sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Reconhecimento de valores devidos e o prazo prescricional

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que trata sobre o prazo para prescrição quando a administração pública reconhece ser devedora. No incidente de uniformização a Turma entendeu que "o reconhecimento do direito pela Administração Pública implica interrupção da prescrição, que volta a correr pelo prazo de cinco anos em relação ao que for reconhecido". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
 
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO. PRAZO QUINQUENAL.
1. A Administração Pública reconheceu como devidos os valores requeridos pela parte autora. Todavia, não os adimpliu, o que ocasionou o ajuizamento de ação judicial para cobrança.
2. O disposto no artigo 3º do Decreto 20.910/32 aplica-se no caso de negativa do direito pela Administração, situação em que o prazo volta a correr pela metade.
3. No caso de reconhecimento do direito, como o que ocorreu nos presentes autos, o prazo volta a correr integralmente, por cinco anos, contados do ato de reconhecimento.
4. Pedido de uniformização provido.
TRF 4ª, IUJEF 0004276-68.2007.404.7150/RS
, Juiz Federal Relator Paulo Paim da Silva, D.E.01.06.2012.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional De Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento ao pedido de uniformização, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de maio de 2012.

PAULO PAIM DA SILVA
Relator

RELATÓRIO
Processo originário 2007.70.50.004276-6/RS (autos eletrônicos)

A 2ª Turma Recursal/RS confirmou sentença em que se reconheceu a prescrição dos valores buscados pela parte autora, que requer diferenças do percentual do adicional por tempo de serviço reconhecidas pela Administração e não pagas.

Os valores são devidos no período de 1996 a 2000 e foram reconhecidos administrativamente em julho de 2003, por Portaria do INSS.

Como a ação foi ajuizada em 25.04.2007 já havia decorrido mais de 2 anos e meio da interrupção da prescrição, nos termos do artigo 9º do Decreto 20.910/1932.

O recorrente invoca paradigma da 1ª Turma Recursal/RS em que se reconheceu que a prescrição é qüinqüenal em casos como o dos autos, porque a contagem na forma do art. 9º do Decreto 20.910/32 somente é de ser feita nos casos de negativa do direito por parte da Administração. Em se tratando de reconhecimento administrativo, contar-se-ia em cinco anos.

O pedido não foi admitido na origem, sendo acolhido em pedido de submissão. O Ministério Público informou não haver interesse público a ensejar manifestação nos autos. É o relatório.

VOTO
O recurso é de ser provido.

A orientação jurisprudencial fixada pelo STJ é no sentido de que a contagem pela metade do prazo prescricional interrompido somente se aplica aos casos de negativa por parte da administração, como se observa: "Consoante inteligência do art. 3º do Decreto 20.910/32, após a negativa da Administração quanto ao direito reclamado, inicia-se a contagem do prazo prescricional qüinqüenal pela metade. No caso, a negativa da Administração ocorreu em 27/7/1995 e a ação foi proposta em 5/8/1997, pelo que não há falar em ocorrência de prescrição". (AgRg no Ag 644.286/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02.06.2005, DJ 22.08.2005 p. 339.

Já no caso de reconhecimento da dívida pela Administração, o ato de reconhecimento é considerado marco interruptivo da prescrição, iniciando-se aí contagem do prazo de cinco anos:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FAM. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DA DÍVIDA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.
1 - A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça consolidou-se na vertente de que o reconhecimento administrativo do débito é capaz de promover a renúncia ou a interrupção do prazo prescricional, sendo este, portanto, o termo inicial a ser levado em consideração para a contagem da prescrição qüinqüenal.
2 - In casu, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu, administrativamente, dívida de valor relativa ao FAM (Fator de Atualização Monetária), utilizado na correção monetária dos vencimentos pagos com atraso no período de 1984 a 1994. Desta feita, considerando como marco inicial a admissão, pela Administração, do direito do autor, não prospera a tese de ocorrência da prescrição.
3 - Agravo interno improvido.
(AgRg no Ag 865.411/SP, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 25.10.2007, DJ 12.11.2007 p. 279)

No caso dos autos houve reconhecimento formal das parcelas devidas em 2003, o que implicou renúncia e interrupção do prazo de prescrição em relação às parcelas indicadas no ato, com início de prazo prescricional de cinco anos. Como a ação foi ajuizada dentro desse prazo, inocorreu prescrição.

Assim, é devido à parte autora o valor reconhecido administrativamente, que deverá ser atualizado de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

O voto é por uniformizar o entendimento de que:
a) o reconhecimento do direito pela Administração Pública implica interrupção da prescrição, que volta a correr pelo prazo de cinco anos em relação ao que for reconhecido;
b) a contagem pela metade, nos termos do artigo 3º do Decreto 20.910/32, somente ocorre nos casos de negativa do direito pela Administração.

Os autos devem ser remetidos à origem, para cumprimento do julgado. Ante o exposto, voto por dar provimento ao pedido de uniformização.

PAULO PAIM DA SILVA
Relator
 
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para melhor estudo da matéria e, finalizada essa análise, meu voto é por acompanhar o relator, ainda que com algumas ressalvas nas premissas adotadas. Explico.

No meu modo de ver, sempre que houver a interrupção da prescrição, o prazo interrompido volta a correr pela metade. Essa é a inteligência do art.3º do Decreto 20.910/32, que não comporta exceções e se aplica indistintamente para casos de negativa ou concessão de direito. Contudo, quando a Administração reconhece um direito há, via de regra, verdadeira renúncia da prescrição já escoada - que teria fulminado o direito do administrado - e daquela em curso. Nesse caso, e aqui acompanho integralmente o relator, o reconhecimento do direito é termo inicial da contagem do prazo qüinqüenal da prescrição. Assim, a renúncia não é marco interruptivo de prescrição, já que esta foi renunciada, mas verdadeiro marco inicial de sua contagem.

No caso em análise, tendo em vista que a Administração reconheceu em 2003 o direito dos servidores a valores devidos entre 1996 e 2000, houve verdadeira renúncia apta a desencadear a contagem qüinqüenal, sendo devido à autora as verbas reconhecidas administrativamente, uma vez que ajuizou a demanda no ano de 2007. Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização.

Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo
Juíza Federal

VOTO DIVERGENTE
Divirjo do relator e do voto vista. Penso que haja aqui uma confusão entre a renúncia à prescrição e interrupção do prazo.
 
De início, assento que se só se há de falar em interrupção de prazo prescricional ainda em curso. O que se interrompe é a contagem do prazo. Tanto que, uma vez interrompido, ele volta a correr (seja integralmente, seja pela metade, a depender da regência jurídica). De qualquer forma, se ele já se consumou, não há interrupção possível. A interrupção é um fenômeno que intervém na contagem do prazo e ele só pode intervir, por óbvio, quando ainda haja o que contar.
 
Por outro lado, a renúncia, por disposição expressa do Código Civil, em seu art. 191, só atinge prescrição já consumada. Portanto, onde há renúncia à prescrição, não pode haver, simultaneamente, interrupção do respectivo prazo, já que os dois fenômenos pressupõem situações de fato (consumação ou curso do prazo) absolutamente inconciliáveis. Um prazo prescricional não pode, ao mesmo tempo, estar consumado e em curso.
 
Com a prescrição, incorpora-se no patrimônio jurídico do devedor o direito de não pagar, já que o crédito se reveste de inexigibilidade. Ora, como todo direito de natureza patrimonial, socorre ao seu titular o direito à renúncia, o direito ao não exercício do direito. Via de regra, a renúncia é expressa. Mas também se a admite tácita. Di-lo, aliás, o próprio Código Civil, no artigo antes mencionado, no estabelecer que "tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição".
 
O caso mais clássico de renúncia tácita à prescrição é o do devedor que, consumada a prescrição, simplesmente paga o débito. Ao pagar débito inexigível, abre mão do direito de não ser cobrado e com isso pratica ato absolutamente incompatível com a prescrição. Não poderia, por isso mesmo, o devedor, satisfeito o débito inexigível, pretender repetir o que pagou, porque com isso estaria contrariando sua própria renúncia, ainda que tácita, materializada no ato de pagar.
 
Mas o ato de reconhecer o débito não equivale ao ato de pagar e não constitui, em absoluto, manifestação incompatível com a prescrição. Quem diz que deve, não diz, necessariamente, que quer ou vai pagar.
 
Além disso, veja-se que o reconhecimento do direito está previsto no próprio Código Civil como causa de interrupção do prazo prescricional (art. 202, VI, do Código Civil). Ora, o mesmo Código Civil não poderia, sob pena de gravíssima contradição, dizer que um fato interrompe um prazo (o que pressupõe que ele ainda esteja em curso) e que ele equivale à renúncia da prescrição (o que pressupõe, por disposição expressa, prazo já encerrado).
 
Portanto, afasto qualquer possibilidade de que se venha a interpretar o ato da administração, consubstanciado no reconhecimento jurídico do direito, como causa, a uma só vez, de interrupção e de renúncia à prescrição. No caso, só resta tê-lo como causa interruptiva, à vista da disposição expressa do art. 202, VI, do Código Civil.
 
Pois bem, se o reconhecimento, em 2003, é causa de interrupção, ele não pode alcançar parcelas que em 2003 já estavam prescritas. A interrupção só aproveitaria parcelas ainda não prescritas em 2003, considerado o qüinqüênio anterior. Portanto, é improcedente o pedido para pagamento de valores anteriores ao qüinqüênio que antecede o marco interruptivo.
 
Quanto às demais parcelas, é preciso considerar que, interrompido o prazo prescricional, em julho de 2003, ele volta a correr pela metade, com mais dois anos e meio. Isso não significa, todavia, prescrição automática de todos os créditos em janeiro de 2006. Isso porque, mesmo correndo pela metade, após a interrupção, o total do prazo (desde o seu termo inicial até o protocolo da ação) não deve jamais ser inferior a cinco anos e pode inclusive atingir sete anos e meio (cinco anos até a interrupção, mais a metade do prazo após o marco interruptivo). A razão é simples: um prazo interrompido não pode jamais, por questões de ordem lógica, ser inferior ao prazo não interrompido. Superior, sim, inferior, não. Agora, o quão superior ele pode ser, em razão da interrupção? Exatamente 50% superior, em razão do curso renovado, pela metade, após o marco interruptivo.
 
Portanto, a solução do caso concreto, a meu ver, passa pela construção de duas premissas: primeira, créditos alcançados pela prescrição qüinqüenal contada retroativamente desde 2003 (marco interruptivo) não podem ser cobrados; segunda premissa: em relação aos os demais créditos, é preciso verificar, para os mais remotos, quais estavam alcançados pelo prazo de sete anos e meio contados até o protocolo da inicial. Como a inicial é de 25.04.2007, estariam prescritas todas as parcelas anteriores a 25.10.99. Meu voto, assim, dá parcial provimento ao incidente, nos termos da fundamentação. Uniformizo o entendimento da Turma, no sentido de que:

Renúncia à prescrição não equivale a interrupção de prazo prescricional; Parcelas anteriores ao qüinqüênio que precede o marco interruptivo são inexigíveis;
Uma vez interrompido o prazo prescricional, ele volta a correr pela metade, sendo que a soma total do prazo prescricional (até o protocolo da inicial), considerada a interrupção, não pode ser inferior aos cinco anos (parâmetro para prazo não interrompido), podendo, todavia, chegar a sete anos e meio, para as parcelas mais remotas não prescritas até o marco interruptivo.

Os autos devem retornar para readequação.
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO INCIDENTE

Leonardo Castanho Mendes
Juiz Federal

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo