sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Pensão por morte e seus requisitos para concessão a companheira

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o fato de a concubina de servidor falecido não poder ser beneficiária de pensão por morte. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
CONSTITUCIONAL. E ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. E EX-ESPOSA. SEPARAÇÃO DE FATO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO MORE UXÓRIA. JULGAMENTO DO PROCESSO SEM A PRODUÇÃO DE PROVAS: NECESSIDADE DE REGULAR INSTRUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA.
1. O estado civil deixa de ser óbice ao reconhecimento da relação more uxoria quando verificada a separação de fato. Precedentes: Ministro Marco Aurélio de Mello: RE nº 397.762-8 BA e julgados desta Turma.
2. Nos termos da Súmula nº 253 do extinto TFR é possível a repartição de pensão estatutária entre esposa e companheira, cabendo a esta a comprovação inequívoca da relação conjugal de fato. Precedentes.
3. Não versando exclusivamente sobre matéria de direito, julgado o processo sem facultar à parte a comprovação da alegada relação conjugal de fato, necessária a anulação da sentença para que o processo retorne à origem para regular instrução, por cerceamento de defesa.
4. Apelação provida.
TRF 1ª,
Processo nº 0018322-13.2004.4.01.3800/MG, Juiz Federal Relator Guilherme Mendonça Doehler, 16.08.2017.
 
ACÓRDÃO
Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do relator.

Primeira Turma do TRF 1ª Região – 04.05.2009

Juiz Federal GUILHERME MENDONÇA DOEHLER
Relator (Convocado)

RELATÓRIO
Trata-se de apelação de ENY APARECIDA CHRISTOFORI LIMA, em face de sentença que julgou improcedente pedido de habilitação em pensão estatutária deixada pelo falecido militar Narciso Pires Vieira, falecido em 28/03/2003, com quem alega ter vivido maritalmente entre 1994 e 2000, conforme justificação judicial que tramitou perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaete – MG.

Entendeu o Juízo recorrido que não é possível o reconhecimento de sociedade conjugal de fato quando um dos consortes é oficialmente casado, razão pela qual julgou o processo no estado em que se encontrava por entender infrutífera a produção das provas requeridas.

A questão fática envolvendo a lide pode ser assim resumida:

1) Argumentos da parte autora:  
Afirma ter vivido com o falecido entre 1994 e 2000, conforme comprova sentença prolatada em Ação de Justificação;
Que nesse período o falecido era separado judicialmente;
Que não tinha conhecimento que o falecido convivera maritalmente com .Ednice Brito Alves nem que dessa relação nascera Kelly Alves Vieira, a 3ª recorrida;

2) Argumentos da 1ª recorrida (União):
Que o falecido militar era casado quando de sua morte e deixou filhos;
Que a parte autora não esta registrada nos assentamentos militares como dependente;
Que a esposa e o(s) filhos(s) do de cujus já percebem a pensão requerida
Que os atos administrativos estão sujeitos ao principio da legalidade estrita;

3) Argumentos da 2ª Recorrida (Esposa Iza Máximo Vieira):
Que era separada de fato do falecido desde 1983;
Que não houve separação judicial;
Que sabia da existência da relação de companheirismo do falecido com.Ednice Brito Alves e da existência da filha Kelly Alves Vieira;
Que não houve relação estável entre a autora e o falecido militar;

4) Argumentos da 3ª Recorrida (filha Kelly Alves Vieira):
Que não houve a união estável alegada pela parte autora;
Que a parte autora era empregada doméstica de seu pai;
Que em parte do período da suposta vida em comum com a parte autora o falecido convivia com sua mãe em Belo Horizonte e depois em Juiz de Fora;

Por apelação a parte autora volta-se contra a sentença reiterando a necessidade para a produção das provas requeridas como forma de provar o alegado, sob o argumento de cerceamento de defesa, e, alternativamente, que a apelação seja julgada procedente.

É o relatório.

VOTO
Próprio e tempestivo, conheço do recurso, bem como da remessa oficial.

Na vigência da Constituição Federal de 1988, art. 226, restou assegurado o reconhecimento da união estável de forma a permitir aos conviventes o amparo mútuo, assemelhando-se tal situação, na forma exigida por lei, ao casamento.

Tal permissivo constitucional, evidentemente, não se aplica exclusivamente às pessoas que tenham impedimentos matrimoniais, pois tal assertiva se contrapõe aos princípios que regem a atual ordem constitucional, especialmente nas disposições de ampla proteção à família, formal ou não. Tal entendimento já está amplamente sedimentado na jurisprudência, verbis:

Com a promulgação de nova ordem constitucional em 1988 perderam eficácia as normas infraconstitucionais que restringiam os direitos dos companheiros que vivam em união estável comparativamente com os cônjuges unidos pelo casamento civilmente reconhecido, pois equiparados, ambos, a unidade familiar, sem distinção ou discriminação. Assim, é de se ter não recepcionados pela CF/88 os dispositivos das Leis nº 5.774/71 e 6.880/80 que impõem para a obtenção de pensão por morte de militar restrições maiores aos companheiros do que aos cônjuges. Tanto a companheira, quanto a esposa têm sua dependência econômica presumida.
4. Demonstrada mediante prova documental a união estável com ex-militar, situação essa corroborada pelos depoimentos firmes e coerentes colhidos em juízo, é devida a pensão por morte à companheira, independentemente de qualquer outra prova. Precedentes da Corte: AC 2006.01.00.018944-8/MG, Rel. Desembargador Federal José Amilcar Machado, Primeira Turma, e-DJF1 17.06.2008, p. 47; AC 1998.34.00.021856-8/DF, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes (conv.), Primeira Turma, DJ 19.03.2007, p. 5; AMS 1998.01.00.021907-8/BA, Rel. Juiz Federal Andre Prado de Vasconcelos (conv.), Segunda Turma, e-DJF1 18.08.2008, p. 98.
5. A correção monetária das parcelas em atraso deve obedecer ao

(AC 1999.36.00.008602-2/MT, Rel. Juiz Federal Evaldo De Oliveira Fernandes, Filho, Primeira Turma,e-DJF1 p.04 de 20/01/2009)

Apesar do reconhecimento da sociedade conjugal de fato como entidade semelhante à família regularmente constituída, a possibilidade de a pessoa casada constituir nova família, na constância de casamento válido vem dividindo a jurisprudência, conforme inclusive assevera o juízo recorrido.

No âmbito desta Primeira Turma, todavia, a jurisprudência já se encontra pacificada no sentido de que a separação conjugal de fato não é impedimento para o reconhecimento de entidade familiar more uxória, conforme os seguintes precedentes, com os qual me alinhei em processos de minha relatoria, verbis:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE HOMEM E MULHER. PROVA TESTEMUNHAL BASEADA EM INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL. CONCORRÊNCIA ENTRE EX-EXPOSA E COMPANHEIRA. SEPARAÇÃO DE FATO. PARÁGRAFO 2º, DO ARTIGO 76 DA LEI Nº 8.213/91. SÚMULA 159 (EXTINTO TFR). APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Comprovada a união estável com o ex-segurado da Previdência Social, por prova testemunhal baseada em prova documental, a companheira faz juz ao benefício da pensão por morte.
2. A dependência econômica da companheira com o de cujus, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, é presumida.
3. Sendo o cônjuge separado de fato este concorrerá para a concessão do benefício de pensão por morte em igualdade de condições com os demais dependentes, conforme preceitua o § 2º, art. 76, da Lei nº 8.213/91.
4. "É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos" (Súmula 159, do extinto TRF).
5. Apelação a que se nega provimento.
(AC 2001.01.00.019969-4/DF, Rel. Desembargador Federal Antonio Savio De Oliveira Chaves, Primeira Turma,DJ p.26 de 26/02/2004)

"...A união estável tem como requisitos a convivência pública, contínua, duradoura e com intenção de formar unidade familiar, e se configura ainda que um dos companheiros possua vínculo conjugal com outrem, desde que haja, entre os casados, separação fática ou jurídica.
(AC 2002.38.03.005788-7/MG, Rel. Desembargador Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, Primeira Turma,DJ p.32 de 14/05/2007)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. TERMO DE DESIGNAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. RATEIO.
1- À companheira que comprove união estável como entidade familiar, é dado pleitear pensão por morte de servidor público (art. 217, I, "c" da Lei 8.112/90).
2- Não há de ser exigido Termo de Designação quando cabalmente comprovada a união estável. Precedentes: (RESP 396853/RS, STJ, Rel. Min. Feliz Fischer, 5ª Turma; RESP 397134/RN, STJ, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma; RESP 311826/PE, STJ, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª Turma; RESP 236980/RN, STJ, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª Turma; AC 94.01.099790-0/BA, TRF/1ª Região, Rel. Conv. Juíza Solange Salgado,2ª Turma; e AC 1999.01.00.031744-7/GO, TRF/1ª Região, Rel. Juiz Carlos Moreira Alves, 2ª Turma).
3- Pensão por morte concedida à companheira, em rateio com a ex-esposa do servidor falecido, na proporção de 50% para cada uma (art. 218, § 1º da Lei 8.112/90).
4- Dependência presumida da esposa, ainda que haja separação de fato. Precedente: AC1997.01.00.025648-6/MG, Rel Convocado Juiz Ricardo Machado Rabelo, 1ª Turma, in DJ de 25/09/2000.
5- A Súmula nº 159, do extinto TFR, consolidou o entendimento de ser "legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos".
6- Sentença confirmada.
7 - Apelações improvidas.
(AC 1998.39.00.007372-5/PA, Rel. Desembargador Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, Primeira Turma,DJ p.38 de 28/10/2003)

Demais, recentemente o STF decidiu, nos autos do RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8 BAHIA, que não se pode reconhecer a relação de companheirismo em detrimento de casamento válido, ou seja, quando não há dissolução dos laços conjugais de fato ou de direito, conforme se depreende do seguinte trecho do voto do Ministro Marco Aurélio de Mello, verbis:

(...)
Pois bem, são as seguintes as premissas fáticas do acórdão atacado via o extraordinário, no que evocada a violência ao § 3º acima transcrito:
a) o cidadão Valdemar do Amor Divino Santos veio a falecer, deixando certa pensão a ser satisfeita pelo Estado.
b) à época do óbito, era casado e vivia maritalmente com a mulher, advindo da relação conjugal onze filhos;
c) o falecido manteve com a autora, Joana da Paixão Luz, relação paralela, tendo o casal filhos.
Então, a Corte fez consignar:
Na verdade, essa situação dos autos, embora desconfortável, é muito comum, na cultura brasileira. Como bem reconheceu o ilustre Juiz o de cujus “logrou administrar a subsistência do seu casamento com a segunda ré e um sério e duradouro relacionamento afetivo com a outra,” o que leva a indeclinável conclusão de que o falecido companheiro da autora tinha duas famílias, administrava e assistia as duas, sustentando-as.
Proclamou o Tribunal de Justiça da Bahia a estabilidade, a publicidade e a continuidade da vida dupla, assentando que não poderia desconhecer esses fatos ante a existência do casamento e da prole deste resultante, consignando não haver imposição da monogamia para caracterizar-se a união estável a ser amparada pela Previdência, o que constitui dever do Estado. Placitou, então, o rateio da pensão.
Sob o ângulo da busca a qualquer preço da almejada justiça, não merece crítica o raciocínio desenvolvido. Entrementes, a atuação do Judiciário é vinculada ao Direito posto. Surgem óbices à manutenção do que decidido, a partir da Constituição Federal. Realmente, para ter-se como configurada a união estável, não há imposição da monogamia, muito embora ela seja aconselhável, objetivando a paz entre o casal. Todavia, a união estável protegida pela ordem jurídica constitucional pressupõe prática harmônica com o ordenamento jurídico em vigor. Tanto é assim que, no artigo 226 da Carta da República, tem-se como objetivo maior da proteção o casamento. Confira-se com o próprio preceito que serviu de base à decisão do Tribunal de Justiça. O reconhecimento da união estável pressupõe possibilidade de conversão em casamento. O reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, direciona à inexistência de obstáculo a este último. A manutenção da relação com a autora se fez à margem e diria mesmo mediante discrepância do casamento existente e da ordem jurídica constitucional. À época, em vigor se encontrava, inclusive, o artigo 240 do Código Penal, que tipificava o adultério. A tipologia restou expungida pela Lei nº 11.106/05.
Então, o que se tem é que, em detrimento do casamento havido até a data da morte do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de Justiça da Bahia, a placitar, com conseqüências jurídicas, certa união que, iniludivelmente, não pode ser considerada como merecedora da proteção do Estado, porque a conflitar, a mais não poder, com o direito posto. É certo que o atual Código Civil versa, ao contrário do anterior, de 1916, sobre a união estável, realidade a consubstanciar núcleo familiar. Entretanto, na previsão está excepcionada a proteção do Estado quando existente impedimento para o casamento relativamente aos integrantes da união, sendo que, se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa de ser óbice quando verificada a separação de fato. A regra é fruto do texto constitucional e, portanto, não se pode olvidar que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da família oficial, vivendo com a esposa. O que se percebe é que houve um envolvimento forte - de Valdemar do Amor Divino dos Santos e Joana da Paixão Luz -, projetado no tempo – 37 anos -, dele surgindo prole numerosa – nove filhos –, mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato de o companheiro haver mantido o casamento com quem contraíra núpcias e com quem tivera onze filhos. Abandone-se a tentação de implementar o que poderia ser tida como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica pressupõe o respeito às balizas legais, a obediência irrestrita às balizas constitucionais. No caso, vislumbrou-se união estável quando, na verdade, verificado simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no artigo 1.727 do Código Civil:
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
O concubinato não se iguala à união estável, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos de conseqüências, do casamento. Gera, quando muito, a denominada sociedade de fato.
Tenho como infringido pela Corte de origem o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, razão pela qual conheço e provejo o recurso para restabelecer a sentença prolatada pelo Juízo.:

Pelo exposto, considerando que o falecido militar se encontra separado de fato da esposa desde 1983, entendo que o julgamento do processo sem a produção das provas requeridas tendo como fundamentação a existência formal do casamento, não me parece solução adequada à lide.

É de se ressaltar que o julgamento antecipado da lide não importa em cerceamento de defesa quando o magistrado entende que o processo versa exclusivamente sobre matéria de direito, sendo desnecessária a produção de prova, conforme tem decido essa corte e do STJ.

No caso concreto, em face da possibilidade de concurso de esposa e companheira na partilha de pensão, a produção de provas e essencial e sua denegação configura cerceamento de defesa. O exaurimento da instrução, como requerido, deve ser atendido, sem o que a prestação jurisdicional pode se revelar defeituosa.

Por isso, dou provimento à apelação em seu pedido preliminar para decretar a anulação da sentença e o retorno do processo á origem para regular processamento.

É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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