sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Auxílio-reclusão para quem esteja em prisão domiciliar

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do auxílio-reclusão nos casos em que o instituidor esteja em prisão domiciliar. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. AUXÍLIO-RECLUSÃO. PRISÃO DOMICILIAR. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO. INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 85/2016. DIREITO.1. Não há falar em anulação do julgado por negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão adota fundamentação suficiente, ainda que diversa da pretendida pelo recorrente.
2. Nos termos dos arts. 80 da Lei n. 8.213/1991, 116, § 5º, e 119 do Decreto n. 3.048/1999, o auxílio-reclusão será devido durante o período em que o apenado estiver recluso, seja em regime fechado ou semiaberto.
3. Hipótese em que a pretensão recursal da autarquia está em dissonância com sua própria orientação interna, porquanto desde 19/02/2016, por meio da Instrução Normativa n. 85 PRES/INSS, reconhece que o cumprimento de pena em prisão domiciliar não impede a percepção do benefício, se o regime previsto for o fechado ou semiaberto, caso dos autos.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 1672295/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 26/10/2017)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de outubro de 2017 (Data do julgamento).

MINISTRO GURGEL DE FARIA
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, com respaldo na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim ementado (e-STJ fl. 438):
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. FUGA. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. A concessão do AUXÍLIO-RECLUSÃO, previsto no art. 80 da Lei nº 8.213⁄91, rege-se pela lei vigente à época do recolhimento à prisão e depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento prisão; (b) a demonstração da qualidade de segurado do preso; (c) a condição de dependente de quem objetiva o benefício; e (d) a baixa renda do segurado na época da prisão.
2. A fuga do sistema prisional não acarreta, por si só, a perda da qualidade de segurado do preso, a qual pode ser mantida, desde que observados os prazos previstos no art. 15, incisos e parágrafos, da Lei de Benefícios, ou, ainda, pelo exercício de atividade laboral sujeita ao RGPS.
3. Preenchidos os requisitos legais, é devido o benefício de auxílio-reclusão nos períodos postulados na inicial, descontados os períodos de fuga, bem como os valores eventualmente já pagos a tal título na esfera administrativa.

Rejeitados os aclaratórios (e-STJ fls. 462⁄469).

Nas suas razões, o recorrente aponta violação aos arts. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 – pelo não suprimento de omissão relativa ao art. 80 da Lei de Benefício, apontada em sede de embargos de declaração – e 80 da Lei n. 8.213⁄1991, defendendo a impossibilidade de concessão de auxílio-reclusão para segurado em prisão domiciliar e nos regimes aberto e semiaberto.

Contrarrazões às e-STJ fls. 503⁄505.

Juízo positivo de admissibilidade pelo Tribunal de origem às e-STJ fl. 516.

É o relatório.

VOTO
Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3).

No que diz respeito à indigitada ofensa ao art. 1.022 do CPC⁄2015, observa-se que, no acórdão impugnado, o Tribunal a quo apreciou fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, não se vislumbrando, na espécie, nenhuma contrariedade à norma invocada.

Ademais, consoante entendimento jurisprudencial pacífico, o órgão julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos levantados pelas partes para expressar a sua convicção, notadamente quando encontrar motivação suficiente ao deslinde da causa.

Quanto ao mérito, nos termos dos arts. 80 da Lei n. 8.213⁄1991, 116, § 5º, e 119 do Decreto n. 3.048⁄99, o auxílio-reclusão será devido durante o período em que o apenado estiver recluso, seja em regime fechado ou semiaberto:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.

Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
§ 5º O auxílio-reclusão é devido, apenas, durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-aberto. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)
Art. 119. É vedada a concessão do auxílio-reclusão após a soltura do segurado.
(Grifos acrescidos).


Na esteira desse entendimento, tanto a doutrina quanto a jurisprudência vinham exigindo que o segurado estivesse recluso em estabelecimento prisional para a concessão do benefício previdenciário a seus dependentes.

Nesse sentido:
O benefício, nos termos do § 5º do art. 116 do RPS (na redação dada pelo Decreto nº 4.729⁄03), só é devido quando o segurado estiver recolhido a estabelecimento em regime fechado ou semiaberto, sem direito a trabalho externo. No primeiro, cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média (CP, art. 33, § 1º, a), ou seja, em penitenciária (LEP, art. 87), prevê trabalho interno (CP, art. 34, §§ 1º e 2º), admitido o trabalho externo apenas em serviços e obras públicas (CP, art. 34, § 3º), "desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (LEP art. 35). Já no regime semi-aberto, a pena é cumprida em colônia agrícola, industrial ou similar (CP, art. 34, § 1º, b), admitido o trabalho externo (CP. art. 35, § 2º). Por conseguinte, não cabe o deferimento da prestação quando a execução da pena for realizada em regime prisional aberto ou o segurado estiver em livramento condicional, uma vez que, em tais hipóteses, o apenado pode trabalhar fora do sistema prisional. Com efeito, o regime aberto, cumprido em casa do albergado (CP, art. 34, § 1º, c), estabelecimento desprovido de obstáculos físicos contra a fuga (LEP, art. 94), está beseado na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (CP, art. 36, caput). Sendo assim, nesse regime: "O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga" (CP, art. 36, § 1º). A concessão do benefício demanda a realização de comprovação mediante apresentação de documento, emitido pela autoridade competente, no qual conste, além do recolhimento à prisão, o regime de reclusão.
(Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, Machado da Rocha, Daniel e Baltazar Júnior, José Paulo, 13ª Edição, Ed. Atlas, pág. 428)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7⁄STJ.
1. O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes de trabalhadores que contribuem para a previdência social. Ele é pago enquanto o segurado estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto e não receba remuneração da empresa para a qual trabalha. É um benefício que encontra alicerce no princípio da proteção à família.
2. O benefício de auxílio-reclusão será devido apenas aos segurados de baixa renda, levando-se em conta a renda do segurado preso, no momento da reclusão, e não a renda dos seus dependentes, nos termos do art. 80 da Lei 8.213⁄1991, combinado com a EC 20⁄1998.
3. Ao dirimir a controvérsia, o Tribunal de origem consignou: "Nos termos da Instrução Normativa do INSS 20⁄2007, alterada pela de 45⁄2010 (art. 334), para ter direito ao benefício, a renda mensal do detento deveria ser inferior a R$ 468,47, à época da prisão (art. 13 da EC 20⁄98). A última remuneração integral antes do encarceramento, constante do Sistema CNIS⁄Dataprev, foi de R$ R$ 844,19 (agosto de 2000). A última remuneração integral ultrapassa o limite legal vigente à data de seu recebimento, razão pela qual o benefício não pode ser deferido."
4. A revisão da conclusão a que chegou o Tribunal a quo encontra óbice no disposto na Súmula 7⁄STJ. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1475363 ⁄ SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 15⁄10⁄2014) (Grifos acrescidos).

No presente caso, o acórdão ora impugnado solveu a controvérsia com base na possibilidade de concessão do auxílio-reclusão a dependentes de segurado que se encontra em prisão domiciliar, nos seguintes termos (e-STJ fls. 429⁄430):
É de ressaltar-se, outrossim, que o art. 116, § 5º, do Decreto n. 3.048⁄99, menciona ser devido o auxílio-reclusão apenas durante o período em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semiaberto.
Porém, este TRF tem entendido que o que importa, para autorizar a cessação do auxílio-reclusão, não é o regime de cumprimento da pena a que está submetido o segurado, mas sim a possibilidade de ele exercer atividade remunerada fora do sistema prisional, o que não só se dá quando aquele é posto em liberdade, mas também quando a execução da pena for realizada em regime prisional aberto ou o segurado estiver em liberdade condicional. Nesse sentido: AC n. 0010666-04.2011.404.9999⁄RS, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgada em 21-08-2013, D.E. 30-08-2013; AC n. 0013879- 81.2012.404.9999⁄RS, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgada em 30-10-2012, D.E. em 09-11-2012; e AC n. 2008.70.990024272, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, Turma Suplementar, D.E. de 17-11-2008.
Portanto, o fato de o segurado ser colocado em prisão domiciliar - a qual, registre-se, não descaracteriza a condição de recluso do condenado, porquanto de prisão e de cumprimento de pena igualmente se trata (CPP, art. 317) - não afasta, por si só, a possibilidade de concessão do auxílio-reclusão aos seus dependentes, a menos que seja autorizado ao segurado em prisão domiciliar a possibilidade de exercer atividade remunerada.


Contra esse entendimento recorre o INSS, postulando o desconto do benefício a partir de 05⁄08⁄2014, quando o apenado foi posto em prisão domiciliar. Contudo, observa-se que a pretensão recursal da autarquia está em dissonância com sua própria orientação interna.

É que desde 19⁄02⁄2016, por meio da Instrução Normativa n. 85 PRES⁄INSS, que alterou a IN 77⁄PRES⁄INSS, de 21⁄01⁄2015, introduzindo o § 4º ao art. 382, foi disposto que o cumprimento de pena em prisão domiciliar não impediria a percepção do benefício, se o regime previsto for o semiaberto ou fechado, como na espécie (e-STJ fl. 433).

Veja-se, a propósito, o teor dos dispositivos da aludida IN 85⁄2016, in verbis:
Art. 382. Considera-se pena privativa de liberdade, para fins de reconhecimento do direito ao benefício de auxílio-reclusão, aquela cumprida em regime fechado ou semi-aberto, sendo:
I - regime fechado aquele sujeito à execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; e
II - regime semi-aberto aquele sujeito à execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 1º Não cabe a concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que esteja em livramento condicional ou que cumpra pena em regime aberto.
§ 2º A privação da liberdade será comprovada por documento, emitido pela autoridade competente, comprovando o recolhimento do segurado à prisão e o regime de reclusão.
§ 3º Para o maior de dezesseis e menor de dezoito anos, serão exigidos certidão do despacho de internação e o documento atestando seu efetivo recolhimento a órgão subordinado ao Juiz da
Infância e da Juventude.
§ 4º O cumprimento de pena em prisão domiciliar não impede o recebimento do benefício de auxílio-reclusão pelo(s) dependente (s), se o regime previsto for o fechado ou semiaberto. (Incluído pela IN INSS⁄PRES nº 85, de 18⁄02⁄2016)
§ 5º A monitoração eletrônica do instituidor do benefício de auxílio-reclusão não interfere no direito do dependente ao recebimento do benefício, uma vez que tem a função de fiscalizar o preso, desde que mantido o regime semiaberto ou a prisão domiciliar, observado o previsto no § 4º.
(Incluído pela IN INSS⁄PRES nº 85, de 18⁄02⁄2016) (Grifos acrescidos).

Como é cediço, descabe à Administração, no exercício de seu poder regulamentar, criar ou modificar direitos por meio de atos interna corporis, como resoluções ou instruções normativas.

Ora, se o Instituto de Previdência Social, em interpretação favorável da Lei de Benefícios, está a reconhecer um direito pré-existente, deve dar-lhe cumprimento, e não contestá-lo judicialmente, uma vez que praticou ato incompatível com o direito de recorrer.

Dessa forma, a melhor exegese é a que reconhece que os dependentes de segurado preso em regime fechado ou semiaberto fazem jus ao auxílio-reclusão, atendidos os pressupostos do benefício, ainda que o condenado passe a cumprir a pena em prisão domiciliar.

Assim, deve ser mantido o acórdão recorrido, por considerar devido o direito à percepção do auxílio-reclusão aos dependentes de segurado recolhido em prisão domiciliar desde 05⁄08⁄2014.

Ante o exposto, com base no art. 255, § 4º, II, do RISTJ, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

Arbitro os honorários recursais em 1% sobre o valor já fixado na origem, respeitados os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC⁄2015.

É como voto.

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo