisória ou definitivamente, ou lhe causa a morte. O acidente que não gera danos à integridade do indivíduo não integra, portanto, o conceito. Ele decorre de um evento súbito. O fato causador do eliminar é abrupto, corre durante curto lapso de tempo, embora seus efeitos possam acontecer tempos após (as chamadas sequelas) - In CASTRO, Carlos Ablerto Pereira e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 9ª ed. São José: Editora Conceito, 2008)

Assim, podemos estabelecer as seguintes diferenças:

DOENÇA: se desenvolvem no organismo humano ao longo do tempo, sejam causadas por agentes endógenos ou exógenos. Sua evolução tem um caminho natural, peculiar a cada doença e cujo resultado dependerá da interação de vários fatores, tais como: o agente; a suscetibilidade do indivíduo, caracterizada pela anatomia e a fisiologia do organismo; a herança genética, os fatores bioquímicos; histológicos e fisiológicos; e, o ambiente, influenciado por outros tantos elementos como o estilo de vida, os fatores sociais e as medidas de prevenção adotadas. (...)

ACIDENTE: é um evento capaz de trazer um dano imediato e inesperado ao organismo do indivíduo, como resultado da exposição a agentes traumáticos, exógenos, físicos, químicos e biológicos.

Assim sendo, um "acidente" difere frontalmente do que se conceitua como "doença", visto que esta se desenvolve com o tempo, é dependente de fatores pessoais e ambientais e, ainda que uma doença possa se manifestar de forma aguda, subaguda ou crônica, sua existência é sempre o resultado de um processo patológico prévio, não sendo viável conferir às doenças qualquer caráter acidental, ou seja, doença e acidente são entidades diferentes, cada uma com suas especificidade e repercussões próprias sobre o organismo

10. E essa diferenciação é histórica e permanente, já estando presente no primeiro ato normativo brasileiro que conceituou o acidente do trabalho, em 1919:

Decreto nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919
Regula as obrigações resultantes dos accidentes no trabalho
Art. 1º Consideram-se accidentes no trabalho, para os fins da presente lei: Ia) o produzido por uma causa subita, violenta, externa e involuntaria no exercicio do trabalho, determinado lesões corporaes ou perturbações funccionaes, que constituam a causa unica da morte ou perda total, ou parcial, permanente ou temporaria, da capacidade para o trabalho; I b) a molestia contrahida exclusivamente pelo exercicio do trabalho, quando este fôr de natureza a só por si causal-a, e desde que determine a morte do operario, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporaria, da capacidade para o trabalho.

11. No âmbito do SUS, acidente e doença são tratados de forma individualizada, a demonstrar que, salvo equiparação legal, são eventos distintos:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
(...) § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

12. No universo securitário a distinção também é bem nítida, conforme se vê da Resolução/CNSP nº 117/2004, do Conselho Nacional de Seguros Privados:

Art. 5º Considerar-se-ão, para efeitos desta Resolução, os conceitos abaixo:
I - acidente pessoal: o evento com data caracterizada, exclusivo e diretamente externo, súbito, involuntário, violento, e causador de lesão física, que, por si só e independente de toda e qualquer outra causa, tenha como conseqüência direta a morte, ou a invalidez permanente, total ou parcial, do segurado, ou que torne necessário tratamento médico, observando-se que:
a) incluem-se nesse conceito: a.1) o suicídio, ou a sua tentativa, que será equiparado, para fins de indenização, a acidente pessoal, observada legislação em vigor; a.2) os acidentes decorrentes de ação da temperatura do ambiente ou influência atmosférica, quando a elas o segurado ficar sujeito, em decorrência de acidente coberto; a.3) os acidentes decorrentes de escapamento acidental de gases e vapores; a.4) os acidentes decorrentes de seqüestros e tentativas de seqüestros; e a.5) os acidentes decorrentes de alterações anatômicas ou funcionais da coluna vertebral, de origem traumática, causadas exclusivamente por fraturas ou luxações, radiologicamente comprovadas.

13. Na própria Lei 8.213/91, quando necessário e relevante, também foi feita essa distinção, como se vê do inciso II do art. 26, que distinguiu acidente de qualquer natureza ou causa e doença profissional ou do trabalho, deixando claro, na nossa visão, que somente as doenças profissionais ou do trabalho são equiparadas aos acidentes para fins previdenciários, o que não ocorre com as demais patologias.

14. Além de toda essa bagagem histórica de diferenciação entre acidente e doença, exigindo para o primeiro origem traumática/violenta externa, esse é o conceito previsto expressamente no âmbito previdenciário, conforme §1º do art. 30 do Decreto 3.048/99, que, nesse ponto, não desbordou o seu poder regulamentar:

1º Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos, físicos, químicos ou biológicos, que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.

15. Nesse contexto, é forçoso reconhecer que a conjunção "e" constante do conceito legal, no caso, é de natureza aditiva e não alternativa, exigindo que além da origem traumática, o acidente seja causado pela exposição a fatores externos físicos, químicos ou biológicos.

16. Segundo o Glossário de Traumatologia do Ministério da Saúde, traumatismo é a lesão produzida por violência exterior, contundente e direta, sobre a superfície corporal. Assim, fora do contexto de um ato súbito e violento, como uma queda, batida, desabamento, inundação, choque, agressão, corte, explosão, queimadura ou eventos análogos, não é possível identificar a presença de um acidente de qualquer natureza para fins previdenciários, salvo nas hipóteses de acidente do trabalho por equiparação, conforme será vista oportunamente.

17. E a utilização do instituto do acidente do trabalho, sob o ângulo de suas 03 espécies (típico, doenças equiparadas e acidente por equiparação), em especial a das doenças profissionais e do trabalho, como feito pela relatora, não altera a afirmação feita no item 16 retro.

18. De início, é importante fazer um contraponto à afirmação da relatora no sentido de que "a Lei nº 9.032/95 teve o objetivo explícito de ampliar o escopo de proteção social do trabalhador, ou seja, buscou naquela ocasião estender o direito ao benefício para casos em que o segurado é vitimado em razão de outros acidentes não necessariamente enquadráveis como acidente de trabalho, e é nesse contexto que deve ser entendida a substituição da expressão "acidente de trabalho" por "acidente de qualquer natureza".

19. Sem dúvida, a Lei 9.032/95, ao alterar a hipótese de incidência do auxílio-acidente de acidente do trabalho para acidente de qualquer natureza, ampliou o escopo de proteção social do trabalhador. No entanto, essa ampliação foi cirúrgica, ou seja, exclusivamente voltada para assegurar o benefício tanto aos segurados vitimados por acidentes de trabalho como por acidentes comuns, entendidos estes como aqueles, por exclusão, que não se enquadrem nos conceitos de acidente do trabalho dos arts. 19, 20 e 21 da Lei 8.213/91. Assim, a partir da inovação legislativa, não importa se um empregado de uma empresa teve uma redução da capacidade de trabalho decorrente de uma queda no parque industrial ou jogando futebol com amigos em um domingo, sendo certo que, em ambos os casos, fará jus ao auxílio-acidente.

20. No entanto, a Lei 9.032/95 nunca ampliou, relativizou ou afastou do conceito de acidente, seja do trabalho ou comum, a necessidade de origem súbita e traumática, como é da essência e da história de nosso direito trabalhista e previdenciário. Nesse contexto, com o devido respeito, entendo que a inovação legislativa citada não ampara as conclusões firmadas pela relatora.

21. Prosseguindo, também é necessário desconstruir a seguinte afirmação: "o conceito legal de acidente de trabalho extraído dos artigos 19 a 21 da lei nº 8.213/91 não pressupõe a origem traumática da condição de saúde apresentada pelo segurado, contemplando inclusive doenças profissionais e do trabalho, acidentes in itinere e concausalidades.

22. Primeiro, porque o conceito clássico e ontológico de acidente do trabalho, desde 1919, nunca se desvencilhou da origem traumática. Embora sem constar expressamente da Lei 8.213/91 os termos "súbita, violenta e externa", o art. 19 trata do acidente de trabalho típico/clássico, fruto de um evento súbito e traumatico ocorrido quando o empregado está a serviço da empresa. Basta, nesse sentido, verificar a doutrina especializada no assunto.

23. Segundo, porque os eventos dos arts. 20 e 21, em especial as doenças equiparadas do art. 20, somente dispensam a origem súbita e traumática por força expressa de lei, em uma iniciativa discricionária e legítima do legislador, que quis proteger com mais intensidade as hipóteses de óbito e incapacidade/redução de capacidade decorrentes de eventos relacionados ao trabalho. Assim, todas as doenças profissionais ou do trabalho são, por determinação legal específica e expressa, acidentes do trabalho. No entanto, essa opção não foi repetida nos arts. 26, II e 86 da Lei 8.213/91 e art. 30, §1º, do Decreto 3.048/99, ficando assentando e reafirmado a necessidade de que acidente seja, sempre, de origem traumática.

24. Note-se, inclusive, que nos acidentes equiparados do art. 21, a necessidade de evento súbito e traumático é reforçada, como se vê das seguintes hipóteses: ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado (que pressupõe a ocorrência de um acidente de trânsito).

25. Nesse contexto, é certo que onde o legislador fez distinção expressa e justificada e conferiu solução jurídica diversa, não pode o aplicador da lei, por meio de mera interpretação, chegar ao mesmo tratamento, sob pena de usurpar função legislativa. Assim, doenças profissionais ou do trabalho, sem origem traumática, somente são considerados acidentes para fins previdenciários, inclusive na esfera do auxílio-acidente, porque assim quis a lei, o que não ocorreu com doenças infecciosas, como a toxoplasmose, porque essa não foi a opção legal.

26. Outra afirmação que entendo equivocada por parte da relatora é a seguinte:

Levando a interpretação mais restritiva ao extremo, ficariam de fora os próprios acidentes de trabalho sem origem traumática, já que não estariam contemplados pela norma caso venha a ser emprestada a ela o sentido defendido pelo requerido. E nesse ponto, convém lembrar que no panorama legislativo atual o único fundamento legal para a concessão do auxílio-acidente (seja ele de natureza acidentária ou não) é o próprio art. 86 da Lei nº 8.213/91, de modo que o conceito a ser extraído desse dispositivo legal necessariamente deve abrigar as situações em que a lesão seja decorrente também de acidente de trabalho.

27. Como já dito anteriormente, a nova redação do art. 86 da Lei 8.213/91 ampliou o escopo de proteção do benefício, que passou a incluir os acidentes do trabalho e os comuns. Assim, qualquer leitura do art. 86 impõe que os acidentes do trabalho sejam causa eficiente do auxílio-acidente (se houver sequelas e redução da capacidade de trabalho, é claro). E o conceito de acidente do trabalho é legal, abrangendo as três espécies já abordadas (acidente típico, doenças equiparadas e acidentes por equiparação), não podendo delas o intérprete se afastar.

28. Assim, não é correto afirmar que acolher a tese defendida pelo INSS, no sentido de que o conceito de acidente de qualquer natureza exige evento traumático, afastaria da proteção do auxílio-acidente os acidentes do trabalho sem origem traumática. A interpretação, aqui, deve ser a sistêmica, ou seja: o âmbito de proteção do benefício alcança os acidentes do trabalho (em suas três espécies) e os acidentes comuns (esses sempre com origem traumática, uma vez que ausente equiparação legal). Lembrando-se que, conforme legislação de regência, somente os segurados empregado, empregado doméstico (a partir da LC 150/2015) e os segurados avulsos e especiais sofrem acidente do trabalho na forma e para fins dos arts. 19, 20, 21 e 86 da Lei 8.213/91.

29. Registro que esta TNU, na linha do STJ, tem julgado recente nesse sentido, considerando a doença profissional e do trabalho hipótese de incidência do auxílio-acidente, independentemente de origem traumática (PUIL 5007580-04.2016.4.04.7205, julgado em 13/12/2017):

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. ART. 86 DA LEI 8.213/91. FATO GERADOR. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA EM DECORRÊNCIA DE ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA OU DE DOENÇA PROFISSIONAL E DO TRABALHO NOS TERMOS DO ART. 20 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO QUANDO NÃO SE TRATA DE ACIDENTE E NÃO COMPROVADA DOENÇA DOENÇA PROFISSIONAL COM NEXO CAUSAL COM AS ATIVIDADES LABORAIS DO DO SEGURADO. INCIDENTE PROVIDO, NOS TERMOS DA QUESTÃO DE ORDEM Nº 38 DA TNU.
[...]
6. Sua solução demanda a análise do art. 86 da Lei n° 8.213/91, que é claro ao preceituar que o auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
7. Como se vê, o fato gerador do benefício se restringe à hipótese de redução da capacidade laborativa após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza. Considerando, outrossim, a equiparação da doença profissional e do trabalho a acidente de trabalho, pode-se entender que o legislador permitiu, ainda, a concessão de Auxílio-Acidente em caso de doença profissional e do trabalho equiparada nos termos do art. 20, I, da Lei n° 8.213/91.
8. Tratando-se, pois, de opção eleita pelo legislador ordinário dentro do poder que lhe fora conferido pela Constituição, não se afigura possível a intervenção judicial com vistas a modificá-la sob o fundamento de que haveria outra solução mais razoável dentro do leque de alternativas. A solução neste caso, é de lege ferenda.

9. Neste sentido, os precedentes do eg. STJ a seguir ementados, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE JULGADO IMPROCEDENTE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM POR AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. DOENÇA DEGENERATIVA. BENEFÍCIO INDEVIDO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. À luz do art. 86 da Lei 8.213/91, para a concessão do auxílio-acidente, necessário que o segurado empregado, exceto o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial (art. 18, § 1o. da Lei 8.213/91), tenha redução na sua capacidade laborativa em decorrência de acidente de qualquer natureza.
2. Equipara-se a acidente do trabalho a doença profissional, proveniente do exercício do trabalho peculiar à determinada atividade (art. 20, I da Lei 8.213/91).
3. O Tribunal a quo, com esteio no acervo fático-probatório da causa, julgou improcedente o pedido inicial por entender que não ficou comprovado nos autos o nexo causal entre a insuficiência respiratória crônica da segurada e as suas atividades laborais.
4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 438527 / RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133), PRIMEIRA TURMA, DJe 07/04/2014).

AÇÃO ACIDENTÁRIA. MOLÉSTICA DEGENERATIVA. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O auxílio-acidente é devido quando concomitantemente presentes a perda ou a redução da capacidade laboral do obreiro e o nexo causal entre a doença diagnosticada e as condições de trabalho.
2. Caso em que o acórdão recorrido não concluiu positivamente pelo vínculo entre as seqüelas morfológicas e funcionais da coluna vertebral e a atividade profissional.
3. Reexame de matéria fático-probatória.
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 585768 / SP, Rel. Ministro NILSON NAVES (361), SEXTA TURMA, DJ 25/10/2004 p. 411).

10. In casu, conforme assinalado no julgado recorrido, a redução funcional não decorrente de acidente, mas sim de doença degenerativa e sem qualquer correlação com a atividade desempenhada.
11. Neste contexto, o provimento do incidente, nos termos da Questão de Ordem n° 38 da TNU, é medida que se impõe.
12. Isto posto, voto por DAR PROVIMENTO ao Pedido de Uniformização interposto pelo INSS para: (a) Firmar a tese de que a concessão do benefício de Auxílio-Acidente demanda a comprovação de que a redução da capacidade laborativa decorreu de acidente de qualquer natureza, ou de doença profissional/do trabalho nos termos do art. 20 da Lei n° 8.213/91. (b) Restabelecer a conclusão alcançada na Sentença proferida pelo Juízo Monocrático, nos termos da Questão de Ordem n° 38 da TNU.

30. Veja-se, inclusive, que a tese ampla adotada pela relatora, de que toda doença provocada por agentes biológicos externos (vírus, fungos, bactérias, protozoários, parasitas etc), ainda que de origem não traumática, seja tratada como acidente, produz uma disfuncionalidade no sistema, a tornar contraditórios, duplicados ou irrelevantes alguns dispositivos legais.

31. Como já visto, o art. 26, II, da Lei 8.213/91 dispensa de carência os casos de invalidez decorrentes de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho e doenças graves especificadas em lei, entre as quais figuram a AIDS (vírus), a tuberculose (bactéria) e a hanseníase (bactéria). A tese da relatora, por exemplo, tornaria despicienda a inclusão das três citadas doenças no rol do art. 151 da Lei 8.213/91, uma vez que se encaixariam no seu conceito de acidente de qualquer natureza, autorizando, inclusive, a concessão de auxílio-acidente, se preechidos os demais requisitos legais. Certamente, esse é mais um indicativo de que essa guinada interpretativa não pode prevalecer.

32. Na jurisprudência, inclusive tratando especificamente da toxoplasmose, colho os seguintes entendimentos, na linha defendida neste voto:

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. CARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE DE QUALQUER NATUREZA. ORIGEM TRAUMÁTICA. INDISPENSABILIDADE. TOXOPLAMOSE. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO. INCIDENTE DESPROVIDO.1. Entende-se como acidente de qualquer natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. 2. A mera exposição a agentes exógenos (físicos, químicos ou biológicos) é insuficiente ao enquadramento de um evento no conceito de acidente de qualquer natureza para fins previdenciários, sendo indispensável que este evento também apresente uma origem traumática. 3. Por não ter origem traumática, a toxoplasmose, nada obstante decorra da exposição a agentes exógenos biológicos, não pode ser enquadrada como acidente de qualquer natureza para fins previdenciários, de modo que as sequelas redutoras da capacidade laboral dela decorrentes não dão ensejo ao benefício de auxílio-acidente.4. Incidente de uniformização regional da parte autora desprovido. (5009789-72.2018.4.04.7108, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator FERNANDO ZANDONÁ, juntado aos autos em 05/06/2019)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VISÃO MONOCULAR. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. LAUDO MÉDICO PERICIAL. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA. AUSÊNCIA DE ACIDENTE. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência deste Tribunal tem se posicionado no sentido de que a visão monocular, por si só, não impede o exercício da atividade de agricultor em regime de economia familiar. 2. O laudo médico pericial constatou a redução da capacidade laborativa. Todavia, no caso, as lesões que levaram à cegueira foram causadas pelo agente etiológico da toxoplasmose. Assim, não há a possibilidade de concessão de auxílio-acidente. 3. O auxílio-acidente, nos termos do artigo 86 da Lei nº 8.213/91, somente é devido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas permanentes que impliquem a redução da capacidade de exercer a sua ocupação habitual. (TRF4, AC 5015452-59.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 02/07/2020)

E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-ACIDENTE. LEI Nº 8.213/1991. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. - [...] - A despeito da conclusão do perito, pela ausência de redução ou incapacidade para o desempenho da atividade habitual do promovente, como ferramenteiro, certo é que, a convicção formada pela Turma Julgadora, quanto à inviabilidade de concessão do auxílio-acidente ora buscado, embasou-se na natureza da patologia diagnosticada, qual seja: toxoplasmose ocular à direita, evoluindo com hepatite medicamentosa e perda da acuidade visual em olho direito, com visão de 20/100, de origem infecciosa, inexistindo, portanto, acidente que fundamente a outorga da benesse, ainda que o quadro consolidasse com redução da capacidade laborativa do segurado. - A ocorrência de acidente - aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos - constitui requisito específico essencial para a concessão do beneplácito em apreço, conforme conceito delimitado no parágrafo único do art. 30 do Decreto nº 3.048/1999, em sua redação original, aplicável ao caso. - Incabíveis embargos declaratórios com o fim precípuo de prequestionar a matéria. Precedentes. - Embargos de declaração rejeitados. (APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 5764770-60.2019.4.03.9999 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 - 9ª Turma, Intimação via sistema DATA: 02/06/2021 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)

33. Já caminhando para o final e esperando ter conseguido demonstrar a necessidade de evento traumático para caracterização do acidente de qualquer natureza (salvo nas hipóteses de acidente do trabalho), volto à questão dos efeitos práticados da tese proposta pela relatora e de sua compatibilidade com a CF/88.

34. Segundo doutrina (RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Epecial de profissionais da área de saúde e contribuinte individuais. Juruá Editora. Edição 2018. ps. 62-3):

Agente biológico é definido como aquele:
que contenha informação genética e seja capaz de autoreprodução ou de se reproduzir em um sistema biológico. Incluiu bactérias, fungos, vírus, clamídias, riquétsias, mocoplasmas, prions, parasitas, linhagens celulares e outros organismos74.
Os riscos biológicos ocorrem por meio de microorganismos que, em contato com o homem, podem provocar inúmeras doenças. Muitas atividades profissionais favorecem o contato com tais riscos75.
Os agentes biológicos estão presentes por todas as classes de microorganismos patogênicos (algumas vezes adicionados de organismos mais complexos, como insetos e animais peçonhentos): vírus, bactérias, fungos. Note que merecem uma ação bem diversa da dos outros agentes e que muitas formas de controle serão específicas76.
[...]
O dicionário Houaiss define agente biológico como: Qualquer microorganismo, incluindo o que geneticamente modificado, cultura celular ou endoparasita humano capaz de provocar infecções alergias ou intoxicações.

35. Com certeza, o conceito de acidente sufragado pela relatora potencializa fortemente a hipótese de incidência do auxilio-acidente e os casos de dispensa de carência para os benefícios por incapacidade, atraindo consigo um sem número de doenças causadas por agentes biológicos externos.

36. Rapidamente, registro algumas doenças causadas por agentes biológicos exógenos:

(i) Vírus: Catapora (varicela); Caxumba; Coronavírus – COVID-19; Dengue, Zika e Chikungunya; Gripe – ARN, H1N1, Influenzavirus, etc.; Hepatite; Herpes; HIV/AIDS; Mononucleose; Poliomielite; Rubéola; Sarampo; Varíola;

(ii) bactérias: Cólera; Coqueluche; Gonorreia; Hanseníase; Infecção urinária; Leptospirose; Meningite bacteriana; Pneumonia; Sífilis; Tétano; Tuberculose.

(iii) fungos: Candidíase; Frieiras; Histoplasmose; Micoses; Sapinho.

(iv) protozoários: Amebíase; Doença de Chagas; Malária; Leishmaniose; Toxoplasmose

37. No caso, a equiparação de doenças com acidente somente pode ocorrer por lei, com elaboração de prognose jurídica, fática, operacional e orçamentária, como ocorreu com as doenças profissionais e do trabalho. Fora disso, ou seja, por meio de interpretação, ainda que "evolutiva", como nominou a relatora, invadimos o campo do ativismo judicial, com violação de princípios como o da legalidade, prévia fonte de custeio (art. 195, §6º, da CF/88), e da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS (art. 201, caput, da CF/88).

38. Destaco que o STF, recentemente, por mais de uma vez, ao glosar a desaposentação (tema 503) e a estensão do adicional de 25 para todas as espécies de aposentadoria (tema 1095), reafirmou que, no âmbito do RGPS, somente lei pode criar ou ampliar benefícios e vantagens previdenciárias, o que, na minha visão, claramente ocorrerá caso acolhida a proposta da relatora.

39. Na espécie, é, inclusive, de difícil quantificação o impacto financeiro do acolhimento da tese da relatora, que subverte entendimento administrativo e judiciário até então pacíficos, abrindo espaço para ampliar em demasia o alcance do auxílio-acidente e, posteriormente, fragilizar substancialmente o requisito da carência para os benefícios por incapacidade (que já foi mitigado com o julgamento do tema 220/rol de doenças graves exemplificativo).

40. Sem reduzir a complexidade e importância da discussão, parece até estranho, sob o ângulo semântico, a afirmação de que o segurado "sofreu um acidente ao tocar em uma superfície contaminada ou ingerir carne contaminada ou mal cozida, cotraindo COVI-19 ou toxoplasmose, respectivamente".

41. Da fixação da tese: proponho a fixação da seguinte tese para solucionar a controvérsia: o conceito de acidente de qualquer natureza, para os fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), consiste em evento súbito e de origem traumática, por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, ressalvados os casos de acidente do trabalho típicos ou por equiparação, caracterizados na forma dos arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91.

42. Da aplicação da tese ao caso concreto: o caso envolve lesões/sequelas de toxoplasmose, doença infecciosa causada por um agente biológico exógeno (protozoário), sem origem traumática e não caracterizada, no caso concreto, como acidente do trabalho. Assim sendo, a hipótese não é de acidente de qualquer natureza apto a ensejar auxílio-acidente, como corretamente reconheceu o acórdão recorrido.

43. Em face do exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao PUIL, fixando a seguinte tese para o tema 269: o conceito de acidente de qualquer natureza, para os fins do art. 86 da Lei 8.213/91 (auxílio-acidente), consiste em evento súbito e de origem traumática, por exposição a agentes exógenos físicos, químicos ou biológicos, ressalvados os casos de acidente do trabalho típicos ou por equiparação, caracterizados na forma dos arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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