TNU decide que inexiste qualquer prazo prescricional que atinja o fundo de direito
Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 264 com a seguinte redação "Pela sua natureza de direito fundamental, conforme o definido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6096, inexiste qualquer prazo prescricional, que atinja o fundo de direito, na hipótese de pleito de concessão inicial de benefício de natureza previdenciária em sentido lato, decorrente de óbito de militar, ainda que haja ocorrido indeferimento administrativo, ressalvada eventual prescrição das parcelas vencidas". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. CONCESSÃO DE PENSÃO ESTATUTÁRIA POR MORTE DEIXADA POR MILITAR. ALEGAÇÃO DE QUE CORRERIA PRAZO DE PRESCRIÇÃO, QUE AFETARIA O PRÓPRIO FUNDO DE DIREITO, A CONTAR DO ATO DE INDEFERIMENTO. TEMA 264 DA TURMA NACIONAL. HIPÓTESE ALBERGADA NO JULGAMENTO DA ADI 6096 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ONDE SE ENTENDEU QUE O DIREITO AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SERIA DIREITO FUNDAMENTAL, INEXISTINDO PRESCRIÇÃO TOTAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL CONHECIDO E IMPROVIDO. TESE FIXADA.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0508974-10.2018.4.05.8100/CE, relator juiz federal Luis Eduardo Bianchi Cerqueira, 26/02/2021.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, CONHECER E NEGAR provimento ao incidente de uniformização, fixando a seguinte tese: "Pela sua natureza de direito fundamental, conforme o definido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6096, inexiste qualquer prazo prescricional, que atinja o fundo de direito, na hipótese de pleito de concessão inicial de benefício de natureza previdenciária em sentido lato, decorrente de óbito de militar, ainda que haja ocorrido indeferimento administrativo, ressalvada eventual prescrição das parcelas vencidas". Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 264).
Brasília, 25 de fevereiro de 2021.
RELATÓRIO
Trata a hipótese de incidente nacional de uniformização, que chega até esta Relatoria, por força da seguinte decisão da Exma. Presidência, verbis:
"Trata-se de pedido de uniformização nacional destinado a reformar acórdão, no qual se discute se a pretensão da parte autora de concessão de pensão por morte de ex-militar, que fora negada no âmbito administrativo, encontra-se fulminada pela prescrição de fundo de direito.
A Turma Recursal a quo, com base em recente precedente da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 1.269.726/MG), concluiu que, mesmo nas hipóteses em que tenha havido o indeferimento administrativo, não se reconhece a perda do direito em razão do transcurso de tempo.
A União, por sua vez, sustenta divergência com a jurisprudência do STJ e desta TNU, sob o fundamento de que "tendo sido negado formalmente pela administração o direito pleiteado, o termo inicial do prazo prescricional é a data do conhecimento pelo administrado do indeferimento do pedido".
É o breve relatório.
No caso vertente, há indícios da divergência suscitada, porquanto o entendimento do acórdão recorrido diverge, em princípio, da posição adotada no aresto acostado como paradigma.
Nesse contexto, preenchidos os requisitos de admissibilidade, a matéria em debate merece ser examinada pelo órgão julgador.
Ante o exposto, com fundamento no art. 15, VI, do RITNU, admito o pedido de uniformização. Distribua-se a um dos magistrados integrantes do colegiado.
Intimem-se."
Em um breve resumo dos fatos, tem-se os autos tratam de ação proposta por ZELIA MARIA LIMA em face da União, pleiteando a concessão de pensão estatutária por morte deixada pelo ex-servidor HUMBERTO ALVES BARBOSA , do Comando da Marinha.
A sentença julgou procedente a pretensão, determinando o desdobramento da pensão estatutária por morte sendo reconhecida à autora a proporção de 50% do valor do benefício, a contar da data 09/05/2015 – data em que o filho da recorrida atingiu a maioridade, ressalvado a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio da data do ajuizamento.
Inconformada, a União interpôs Recurso Inominado, que foi conhecido e improvido, mantendo incólume a decisão atacada.
Após, a União interpôs incidente nacional de uniformização. Aduziu que o acórdão, ao confirmar a sentença de procedência, entendendo ser devida a concessão da pensão por morte de servidor do Comando da Marinha, a um só tempo reconheceu suposta união estável – embora o de cujus permanecesse casado – e deixou de observar a prescrição quinquenal do fundo de direito. Afirmou, ainda, que a interpretação dada pela Primeira Turma Recursal do Ceará é divergente do enunciado da Súmula nº 85/STJ e da interpretação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Colhe-se do mencionado incidente:
(...)
"Não é certo o entendimento do acórdão da Turma Recursal/CE ao afirmar que a pretensão autoral, ao reunir os requisitos para a concessão do benefício previdenciário, este incorpora-se ao patrimônio jurídico do beneficiário, não sendo extinto pelo fato de ele não exercer a sua pretensão no prazo de 5 anos.
Demonstra-se, pois, a divergência entre o entendimento do acórdão da Turma Recursal/CE e a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, consolidada na Súmula n. 85 bem como da TNU no Predilef nº 0521655-56.2011.4.05.8100, acerca do reconhecimento da PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO à revisão que denegou o rateio da pensão, cuja demanda possui nítido cunho condenatório, aplicando-se o art. 1º do Decreto 20.910/32, cujo voto transcrevemos:
“(...) Já no tocante à prescrição do fundo de direito, de fato, os paradigmas apresentado ultrapassados guardam similitude fático e jurídica e foram decididos em sentido oposto ao ora guerreado.Verifico que o documento contido no anexo 22 demonstra que em 1998 a ora recorrida ingressou com pleito administrativo junto à União na tentativa de obter parte da pensão por morte, sendo que este foi indeferido por ausência da qualidade de dependente, ou seja, não comprovação da alegada união estável. Logo, tendo sido interposta a presente ação somente no ano de 2011, ou seja, muito além do prazo de cinco anos da negativa de seu direito, evidente que a sua pretensão foi fulminada pelo instituto da decadência, qual seja, prescreveu o próprio fundo de direito (Súmula 85 STJ). RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. FUNDO DE DIREITO. RECONHECIMENTO. AÇÃO AJUIZADA CINCO ANOS APÓS O INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. RELAÇÃO. TRATO SUCESSIVO. REVISÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO A UM DOS AUTORES. SÚMULA 85/STJ. APLICAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. 1. Proposta a ação judicial mais de 7 (anos) após o indeferimento expresso do requerimento administrativo, é de rigor o reconhecimento da próprio fundo de direito, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32. 2. A norma insculpida na lei substantiva, que trata da interrupção do prazo prescricional em relação ao absolutamente incapaz, só pode ser invocada para a proteção do menor na hipótese de eventual prejuízo, circunstância não caracterizada na espécie, já que o pedido administrativo de percebimento da pensão por morte foi prontamente atendido pela Administração. 3. Nas relações de trato sucessivo, como no caso da pretensão de revisão do benefício de pensão por morte deferido pela Administração a um dos recorrentes, a prescrição que incide é aquela prevista na Súmula 85/STJ. Inocorrência da chamada prescrição do fundo de direito, neste particular. 4. No que concerne à alínea c, exige-se para tal forma de insurgência recursal a comprovação entre os acórdãos apontados como paradigma e o aresto impugnado, da similitude fática, nos termos do artigo 541, parágrafo único, do Código deProcesso Civil e do artigo 255, § 3º do Regimento Interno desta Corte. 5. Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 855311 PR 2006/0075889-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 19/10/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/11/2010)(...)” Decisão retirada de https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/
Ademais, inúmeras decisões revelam o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça em relação à prescrição do fundo de direito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. TERMO INICIAL. INDEFERIMENTO DO PEDIDO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES. 1. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte firmando no sentido de que, tendo sido negado formalmente pela administração o direito pleiteado, o termo inicial do prazo prescricional é a data do conhecimento pelo administrado do indeferimento do pedido. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 377.194/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 21/10/2013)
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DO PRÓPRIO FUNDO DE DIREITO. OCORRÊNCIA. SERVIÇO MILITAR EM ZONA DE GUERRA. CARACTERIZAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Os embargos de declaração têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há falar em afronta ao art. 535, II, do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na hipótese dos autos. 2. Consoante dispõe o inciso II do art. 53 da ADCT, é assegurado aos excombatentes que tenham efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial o direito ao recebimento de "pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo". 3. Hipótese em que, tendo a ação sido ajuizada quando já ultrapassados mais de 5 (cinco) anos do indeferimento do pedido administrativo formulado pela autora, é de rigor o reconhecimento da prescrição do próprio fundo de direito. 4. Para caracterização da condição de ex-combatente, não é suficiente a prova de que o serviço militar foi prestado em Zona de Guerra. Inteligência do art. 1º, § 3º, da Lei 5.315/67. 5. Recurso especial conhecido e improvido (REsp 912.003/BA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2008, DJe 23/06/2008)"
Após, foi proferido voto/acórdão no sentido de afetar a questão para que o Plenário decida em sede de representativo de controvérsia, para o fim de esclarecer se "mesmo no caso de pleito de concessão inicial de benefício de natureza previdenciária, decorrente de óbito de militar, aplicar-se-ía a regra de contagem do prazo prescricional ou decadencial a contar da data de indeferimento do requerimento administrativo ou se, em tais hipóteses, pela natureza do direito envolvido, a hipótese seria de inexistência de prescrição do fundo de direito, ressalvada a prescrição parcial".
Segue a ementa:
EMENTA
QUESTÃO DE ORDEM. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR DO COMANDO DA MARINHA. PRESCRIÇÃO DE FUNDO DO DIREITO. DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO PROFERIDO PELA PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO CEARÁ COM O ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 85/STJ E DA INTERPRETAÇÃO FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM REPERCUSSÃO GERAL, PELA IMPRESCRITIBILIDADE DO PLEITO DE CONCESSÃO INICIAL DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO RECENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POTENCIAL DE MULTIPLICIDADE DE INCIDENTES SOBRE O MESMO TEMA. PROPOSTA DE AFETAÇÃO DA QUESTÃO, SOB O REGIME DE REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIAS, PARA ESCLARECER SE "MESMO NO CASO DE PLEITO DE CONCESSÃO INICIAL DE BENEFÍCIO DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA, DECORRENTE DE ÓBITO DO MILITAR, APLICAR-SE-ÍA A REGRA DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL OU DECADENCIAL A CONTAR DA DATA DE INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO OU SE, EM TAIS HIPÓTESES, PELA NATUREZA DO DIREITO ENVOLVIDO, A HIPÓTESE SERIA DE INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO, RESSALVADA A PRESCRIÇÃO PARCIAL".
Foi aberto prazo, por meio do EDITAL Nº 900000122010, para que pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia apresentassem memoriais escritos no prazo de dez dias, nos termos do art. 16, § 6º, inciso I, do Regimento Interno da TNU, instituído pela Resolução n. 586/2019.
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP requereu sua admissão na condição de amicus curiae nos autos do PUIL 0508974-10.2018.4.05.8100.
No evento 30 foi certificado que em 22/06/2020 decorreu o prazo relativo ao Edital expedido no evento 24, publicado em 05/06/2020.
No despacho/decisão proferido no evento 35, deferiu-se o requerimento formulado pelo IBDP.
No evento 41 a DPU - Defensoria Pública da União interpôs petição solicitando sua admissão no presente feito na qualidade de amicus curiae, nos termos do artigo 138 do Código de Processo Civil, bem como a aceitação dos memoriais apresentados.
Foi certificado que em 03/08/2020 decorreu o prazo da intimação do MPF (evento 33), sem manifestação.
Foi proferido despacho/decisão deferindo o requerimento da DPU nos limites em que foi formulado, no evento 44.
Era o que cabia relatar.
VOTO
Pois bem, deve o presente incidente ser conhecido, porque demonstrada a existência de divergência sobre tema de direito material em tese, além de atendidos todos os demais requisitos.
No mérito, esta turma nacional já estabeleceu uma premissa lógica sobre o tema, ao analisar a questão, sob o prisma do indeferimento de benefício previdenciário civil, do RGPS, no Tema 265, verbis:
Questão submetida a julgamento |
O prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício? |
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Tese firmada |
A impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito. (Tese que altera a Súmula 81/TNU) |
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Processo |
Decisão de afetação |
Relator (a) |
Julgado em |
Acórdão publicado em |
Trânsito em julgado |
Juiz Federal Fábio de Souza Silva |
9/12/2020 |
Ou seja, segundo o entendimento da turma nacional, ainda não transitado em julgado, é bem verdade, não há prescrição de fundo de direito, contada a partir da data de indeferimento do requerimento administrativo de concessão de benefício previdenciário.
Mas, porque assim decidiu a turma nacional?
Com a palavra, o Exmo. Relator, o Dr. Fabio Souza, verbis:
"PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0510396-02.2018.4.05.8300/PERELATOR: JUIZ FEDERAL FABIO DE SOUZA SILVAREQUERENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSSREQUERIDO: JOSE MARCOLINO DOS SANTOS
RELATÓRIO
1. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra acórdão da 1ª Turma Recursal de Seção Judiciária de Pernambuco, que não reconheceu a decadência do direito à revisão do ato de indeferimento do benefício.
2. O autor, JOSÉ MARCOLINO DOS SANTOS, pretende a condenação do INSS a conceder-lhe benefício por incapacidade. A sentença havia pronunciado a decadência do direito à revisão do ato de indeferimento do benefício, mas foi anulada pelo acórdão ora recorrido, que, aplicando a súmula 81 da Turma Nacional de Uniformização, afirmou não decair o direito em questão.
3. O INSS argumenta em suas razões recursais que a tese jurídica adotada contraria o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. De acordo com a autarquia, apesar de não haver prescrição do fundo de direito, ocorre a decadência do direito a impugnar o ato que indeferiu o requerimento.
4. Após inadmissão na origem, foi interposto agravo, provido por decisão do MM Ministro Presidente da Turma Nacional de Uniformização.
5. Na sessão de 19 de junho de 2020, a Turma Nacional de Uniformização decidiu conhecer o pedido de uniformização e afetá-lo como representativo de controvérsia, a fim de solucionar a seguinte questão jurídica: “o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício?”
6. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e a Defensoria Pública da União (DPU) foram admitidos como amici curiae, tendo ambos apresentados manifestações escritas.
7. Manifestação do Ministério Público Federal no evento 52.
É o relatório.
VOTO
É um requisito habitual e racional permitir ações judiciais apenas dentro de limites temporais sob ameaça de extinção. É o interesse da Administração, evidentemente, mas é também, ainda mais, o interesse social geral, e, não menos, o apelo de interesses privados, mais precisamente dos beneficiários dos atos administrativos.
[...]
O prazo contencioso, obviamente o centro da admissibilidade dos recursos, está hoje mais do que nunca vigiado e aberto ao debate, tanto nos seus princípios como nas suas técnicas, lembrando que a administração necessita de tanta racionalidade e clareza como generosidade...
(PACTEAU, Bernard. Manuel de contentieux administratif. Paris: PUF Droit, 2006, p. 131 – tradução livre)
8. A existência de prazos para o exercício de direitos é um corolário do princípio da segurança jurídica, essencial à estabilidade das relações jurídicas, especialmente, nos casos concernentes à impugnação de atos da Administração Pública. Como bem destacado por Bernard Pacteau, não se trata de uma simples defesa do interesse administrativo, mas uma exigência do interesse social geral e, mesmo, dos particulares relacionados ao caso.
9. Entretanto, não se pode olvidar que a tutela previdenciária configura direito fundamental, diretamente relacionado às condições necessárias à dignidade humana. Esse aspecto é um elemento a ser equilibrado com a segurança, em um juízo de ponderação, capaz de orientar a interpretação das normas sobre os prazos extintivos relacionados à concessão e à revisão de benefícios previdenciários.
10. Na discussão sobre a aplicação do prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 aos casos de indeferimento do benefício (tema 265), é necessário conjugar e ponderar a racionalidade e a clareza, responsáveis pela segurança, com a generosidade, traduzida, na busca de máxima eficácia dos direitos fundamentais.
11. Essa ponderação foi recentemente realizada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, que declarou a inconstitucionalidade de prazos extintivos do direito ao benefício.
12. O julgamento do presente incidente, portanto, deve partir das premissas adotadas por aquela Suprema Corte.
***
I. TEXTO LEGISLATIVO E SEU HISTÓRICO HERMENÊUTICO
13. A redação original da Lei 8.213/91 não previa a existência de prazo para a impugnação do ato de concessão ou de indeferimento do benefício, limitando-se o texto normativo a fixar prazo prescricional quinquenal para o exercício de pretensão ao recebimento de diferenças devidas e não pagas pelo INSS.
14. O prazo decadencial para revisão do ato de concessão do benefício apenas surgiu com a Medida Provisória 1.523-9, posteriormente convertida da Lei 9.528/97:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
15. Analisando a aplicação do prazo aos benefícios concedidos anteriormente à sua criação, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do tema 313, fixou a seguinte tese:
I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário;
II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1º de agosto de 1997.
16. O prazo foi reduzido pela metade pela Lei 9.711/98 (conversão da Medida Provisória 1.663/98) e novamente fixado em 10 anos pela Lei 10.839/04 (conversão da Medida Provisória 138/03).
17. Em 2012, a Turma Nacional de Uniformização editou o verbete 64 da súmula de sua jurisprudência dominante, compreendendo que o prazo em análise alcançaria o direito à revisão do ato de indeferimento:
TNU – súmula 64: O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos.
18. Entretanto, em 2015, a Turma Nacional adotou nova interpretação, para excluir do âmbito de incidência da norma os casos de indeferimento e cessação de benefícios, assim como as questões não apreciadas pela Administração:
TNU – súmula 81: Não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão.
19. Vale destacar que, em relação à última parte do enunciado (questão não apreciada pela Administração), o entendimento da TNU restou superado pela tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do tema 975:
STJ – tema 975: Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.
20. O presente representativo de controvérsia revisita a primeira parte da súmula 81, se propondo a responder a seguinte questão, objeto do tema 265 da TNU: “o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício?”
21. Importa anotar, ainda, que o legislador também avança sobre a temática e, no ano de 2019, promove nova alteração do texto legislativo, pela Medida Provisória 871/19, convertida na Lei 13.846/19, passando a prever o seguinte:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.
22. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei nº 13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991, afirmando expressamente ser vedado pelo ordenamento constitucional a fixação de prazo para o exercício do direito ao benefício. Nas palavras do Ministro Edson Fachin, no voto condutor:
O prazo decadencial pode até fulminar a pretensão ao recebimento retroativo de parcelas previdenciárias ou à revisão de sua graduação pecuniária, mas jamais cercear integralmente o acesso e a fruição futura do benefício, motivo pelo qual, como acima já sustentado, o art. 103 da Lei 13.846/2019, por fulminar a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, compromete o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6º da Constituição da República.
***
II. NATUREZA JURÍDICA DO PRAZO PREVISTO NO CAPUT DO ART. 103 DA LEI 8.213/91: PRAZO DECADENCIAL
23. A análise da natureza jurídica do prazo previsto no caput do art. 103 da Lei 8.213/91 é elemento essencial para a formação do convencimento sobre o tema em julgamento neste Recurso Representativo de Controvérsia.
24. Neste capítulo do voto, será evidenciada a natureza decadencial do prazo, por triplo fundamento: classificação legislativa; referência a direito potestativo; e orientação jurisprudencial firmada pelo STJ.
25. Classificação legislativa. A Lei 8.213/91, desde a alteração realizada pela Medida Provisória 1.596/1997, fixa um prazo para a revisão do ato de concessão do benefício. É de grande relevância o fato de o próprio legislador classificar tal prazo como decadencial, valendo trazer à colação lição de Gustavo Kloh Müller Neves:
Particularmente, entendemos que hoje, diante do avanço da ciência jurídica e da sofisticação da atividade legislativa, acrescidos do fato de que o CC/2002 diferencia expressamente a prescrição da decadência, cabe ao legislador, em especial, determinar se um prazo é de prescrição ou de decadência. Em se tratando de um diploma legislativo de elaboração antiga, no qual não haja diferenciação precisa entre prescrição e decadência, podemos nos valer desses critérios; se um diploma, todavia, distingue os institutos, não consideramos possível a interpretação que um prazo de prescrição, assim denominado no texto de lei, seja de decadência, e vice-versa. A escolha eficacial cabe ao legislador e, a não ser que haja razão para controle da escolha legislativa com base em princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, deve ela prevalecer.
(NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 24).
26. Referência a direito potestativo. Além do nomen juris atribuído pelo legislador, a dogmática jurídica conduza à inegável natureza decadencial do prazo em análise, por referir-se ao direito potestativo de impugnação de ato administrativo concessório.
27. O lapso temporal para a impugnação não se refere ao exercício de uma pretensão, mas, ao poder do segurado questionar o ato administrativo, o que independe de qualquer prestação da Administração, a qual apenas se sujeita ao direito do administrado, detentor de verdadeira potestade.
28. Desse modo, o prazo do caput do art. 103 da Lei 8.213/91, por extinguir direito potestativo, tem natureza tipicamente decadencial.
29. Orientação jurisprudencial. Essa foi a lógica adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do tema 975, que determinou a aplicação do prazo do art. 103, caput da Lei 8.213/91 às questões não apreciadas pela Administração Previdenciária. No julgamento, foi fixada interpretação que afirma a natureza decadencial do prazo, devendo a direção hermenêutica indicada por aquela Superior Corte de Justiça orientar o julgamento desta Turma Nacional de Uniformização:
PREVIDENCIÁRIO. CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO REGIME DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA 975/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. QUESTÕES NÃO DECIDIDAS. DECADÊNCIA ESTABELECIDA NO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS INSTITUTOS DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF/1988) em que se alega que incide a decadência mencionada no art. 103 da Lei 8.213/1991, mesmo quando a matéria específica controvertida não foi objeto de apreciação no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.
2. A tese representativa da controvérsia, admitida no presente feito e no REsp 1.644.191/RS, foi assim fixada (Tema 975/STJ): "questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão." FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA
3. É primordial, para uma ampla discussão sobre a aplicabilidade do art. 103 da Lei 8.213/1991, partir da básica diferenciação entre prescrição e decadência.
4. Embora a questão seja por vezes tormentosa na doutrina e na jurisprudência, há características inerentes aos institutos, das quais não se pode afastar, entre elas a base de incidência de cada um deles, fundamental para o estudo da decadência do direito de revisão dos benefícios previdenciários.
5. A prescrição tem como alvo um direito violado, ou seja, para que ela incida deve haver controvérsia sobre o objeto de direito consubstanciada na resistência manifestada pelo sujeito passivo, sendo essa a essência do princípio da actio nata (o direito de ação nasce com a violação ao direito). Essa disciplina está disposta no art. 189 do CC: "art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
6. Por subtender a violação do direito, o regime prescricional admite causas que impedem, suspendem ou interrompem o prazo prescricional, e, assim como já frisado, a ação só nasce ao titular do direito violado.
7. Já a decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito, os quais são conhecidos na doutrina como potestativos. Dessarte, para o exercício do direito potestativo e a consequente incidência da decadência, desnecessário haver afronta a esse direito ou expressa manifestação do sujeito passivo para configurar resistência, pois o titular pode exercer o direito independentemente da manifestação de vontade de terceiros.
8. Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (art. 207 do CC).
9. Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as bases jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é necessário que tenha ocorrido a afronta ao direito (explícito negativa da autarquia previdenciária) para ter início o prazo decadencial.
10. Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de benefício previdenciário prescinde de violação específica do fundo de direito (manifestação expressa da autarquia sobre determinado ponto), tanto assim que a revisão ampla do ato de concessão pode se dar haja ou não ostensiva análise do INSS. Caso contrário, dever-se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado pelo INSS.
11. Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido ("a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação") ou indeferido ("do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo").
12. Fosse a intenção do legislador exigir expressa negativa do direito vindicado, teria ele adotado o regime prescricional para fulminar o direito malferido. Nesse caso, o prazo iniciar-se-ia com a clara violação do direito e aplicar-se-ia o princípio da actio nata.
13. Não é essa compreensão que deve prevalecer, já que, como frisado, o direito que se sujeita a prazo decadencial independe de violação para ter início.
14. Tais apontamentos corroboram a tese de que a aplicação do prazo decadencial independe de formal resistência da autarquia e representa o livre exercício do direito de revisão do benefício pelo segurado, já que ele não se subordina à manifestação de vontade do INSS.
15. Considerando-se, por fim, a elasticidade do lapso temporal para os segurados revisarem os benefícios previdenciários, a natureza decadencial do prazo (não aplicação do princípio da actio nata) e o princípio jurídico básico de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3º da LINDB), conclui-se que o prazo decadencial deve ser aplicado mesmo às questões não tratadas no ato de administrativo de análise do benefício previdenciário.
FIXAÇÃO DA TESE SUBMETIDA AO RITO DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015
16. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015, a controvérsia fica assim resolvida (Tema 975/STJ): "Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário." RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
17. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu de forma diversa do que aqui assentado, de modo que deve ser provido o Recurso Especial para se declarar a decadência do direito de revisão, com inversão dos ônus sucumbenciais (fl. 148/e-STJ), observando-se a concessão do benefício da justiça gratuita.
CONCLUSÃO
18. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1648336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 04/08/2020)
***
III. INTANGIBILIDADE DO FUNDO DE DIREITO
30. O direito ao benefício previdenciário não é afetado pelo decurso do prazo. Essa orientação já havia sido fixada pelo Supremo Tribunal Federal no item I da tese firmada no tema 313: “inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário”.
31. Para a melhor compreensão da questão, é útil afastar-se da temática da impugnação do ato concessório, a fim de visualizar situação sob um prisma mais transparente. Para tanto, basta imaginar que, uma vez adquirido o direito à prestação previdenciária, seu exercício pode se dar a qualquer tempo, sem limitação decadencial. Preenchidos todos os aspectos da hipótese de incidência previdenciária, o requerimento pode se dar a qualquer tempo... 10, 20, 30, 40... anos depois... ainda assim a concessão será devida, pois o direito ao benefício não decai ou prescreve: inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
32. Considerando o caráter inalienável do direito fundamental à proteção previdenciária, a intangibilidade do fundo de direito pelo decurso do tempo mantem-se ainda que tenha ocorrido manifestação da Administração Pública no sentido de indeferir, cancelar ou cessar o benefício.
33. Essa é a conclusão da própria autarquia, para quem, uma vez indeferido administrativamente um benefício, não há qualquer restrição à formulação de novo requerimento administrativo, ainda que com a mesma base fática e jurídica. Pode o segurado, a qualquer tempo, voltar a requerer a prestação previdenciária pleiteada em processo administrativo anterior. A única exigência administrativa é que o servidor solicite informações acerca do processo anterior:
IN 77/2015, Art. 685. Caso o segurado requeira novo benefício, poderá ser utilizada a documentação de processo anterior para auxiliar a análise.
1º Identificada a existência de processo de benefício indeferido da mesma espécie, deverão ser solicitadas informações acerca dos elementos nele constantes e as razões do seu indeferimento, suprindo-se estas pela apresentação de cópia integral do processo anterior, a qual deverá ser juntada ao novo pedido.
2º Nos casos de impossibilidade material de utilização do processo anterior ou desnecessidade justificada fica dispensada a determinação do parágrafo anterior.
(original sem grifo)
34. A inexistência de decadência ou prescrição do "fundo de direito" é reconhecida pelo INSS também em sua manifestação nestes autos. Nas razões do pedido de uniformização lê-se:
Dessa passagem verifica-se sem muito esforço que a ideia de imprescritibilidade somente se refere às hipóteses em que não foi apresentado o requerimento ou foi apresentado muitos anos após o fato gerador do benefício (exemplo: requerimento de pensão por morte com instituidor falecido antes mesmo da Lei n. 8.213/91; segurado urbano que perdeu a qualidade de segurado quando já possuía direito adquirido ao benefício – situação do art. 3º da Lei n. 10.666/2003). Nesse caso, obviamente, se não foi instituído prazo legal para o requerimento do benefício – e sua instituição seria de duvidosa constitucionalidade – não há decadência para a postulação ou formulação no âmbito administrativo.
Diferente, porém, é a situação em que o benefício foi devidamente requerido, isto é, em que houve apresentação do requerimento, ou seja, o benefício foi requerido e apreciado no prazo legal, com conclusão pelo seu indeferimento na via administrativa.
Assim, se o requerente preencher os requisitos legais, terá direito a receber o benefício requestado, contudo através de outro requerimento administrativo, e não mais através daquele que foi indeferido há dez anos
35. Cabe destacar que, no julgamento da ADI 6.096, o STF afirmou expressamente a inconstitucionalidade de prazos que alcancem o fundo do direito previdenciário:. Lê-se no voto condutor:
À vista disso, consoante consignado pelo i. Relator Ministro Roberto Barroso quando da apreciação do processo supratranscrito, o núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário.
Entendo que este Supremo Tribunal Federal admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito.
No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção.
Em outras palavras: na medida em que modificadas as condições fáticas que constituem requisito legal quando da entrada de um novo requerimento administrativo para a concessão do benefício negado ou de novo benefício que possa depender da reconsideração fática da negativa, a revisão do ato administrativo que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício é mecanismo de acesso ao direito à sua obtenção, motivo pelo qual o prazo decadencial, ao fulminar a pretensão de revisar a negativa, compromete o núcleo essencial do próprio fundo do direito.
36. Fica evidente, desse modo, que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o ordenamento constitucional brasileiro é incompatível com qualquer prazo (decadencial ou prescricional) que alcance o fundo do direito a um benefício previdenciário.
37. O direito ao benefício é imune, portanto, a qualqer prazo extintivo, seja aquele previso no art. 103 da Lei 8.213/91, seja o que parcela da jurisprudencia convencionou chamar de prescrição do fundo de direito, com base no Decreto 20.910/32.
38. Desse modo, a primeiro conclusão do voto é: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a prazo decadencial ou prescricional que alcance o fundo de direito.
IV. ALCANCE DO PRAZO DECADENCIAL
39. A redação do art. 103 da Lei 8.213/91, até a inconstitucional alteração promovida pela Medida Provisória 871/19, mencionava o prazo para impugnação “do ato de concessão de benefício”. Qual a extensão da expressão adotada pelo legislador? Limita-se aos atos que concederam benefícios ou alcança todos os atos que analisaram pedidos de concessão, ainda que indeferidos?
40. O posicionamento pessoal deste Relator é no sentido de que, como ato administrativo concessório, deve ser entendida a manifestação da Administração Pública sobre o requerimento de concessão de benefício previdenciário, seja a resposta favorável ou contrária ao segurado. Dessa forma, o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplicaria ao direito potestativo de impugnar atos administrativos que concedem ou indeferem benefícios previdenciários, sempre preservando o fundo de direito. Em outras palavras, caso não houvesse precedente que vinculasse esta Turma Nacional de Uniformização, a tese a ser proposta seria a seguinte:
O prazo decadencial do caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica à impugnação do ato de indeferimento de benefício previdenciário, mas não alcança o direito ao benefício (“fundo de direito), que pode ser objeto de novo requerimento administrativo, cuja resposta será passível de impugnação judicial.
41. No ententanto, no julgamento da ADI 6.096, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional qualquer prazo que impeça a impugnação de ato que indefere, cessa ou cancela o benefício previdenciário:
A decisão administrativa que indefere o pedido de concessão ou que cancela ou cessa o benefício dantes concedido nega o benefício em si considerado, de forma que, inviabilizada a rediscussão da negativa pela parte beneficiária ou segurada, repercute também sobre o direito material à concessão do benefício a decadência ampliada pelo dispositivo.
Ao contrário do que expõem o i. Presidente da República e a douta Advocacia-Geral da União, a possibilidade de formalização de um outro requerimento administrativo para sua concessão, não assegura, em toda e qualquer hipótese, o fundo do direito, porque, modificadas no tempo as condições fáticas que constituem requisito legal para a concessão do benefício, pode, em termos definitivos, ser inviabilizado o direito de tê-lo concedido.
É nesse sentido a interpretação doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio Savaris, colacionada abaixo:
“Poder-se-ia objetar à alegação de inconstitucionalidade que, sem embargo do transcurso do interregno decadencial, o fundo do direito não seria fulminado, visto que o segurado poderia renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo, segue o raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que derivariam do direito afetado pelo indeferimento é que seria extinto pela decadência.
De fato, aparentemente, seria possível conciliar o entendimento da Suprema Corte, de não extinção do fundo do direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão sobre os limites do alcance da nova regra decadencial. Ocorre que a argumentação não se presta a salvar a “nova decadência” do vício de inconstitucionalidade, porque um novo requerimento administrativo de concessão não asseguraria, para todo e qualquer caso, o recebimento do benefício, em face das alterações das condições de fato que constituem requisitos legais para a sua concessão. Isso fica ainda mais claro no caso dos atos de cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, dado que o restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer hipótese, em termos definitivos.” (SAVARIS, José Antônio. Inconstitucionalidade da decadência previdenciária da MP 871/2019. Alteridade, 2019. Disponível em:)
Ora, com o fim de afastar a hipótese de que eventual perda da qualidade de segurado sirva de óbice à concessão do benefício negado ou à obtenção de novo benefício, deve ser garantida à parte beneficiária ou segurada a revisão do ato administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação anterior.
A título de exemplificação, não questionada a negativa da aposentaria por idade ou por tempo de contribuição no decorrer do prazo decadencial, em face da perda da qualidade de segurado, pode a concessão da pensão por morte aos dependentes do beneficiário necessitar da revisão da negativa para reconhecimento, tanto da qualidade de segurado ao tempo do pedido de concessão quanto do direito adquirido ao benefício.
Além disso, ainda que mantida a qualidade de segurado, a concessão de novo benefício pode depender, para fins de satisfação do período de carência, da revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, porquanto a reconsideração fática da negativa serve ao cômputo do lapso temporal em que se deveria estar em gozo de benefício.
O entendimento jurisprudencial prevalecente é no sentido de que o período de recebimento do benefício por incapacidade, intercalado com períodos de contribuição, pode ser computado para efeito de carência. Nesse sentido, veja-se o teor da Súmula 73 editada pela TNU:
“ O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social.”
Dessa forma, não questionada a negativa da concessão do benefício por incapacidade, pode a concessão de novo benefício, a exemplo da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, demandar a revisão da negativa para reconsideração fática de que havia incapacidade à época do pedido e, devida sua concessão, para cômputo do período em que se deveria estar em gozo do benefício como tempo de carência.
Portanto, assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício implicaria comprometer o exercício do direito à sua obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua fruição futura e a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do trabalhador e de sua família.
42. Conclui-se, dessa forma, que o STF chancela a primeira parte da súmula 81 desta Turma Nacional de Unformização, afirmando a não incidência do prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios.
V. TESE
43. Das razões acimas expostas, extraem-se duas conclusões: (i.) a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a prazo decadencial ou prescricional; e (ii.) não há prazo extintivo do direito ao benefício.
44. Considerando essas duas ideias centrais, proponho a seguinte tese:
a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.
45. Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização e fixar a seguinte tese, como resposta à questão jurídica vinculada ao tema representativo de controvérsia 265 da TNU: a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito."
Em suma, partindo do princípio que o benefício previdenciário está relacionado ao exercício de direitos fundamentais, em especial, quando se refere à garantia de um mínimo existencial, à proteção de idosos, da família ou de grupos menos privilegiados - como no caso de doentes graves -, o Ilustre voto condutor daquele Tema 265 faz uma ponderação entre a necessidade de segurança jurídica - que é a razão da existência dos institutos da prescrição e da decadência - e a e de generosidade, em termos de solidariedade social, para garantir máxima eficácia a tais direitos fundamentais, concluindo, com base em toda a evolução jurisprudencial, principalmente, no seio do Supremo Tribunal Federal, que deve prevalecer a ideia de inaplicabilidade de qualquer prazo extintivo de direito - seja ele decadencial ou prescricional -, quando tais direitos fundamentais estão em jogo, o que ocorre na hipótese de requerimentos de concessão de benefício, que são indeferidos.
Sem embargo, o Supremo Tribunal Federal fechou questão sobre o tema no julgamento da ADI 6096, muito embora, tal entendimento já fizesse parte de seu repertório, de há muito, verbis:
"ADI 6096 / DF DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. MEDIDA PROVISÓRIA 871/2019. CONVERSÃO NA LEI 13.846/2019. EXAURIMENTO DA EFICÁCIA DE PARTE DAS NORMAS IMPUGNADAS. PERDA PARCIAL DO OBJETO. CONHECIMENTO DOS DISPOSITIVOS ESPECIFICAMENTE CONTESTADOS. ALEGAÇÃO DE PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL E PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA. CONTROLE JUDICIAL DE NATUREZA EXCEPCIONAL QUE PRESSUPÕE DEMONSTRAÇÃO DA INEQUÍVOCA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NORMATIVOS. PRECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 24 DA LEI 13.846/2019 NO QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. PRAZO DECADENCIAL PARA A REVISÃO DO ATO DE INDEFERIMENTO, CANCELAMENTO OU CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OFENSA AO ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AO COMPROMETER O NÚCLEO ESSENCIAL DO DIREITO FUNDAMENTAL AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E À PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. A ação direta está, em parte, prejudicada, pois não incluído o art. 22 da MP 871/2019 pela Lei 13.846/2019. Conhecida a demanda apenas quanto aos demais dispositivos na ação direta impugnados. Precedente. 2. Ante a ausência de impugnação específica dos arts. 23, 24 e 26 da MP 871/2019 no decorrer das razões jurídicas expendidas na exordial, deve o conhecimento da demanda recair sobre os arts. 1º a 21 e 27 a 30 (alegada natureza administrativa) e 25, na parte em que altera os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e 115, todos da Lei 8.213/1991 (dito formalmente inconstitucional), assim como na parte em que altera o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 (alegada inconstitucionalidade material). Precedente. 3. A requerente juntou posteriormente aos autos o extrato de seu registro sindical junto ao Ministério do Trabalho e a procuração com outorga de poderes específicos para a impugnação do diploma objeto da presente ação direta. Por se tratarem, pois, de vícios processuais sanáveis, não subsiste, na medida em que reparados, a apreciação das preliminares de ilegitimidade ativa e de irregularidade de representação. Precedente. 4. Em relação à preliminar alusiva ao dever da requerente de aditar a petição inicial em decorrência da conversão legislativa da medida provisória, inexistente modificação substancial do conteúdo legal objetado, não há falar em situação de prejudicialidade superveniente da ação. Precedente. 5. O controle judicial do mérito dos pressupostos constitucionais de urgência e de relevância para a edição de medida provisória reveste-se de natureza excepcional, legitimado somente caso demonstrada a inequívoca ausência de observância destes requisitos normativos. Ainda que a requerente não concorde com os motivos explicitados pelo Chefe do Poder Executivo para justificar a urgência da medida provisória impugnada, não se pode dizer que tais motivos não foram apresentados e defendidos pelo órgão competente, de modo que, inexistindo comprovação da ausência de urgência, não há espaço para atuação do Poder Judiciário no controle dos requisitos de edição da MP 871/2019. Precedente. 6. O núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário. Este Supremo Tribunal Federal, no RE 626.489, de relatoria do i. Min. Roberto Barroso, admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito. 7. No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção. 8. Ação direta conhecida em parte e, na parte remanescente, julgada parcialmente procedente, declarando a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária virtual de 2 a 9 de outubro de 2020, sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar parcialmente procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente). Brasília, 13 de outubro de 2020. Ministro EDSON FACHIN."
Ou seja, o que a Corte Suprema está a esclarecer é que, muito embora seja possível a existência da decadência prevista no artigo 103 da Lei 8213/91, para se discutir revisão de benefício previdenciário, isso não significa dizer que seja constitucional a previsão de qualquer prazo extintivo, por decurso de tempo, seja ele prescrição ou decadência, no caso de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, porque isso implicaria a perda do benefício em si, que é o que leva à vulneração do direito fundamental ao benefício previdenciário e à previdência social.
Logo, é possível perder-se o direito de discutir valores do benefício, forma de cálculo, mas não é possível que a mera ação do tempo impeça a discussão sobre a concessão ou manutenção em si.
Dessa forma, o entendimento da Suprema Corte fornece o balizamento necessário para o julgamento do Tema 265, mas também do Tema 264.
Ora, a razão de ser da turma nacional haver afetado ambos os temas era, exatamente, a necessidade de se verificar se, na esfera da legislação militar haveria algum "distinguish", que permitisse o reconhecimento da existência legítima de algum prazo extintivo, com base no decurso do tempo - seja ele a prescrição de fundo de direito ou a decadência.
Por isso, o julgamento do Tema 264 aguardou a decisão sobre o Tema 265, que é mais geral, como requisito lógico de tramitação.
Em se solucionando a questão de uma forma geral, passou-se a verificar, no Tema 264, se, no caso da legislação militar, haveria alguma especialidade, que pudesse levar o julgamento a um caminho diverso, daquele tomado no Tema 265.
Porém, observando-se os fundamentos da decisão dada ao Tema 265, pela turma nacional, a resposta só pode ser pela negativa.
A conclusão decorre do fato de qualquer eventual "distinguish" somente ser possível, caso exista na legislação militar, algum dispositivo que, expressamente, admita a existência de prazo extintivo, pelo decurso do tempo, para os casos de concessão, indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário em sentido lato.
Porém, ainda que tal legislação eventualmente possa existir, isso é totalmente irrelevante, porque, se a norma for anterior à Constituição Federal de 1988, ela não terá sido recepcionada por aquela, quanto a tal particular.
Por outro lado, se for posterior, ainda que não declarada expressamente inconstitucional, ela deve ser interpretada conforme o texto constitucional, nos mesmos termos da hermenêutica empregada pelo Excelso Pretório, no julgamento da ADI 6096.
Assim, ainda que existisse alguma norma, especificamente aplicável a benefícios previdenciários militares, ainda assim, as pensionistas de militar também continuariam sendo beneficiárias da proteção concedida pela Constitucional Federal, no tocante ao direito fundamental de acesso ao benefício previdenciário e ao mínimo existencial, porque não há lógica alguma em excetuá-las de tal proteção.
É de se notar que o próprio incidente de uniformização não invoca qualquer norma específica nesse sentido.
O fundamento do incidente é a interpretação dada pela Requerente à Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, a contrario sensu, bastante discutível, bem como, o artigo 1o, do Decreto 20.910/32.
Ora, com relação à Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, ela existe para dizer que, no caso de prestações sucessivas, que se protraem no tempo, só há prescrição das parcelas anteriores em cinco anos à propositura da ação, ou seja, prescrição parcial.
Porém, a Requerente faz uma interpretação a contrario sensu, como se vê abaixo, verbis:
"Súmula n° 85 - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação."
Ora, a Súmula não está a dizer que, quando o próprio direito reclamado tiver sido negado, a prescrição será total, porque a Súmula não se destina a esclarecer esse ponto.
Ela limita o objeto aos casos onde o próprio direito reclamado não foi negado, porque foi essa a discussão que originou a súmula.
Como o Poder Judiciário não é órgão de consulta e só pode solucionar aquelas questões efetivamente trazidas pelas partes e nas lindes definidas por elas próprias, é evidente que a Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça só pode ser interpretada para tais casos, onde o próprio direito reclamado não foi negado.
Jamais se poderia assumir que, em todos os outros casos, a solução seria diferente, porque, pura e simplesmente, não foi esse o objeto do julgamento.
Por isso, não é possível empregar-se o raciocício a contrario sensu, como faz a Requerente.
Como se não bastasse, tal interpretação, caso realmente empregada por qualquer corte, esabarraria em inconstitucionalidade, no caso de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, nos exatos termos da ADI 6096.
O outro argumento do incidente, que é a interpretação dada ao artigo primeiro do Decreto 20.910/32, merece atenção, verbis:
“Art.1º - As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, estadual, municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”
Ora, nenhuma dívida passiva da União origina-se do ato de indeferimento de benefício previdenciário militar, pelo contrário. Logo, o artigo primeiro seria inaplicável ao caso concreto.
Haveria algum outro dispositivo, no mesmo decreto, aplicável à sua situação dos autos ?
Regula a Prescrição Quinquenal
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições contidas no art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, decreta:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Art. 2º Prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças.
Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
Art. 5º Não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito à ação ou reclamação. (Vide Lei nº 2.211, de 1954)
Art. 6º O direito à reclamação administrativa, que não tiver prazo fixado em disposição de lei para ser formulada, prescreve em um ano a contar da data do ato ou fato do qual a mesma se originar.
Art. 7º A citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer motivo, o processo tenha sido anulado.
Art. 8º A prescrição somente poderá ser interrompida uma vez.
Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo.
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.
Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 1932, 111º da Independência e 44º da República.
Getúlio Vargas
Oswaldo Aranha"
Observando-se atentamente os dispositivos do decreto invocado, não há um único, que autorize a afirmação de que o ato de indeferimento de pensão por morte militar seria o termo inicial de uma prescrição total.
Assim sendo, seja pelo fato de tratar-se de direito fundamental o acesso aos benefícios previdenciários, mesmo aqueles assim denominados de forma lata, que desautoriza a ideia de extinção por decurso de tempo; seja porque não há qualquer menção a algum discrímen existente na legislação militar, que invalide o raciocínio do Supremo Tribunal Federal, acima mencionado; seja porque a Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça não se destine aos casos como o caso concreto; seja porque não há qualquer dispositivo no Decreto 20.910/32, que possa fundamentar a afirmação de que o marco inicial de alguma prescrição total seria o ato de indeferimento de benefício previdenciário; o incidente não merece provimento.
Voto por conhecer e negar provimento ao incidente de uniformização nacional, fixando a seguinte tese, em resposta à questão formulada no Tema 264 da Turma Nacional de Uniformização ("Mesmo no caso de pleito de concessão inicial de benefício de natureza previdenciária, decorrente de óbito de militar, aplicar-se-ia a regra de contagem do prazo prescricional ou decadencial a contar da data de indeferimento do requerimento administrativo ou se, em tais hipóteses, pela natureza do direito envolvido, a hipótese seria de inexistência de prescrição do fundo de direito, ressalvada a prescrição parcial?)": "Pela sua natureza de direito fundamental, conforme o definido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6096, inexiste qualquer prazo prescricional, que atinja o fundo de direito, na hipótese de pleito de concessão inicial de benefício de natureza previdenciária em sentido lato, decorrente de óbito de militar, ainda que haja ocorrido indeferimento administrativo, ressalvada eventual prescrição das parcelas vencidas".
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