sexta-feira, 7 de junho de 2019

Decisão trata sobre recebimento de pensão decorrente de aposentadoria fraudulenta

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o crime de estelionato previdenciário. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (ART. 171, § 3º, DO CP). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVA INDICIÁRIA ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO. 
1. Materialidade comprovada da prática de crime de estelionato majorado em detrimento do INSS, mediante recebimento de pensão por morte decorrente de aposentadoria obtida de forma fraudulenta, com inserção de dados falsos de vínculos de emprego de suposto segurado. 
2. Autoria confirmada pela grande quantidade de indícios que permitem afirmar ter a apelante conhecimento de que os vínculos inseridos no sistema informatizado do INSS, relativos ao seu marido, eram todos eles falsos, porquanto inexistentes. 
3. A fixação da prestação pecuniária em 6 salários mínimos não se mostra exorbitante, porquanto pode ser fixada entre 1 e 360 salários mínimos (art. 45, § 1º, do CP), devendo sempre guardar proporcionalidade com a reparação dos danos causados pelo crime. 
4. Recurso desprovido.
TRF 1ª, Processo nº: 2007.31.00.001031-0/AP, 4ª Turma, Juiz federal Fábio Ramiro, 05.12.18.

ACÓRDÃO 
Decide a 4ª Turma, à unanimidade, negar provimento ao recurso da acusada, nos termos do voto do Relator. 

Brasília, DF, em 13 de novembro de 2018. 

Juiz Federal FÁBIO RAMIRO 
Relator Convocado

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela ré Maria do Socorro de Souza Amorim (fls. 217 e 220/225), em face da sentença de fls. 200/211, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva contida na denúncia, condenando-a pela apontada prática do delito descrito no art. 171, §3º, do Código Penal. 

Alegou, em síntese, a apelante, que não se encontra nos autos nenhuma prova que possa fundamentar o decreto condenatório, pois, ainda que se admita a presença de materialidade do crime, sua autoria não ficou plenamente demonstrada. Disse que o julgador a quo fundamentou seu decreto condenatório apenas pelo fato de a senhora lzildina, irmã da apelante, tê-la habilitado como procuradora em alguns dos benefícios, concluindo com isso que beneficio pensão por morte tendo como instituidor o Sr. Severino Tavares de Amorim, cônjuge da apelante, teria sido concedido de forma fraudulenta, por isso, com o recebimento dos valores, a apelante teria cometido o crime de estelionato.

Afirma que sua conduta é isenta de dolo, elemento subjetivo do tipo, o que leva à atipicidade da conduta, excluindo-se o tipo penal e, por consequência, o próprio crime. Reitera que não há como precisar, pelas provas dos autos, que ela tivesse conhecimento de que o beneficio fora obtido de forma fraudulenta. 

Assevera que, na hipótese de manutenção da condenação, em atenção ao princípio da eventualidade, deve ser reformada a sentença no tocante à fixação da pena substitutiva de prestação pecuniária. Sustenta que foi fixada pena de 2 (dois) anos e oito meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa, entretanto, quando se efetuou a substituição legalmente exigida, fixou-se em 6 (seis) salários mínimos atuais o valor da prestação pecuniária, quantia seis vezes maior que o mínimo legalmente previsto. Diz que é hipossuficiente economicamente, razão pela qual desde o início foi defendida pela Defensoria Pública. Dessa forma, além da assistência jurídica gratuita, faz jus também à justiça gratuita".

Ao final, requereu: “a) Seja reformada a sentença, absolvendo-se o apelante em razão da ausência de dolo ou por insuficiência de provas para sustentar o decreto condenatório, adotando-se o in dubio pro reo; b) não acolhido o pedido acima, que haja redução da pena de prestação pecuniária, já que, sem qualquer fundamentação, é desproporcional à pena substituída; c) caso não haja absolvição, que não seja a apelante condenada nas custas processuais".

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 228/233.

O d. Ministério Público Federal, no parecer de fls. 240/245, opinou pelo improvimento do recurso.

Processo encaminhado à Secretaria, para fins do art. 613, I, do Código de Processo Penal, em 20/02/2013.

É o relatório.

VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta.

A apelação volta-se contra sentença que condenou a ré, pelo crime de estelionato majorado (art. 171, § 3º, do CP) em detrimento do INSS, à pena de 2 (dois) anos e oito meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa, havendo procedido à substituição da pena privativa de liberdade por prestação pecuniária no valor equivalente a 6 salários mínimos.

A acusação pelo crime em apreço tem o seguinte teor:

“MARIA DO SOCORRO, inobstante saber que a aposentadoria concedida a SEVERINO TAVARES (seu marido) era fraudulenta, após a morte deste, requereu imediatamente benefício de pensão por morte (NB: 21/120.804.720-2), concedida em 02/09/2001, gerando mais um dano aos cofres públicos, que em outubro de 2006, alcançou a cifra de R$118.555,70 (v. fl. 37, 61, 104/108, 115/123, do apenso I).

A sentença recorrida está assim expressa:

Mais uma vez, a materialidade do crime de estelionato restou efetivamente demonstrada pelo relatório Geral da Auditoria realizada pelo INSS (grupo de Trabalho constituído pela Portaria MPS/GM-357/2006), destacando-se os seguintes itens:

6.40 - Maria do Socorro S Amorim (Beneficiária), Severino Tavares de Amorim (instituidor) - 21/120.804.720-2. Em análise às telas do CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais através do NIT 1.041.491.513-2, cadastrado em 01/01/1971, utilizado para a concessão do benefício, ficou evidenciado a não comprovação do vínculo empregatício com as empresas, MONTES CLAROS SUPERMERCADOS LTDA, no período de 26/09/1986 a 20/12/1999 e LCL-LEITE CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA no período de 05/01/2000 a 30/01/2001, fls. 45. Conforme consulta no CNIS - Consulta Detalhes Vínculo os dois vínculos empregatício foram implantados através de RAIS extemporâneas, respectivamente em 1999 e 2000, fls. 46/47. Ressaltamos que o vínculo com a empresa LCL-LEITE CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA no período de 05/01/2000 a 30/01/2001, não foi utilizado na concessão do benefício. Em relação ao vínculo empregatício com a empresa MONTES CLAROS SUPERMERCADOS LTDA no período de 26/09/1986 a 20/12/1999, implantado por meio de RAIS, ficou evidenciado a não comprovação do mesmo, com encaminhamento do Ofício n. 2226/04, onde a Dra. Lilianna Síepierski de Araújo Vilela, Juíza de Direito encaminha relação de supostos empregados não registrados no LRE - Livro de Registros de Empregados da referida empresa com o nome do senhor SEVERINO TAVARES DE AMORIM, fl. 99. (destaques do original)

De fato, conforme visto anteriormente no item l, a concessão fraudulenta do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao seu falecido marido, Severino Tavares de Amorim, ficou cabalmente demonstrada nos autos, não sendo críveis as afirmações feitas pela ré Maria do Socorro em seu interrogatório de que "não tem conhecimento para quais empresas seu cônjuge Severino tenha mantido vínculo empregatício" ou de que "apesar de constituir informação corriqueira entre marido e mulher, afirma desconhecer onde Severino trabalhou".

Entretanto, o recebimento da pensão por morte foi confirmado pela acusada em seu interrogatório: "Que continua recebendo o benefício no valor de pouco mais de mil reais" (fl. 128).

Sobre as alegações da defesa, no sentido de que a acusada não sabia das fraudes e que, portanto, não havia dolo, entendo que não procede tal pleito. O dolo, elemento subjetivo da conduta, compreende não só a vontade de praticar determinada conduta, mas abrange necessariamente o preciso conhecimento daquilo que se faz. São as circunstâncias em que foi praticada a conduta é que trazem informações a respeito da presença do dolo do agente. É plenamente possível, e até mesmo esperado que, a esposa tenha algum conhecimento das atividades do marido. Mesmo dizendo não saber qual o tipo de trabalho seu cônjuge realizava, ela acabou percebendo um beneficio concedido de forma fraudulenta, cuja participação da irmã, servidora do INSS, e de seus comparsas, foi determinante para a fraude. Conforme relatou a ré por ocasião do interrogatório, foi a própria Izildina que tomou todas as providencias para recebimento do benefício.

Segundo a teoria do crime, um dos requisitos da culpabilidade é o potencial conhecimento da ilicitude do fato, até porque o efetivo conhecimento seria prova quase impossível de se fazer. No caso, entendo que pelas circunstâncias era possível que a ré tivesse este discernimento, notadamente em razão de ser casada com um dos beneficiários da fraude, e irmã de uma das principais fraudadores e ainda, posteriormente, beneficiária, na qualidade de dependente, da pensão deixada pelo marido. Ainda, segundo seu depoimento, disse que "somente ficou sabendo da liberação de seu benefício no ano de 2004, quando Izildina fora chamada na Polícia Federal e que nesta ocasião a mesma entregou à ré o cartão que autorizava o saque do benefício".

Não merece retoques a decisão condenatória de primeiro grau.

Com efeito, os indícios de que a apelante tinha conhecimento da fraude perpetrada inicialmente por seu marido, na obtenção de aposentadoria junto ao INSS, e depois, ao requerer pensão por morte decorrente dessa mesma aposentação fraudulenta, mantendo em erro o INSS, são muito fortes, aptos a sustentar o decreto condenatório.

E chego a essa conclusão porque não é crível (nem aceitável) que a recorrente, casada que era com seu marido durante vários anos, desconhecesse as empresas em que ele houvera trabalhado, sendo uma delas, dentre as ilicitamente inseridas nos registros do INSS, durante longos treze anos (Montes Claros Supermercados LTDA). 

Sobreleva notar que seu casamento, datado de 1993, ocorrera em meio ao vínculo que seu marido afirmara ter com a empresa Montes Claros LTDA (de setembro de 1986 a dezembro de 1999), e que ela própria fora procuradora de seu marido em pedido de aposentadoria que se mostrou posteriormente irregular.

Era de seu conhecimento, também, que sua irmã Izildina, então servidora do INSS, tinha padrão de vida absolutamente incompatível com seus ganhos de funcionária pública, que atendia a muitas pessoas que desejavam obter benefícios junto à autarquia previdenciária, em sua residência, e que foi a mesma Izildina quem deu entrada no pedido de concessão de pensão por morte de seu marido Severino.

O conhecimento da fraude pela apelante se evidencia de forma tão inequívoca que, mesmo tendo solicitado o benefício de pensão por morte em 2001, quando do óbito de seu marido, somente teve a posse do cartão de saque bancário em 2004, quando sua irmã já estava sendo investigada pela Polícia Federal.

Ensina-nos Frederico Marques que “o valor probante dos indícios e presunções, no sistema de livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas. Como a livre convicção não se confunde com o arbítrio, a força probante dos indícios deriva da prudente apreciação do juiz, que constrói a prova indiciária, e para isso deve o magistrado basear-se no ex eo quod plerumque fit, estando ainda obrigado a expor, de maneira exaustiva e convincente, através da motivação, ‘tutto l’iter del processo lógico-formativo del suo razionale convincimento’” (Elementos de Direito Processual Penal, vol. II, 1ª Ed., Campinas: Bookseller, 1998, p. 346).

Há fatos provados: a aposentadoria fraudulenta obtida pelo marido da apelante, Severino; a intermediação de Izildina, irmã da apelante, servidora do INSS; a alegação da apelante de que desconhecia todas as empresas nas quais seu marido trabalhara, o que não é crível numa relação tão íntima como a de marido e mulher; as suspeitas que a apelante reconhece que pairavam sobre o padrão de vida de Izildina; o recebimento do cartão do benefício pela apelante somente 3 anos depois de concedida a pensão por morte, como a justificar o pagamento pelos serviços escusos prestados por Izildina. 

Entre esses fatos indiciantes e o fato a ser provado – conhecimento da apelante de que requerera fraudulentamente e manteve em erro o INSS, ao perceber pensão por morte decorrente de aposentadoria absolutamente irregular, havida por meio de fraude contra o INSS – há inequívoco e estreito nexo lógico. A apelante tinha conhecimento das irregularidades perpetradas e delas se beneficiou, causando expressiva lesão à Previdência Social.

No que concerne à prestação pecuniária, não há a nada a ser modificado na decisão recorrida. A fixação da prestação pecuniária em 6 salários mínimos não se mostra exorbitante, porquanto pode ser fixada entre 1 e 360 salários mínimos (art. 45, § 1º, do CP), devendo sempre guardar proporcionalidade com a reparação dos danos causados pelo crime.

Eventual inadimplemento do pagamento do valor fixado não implica a automática conversão da pena, sendo equivocada a afirmação da apelante de que se estaria negando o próprio direito à substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. No caso de comprovada impossibilidade de satisfação da obrigação, há de se aplicar, por analogia, o disposto no art. 148, da Lei de Execuções Penais.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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