LOAS concedido a quem recebe bolsa família
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício assistencial a uma idosa que preencheu os requisitos de miserabilidade. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
3. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Correção de ofício.
4. Honorários de advogado mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015 e Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
5. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
TRF 3, T. 7ª, APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001414-06.2017.4.03.9999, relator Desembargador federal Paulo Domingues, 20/03/2020.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 23.05.2016, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Face o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e 1) CONDENO o INSS a CONCEDER o benefício de prestação continuada à parte autora, a contar do indeferimento administrativo, no valor de 1 (um) salário mínimo mensal, corrigido monetariamente na forma do artigo 1º-F da Lei 9494/97, observando os critérios contidos nas súmulas 148 do STJ e 08 do TRF da 3ª Região. Além disso, incidirão juros de mora contados da citação, à razão de 1% (um por cento) ao mês, nos termos do artigo 406 do novo Código Civil, conjugado com o artigo 161 do CTN. 2) CONDENO o réu ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, ante a simplicidade da causa e em observância ao contido na Súmula nº 111 do STJ. 3) CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais.4) DECLARO EXTINTO o feito com resolução de mérito, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil/2015.O benefício somente será implantado após o trânsito em julgado ou mediante determinação do TRF, em caso de recurso. As prestações em atraso deverão ser pagas de uma só vez, incidindo juros moratórios de 12% a.a. (doze por cento ao ano), incidentes a partir da citação, além de correção monetária com observância à Resolução nº 561/07 do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, observando-se a Súmula nº 08 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e obediência à Súmula nº 148 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Deixo de encaminhar os autos ao Tribunal Regional Federal da 3.ª Região para reexame necessário, tendo em vista o disposto no §3°, do artigo 496, do CPC/2015..Não é caso de aplicação da Súmula 490 do STJ, tendo em vista que o valor a ser pago será apurado por meio de simples cálculo aritmético e é evidente que não atingirá montante igual ou superior a 60 salários mínimos. Após o trânsito em julgado, sendo mantida a condenação, remetam-se os autos ao INSS para elaboração e apresentação dos cálculos devidos, conforme ofício-circular nº 126.664.075.1438/2010, da Corregedoria Geral de Justiça do Eg. TJMS. Libere-se o pagamento dos honorários periciais do Médico, caso ainda não tenha ocorrido. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante a verba honorária.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No que toca à hipossuficiência econômica, verifico que a renda familiar per capita, segundo estudo social de f. 129-132, é composta da renda variável do seu companheiro que não chega a um salário mínimo, proveniente da revenda de verduras, e parcela proveniente dos programas Vale Renda e Bolsa Família, no valor de R$ 330,00 de tais benefícios, o que impediria objetivamente, mesmo pelos novos critérios, a concessão do benefício pretendido. Contudo, tenho que a situação de vulnerabilidade restou configurada por força das peculiaridades do caso em exame. Nesse viés, verifica-se que a autora e seu companheiro residem em imóvel próprio, edificado em alvenaria e madeira, piso de cimento queimado batido, telhas de amianto e parcialmente reboca, o que, demonstra a compatibilidade da renda auferida e os benefícios concedidos. Outro dado que merece consideração é que a revenda de verduras do companheiro da autora gera renda ínfima. E a pequena renda gerada naquele local impede objetivamente a concessão do benefício. Sendo assim, entendo que a conclusão da assistente social é lapidar: "seu atual quadro de saúde a tem impedido de desempenhar novamente tais ocupações, o que vem ocasionando dificuldades em atender suas necessidades básicas. (...) Diante do exposto, do ponto de vista social, Sra. Margarida passa por privações materiais, razão pela qual se faz necessária a concessão do benefício assistencial para que ela possa sobreviver com dignidade" (f. 132 – Relatório da Assistente Social). Dito isso, conclui-se que estão presentes todos os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada ao deficiente, sendo impositiva a procedência do pedido.”
Por sua vez, o estudo social (ID 486496 – pag. 39/42 ) elaborado em 15.02.2015, revela que a parte autora vive com seu marido em imóvel próprio, edificado em alvenaria e madeira, com piso de cimento queimado e chão batido, telhas de amianto parcialmente rebocado. Consta ainda que do mobiliário existente na casa somente o aparelho de TV apresenta valor apreciável.
Informaram que a renda da casa advém da venda de verduras, legumes e mandioca, mas não souberam precisar o valor. Recebem também R$ 330,00 dos programas sociais Bolsa Família e Renda Cidadã.
A perita social concluiu que: “ V – PARECER SOCIAL: Sra. Margarida, 61 anos de idade, narrou durante entrevista que as únicas atividades remuneradas que exerceu, foram de trabalhadora rural, em razão de apresentar baixa escolaridade. Seu atual quadro de saúde a tem impedido de desempenhar novamente tais ocupações, o que vem ocasionando dificuldades em atender suas necessidades básicas. A requerente depende de programas de transferência de renda, Bolsa Família e Vale Renda, além de seu companheiro, Sr. Floriano, 63 anos, para prover seu sustento. Sra. Margarida afirmou que realiza tratamento médico regular para as doenças que lhe acometem, através da rede pública de saúde. Diante do exposto, do ponto de vista social, Sra. Margarida passa por privações materiais, razão pela qual se faz necessária a concessão do benefício assistencial para que ela possa sobreviver com dignidade.”
Notória a vulnerabilidade socioeconômica do casal já idoso e adoentado que apresenta rendimento incerto e variável.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, atestada a condição de miserabilidade no estudo social, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Os honorários de advogado foram corretamente fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
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